segunda-feira, 28 de abril de 2014

[EXCLUSIVO] A rebelião das massas no Brasil- das “diretas já” aos “rolezinhos” a vontade de liberdade e de participação



Por Maria Dolores de Brito Mota


O povo brasileiro nos últimos cinquenta anos tem criado e vivenciado diversas formas de participação em busca de interferência nos rumos sociais e políticos do país. Mas, as elites nacionais modelaram instituições excludentes e autoritárias, impermeáveis a rupturas e à inclusão de outros grupos sociais. Essa modalidade de organização e gestão de estado parece ser a marca singular da república no Brasil, estruturada sobre uma matriz pré existente desde a colônia e o império. É uma matriz institucional caracterizada por uma apropriação privada pelos que exercem o governo, constituindo uma verdadeira contradição histórica: um estado privativo, exclusivo dos que tem acesso aos cargos nos três poderes: executivo, legislativo e judiciário. Isso articula um apartheid político e social que durante séculos vem se mantendo e se reproduzindo, por diferentes fases da história, amparado por aparelhos legais, mas não mais legítimos, separando os que tem direitos (brancos, ricos ou quase isso) dos sem direitos (negros, pobres ou quase isso). 

Nos últimos trinta anos outra mentalidade cívica vem se disseminando entre nós, o povo, os que estamos do lado de cá, nos levando a buscar formas de uma presença efetiva. Mas ainda hoje, o povo nas ruas, o povo se expressando, o povo reivindicando tem sido considerado uma anormalidade, uma ameaça aos governantes. Pois, as elites (políticas, econômicas e midiáticas) não tem uma consciência cívica nacional, não se identificam com o povo, nós, porque o que é bom para eles não é bom para nós e o que é bom pra nós não é bom para eles. Acostumaram a não repartir a cidadania, o poder, os direitos, as oportunidades, o bem estar, a felicidade. Aceitam o que não mexe com o conforto e a segurança do seu domínio, do seu lucro, da sua comodidade, da sua fartura.

Acredito que eles não têm a capacidade de se identificarem com o popular, o que é do povo. Vale lembrar o desastroso artigo de Danuza Leão em que lamenta não poder ser mais única e especial no Brasil afirmando que "ir a Paris e a Nova York perdeu a graça diante do perigo de dar de cara com o porteiro do próprio prédio”. O que para nós é uma maravilha para eles é um contrassenso! Essa é a mentalidade e a posição das elites tupiniquins e seus asseclas mais próximos – uma classe média alta, que se pensa intelectualizada, com acesso a certos privilégios (educação superior, consumo cultural, viagens internacionais...) e que se acha muito. 

Foi contra essa situação que as gerações de 1960-70-80 se ergueram com seus protestos e suas utopias, contra a ditadura militar e suas atrocidades. Era uma geração subversiva, intensamente passional e sonhadora. Uma geração que foi ouvida e incorporada quando parte da elite achou conveniente: nas diretas já, enchendo e embelezando as ruas com suas roupas coloridas, sua vontade de liberdade, deslumbrando com seu canto e suas palavras de ordens. Perversamente manipulada pelos senhores da politica que conchavaram por um colégio eleitoral eleito "nós sabemos como”! 

A geração dos anos 1990, "os caras pintadas”, mais alegre, mais verde e amarelo, acreditando na facilidade de se manifestar sem o peso da Lei de Segurança Nacional, da Polícia Federal (cuja única função era perseguir subversivos) e dos militares. Essa também foi manipulada e escamoteada assim que as elites tiraram o moço "caçador de marajás” que se distanciou do projeto de uma parcela poderosa da mesma elite que o tinha produzido.

Agora, na década de 2010 vimos o ressurgir das mobilizações, que levou muita gente a dizer que "o gigante acordou”, para dizer que o Brasil se levantou de um sono quase eterno... na verdade ele nunca dormiu, porque de diferentes maneiras, seu povo sempre tentou estar acordado. Creio que as décadas anteriores gestaram em nós uma consciência de si, como povo que precisa se tornar uma nação, ter direitos, exercer participação, falar, ser escutado e levado em conta. 

Entre as gerações que atuaram nesse processo de conscientização está também a geração que construiu o PT, resultado de uma ruptura teórica e política com as teorias clássicas de revolução que pregavam como agente histórico o partido de vanguarda e contra o qual concebemos um partido de massas, acreditando na capacidade do povo de dirigir seu próprio destino. Foi um grande debate que ainda não acabou. Porque o PT ao se constituir como partido elegível e ganhar as eleições, ocupou lugares do estado, os postos de gestão, e se tornou refém deles, ou seja, não mudou a lógica que os organiza, não os desconstruiu, não criou canais de uma efetiva democracia participativa e agora vive batendo boca e disputando espaços com as renovadas velhas elites. Assim, ajudou a criar uma consciência crítica e participativa com a qual não consegue lidar e incorporar.

As gerações dos "20 centavos”, dos "rolezinhos”, dos incêndios e depredações, vivem a ambiguidade de serem "o povo que quer inovar” e, ao mesmo , os "vândalos” que querem destruir. Mais uma vez as elites e seus porta - vozes manipulam o povo – criminalizando-o e aproximando do campo criminoso ou exaltando-o como arautos da ética e da cidadania. Fazem isso para retroagir e desqualificar um processo tímido, mas inegável, na direção de uma nacionalização do país, com ampliação de cidadania. 

O PT, experimenta neste contexto, o impasse de não conseguir alinhar-se a um processo do qual participou, mas que já não consegue coadunar porque na posição de gestor do poder governamental optou agir para resguardar o que está aí e perdeu a perspectiva da mudança. 

Enquanto isso, o povo já sabe que pode ser mais do que espectador de uma história, mas sim um agente consciente, autônomo, cuja cidadania não é somente eleger, mas, participar, fazer-se valer. Faltam canais, espaços e acima de tudo a crença e um projeto para todos. Enquanto isso, tanto o crime organizado e as elites tiram vantagens e barbarizam sobre a legítima explosão nas ruas de um povo que quer ser tão somente uma nação – uma comunidade política imaginada e soberana, onde vigore uma base mínima de direitos iguais e justiça para todos/as.

Hoje a minha gente já não anda falando de lado e nem olhando para o chão, mas ainda cantamos os versos de Chico:

"Eu pergunto a você /Onde vai se esconder / Da enorme euforia / Como vai proibir / Quando o galo insistir / Em cantar / Água nova brotando / E a gente se amando / Sem parar” (Apesar de Você, Chico Buarque)


Maria Dolores de Brito Mota é professora Associada da Universidade Federal do Ceará. Instituto de Cultura e Arte


FONTE: Adital

quinta-feira, 24 de abril de 2014

[#CopaPública] Território da Fifa


Agência Pública/Adital


Por Ciro Barros e Giulia Afiun



Cidades-sede restringem comércio ambulante na Copa do
mundo. Na Foto, Recife (Foto: Chico Peixoto/
Leia Já Imagens)
Nas cidades-sede, pressão sobre ambulantes aumenta com regras da FIFA; nas áreas de restrição comercial, só vai vender quem vestir a camisa dos patrocinadores.

"Estamos sendo constantemente ameaçados pela Prefeitura do Recife e tememos que o quadro fique mais grave com a aproximação da Copa do Mundo. Mas nós não vamos recuar um passo.” Assertivo, Severino Souto Alves, presidente do Sintraci (Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comércio Informal do Recife), se exalta ao falar da situação dos trabalhadores ambulantes na capital pernambucana.

Ambulantes protestam pelo direito de vender comidas
e bebidas no entorno dos Estádios em Recife, durante
a Copa do Mundo (Foto: Victor Soares/Leia Já Imagens/
Estadão Conteudo)
Desde outubro de 2013, o Sintraci – criado em dezembro de 2012, para se contrapor aos possíveis impactos negativos da Copa do Mundo – convocou dez manifestações em diversos pontos da Região Metropolitana do Recife; foram seis só nos últimos dois meses. Reivindicam a garantia de permanência de vendedores ambulantes em alguns pontos da cidade (como os bairros da Casa Amarela e da Boa Vista, por exemplo), a construção de shoppings populares, mais diálogo com a administração do prefeito Geraldo Julio (PSB) e a exoneração de João Braga, secretário de Mobilidade e Controle Urbano, órgão responsável por disciplinar o comércio informal em Recife.

Protesto de trabalhadores ambulantes no dia 11 de abril
de 2014, pede saída do Secretário de Mobilidade e
Controle Urbano, João Braga. (Foto: Facebook Sintraci)
"Todas as negociações [com a secretaria] são feitas de forma a restringir o comércio informal”, afirma Severino. Segundo ele, mais de 300 comerciantes já tiveram suas barracas retiradas de vários pontos da cidade e sem realocação alguma.

A chegada da Copa do Mundo acirra a tensão entre trabalhadores ambulantes e as Prefeituras. Um dos pontos críticos é o estabelecimento de áreas de restrição comercial durante os eventos oficiais da FIFA (desde jogos até os congressos da entidade). Desde o dia anterior a qualquer um desses eventos, leis e decretos criados especificamente a Copa do Mundo passam a vigorar nessa áreas.

Trabalhadores ambulantes protestam em Recife
(Foto: Facebook Sintraci)
Criadas para proteger os interesses dos patrocinadores da Copa, as Áreas de Restrição Comercial foram definidas na Lei Geral da Copa (12.663/2012) que atribuiu a regulamentação dessas áreas aos municípios-sede, o que já foi feito em sete sedes: Brasília, Fortaleza, Natal, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.

(Veja os mapas abaixo)

As áreas são delimitadas por linhas imaginárias – não há barreiras físicas – e governadas pelas regras da FIFA, em alguns casos, revogando as leis municipais sobre comércio (incluído o ambulante), promoções e publicidade. O objetivo é dar à FIFA o direito de conduzir essas atividades nas áreas de grande concentração de torcedores – e de exposição na televisão -, garantindo aos seus patrocinadores exclusividade comercial e publicitária.

Na capital pernambucana, além do entorno da Arena Pernambuco, que fica no município de São Lourenço da Mata, uma série de ruas e avenidas como as da Boa Viagem, Conselheiro Aguiar e Domingos Ferreira (na orla da Praia de Boa Viagem) e um bairro inteiro – chamado Bairro do Recife – foram incluídos na área de restrição pelo decreto municipal 27.157/2013, sancionado pelo prefeito Geraldo Julio a dez dias do início da Copa das Confederações, no ano passado. Em seu artigo 6o, o decreto determina: "Não será autorizado qualquer tipo de comércio de rua na Área de Restrição Comercial nos dias de Evento e em suas respectivas vésperas, salvo se contar com a prévia e expressa manifestação positiva da FIFA.” Brasília e Fortaleza têm artigos idênticos em seus respectivos decretos.

"É preocupante, porque são áreas onde o comércio ambulante atua sempre aqui no Recife”, diz Severino. Em nota publicada em 8 de abril passado, a Prefeitura afirmou que recebeu o sindicato 38 vezes desde janeiro de 2013 para conversar e que vem tocando negociações em pontos reivindicados pelos ambulantes.

FALTA DE DIÁLOGO E INDEFINIÇÃO

Em Fortaleza, o vice-diretor da Aprovace (Associação Profissional do Comércio de Vendedores Ambulantes do Estado do Ceará), Guilherme Caminha, reclama da falta de diálogo. "Estamos tentando sentar para conversar desde o início do ano com a Prefeitura para saber como vão funcionar as coisas na Copa do Mundo e não temos respostas”, afirma. "A área do [estádio] Castelão e o centro da cidade são importantes para a gente e esperamos que haja diálogo para podermos atuar por ali. Até agora as únicas informações que eu tenho são as que você me conta”, ele disse ao nosso repórter.

Segundo dados da ONG Streetnet, cerca de 52 mil vendedores informais trabalham na capital cearense. Para a Copa das Confederações, em 2013, foram oferecidas aos ambulantes 250 vagas no entorno do Castelão e no Polo Urbanizado da Lagoa de Messejana. "No fim deste mês vencem as permissões que nós temos para trabalhar lá e nós não sabemos o que vai acontecer. Até agora a prefeitura só apreendeu nossas mercadorias. Só vejo eles perseguindo os ambulantes, mas não ofereceram espaço nenhum para a gente”, afirma Caminha.

Já em Belo Horizonte, as barracas que desde os anos 1960 vendiam feijão tropeiro e outras comidas típicas no entorno do Mineirão foram retiradas em 2010, quando começou a reforma do estádio para a Copa do Mundo. Há quatro anos os barraqueiros não têm trabalho garantido (Leia a história completa aqui).

"Para nós, a Copa foi acompanhada de desemprego e falta de renda”, desabafa Selma Salvino da Silva, presidente da Abaem – Associação dos Barraqueiros da Área Externa do Mineirão -, que também representa outros trabalhadores ambulantes da cidade. Ela conta que, durante a Copa das Confederações, quem decidia trabalhar nos arredores do estádio tinha que fazê-lo ilegalmente, correndo o risco de ter mercadorias apreendidas pela fiscalização. Além disso, a polícia bloqueou a entrada para a Avenida Antônio Abrahão Caran, principal via de acesso ao Mineirão, o que manteve os ambulantes a pelo menos 1 km de distância do estádio.

No dia 9 de julho de 2013, logo após as manifestações que marcaram o país, o governador Antonio Anastasia se reuniu com militantes no Palácio da Liberdade e fez promessas aos ambulantes: "Estamos falando de trabalhadores e familiares. Vou me esforçar para resolver a situação deles o quanto antes. Vamos quebrar a cabeça pra isso”.

"Tem sempre muita luta e muita reunião”, diz Selma, apontando a falta de resultados efetivos apesar das inúmeras audiências que a Abaem teve com assessores do governo do estado, Ministério Público, Secretaria municipal da Copa, BH Trans (Empresa de Transporte e Trânsito de BH), Defensoria Pública e Polícia Militar, entre outras entidades. A última reunião foi no dia 19 de março e as negociações seguem em andamento.

Na Copa do Mundo, os ambulantes querem autorização para vender no entorno do estádio ou pelo menos nas áreas de fan fests (eventos oficiais de exibição pública dos jogos nas cidades-sede). "A gente espera uma negociação pacífica e uma resposta dos órgãos competentes. Quando a gente perceber que não vai ter negociação nem articulação, aí vamos fazer uma ocupação”, alerta Selma.

Até agora não se sabe nem exatamente qual será a área de restrição comercial em Belo Horizonte. Em dezembro de 2013, seis meses depois da Copa das Confederações, Belo Horizonte aprovou a Lei nº 10.689, estabelecendo que o comércio de rua nas imediações e principais vias de acesso ao estádio seguirá as determinações da Fifa em acordo com a prefeitura, não sendo aplicáveis as normas municipais sobre o assunto. Mas não definiu o perímetro das áreas de restrição, o que terá que ser feito por meio de um decreto. Questionada sobre a demora em definir as áreas de restrição comercial e sobre seu posicionamento em relação aos ambulantes, a Secretaria da Copa de Belo Horizonte não respondeu até o fechamento da reportagem.

A SERVIÇO DOS PATROCINADORES

O Fórum dos Ambulantes de São Paulo, que reúne membros de sindicatos, associações e coletivos ligados aos trabalhadores ambulantes, atua desde 2011 em conjunto com o Comitê Popular da Copa de São Paulo para garantir os direitos dos trabalhadores ambulantes na capital paulista. Em junho de 2012, com assistência jurídica do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, o Fórum conseguiu uma liminar revogando as cassações de Termos de Permissão de Uso (TPUs) feitas pelo prefeito Gilberto Kassab (PSD) naquele ano. Na decisão da juíza Carmen Oliveira, da 5ª Vara da Fazenda Pública, aparece o número de licenças cassadas: 4 mil.

Elisangela Soares de Melo vende água helado y  gaseosa
a los obreros del Itaquerão , en São Paulo y pretende
trabajar durante los juegos de la Copa (Foto:
Joseh Silva/Agência Pública) 
A liminar foi derrubada pela Prefeitura ainda em 2012, mas os ambulantes conseguiram restabelecê-la no Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Em 16 de maio de 2013, uma audiência pública definiu que o processo seria suspenso por 180 dias para a elaboração de um plano municipal para o comércio ambulante. Com esse objetivo, foi criado, em setembro, o Grupo de Trabalho dos Ambulantes, composto por representantes dos ambulantes, da sociedade civil e do poder público, e coordenado pela Secretaria de Coordenação das Subprefeituras.

Esse plano ainda não foi lançado, mas o Grupo de Trabalho dos Ambulantes tem funcionado como espaço de articulação de um acordo entre SP Copa (Secretaria Municipal da Copa), FIFA, Secretaria de Coordenação das Subprefeituras e Fórum dos Ambulantes para garantir trabalho aos ambulantes durante a Copa do Mundo. ”Estamos negociando para que os ambulantes vendam produtos das empresas patrocinadoras da Copa no entorno do estádio, na fan fest e nos outros cinco eventos de exibição pública”, diz André Cintra, assessor de imprensa da SP Copa.

Porém,o decreto nº 55.010, publicado na quinta-feira passada, afirma apenas que a FIFA possui o direito sobre o comércio de rua nas áreas de restrição comercial nos dias de eventos oficiais e nas vésperas, sem detalhar como isso vai acontecer.

"Vai ter ambulante na Copa. Isso está fechado. É uma coisa boa para o ambulante, boa para quem está nas ruas. Para a Ambev e para a Coca-Cola, o que importa é vender a latinha, então quanto mais ambulantes houver, melhor”, afirma Cintra. Segundo ele, o número de ambulantes que poderão atuar nesse esquema e a logística ainda estão sendo discutidos pelo Grupo de Trabalho, mas deve ficar em torno de 400 postos de trabalho.

Esse esquema conta com as benção da FIFA, que declarou: "Em 2013, por meio de uma iniciativa inédita, a FIFA e COL autorizaram que quatro Sedes da Copa das Confederações da FIFA Brasil 2013, em conjunto com os patrocinadores oficiais, implementassem um projeto com ambulantes, que foram previamente selecionados, treinados e devidamente credenciados para atuação nas imediações dos estádios nos dias dos jogos. Para a Competição em 2014, a FIFA e COL, juntamente com outros atores relevantes, têm estimulado as autoridades locais e patrocinadores oficiais da Copa do Mundo da FIFA 2014™ a desenvolver e implementar projeto semelhante. É importante notar que, mesmo que seja conduzido um programa de qualificação para os vendedores do setor informal pelas autoridades locais, a atuação dependerá de autorização prévia e deverá ser fiscalizada nos dias dos jogos, a fim de garantir o mínimo impacto para as operações e, sobretudo, proteger aqueles que consumirão os produtos em questão.”

NA BOCA DO ITAQUERÃO

Ainda em obras no dia 3 de abril de 2014, entorno do
Itaquerão, em SP, terá apenas ambulantes autorizados
pela FIFA. (Foto: Joseh Silva/Agência Pública)
O assessor de imprensa da SP Copa também reconheceu as limitações da comunicação da prefeitura com os vendedores que estão hoje no entorno do estádio do Corinthians, o Itaquerão. Ali, os ambulantes trabalham em meio aos canteiros de obras sonhando com as oportunidades oferecidas pela Copa do Mundo ao mesmo tempo que convivem com a total falta de informação, como apurou a reportagem da Pública em visita à Arena Corinthians no dia 3 de abril. "O pessoal tá querendo montar um negocinho aqui, arrumar um cantinho para vender. Só que perto não vai poder ficar”, diz Elisângela Soares de Melo, que há duas semanas vende água, refrigerante e sorvete para os operários e visitantes do Itaquerão.

Itaquerão, São Paulo, 3 de abril de 2014: os ambulantes
que vendem para operários - nos inúmeros canteiros
de Obra em volta do Estádio - não sabem se vão
poder trabalhar durante os jogos da Copa.
"No começo do ano, fomos na prefeitura pedir uma licença para trabalhar aqui, mas eles disseram que ninguém ia ficar na frente do estádio porque lá dentro vai ter um shopping que vai atender às necessidades dos torcedores”, relata Josi dos Santos, que trabalha lá há três meses. "Se ninguém se opuser, estaremos aqui. Mas a gente não sabe o que vai acontecer”, resume Valéria Nogueira, ambulante no local há um ano.

‘A FIFA TEM PODER DE MUNICÍPIO’

"Uma vez que as atividades não autorizadas concentram-se, invariavelmente, no entorno dos estádios e outros Locais Oficiais de Competição, focando no grande número de torcedores que transitam em tais regiões, as Áreas de Restrição Comercial tornam-se, operacionalmente, essenciais para a organização da Copa do Mundo da FIFA”, afirma o departamento de imprensa da entidade, alegando que os ambulantes podem "atrapalhar o fluxo de pessoas e de carros na chegada aos jogos, além de trazer problemas para as equipes de segurança”.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (SP), Martim de Almeida Sampaio, que fez um estudo sobre a Lei Geral da Copa, critica o que considera a criação de tipos penais inexistentes para garantir os privilégios da FIFA e de seus patrocinadores. "Há três crimes novos nessa legislação: proteção à marca FIFA, marketing de emboscada por associação e [marketing de emboscada] por intrusão. Eu pesquisei: pelo Direito Comparado não existem essas três figuras penais nos principais sistemas legais”, afirma. O marketing de emboscada por associação é quando alguém divulga marcas, produtos ou serviços e os associa aos eventos ou símbolos oficiais da FIFA, sem a autorização dela. Já o marketing de intrusão ocorre quando alguém faz uma promoção de produtos, marcas e serviços nos locais de competição, sem se associar ao evento, mas chamando a atenção do público. Os crimes estão definidos nos artigos 32 e 33 da Lei Geral da Copa e têm penas previstas de três meses a um ano de detenção.

"O Direito Penal é um campo do Direito cujo objeto tutelado é a sociedade. Por exemplo, existe uma lei que diz que matar é crime. Isso está protegendo quem? Alguma pessoa específica? Não, está protegendo a sociedade. A Lei Geral da Copa é um caso de Direito Penal de autor. Não se está protegendo a sociedade, mas se está protegendo as marcas da FIFA”, argumenta.

"Essa lei declara um autêntico estado de sítio. A soberania nacional foi posta de lado. A Constituição Federal declara a nossa liberdade comercial e a Lei Geral da Copa delimita áreas onde a FIFA é responsável por determinar quem [pode comercializar] e o que pode ser comercializado”, critica o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB. Sobre os ambulantes, diz: "a FIFA agora assume a postura de legislador municipal e tem o poder de proibir inclusive os vendedores ambulantes que estão devidamente regularizados”.

"Transferir para a FIFA o papel de gestão de um espaço urbano dentro da cidade é muito grave”, reitera Orlando Santos Jr., sociólogo doutor em Planejamento Urbano e pesquisador do Observatório das Metrópoles. "Quem legitimou essa autoridade para que a FIFA possa regular o espaço público de uma parte da cidade? Há também um impacto sobre o direito dos cidadãos de se apropriarem da cidade na qual vivem. Eu estou com o meu direito cerceado por uma lei de exceção que não me permite a apropriação desse espaço durante um certo período. Cria-se um precedente do ponto de vista de subordinar a gestão do espaço público a interesses privados”, diz Orlando.

Sobre os ambulantes, é taxativo: "As medidas de restrição ao comércio ambulante sinalizam como uma restrição ao próprio direito ao trabalho, garantido pela Constituição. Está se criando uma restrição específica a certo grupo social, portanto, a meu ver, restringindo seu direito ao trabalho”, diz Santos Jr.

O coordenador do programa de justiça da ONG Conectas, Rafael Custódio, tem a mesma percepção: "Uma coisa é a FIFA querer regular as áreas onde o evento acontecerá, outra coisa é querer regular o espaço público do entorno. Regulamentar dessa maneira o entorno dos estádios é absolutamente ilegal e abusivo. O interesse de uma entidade privada se sobrepõe a uma série de direitos fundamentais e sobretudo ao interesse público”, afirma.

Expulsos do Mineirão há quatro anos, os barraqueiros
exigem volta ao Estádio antes da Copa (Foto: Agência
Pública)
A FIFA afirmou por meio de nota que "as áreas de restrição não são uma medida inédita ou exclusiva da Copa do Mundo da FIFA™ ou da Copa das Confederações da FIFA. É usual que eventos de grandes proporções (e não apenas esportivos) contem com áreas nas quais determinadas atividades comerciais não são permitidas. Trata-se de medida lógica e necessária para a preservação da ordem e da legalidade em um evento que atrairá milhões de pessoas”.

Veja os mapas das cidades-sede com as Áreas de Restrição Comercial definidas:



FONTE: Adital

sábado, 19 de abril de 2014

O especialista diante da “complexidade” do mundo (3)


                         "O especialista é um homem que sabe cada vez mais sobre cada vez menos, e por fim acaba sabendo tudo sobre nada." - George B. Shaw 



Por Aluizio Moreira


É evidente que o ensino superior deve se voltar para a formação daquele que irá, ao concluir a graduação, se dedicar a uma atividade profissional. No entanto há alguns problemas que surgem desta prática do professor em sala de aula, que se preocupa unicamente com a formação do profissional, do especialista. A questão se complica, quando o professor, sendo ele mesmo um especialista, não percebe, não entende, não conhece nada para além da sua limitada especialidade. 

O trabalho científico que o profissional irá exercer, está na razão direta não só das necessidades condicionadas pelo grau de desenvolvimento da sociedade, como na expectativa da criação de novas condições econômicas e sociais que destruam os obstáculos impostos à satisfação das necessidades coletivas. Só que geralmente nos cursos de graduação, o aluno não é levado a refletir sobre sua área de conhecimento, nem sobre os condicionantes sociais e políticos de sua atuação como profissional. Não existe a preocupação, por parte dos professores, com algumas exceções, de provocar uma reflexão teórica, crítica, sobre a atividade que o educando irá futuramente exercer na sociedade. O que existe é uma grande dissociação entre o que se ensina e a realidade objetiva. Esta é ignorada, ou quando muito, apresentada sem problemas a discutir, nem interrogações à espera de respostas.

Embora exista entre os docentes até quem defenda que é de fundamental importância formarmos não apenas especialistas, mas ao mesmo tempo profissionais portadores de uma cultura geral, de um conhecimento mais amplo, e que as diretrizes curriculares elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação apontem na mesma direção, na prática isso não acontece sempre ou é desvirtuado. 

Não se trata de dar uma “pincelada” de cultura geral, incluindo na grade curricular algumas poucas disciplinas como antropologia, filosofia, sociologia, num universo em que a grande maioria das disciplinas continua sendo disciplinas específicas, profissionalizantes. Ou seja, no fundo, continuamos tentando formar apenas especialistas, que perdem a noção, a dimensão do todo. Ou então, no caso inverso do especialista, mas de igual modo um despropósito, considera-se o professor polivalente, com condições de assumir em qualquer semestre letivo, por qualquer motivo, disciplinas tão diferentes como Ciência Politica, Economia, História, Estrutura Empresarial e Metodologia da Pesquisa. E o pior é que algumas diretorias de Faculdades consideram esta pratica, erroneamente, como inter-transdisciplinaridade. Para infelicidade dos futuros profissionais.

Não raramente, pesquisadores, homens de ciência, aplicam com maestria e competência, os últimos resultados alcançados pela Matemática, pela Biologia, pela Física, pela Sociologia, pelo Direito, pela Administração, etc. e pelas suas mais minuciosas e atomizadas especialidades, mas ignoram as circunstâncias em que o conhecimento científico as produziu, a teoria que as fundamentou, e muito menos a serviço de quem esses avanços se constituíram, e quais as classes sociais que serão por elas beneficiadas. Ou não.

Nas palavras de Botinha (2011), Diretor do Grupo Selpe Recursos Humanos, no artigo “O valor de um profissional bem qualificado”, 

. . .essa qualificação exigida não é apenas ter no diploma cursos reconhecidos por renomadas instituições, inglês fluente e ampla experiência. Além dessa capacitação necessária, manter-se atualizado também é essencial para um bom profissional. E é preciso considerar que o mercado de trabalho está em busca de profissionais multidisciplinares, com visão ampla do mundo e bagagem cultura.

No mesmo sentido comenta Chiavenato (1), um dos mais repeitados autores na área de Administração de Empresas e Recursos Humanos, no pronunciamento sobre “Estrategistas versus Especialistas”, quando afirma, com outras palavras, que “não se precisa mais de especialistas precisa-se de estrategistas, pessoas que saibam pensar.[. . .] A diferença entre estrategista e especialista, é que o estrategista não vê as ruas somente, vê as cidades com as ruas junto, não vê apenas as árvores, vê a floresta inteira”.

Para nós, o ensino superior não deve orientar/formar o futuro profissional nas limitações do aprender fazer, mas fundamentalmente aprender a pensar, criar condições para que o futuro profissional não seja um mero repetidor dos pensamentos dos outros, nem tampouco um simples executor, que mecanicamente seja capaz de montar uma engrenagem qualquer.

Se a ciência não avança pela espontaneidade, nem pela inspiração, o homem não existe no vazio, desvinculado da natureza e da sociedade. A ausência de uma reflexão crítica que implique necessariamente no não entendimento do mundo, impede-o de ultrapassar os particularismos para atingir o universal. Torna-se prisioneiro do reducionismo, perde a visão da totalidade e de si mesmo como parte dessa totalidade.

O homem como “um ser no mundo e com o mundo”, deve saber refletir criticamente sobre a realidade histórica na qual está inserido e na qual deverá exercer sua profissão, o que implica em praticar o conhecimento como compreensão do mundo, pressuposto para sua transformação (Cf. LUCKESI et al. 1991, p. 47-59).

Na verdade o que prepondera no ensino superior é uma visão compartimentada das coisas. Tudo colabora para que se perca a visão da totalidade do mundo e da sociedade, como se fosse possível não estar no mundo nem na sociedade, ou seja, em nenhum lugar. É como se nem um nem outro existisse. Procura-se a todo custo mostrar que a totalidade é uma criação da mente, que a única coisa real é a parte. Mas as partes não existem sem o todo. Ou seja, uma das condições da existência das partes, é ser parte de um todo. Senão não seriam partes.

Essa questão de ver as coisas compartimentadas, atomizadas, é fruto de toda uma concepção do mundo que herdamos culturalmente e que a escola reforçará. Não somos conduzidos/despertados para ver as coisas de forma sistêmica, interativa, numa multiplicidade de ações recíprocas e em constante movimento e transformação. Não fomos orientados no sentido de entendermos os objetos e fenômenos nas suas diversidades e contradições, que formam uma unidade apesar das diversidades e contradições.

Edgar Morin, no livro “A cabeça-feita”, já na sua 18ª edição brasileira,  analisando a situação da educação na França, comenta que na escola, na universidade é comum docentes e discentes tratarem as disciplinas como campos estanques, sem muita ou nenhuma ligação uma com as outras. Para ele, no entanto, o caráter multidimensional, nos permite hoje admitir que, sem desconhecermos as suas particularidades, há uma convergência de objetos do conhecimento que os aproximam, constituindo um todo articulado: Geografia, História, Economia, Sociologia, Direito, Ecologia, Antropologia, Cosmologia, Psicologia. (MORIN, 2010, passim).

Considera, não muito diferentemente do que constatamos, que os maiores problemas que se enfrenta no ensino é a hiperespecialização e o acúmulo meramente quantitativo de informações.

A “hiperespecialização” é considerada como um verdadeiro obstáculo ao claro entendimento dos fatos e fenômenos, pois não permite que se tenha uma visão global das coisas, na medida em que prevalece os particularismos, a fragmentação das realidades e dos problemas.

Essa forma compartimentada de tratar os fatos e fenômenos

atrofia as possibilidades de compreensão e de reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento  corretivo ou de uma visão a longo prazo. Sua insuficiência  para tratar nossos problemas mais graves constitui um do mais graves problemas que enfrentamos.  (MORIN, 2010,14)

Decorrente dessa “hiperespecialização”, e como parte dela, privilegia-se a mentalidade reducionista em que o saber se limita ao saber especializado, contraponto do saber globalizante, tornando o individuo incapaz de relacionar a parte ao todo, ou de apenas considerar as partes. Citando Pascal:

Sendo todas as coisas causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todas elas mantidas por um elo natural e insensível, que interliga as mais distantes e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, assim como conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes. (PASCAL apud  MORIN, 2010, p. 25). 
Outro comportamento muito vulgarizado nas escolas e nos cursos superiores, e igualmente criticado por Morin, é a prática da acumulação de informações, do conhecer, ou seja, “a cabeça cheia”, sem qualquer método que organize, que sistematize o pensamento, sem quaisquer reflexões críticas.

Evidente que a função da educação, do ensino, não é transformar o estudante num depositário de dados e informações dispostos para serem utilizados a qualquer momento como arquivo à espera de ser acionado. 

É fundamental que a construção do saber se constitua na resolução de problemas, no desenvolvimento da reflexão crítica, na reorganização do pensamento, diante das ideias, das teorias, da critica, dos discursos já elaborados por terceiros. 

Para Severino no que refere à educação universitária, há outro aspecto que raramente  é enfrentado  pela comunidade acadêmica. Diz o autor:

A educação universitária tem um outro objetivo, tão relevante quanto o da formação cientifica: é o objetivo da formação política da juventude. Com efeito cabe a ela desenvolver a formação política, mediante uma conscientização crítica dos aspectos políticos, econômicos e sociais da realidade histórica em que ela se encontra inserida. A educação superior brasileira enfrenta esta questão fundamental: formar politicamente uma juventude pela criação de uma nova consciência social capaz de mobilizá-la, não só para uma atuação concreta e uma participação política no processo histórico real, mas também para um compromisso mais radical de se construir um novo modelo de civilização humana para o Brasil. (SEVERINO, 1996, p. 17)

Com certeza algum leitor paladino da neutralidade do cientista, irá se contrapor a essa afirmativa, alegando que não temos que “misturar” conhecimento científico com política (2). Mas o cientista é também cidadão. E como tal, deve ter uma consciência clara dos problemas enfrentados pela sociedade, que o atinge não só como cidadão, mas como homem de ciência e como trabalhador.

Não é outra a conclusão de Pinto (1985, p. 535):

A consciência do pesquisador científico alcança o mais alto nível da sua percepção de si ao fazer-se deliberadamente uma consciência política. Para essa finalidade não lhe basta contribuir com as descobertas que arranca do seio da natureza, e que irão beneficiar o homem; é preciso que contribua igualmente, pelos meios políticos que estejam ao seu dispor ou que invente, para humanizar a sociedade, participando da luta pela solução dos seus problemas, pela supressão das contradições sanáveis, as que opõem os homens uns contra os outros.

Como cidadão, o homem de ciência “não pode nem prescindir ou desinteressar-se da sociedade nem aceitá-la passivamente tal qual existe ao seu redor, com os conflitos, imperfeições e injustiças que nela se encontram [pois] “dado o papel mediador representado pela sociedade, e a função de que está incumbido pela comunidade, tem por objetivo mediato a transformação da sociedade e a humanização da existência” (ibid., p. 534).

Para os autores de “Fazer universidade: uma proposta metodológica”,

A universidade que não toma a si esta tarefa de refletir criticamente e de maneira continuada sobre o momento histórico em que ela vive, sobre o projeto de sua comunidade, não está realizando sua essência, sua característica que a especifica como tal crítica. Isto nos quer dizer que a universidade é, por excelência, razão concretizada, inteligência institucionalizada, daí ser, por natureza, crítica, porque a razão é eminentemente crítica.” (LUCKESI et al. 1991, p.41)

Mas o que fazemos nós, professores universitários, para colaborarmos com o desenvolvimento da consciência crítica dos nossos educandos, futuros profissionais?

Com algumas exceções, na medida em que nos limitamos a apenas transmitir conhecimentos como se isso fosse o essencial no processo ensino-aprendizagem, falhamos enquanto educadores, sobretudo porque não contribuímos para desenvolver nos nossos alunos, a capacidade de pensar. Na verdade transmitimos

um mundo já pensado, já interpretado, pronto para uso e consumo: história interpretada, sociedade organizada, normas estabelecidas de moral, leis de direitos codificados, religiões estruturadas, classificação e virtudes dos alimentos especificados para cada idade, regulamentos para dirigir carro, programas escolares, tudo pronto. Mas a geração de hoje não pode resignar-se a um conhecer o mundo de segunda mão, não pode julgar-se dispensada de pensar naquilo que já pensaram por ela e definiram sem consultá-la. (RUIZ, 2006, p. 90-91) 

Ou seja, não abrimos espaços para que nossos estudantes rediscutam a história, repensem a sociedade, reinterpretem a moral, reavaliem as leis. . . apenas lhes reincorporamos nossos saberes como verdades eternas e indiscutíveis.


Notas:

1)Trecho da entrevista de Idalberto Chiavenato à TVBV, Santa Catarina, afiliada da Rede Bandeirantes de Televisão. Com o titulo “Estrategistas versus Especialistas”, o trecho foi disponibilizado pelo You Tube no vídeo http://youtu.be/jxI0jideGBs  

2)Para reforçar a importância da política, mesmo para o homem comum, é aconselhável, para quem ainda não conhece, ler “O analfabeto político” do poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht, forçado a exilar-se em diversos países para livrar-se da perseguição nazista.



                                                      REFERENCIAS

BOTINHA, Hegel. O valor de um profissional bem qualificado. Publicado em 23 de agosto de 2011 no site da Revista eletrônica Administradores. com. Disponível em <http://www.administradores.com.br/informe-se/carreira-e-rh/o-valor-de-um-profissional-bem-qualificado/47380> Acesso em 18 jun. 2012.

LUCKESI, Cipriano et al. Fazer universidade: uma proposta metodológica. 6.ed., São Paulo: Cortez, 1991.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento.Tradução: Eloá Jacobina, 18.ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

PINTO, Álvaro Vieira. Ciência e existência: problemas filosóficos da pesquisa científica. 3.ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

RUIZ, João Álvaro. Metodologia cientifica: guia para eficiência nos estudos. 6.ed., São Paulo: Atlas, 2006.

SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 20.ed., São Paulo: Cortez, 1996.

Leia "O especialista diante da complexidade do mundo 2

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Alerta: Brasil ainda não dispõe de uma lei geral contra o tráfico de pessoas


Por Natasha Pitts


O Brasil ainda não tem uma lei geral de enfrentamento ao tráfico de pessoas, embora tenha ratificado, em 2005, o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, conhecido como ‘Protocolo de Palermo’. Em 2006, foi criado um plano nacional de enfrentamento, aprovado por Decreto do Poder Executivo, no entanto, não é uma política de Estado, podendo ser revogado a qualquer momento. Além disso, o decreto não compromete os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, estados e municípios, cuja participação se sujeita à adesão espontânea.

Esse é um dos alertas do Relatório Alternativo da Sociedade Civil, enviado esta semana ao Comitê das Nações Unidas da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação à Mulher (CEDAW) para subsidiar a análise da ONU sobre as ações do governo brasileiro em relação ao tráfico de mulheres e também à saúde da mulher. O alerta é feito no marco do Dia Mundial da Saúde, 07 de abril.

O Relatório Alternativo é uma contribuição ao Comitê CEDAW para a análise do Relatório do governo brasileiro realizada durante a 57ª Sessão do Comitê, realizada em Genebra, em fevereiro de 2014. O documento foi elaborado por um Consórcio de 13 redes e organizações de mulheres e entidades feministas que atuam pela implementação da Convenção no Brasil, no projeto denominado "Monitoramento à Cedaw – Ação Permanente do Movimento de Mulheres” (2013/2014).

No período de realização do documento (2013), observou-se o acirramento de um quadro preocupante no Brasil quanto à garantia dos direitos humanos das mulheres, em especial devido à atuação de grupos conservadores no Congresso Nacional. Nessa instância, é recorrente o retrocesso no debate do aborto, evidenciado na tentativa de criar uma Comissão Parlamentar para investigar a atuação de organizações feministas pela legalização da prática. A proposta de alterar o Código Penal no tocante à descriminalização do aborto, em até 12 semanas de gestação, recebeu parecer contrário do senador relator, o que permite ações criminais contra mulheres que abortam. Ademais, tramita em comissões da Câmara dos Deputados a proposta de criação do Estatuto do Nascituro, aguardando apenas votação em plenário. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal acrescentou o aborto de fetos anencéfalos no rol dos permissivos legais.

Na questão da violência, a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Violência contra as Mulheres considerou os esforços governamentais insuficientes para impedir a morte de mulheres por seus parceiros, destacando a omissão do Judiciário na implementação da Lei Maria da Penha. A Lei sobre violência sexual, sancionada em julho de 2013 pela presidenta, sofreu pressões contrárias de setores religiosos.

O avanço da epidemia da Aids entre mulheres e a persistência de elevados índices de mortalidade materna, denotam o abandono da perspectiva de atenção integral à saúde feminina, penalizando afrodescendentes, indígenas, pessoas fronteiriças e as mais pobres de um modo geral.

As pautas do Tráfico de Mulheres e Meninas e Exploração Sexual de Meninas ainda não constituem uma política de Estado, que exija o comprometimento de gestores públicos, a capacitação de profissionais em políticas públicas, sensibilização e informação a toda sociedade brasileira, visando à sua erradicação. Sem medidas planejadas em longo prazo, financiadas, monitoradas e avaliadas, as mulheres e meninas brasileiras continuam sem a garantia de seus direitos humanos. Às vésperas da Copa do Mundo de Futebol de 2014 preocupa o agravamento da violência e da exploração sexual de meninas, adolescentes e mulheres jovens.

Os dois relatórios (do governo e das entidades da sociedade civil) apresentados à ONU estão disponíveis no site do Monitoramento da CEDAW.


FONTE: Adital

terça-feira, 8 de abril de 2014

Nova Educação: que papel terá o professor?

Professor-Designer-de-Curriculo
Ele nunca reassumirá condição de fonte do saber. Fará algo muito mais refinado: identificar
potencialidades dos alunos e orientar sua pesquisa
Por Vagner Alencar, no Porvir

O termo é desconhecido no Brasil, mas é bom você já ir se familiarizando com ele. O professor tradicional – esse com o qual estudamos anos e que conhecemos hoje – vem gradativamente se transformando no que em algumas escolas por aqui, mas mais intensamente nos Estados Unidos, chamam de designer de currículo. A principal função desse “novo” profissional está a de desenvolver currículos e projetos interdisciplinares, integrando às novas tecnologias. “O professor designer de currículo é a expressão maior e mais completa do mestre contemporâneo. Vai além de ministrar o conteúdo estrito senso, mas é também responsável por preparar o educando para o hábito de aprender a aprender, desenvolvendo habilidades de aprendizagem que são consideradas imprescindíveis aos profissionais e cidadãos em um mundo centrado na inovação”, afirma Ronaldo Mota, ex-secretário Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e atualmente professor visitante do Instituto de Educação da Universidade de Londres.
Esses profissionais tanto podem se dedicar exclusivamente ao design de currículo quanto podem ser professores que intercalam essa função com sua prática de sala de aula. De acordo com Mota, eles poderão, por exemplo, criar portais interativos para abrigar suas videoaulas e outros recursos multimídia ou ainda estimular os estudantes para que criem seus próprios blogs. Os portais poderão servir como ambientes – além da sala de aula – para relação permanente entre o educador e os educandos, bem como os educandos entre si.
Mota, que também foi Secretário Nacional de Educação Superior, aponta como outra nova demanda desses designers de currículo a criação de Moocs (Massive Open On-line Course, cursos on-line gratuitos e em grande escala) . “Isso vai ser uma enorme revolução, uma vez que o professor tradicional gradativamente se transformará no designer educacional, que vai precisar dominar a tecnologia para produzir essas aulas”, afirma.
Mas nem tudo é tecnologia. Em escolas onde o modelo vigente inclui aprendizado baseado por projeto, por exemplo, esse profissional cria aulas que envolvem ações transdisciplinares. Na norte-americana High Tech High, que desenvolve esse modelo de ensino, os docentes se reúnem diariamente para discutir como um determinado conteúdo pode se tornar um projeto que envolva a sua disciplina e as dos demais docentes. Um dos pilares da instituição é exatamente ter o professor como um designer, função que empodera o educador e lhe dá a responsabilidade de ser o guia de sua classe.
Na instituição, as aulas são estruturadas em blocos mais longos – ao contrário dos tradicionais tempos de 50 minutos – com o intuito de integrar o currículo, unificando as matérias e facilitando o aprendizado dos estudantes. Física e matemática são ensinadas juntas, assim como história, filosofia e língua inglesa são aglomeradas em única disciplina: humanidades. “Acreditamos na integração do currículo. Em vez de ir a uma aula de história e uma de inglês, o aluno tem um professor de humanidades. A escola tem um time de professores trabalhando para criar projetos juntos. Existe um aluno que aprende colaborativamente, com tutores virtuais, sozinhos, com material impresso ou não. Nós damos a ele a oportunidade de estudar em cada uma dessas modalidades, de acordo com o que cada um precisa”, afirmou Melissa Agudelo durante o Transformar 2013.
Assim como na High Tech High, a rede Summit Public Schools – grupo de escolas californianas que está ajudando jovens de famílias pobres a ingressar na universidade – usa momentos sistemáticos de encontros entre docentes para fazer o design de seu currículo. Nas escolas, os professores desenvolvem projetos de aprendizado interdisciplinares, que normalmente associam as disciplinas curriculares ao cotidiano dos estudantes, para que façam sentido ao que estão aprendendo, com o objetivo de fazê-los pensar criticamente, além de desenvolver suas habilidades cognitivas.
A rede também está construindo sua própria plataforma de aprendizado on-line e são os professores os responsáveis por inserir conteúdos nesse ambiente virtual. A partir do próximo semestre, as escolas Summit vão adotar o modelo de blended learning – conhecido também como ensino híbrido – o que irá ajudar os designers de currículo a trabalharem mais integradamente, já que precisarão se elaborar juntos os conteúdos baseados tanto em ferramentas on-line quanto em momentos presenciais.

FONTE: Outras Palavras

sexta-feira, 4 de abril de 2014

“A Revolução é, sobretudo, um processo de futuro”


                  Agência de Notícias do Acre
                  Frei Betto vai a Cuba e leva Paulo Freire consigo



Paula Companioni

Do Blog Jiribilla

Tradução: Eduardo Sales de Lima.


Em meados da década de 1960, um educador brasileiro envolto em trabalhos de alfabetização em seu país se dava conta de que o processo de educação universal era um método pedagógico opressor.

Ele denominou esse processo como uma pedagogia bancária, pois percebeu que nela prevaleciam relações em que o banqueiro (qualquer sistema de educação) depositava em uma conta (qualquer educando) uma quantidade de capital (conhecimento) para logo ser reinvestido em seus negócios (o mercado de trabalho). Essa pedagogia era um método vertical no qual se mantinha e reforçava o status quo da sociedade burguesa.

Este educador, chamado Paulo Freire, propôs um método distinto no qual o educador se questionava e assim se educava, permanentemente, em diálogo com os educandos. Essa nova forma pedagógica, denominada Metodologia de Educação Popular (EP), ou Pedagogia da Libertação, sustentava que a partir do educando, fazer os processos de aprendizagem horizontais e participativos, e utilizar uma filosofia educativa que se pusesse no lugar dos oprimidos, seria a única forma de, entre todas, conseguir a liberdade humana.

Quase 50 anos depois, a discussão sobre a EP deve enfocar quais são os novos paradigmas da Educação Popular, ou melhor, como desenvolver uma metodologia e uma teoria da EP incorporando o legado de Paulo Freire e fazendo-o avançar.

Com este objetivo, a 23a. Feira Internacional do Livro em Cuba, a Associação de Pedagogos de Cuba (APC), o Conselho de Educação Popular da América Latina e do Caribe (CEALL), o Centro Fé e Cultura Loyola da Companhia de Jesus e o Centro Memorial Dr. Martin Luther King, Jr. (CMLK) e a Embaixada do Brasil convocaram um seminário de três dias acerca da vida e da obra do pedagogo brasileiro Paulo Freire.

Um dos conferencistas convocados, o teólogo, educador e escritor brasileiro conhecido como Frei Betto (autor de 53 livros editados no Brasil e no exterior), e vencedor do prêmio Jabuti de 1982, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, foi quem trouxe para Cuba em meados da década de 1980 a proposta de incluir dentro de nossa sociedade em revolução a Metodologia da Educação Popular (EP) ou Pedagogia da Libertação.

Você é um assíduo visitante da Feira do Livro de Cuba, por que traz, precisamente agora, a figura de Paulo Freire à Feira?

Frei Betto – Bem, na verdade esse tema não foi introduzido por mim. O padre Román, um jesuíta cubano que vive aqui em Havana, é aficionado por Paulo Freire. Ele, junto com o Centro Martin Luther King e a Embaixada do Brasil, decidiram fazer este seminário. Convidaram-me porque eu sempre fui amigo de Freire e porque escrevemos juntos o livro Essa escola chamada vida (1988). Os organizadores da Feira estiveram de acordo, e fizemos em três sessões: uma no Centro Cultura e Fé, da Igreja de Reina, outra na Sala Portuondo de la Cabaña e a última, na Casa das Américas.

Neste seminário você explicou que o processo de educação é, em si mesmo, ser político. Você acredita que a Metodologia de Educação Popular – idealizada por Paulo Freire – diga algo a Cuba hoje?

Talvez a metodologia de Paulo Freire possa ajudar o processo cubano. Nas escolas cubanas existe uma educação formal que não facilita a entrada da metodologia de Freire. Mas essa é mais adequada para os processos dos movimentos sociais: os Comitês de Defesa da Revolução (CDRs), os sindicatos, as brigadas, a Federação dos Estudantes Universitários (FEU). Nestes lugares, seria muito importante que as pessoas conhecessem um pouco desta metodologia revolucionária.

Minha preocupação é que, agora que Cuba faz algumas reformas, existe um setor privado que tenta me fazer pensar em somente ganhar dinheiro e que já não tenha este sentido próprio de Cuba construir um país no qual todos tenham os mesmos direitos e as mesmas oportunidades. Para lutar contra isso é necessário um trabalho permanente de educação política, moral e ética. Estou convencido de que Paulo Freire com sua metodologia pode ajudar nessa educação.

Você enxerga a educação popular como uma metodologia ou como uma filosofia de vida?

É uma metodologia que parte do povo e da gente simples: um camponês, um trabalhador, um empregado. É uma metodologia com uma visão revolucionária, progressista. Em geral, a educação que existe mundialmente é o que Paulo Freire denunciava como “bancária”, porque o pai ensina ao filho, o professor ensina ao aluno, o dirigente político ensina ao povo. Estes (o padre, o professor, o dirigente) são portadores de um bem (o conhecimento) que depositam, semelhante a uma transação bancária, na cabeça dos outros (o filho, o aluno, o povo). Freire introduziu uma concepção dialética na educação, concebendo-a como um processo de prática-teoria-prática. Ou seja, que sempre deve partir das práticas das pessoas sistematizá-las para elaborar a teoria, e logo voltar à prática de uma maneira reforçada.

Para desenvolver essa dinâmica de prática-teoria-prática, a Educação Popular propõe uma horizontalidade na relação dos seres humanos com seu entorno. Entretanto, os livros têm uma visão mais iluminista de aprendizagem. Como você conjuga a proposta da EP com sua obra literária?

De uma maneira muito simples. O não ficcional de minha obra parte da prática das pessoas. Ou seja, todos os meus livros – inclusive Fidel e a religião (1985) – são livros que partem da prática cotidiana do povo, dos fenômenos da realidade e da história. Existe aqui uma formulação sistematizada que é própria da linguagem literária. Para quê? Para devolver às pessoas o resultado de suas práticas sistematizadas. É por isso que esses livros têm tanto impacto.

Logo, ou por meio dos livros ou por meio de um monitor que está junto com as pessoas ajudando a sistematizar, é que se aprende esta sistematização. Ao mesmo tempo que, por exemplo, vou sistematizando a prática de um sindicato, eles vão recebendo de volta – de uma maneira mais elaborada e compreensível. É o processo pelo qual se vai contextualizando sua tarefa.

Em sua apresentação do seminário na Casa das Américas você afirmava que Paulo Freire foi fundamental para todos os processos de libertação da América Latina nos últimos 40 anos. Mas a Revolução Cubana tem 55 anos. O que bebeu, bebe ou deve beber de Paulo Freire e sua Pedagogia da Libertação o processo social da Ilha?

A Revolução Cubana é anterior a Paulo Freire, mas sem sabê-lo adotou a metodologia que Paulo Freire sistematizou. Quando Fidel chega no desembarque do Granma e tem mais gente que fuzis, e se encontra com muitas dificuldades, ele fez um trabalho de educação popular com os camponeses. Isso é o que criou o Exército Rebelde e permitiu a vitória da Revolução.

Paulo Freire não inventou do nada. Ele escolheu a história das práticas políticas da história humana. A Revolução Cubana adotou o método de Paulo Freire antes que existisse. Freire fez uma sistematização do conhecimento anterior da história das práticas de trabalho com os povos, sobretudo, do conhecimento das práticas sociais do Brasil – das ligas camponesas, do trabalho que fez de alfabetização, dos movimentos populares. Por aí veio a matéria-prima de sua metodologia pedagógica.

Diria que Cuba deveria tomar para os movimentos sociais que existem aqui (a FEU, os sindicatos, a Federação de Mulheres Cubanas) a possibilidade de criar uma emulação [estímulo] ética-moral-ética. Isto seria muito importante no processo das reformas de Cuba.

Apesar dos múltiplos processos libertadores que existem hoje na América Latina, com utopias socialistas e intenções de criar um mundo melhor, todavia temos um mundo onde existe a dominação de uns poucos homens sobre o resto da humanidade. Como poderia se construir um conhecimento libertador?

O processo de dominação hoje é de uma classe muito rica sobre o restante. Por exemplo, acabam de divulgar a informação de que atualmente 85 pessoas no mundo possuem a riqueza de 3,5 bilhões de pessoas. Em um ônibus podem viajar, perfeitamente, 85 pessoas e elas têm o que devia ter a metade da humanidade. Isto explica a diferença social impactante que existe no mundo. Os processos libertadores não são definitivos.  A queda da União Soviética demonstrou que é um equívoco pensar que a revolução está feita e que já é [um fato] definitivo. A revolução é, sobretudo, um processo de futuro, porque cada geração tem que ser educada novamente no socialismo. Outro equívoco é pensar que quem nasce no socialismo é socialista. Não. Todos nascemos capitalistas. Todos os bebês são muito capitalistas: centrados neles e no que necessitam, no que os atendam.

Agora, esse processo de ensinar solidariedade, altruísmo, participação resulta de uma educação. Aí Paulo Freire pode ajudar muito. E não somente Freire, vocês têm aqui muitos processos pedagógicos revolucionários. Eu sei que os CDRs aqui já não funcionam tanto como antes, talvez porque ao início da Revolução tinham um caráter de defesa do bairro. Agora a Revolução está consolidada e os Estados Unidos sentem que não podem fazer um ataque direto a Cuba. Mas têm outro problema: o inimigo principal está dentro e é o absentismo, a preguiça, a acomodação, o espírito capitalista. Então aqui os CDRs têm um papel importante. A Educação Popular poderia ajudar, especificamente, para a recuperação dos CDRs e para a mobilização da sociedade civil em defesa da revolução.

Como estão os processos de educação na América Latina?

É uma educação, em geral, muito capitalista, muito bancária, muito de cima para baixo. Tem conteúdos muito europeus, que não têm nada em conta com a situação do povo. Está descontextualizada.

É uma educação para formar mão de obra especializada para o mercado de trabalho, não para formar homens e mulheres felizes e dignos. Entretanto, há muitas exceções.

Por que você disse que a América Latina “o encanta e o preocupa”?

Me encanta porque eu vivo aqui e vejo que há mudanças significativas. É o único continente do mundo onde neste momento existe esperança: existem muitos governos progressistas; a CELAC tem sido uma maravilha com esse consenso de todos os países da América Latina em apoio a Cuba, em apoio às propostas de unidade sem participação dos Estados Unidos nem do Canadá. Isso é um avanço tremendo.

Me preocupa porque todo esse processo é muito frágil todavia. A Venezuela está demonstrando isso. Não se pode dizer que está tudo consolidado. Somente se vai consolidar se nós pudermos organizar o povo. Não se consolida um processo de Revolução Bolivariana por slogans e carismas. Deve ocorrer muito mais que isso. 


FONTE: Brasil de Fato

Como desmontar a Ciência e Tecnologia brasileiras

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