quarta-feira, 25 de junho de 2014

Plano Nacional de Educação ratifica política de privatização da educação



Redação Tribuna Classista



O Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê metas para serem implementadas no decênio 2011-2020, foi aprovado no plenário da Câmara dos Deputados. Em seu texto final, o plano prevê uma política de destinação do dinheiro público para as empresas privadas, que comercializam serviços na área do ensino. Os 10% do PIB aprovados para o financiamento na educação não serão exclusivamente destinados para a rede de ensino pública, indo na contramão da garantia da educação gratuita, pública, laica, de qualidade socialmente referenciada para toda a população, em todos os níveis.

De acordo com o PNE aprovado, o investimento na educação será ampliado progressivamente: um mínimo de 7% do PIB no quinto ano de vigência da lei, e 10% do PIB ao fim do período de dez anos. Ou seja, a aplicação, além de não ser exclusiva para a educação pública, será gradual. Esse investimento, da forma como é apresentado, não funciona, pois o financiamento precisaria ser imediato para começar a resolver os problemas da educação pública, afinal, as demandas de 2024 serão maiores. O Brasil continua com índices de analfabetismo em torno de 10% e a qualidade de ensino continua precarizada, com crianças, jovens e adultos não se apropriando do conhecimento. Os problemas são para agora, não para daqui dez anos.

Além disso, o texto final aponta que os recursos também serão utilizados para financiar a educação infantil em creches conveniadas, a educação especial e programas como o de acesso nacional ao ensino técnico e emprego (Pronatec), bolsas em faculdades privadas (Universidade para Todos – ProUni), financiamento estudantil (Fies) e bolsas para estudo no exterior (Ciência sem Fronteiras). Essa proposta de financiamento para a ‘educação’, de forma generalizada, permite um esquema de privatização, fazendo com que o empresariado possa gerenciar, por dentro, as verbas públicas da educação, por meio da concepção do público não-estatal, que é o que o governo reforça com as parcerias público-privadas e os contratos de gestão. A formação escolar se desenvolveria de acordo com as exigências do empresariado.

O governo já havia aprovado cinco bilhões de reais para o Fundo de Financiamento Estudantil, através de medida provisória, e também definido o perdão da dívida trabalhista das particulares em troca de bolsas. O que o governo está fazendo é a privatização fatiada e o PNE vem para ratificar essa política. A destinação de quase cinco bilhões de reais para educação privada, que abre crédito extraordinário de R$ 4,9 bilhões para o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), foi aprovada no mês de maio, através da Medida Provisória (MP).

No texto do PNE, foram incluídos alguns jogos de palavras com repercussões a respeito de para onde efetivamente irá o financiamento, quando sai da perspectiva de ensino público e entra na perspectiva de ensino gratuito, que é a grande jogada de investimento do setor privado, como o Sistema S, formado por entidades que oferecem cursos gratuitos em áreas da indústria e comércio, como uma forma de complementação de conhecimento, preparatório para o mercado de trabalho. Quando o PNE trata de financiamento, ele diz que é para educação pública e para o ensino gratuito, que são os programas Prouni, Pronatec, entre outros. Porque o público, para eles, necessariamente não é o estatal. O PNE reforça também toda a política do REUNI, é uma reafirmação da precarização do ensino universitário e do ensino geral, ou seja, da educação como um todo.

O governo aprovou o PNE sem ter passado sequer pela Conferência Nacional de Educação (Conae), organizada pelo próprio governo. É um plano que foi construído com o reforço da iniciativa privada, da bancada parlamentar das escolas particulares. Somos contra o uso do dinheiro público para a rede privada de ensino, que cada vez mais concentra sua prioridade no lucro, concebendo a educação como mercadoria. O texto aprovado não atende às reivindicações da sociedade trabalhadora e dos movimentos sociais, ratificando apenas de modo claro as ações que já estão sendo implementadas pelo governo federal.


Originalmente publicado na Tribuna Classista:
Blog: http://tribunaclassista.blogspot.com.br


domingo, 22 de junho de 2014

A Copa da politização



Muito mais que instrumento político de governo, a realização de um mundial no Brasil se tornou mote para a conscientização da própria sociedade: "A Copa não é um problema a ser enfrentando, mas revela quais precisam ser"


Por Ivan Longo


Em outubro de 2007, depois de travar uma intensa campanha junto à FIFA, o ex-presidente Lula conquistou o que era um antigo sonho de outros governistas e de boa parte da população: a vinda de uma Copa do Mundo ao Brasil. O que Lula provavelmente não esperava, entretanto, é que em 2014, ano de realização do tão sonhado mundial, haveria uma parcela da sociedade rejeitando o evento e se colocando contra os investimentos que foram realizados, justamente no país onde o futebol tem um peso simbólico e cultural tão grande.

A organização do evento, assim como gastos passaram a ser questionados. Flávio de Campos, doutor em história social e coordenador do LUDENS (Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre Futebol e Modalidades Lúdicas da Universidade de São Paulo), explica o questionamento: “A gente está em uma politização tremenda da sociedade brasileira e uma politização que em poucos momentos da história do Brasil foi vista.”

Para o historiador, dentro desse cenários, as bandeiras, diversas, se encontram nas ruas. “não há nenhum setor social, nenhuma demanda que não esteja sendo colocada na pauta. Investimentos públicos, a questão do espaço urbano, das remoções, moradia, mobilidade urbana, todas essas questões cruciais vieram à tona em um contexto relacionado ao futebol”, analisa pesquisador, que vê o país dividido em duas torcidas: “Uma um pouco tímida, constrangida, mas que vai torcer pelo Brasil e uma torcida mais visível, apesar de minoritária, que está torcendo contra. Então, temos um contraste: uma mobilização intensa e uma desmobilização torcedora.”

O presidente da FIFA, Joseph Blatter, anunciando a
vitória do Brasil como sede da Copa de 2014.
(Foto: Wikimedia Commons)

Para o antropólogo Enrico Spaggiari, que também faz parte do Ludens, apesar de reconhecer que as deficiências na organização do evento, o pesquisador acredita que o mundial da Fifa é o que permitiu que as pessoas se dessem conta da carência estrutural do país.

“As pessoas estão tomando consciência disso, de que elas conseguem se manifestar, mostrar repúdio à Copa e ao mesmo tempo separar o que vem acontecendo para a sua realização ao que já  vem acontecendo há vários anos. A população começou a perceber que o Mundial, mais do que o grande problema, é o grande revelador dessa falta de estrutura no Brasil”, explica Spaggiari.

A consciência e a mobilização em torno do que precisa ser combatido no país a partir da experiência da vinda da Copa do Mundo mostra que o evento, diferentemente do que diz alguns setores da imprensa, não é um instrumento político do Governo, como foi na Copa de 1970. Na ocasião, o regime militar se apropriou do sucesso nos gramados da seleção brasileira com o intuito de prover a integração nacional e passar a ideia de um país grande, poderoso e do qual a população deveria sentir orgulho. O cenário, hoje, no entanto, é completamente diferente e, se funciona como ferramenta política, trata-se de uma ferramenta da própria população para reivindicar suas demandas, e não mais dos governantes.

O pesquisador Flávio de Campos ainda vai além neste sentido. Para o historiador, toda e qualquer tentativa de colocar a Copa como um instrumento político por parte do Governo vem da própria oposição e que, nesse sentido, isso é completamente incabível.

O general-presidente Emílio Garrastazu Médici ergue
a taça de campeão da Copa do Mundo de 1970
(Foto: reprodução) 
“Em 1970 você tem o sucesso do Brasil nos gramados como um elemento que ajudaria a alimentar ainda mais essa ideia de Brasil grande. Estávamos no contexto do ‘milagre econômico’, da ditadura, do cerceamento de liberdades, violação de direitos humanos… Nesse momento eu acho incrível e também criminoso como alguns setores da imprensa tentam comparar 1970 com 2014″, afirma Campos, que enumera as diferenças. “Primeiro por que não vivemos mais em um regime de exceção, estamos em um período de plena liberdade democrática. Em segundo lugar, quem mais está politizando a Copa do Mundo não é o Governo, são as oposições, sejam elas as burguesas ou as mais à esquerda. Quem está utilizando o evento do ponto de vista da instrumentalização política não é o Governo Federal que, aliás está tímido nesse sentido”, afirmou o historiador.

Campos, inclusive, lembra que a Copa do Mundo no Brasil está cercada de erros em organização em detrimento de investimentos em outros setores da sociedade, mas que a culpa não deve ser depositada integralmente no Governo Federal. “Uma questão crucial é a percepção que a população está tendo desta Copa. A impressão é que toda a culpa dos erros desse evento devam ser depositadas na conta da Dilma. Mas essa conta toda não é do Governo Federal. Ela tem que ser distribuída com uma série de governos estaduais e prefeituras, de diversas siglas, que também são responsáveis pelos atrasos nas obras de infra-estrutura, de mobilidade e até mesmo agiram, em alguns momentos, por meio da sabotagem”, ressaltou, tomando como exemplo os gastos com a construção desnecessária de novos estádios, como no caso do Mineirão, em Minas Gerais, que foi completamente destruído para a construção de uma nova arena durante a gestão do governador Aécio Neves (PSDB).

Com tantas manifestações contrárias à Copa e em prol de legados para o país, o que muitas pessoas esquecem  é que talvez, o maior legado deixado pelo evento, não seja novas estações de metrô, estádios ou hospitais. Como explica Spaggiari.

“Quando pensamos em legado, sempre nos vem à mente algo concreto. Mas podemos falar de vários legados possíveis. O maior que vejo nesta Copa é o protagonismo político do esporte. Se a gente for fazer uma retomada histórica, o esporte nunca teve o papel político que tem agora. Mais do que um instrumento político, as pessoas tomaram o futebol como uma questão política. Haja visto a formação dos comitês populares da Copa, a articulação dos movimentos sociais. Isso, invariavelmente, é um grande e o maior legado”, analisou Enrico Spaggiari.

Manifestação em São Paulo questionando os gastos
com a Copa do Mundo. (Foto: Mídia Ninja)

Esse legado veio como resultado justamente da luta daqueles que acreditavam que não haveria legados. Ainda que não tenham concretizado o jargão que “não vai ter Copa”, conquistaram de forma latente a crítica e o questionamento e, se tem algum setor da sociedade que depois dessa Copa não será mais o mesmo, este setor é o esporte.

Para o pesquisador Flávio de Campos, torcer pela seleção brasileira, não invalida qualquer tipo de reivindicação. “Eu acho que a questão mais importante que essa Copa trouxe à tona é a necessidade da ação política. Apesar do descrédito que nós temos hoje com os nossos representantes no executivo e no legislativo, há uma valorização da política, mesmo que não seja plenamente consciente. Eu duvido que teríamos uma discussão como essa se a Copa não fosse realizada no Brasil nesse momento. Isso é o legado de uma Copa democrática”.


FONTE: Revista Fórum Semanal

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Plano Nacional de Educação aprovado. E agora?


Lei que sociedade exigiu, e Congresso finalmente votou, combina compromisso com qualidade com abertura à inovação. Mas a batalha decisiva está na implantação das políticas


Por Cleomar Manhas


Se a educação sozinha não pode mudar a sociedade,
tampouco sem ela a sociedade muda.
Paulo Freire



Aprovou-se o Plano Nacional de Educação (PNE) depois de três anos e cinco meses de tramitação.  Até onde nossa vista alcança, foi um projeto que recebeu intensa incidência política, fazendo história. Recebeu cerca de três mil emendas logo em sua primeira parada na Comissão Especial instalada na Câmara dos Deputados para sua análise.

Todas as organizações da sociedade civil voltadas ao tema da educação estiveram presentes e atuantes. Destaque para a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que brilhantemente conseguiu garantir em uma das metas o Custo Aluno-Qualidade, indicador que fará com que a União faça a complementação do Custo Aluno nos locais que não conseguirem atingir o valor mínimo. Destaque ainda para as organizações estudantis como UBES- União Brasileira dos Estudantes Secundaristas e UNE- União Nacional dos Estudantes que lotaram os plenários e fizeram muito barulho bom de se ouvir.

Esta intensa mobilização, garantindo um processo de negociação com a participação de todos os agentes políticos e de todas as forças da sociedade responsabiliza, também, todos e todas com a aplicação e com o controle social do Plano, cada um com o seu papel. A nós, como sociedade, cabe fiscalizar, monitorar, incidir para que a sua implementação ocorra de forma a promover a educação como direito humano. É comum ouvirmos que mais dinheiro não garante uma boa gestão. Claro que não, mas é preciso mais dinheiro sim, e muito, pois em inúmeros  lugares desse país gigante ainda estamos na idade da pedra lascada.

Em recente processo de formação do projeto Onda- Adolescentes em Movimento Pelos Direitos, desenvolvido pelo Inesc em escolas públicas, utilizando metodologia de pesquisa para que os estudantes ouvissem a comunidade escolar da qual participam,  trabalhamos o tema educação de qualidade e o que motiva a sua não realização, como o número expressivo de adolescentes que abandonam a escola no ensino médio, ou antes mesmo de acessá-lo.

A impressão geral, coletada pela pesquisa, é que as escolas são pouco atraentes e, em geral, não ouvem o seu público. E apesar de acharem a escola pouco sedutora, a boa surpresa é que gostam dessa instituição, especialmente das públicas, por as julgarem mais democráticas que as privadas. No entanto, gostariam de vê-las equipadas a contento e voltadas para um mundo próximo daquele onde vivem e de acordo com o momento que o vivenciam.

Outra questão constatada, que reforça a impressão de que parlamentares estão distantes da sociedade, é que motivos fortes da evasão escolar ancoram-se nas desigualdades de gênero, de orientação sexual e de raça. E apesar disso, retiraram do PNE a possibilidade de se enfatizar o enfrentamento a essas desigualdades e amadurecer o processo educacional como acolhedor de todas as diferenças. Infelizmente vivemos um momento de grande obscurantismo e retrocessos conservadores.

Contudo, mesmo com percalços e perdas ao longo da estrada, o balanço é positivo e este é o melhor Plano Nacional de Educação que já tivemos. Além de nos municiar de elementos para recrudescermos a velha batalha por educação de qualidade. E as aves agourentas podem dizer que isso é chavão, que os movimentos voltados à educação dizem ser esta política uma panaceia, mas verdade seja dita, é isso mesmo, educação de qualidade não resolve tudo, mas muda tudo. Muda a forma de as pessoas verem o mundo, dá a elas liberdade e independência de pensamento, promove-as.

E o PNE trata de reestruturação das redes municipais e estaduais, o que implica na qualificação dos profissionais de educação e melhora salarial, equalizando seus salários com o dos profissionais com o mesmo nível de formação. Espera-se que a União faça valer o artigo 211 da Constituição e não fuja à responsabilidade de garantir padrões mínimos de qualidade. No entanto, os municípios e estados da mesma forma devem priorizar a educação, visto que a vida real acontece no solo das cidades e não na abstrata “União”.

O PNE aborda de questões importantes e menos priorizadas pelos sistemas que é a Educação de Jovens e Adultos e o enfrentamento ao analfabetismo. É preciso políticas transformadoras desta realidade de profunda violação de direitos, que são os inúmeros analfabetos funcionais e totais que temos. As pessoas precisam ser promovidas e libertadas da pedra lascada.

A ampliação da oferta de creches públicas é, também, uma política da maior importância e deve sempre estar na área da educação, para que faça parte do processo educacional e não seja apenas uma oferenda assistencialista. Esperamos que desta vez a oferta seja mais coerente com a demanda que é enorme, especialmente, nos bairros periféricos das grandes cidades.

E vamos ao nosso papel de sociedade, a participação em todas as instâncias. Apesar de alguns críticos dizerem que temos conselhos demais, nosso nível de participação ainda está muito aquém do necessário, precisamos que a comunidade escolar de fato seja comunidade, que os pais estejam presentes no cotidiano de seus filhos e filhas e, que além de fiscalizar se as metas estão sendo atingidas, contribuamos para a democratização das escolas. Pelo fim das instituições totais e a favor do compartilhamento.


FONTE: Outras Palavras

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Crise no jornalismo estimula aumento de blogs científicos


Agência Fapesp


Por Elton Alisson



A crise pela qual passa o jornalismo mundial, causada em parte pela convergência para novas plataformas digitais, tem afetado a cobertura jornalística de ciência e estimulado o surgimento de blogs científicos em diversos países, inclusive no Brasil. A avaliação foi feita por Juliana Santos Botelho, pesquisadora e coordenadora da Coordenadoria de Comunicação Científica (CCC/Cedecom) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em um painel sobre o uso de mídias sociais na comunicação da ciência durante a 13th International Public Communication of Science and Technology(PCST), recentemente em Salvador, Estado da Bahia.

Com o tema central "Divulgação da ciência para a inclusão social e o engajamento político”, o encontro ocorreu pela primeira vez na América Latina e reuniu pesquisadores de mais de 50 países para debater práticas e estratégias de comunicação e divulgação científica adotadas em diferentes partes do globo. "Há um crescimento do número de blogs de ciências no mundo, especialmente nos países que falam inglês, e a crise no jornalismo mundial tem contribuído para esse aumento”, disse Botelho, que também mantém, o blog Diálogos com Ciência e realizou um estudo sobre 150 blogs no Brasil.

De acordo com dados apresentados pela pesquisadora, a crise no jornalismo mundial tem causado um alto número de demissões em massa e a redução do número de jornalistas em atuação nas redações dos grandes veículos de imprensa em todo o mundo, incluindo os do Brasil. Uma das principais consequências desse processo, na avaliação dela, é um número cada vez menor de jornalistas cobrindo um número cada vez maior de assuntos.

Em razão disso, a cobertura de ciência nos grandes veículos perdeu espaço editorial nas páginas dos grandes jornais e no noticiário das emissoras de rádio e de televisão. "Essas mudanças têm causado impactos na cobertura de ciência feita pelos grandes veículos de comunicação, em termos de qualidade, em todo o mundo”, avaliou Botelho.

De acordo com a pesquisadora, outra consequência sensível do impacto da crise do jornalismo na comunicação da ciência é a homogeneização cada vez maior da cobertura jornalística do assunto. Com a redução do número de jornalistas nas redações, os veículos de comunicação de diversos países têm recorrido cada vez mais a materiais jornalísticos padronizados sobre ciência produzidos por agências de notícias internacionais, apontou Botelho.

O problema é que os veículos recebem o mesmo tipo de material que seus concorrentes, que também compram das agências de notícias, e fazem pequenas adaptações. Na maioria das vezes, as matérias sobre ciência produzidas pelas agências de notícias internacionais são relacionadas à produção científica de países do hemisfério Norte, ressaltou Botelho.

"Os pesquisadores brasileiros não aparecem na maior parte das matérias sobre pesquisas científicas publicadas no Brasil, por exemplo. E, quando aparecem nas notícias sobre ciência, é para comentar os resultados de estudos que foram publicados por pesquisadores de países do hemisfério Norte”, avaliou.

Crescimento dos blogs

A fim de suplantar a perda de espaço editorial dedicado à ciência, especialmente na mídia impressa, e aumentar a divulgação de resultados de pesquisas realizadas por cientistas brasileiros, tem aumentado o número de blogs de ciência no Brasil, apontou Botelho. O número de blogs de ciência brasileiros, contudo, ainda é bem menor do que o número de blogs nos Estados Unidos e na Europa. E as políticas editoriais para os blogs ainda são muito incipientes no Brasil, destacou a pesquisadora.

"No Brasil não temos políticas editoriais muito estruturadas para blogs em geral e para os blogs científicos como as implementadas por veículos de imprensa e instituições universitárias de países como os Estados Unidos e Reino Unido”, comparou Botelho. Segundo a pesquisadora, alguns veículos de comunicação têm optado por cientistas (ou pessoas de outras áreas que nunca tinham usado blogs) para serem seus blogueiros colaboradores.

Outras especificidades dos blogs de ciência brasileiros, de acordo com Botelho, é que eles são bastante independentes. Em sua maioria, não estão ligados a empresas de comunicação ou instituições. O volume de notícias publicadas pelos blogs científicos brasileiros presentes nos veículos de comunicação também é menor do que o de outros blogs independentes no país. A publicação nos blogs da imprensa é constante, mas não é muito frequente. O que mais chama a atenção da pesquisadora nos blogs de ciência no Brasil, contudo, é a falta de interatividade. "Isso pode ser uma característica cultural do Brasil”, avaliou Botelho. "Geralmente as pessoas se sentem mais à vontade para postar seus comentários em redes sociais, como o Facebook e o Twitter, mas não nos blogs”, disse Botelho.

A pesquisadora ressaltou, no entanto, que, apesar da importância dos blogs científicos para aumentar a difusão da comunicação de ciência, eles não devem substituir a cobertura jornalística de ciência pelas mídias tradicionais, como jornal, rádio e televisão. Isso porque esses meios de comunicação já possuem público cativo e abordam assuntos científicos com maior frequência do que os blogs científicos, apontou Botelho.

"Os blogs científicos possuem um papel muito importante de experimentação de novos formatos de publicação e de estilos de escrita. Mas não devem, de forma alguma, substituir a cobertura jornalística sobre ciência e sim complementá-la”, afirmou.

Leia mais sobre as mudanças no jornalismo científico em http://agencia.fapesp.br/17649


FONTE: Adital

domingo, 8 de junho de 2014

Flaskô, a fábrica brasileira sob controle operário



Quebrada por patrões, recuperada pelos trabalhadores, indústria reduziu jornada, estabeleceu democracia interna e criou centro cultural. Após onze anos, luta entra em nova fase


Por Paloma Rodrigues, na Carta Capital | Imagens: Felipe Damas Silva


Em Sumaré (SP), região metropolitana de Campinas, funciona a única fábrica administrada por trabalhadores do Brasil. Ameaçada de ser fechada em 2003 devido à falência do grupo que a administrava, a Flaskô, que produz tambores plásticos, seguiu sendo tocada por seus antigos funcionários e hoje tenta se manter ativa mesmo com as dívidas herdadas da antiga gestão. A nova batalha é pela estatização da empresa, que tramita no Senado há mais de dois anos.

Até 2003, o controle da fábrica era da Holding Brasil (ou apenas HB), um braço da gigante Tigre. O grupo entrou em uma forte derrocada nos anos 1990, acumulando dívidas e aumentando demissões. “Foram cerca de 40 empresas que quebraram, graças à abertura econômica e também à má gestão”, explica o advogado da Flaskô, Alexandre Mandl. “A Cipla e a Interfribra, em Joinville, e a Flaskô, aqui em Sumaré, retomam a produção e elas vão ser o tripé do movimento das fábricas ocupadas”, explica ele. Nas duas fábricas de Santa Catarina, entretanto, um interventor judicial, Rainoldo Uessler, foi nomeado para assumir o comando das empresas em 2007. A Flaskô também sofreu intervenção, que cortou a energia da fábrica por 42 dias e fez boa parte do seu quadro de funcionários buscar outros empregos, mas retomou as atividades depois do período.

Adélia, de 23 anos, acompanhou todo esse processo de perto. Filha de funcionários da Flaskô, ela viveu a mudança da gestão dos patrões para a gestão também comandada por seus pais. “Meu pai e minha mãe trabalharam aqui, ainda na época patronal. Com o início dos problemas, minha mãe também foi levada embora na leva de demissões, mas meu pai ficou e já deve fazer 20 anos que ele trabalha aqui.” Hoje, Adélia é uma das mulheres que compõe o quadro de funcionários da fabricante de tambores plásticos no setor de compras e financeiro.



Nos últimos 11 anos, Adélia acompanhou o pai em todos os atos e passeatas pela estatização da Flaskô. “Eu sempre fui junto às passeatas em Brasília, que aconteciam todos os anos”, afirma. Há três anos trabalhando na fábrica, Adélia diz que o trabalho em uma fábrica ocupada é “totalmente diferente”. “Aqui você não está sob pressão, você faz com tranquilidade e consegue resolver seus problemas”, diz ela. Mas o preconceito ainda é grande: “Quando você fala “trabalho em uma fábrica ocupada, sob o controle dos trabalhadores, as pessoas já falam ‘Nossa, mas essa empresa ainda funciona’, ‘Ai é falida’. Quando você explica a situação, elas ficam curiosas e veem que não é bem assim”, conta. “Aqui é como uma empresa normal, só não tem o patrão, o que é a vantagem”, diz a jovem.

Adélia é uma dos 70 trabalhadores da Flaskô. São 60 homens e 10 mulheres, sem que nenhum tenha o cargo ou se reconheça como chefia ou “patrão”. O ritmo de trabalho é definido por assembleias, gerais e de turnos. A jornada de trabalho foi reduzida de 44 para 30 horas semanais, sem redução de salários; também foi realizado um achatamento da diferença salarial – as funções mais bem remuneradas passaram a ganhar menos e as pior remuneradas passaram a ser maiores.

Além dos avanços em relação às leis trabalhistas, os funcionários também acreditavam que a Flaskô deveria se envolver com a comunidade em que está inserida. Isso levou à criação da Fábrica de Cultura e Esportes, que desenvolve diversos eventos e ações culturais: sessões de cinema semanais, aulas de balé, capoeira, oficina de quadrinhos e uma pista de skate (e campeonatos regulares que agitam completamente o dia-a-dia da fábrica). Alunos da Unicamp tocam ainda o Educação para Jovens e Adultos, projeto de extensão para a comunidade.



No espaço da Fábrica de Cultura e Esportes, companhias de teatro também realizam ensaios e apresentações. A iniciativa é importante para manter grupos da região, como pode ser visto no depoimento do vídeo, produzido pela própria Flaskô, do ator da Honesta Companhia de Teatro. “Na região de Campinas e Sumaré, nenhum grupo de teatro, cultura e música tem espaço para sediar suas atividades. E a Flaskô é um dos poucos espaços nessa região toda que se coloca abrindo as portas oferecendo lugar não só para ensaio, mas apoios para apresentação de qualquer tipo”, declara o ator.

Mandl, o advogado da fábrica ocupada, explica que os trabalhos realizados evidenciam o caráter social da Flaskô. “A gente usa dois galpões da fábrica para projetos culturais, em vez de especular esse espaço. E, além disso, três quartos da propriedade da fábrica, que poderia ser utilizada para a geração de lucro, é destinada para uma ocupação de moradia chamada Vila Operária”, afirma ele.

O terreno foi ocupado em 2005, inicialmente por cerca de 300 famílias. No momento, Mandl afirma que a ocupação já atingiu o número de 564 famílias. “Nossa reivindicação parte desse tripé: trabalho, pela Fábrica de Cultura e Esporte e pelo direito à moradia”.

Dívidas

Apesar das vitórias trabalhistas, a vida dos funcionários da não é de todo tranquila: a Flaskô sofre a ameaça de fechar a qualquer momento. Nos últimos 11 anos de ocupação (em 12 de junho a fábrica completa mais um ano sob gestão operária) foram diversos pedidos de leilões de máquinas e penhora de bens. A dívida já ultrapassa os 120 milhões de reais.

O imbróglio é grande: os dirigentes da Flaskô acreditam que a dívida deveria ser cobrada de quem a gerou, ou seja, a antiga gestão da HB. “Nosso entendimento é que quem criou a dívida que pague”, afirma Mandl. “Mas o CNPJ da Flaskô é o mesmo, então seguimos responsáveis pelas dívidas geradas por este CNPJ”, diz. Apesar da gestão operária ser cobrada pelas dívidas, a propriedade da fábrica não está sob poder dos funcionários. “Hoje, temos a gestão operária, mas não temos a propriedade, que continua dos antigos patrões”, afirma.

A situação provoca indignação dos novos administradores da Flaskô. Eles alegam que a gestão patronal ficou 20 anos sem pagar esses tributos e o sistema tributário não conseguiu cumprir a função de reaver o dinheiro. “Agora nós temos oficial de justiça na casa de trabalhadores, querendo penhorar seus bens”, diz. Mandl acredita, entretanto, que a melhor maneira de resolver a questão seria comprometer uma porcentagem dos rendimentos da fábrica para pagar as dívidas. “Seria semelhante ao acordo que temos com o Ministério do Trabalho. Hoje, 1% do nosso faturamento vai pra pagar dívidas dos antigos patrões com os trabalhadores.” O rendimento mensal da Flaskô fica entre 500 e 600 mil reais.

O que os trabalhadores esperam conseguir com a estatização é o abatimento dos valores dos bens da Flaskô da dívida da fábrica. Com isso, esperam acabar com o drama representado pelas ameaças de leilões judiciais. De 2003 para cá, afirma Mandl, foram mais de 200. “Em todos os leilões levamos uma faixa ‘se arrematar, não vai levar’, porque existem outras formas de se resolver isso. E, hoje, a Flaskô não tem condições de perder nenhuma de suas máquinas, porque se isso acontecer ela vai a falência.”

No pátio da fábrica, são seis máquinas que realizam a confecção dos tambores plásticos. Na gestão da HB eram mais de 40, que foram sendo retiradas conforme a falência do grupo. No próximo dia 9 de junho, mais uma série de leilões está marcada e os funcionários prometem realizar um ato de protesto a ação.

Campanha

Para pressionar os senadores a discutirem a questão da empresa, a Flaskô busca 10 mil assinaturas, para que uma audiência pública seja convocada para discutir o Projeto de Lei 257/2012. A coleta de assinaturas é feita online. O pedido do PL é para a Declaração de Interesse Social da empresa, um primeiro passo para a estatização, ou seja, torná-la uma propriedade do Estado.

O pedido se baseia em uma lei de 1962, que define os casos de desapropriação por interesse social. O artigo 1º da lei dispõe que “A desapropriação por interesse social será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem estar social”.

O projeto já foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos do Senado (CDH), em uma audiência pública realizada em 5 de julho de 2011. De lá, seguiu para a Comissão de Constituição e Justiça, onde segue parada. A Flaskô espera que, com a desapropriação, a indenização dos bens móveis e imóveis seja abatida dos impostos devedores, e os trabalhadores administrando a fábrica por uma forma de concessão.


FONTE: Outras Palavras

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Carta Aberta à CAPES em defesa da liberdade acadêmica e das Ciências Humanas e Sociais




Para aderir ao movimento e assinar:
1. Grupos, Núcleos de Pesquisa, Associações e Instituição enviar email com o nome do grupo/instituição, etc… para ivaboschetti@gmail.com ou elan.rosbeh@uol.com.br 
2. Docentes, pesquisadores, alunos individuais:assinar a petição criada no AVAAZ


* * *

Frente ao ocorrido no Edital Procad 071/2013, da CAPES – a subscrição pela CAPES de um parecer de mérito sem substância, preconceituoso e ideológico, amplamente denunciado pelos pesquisadores da UnB, UERJ e UFRN da área de Serviço Social atingidos –, e ao baixíssimo número de projetos das Ciências Humanas e Sociais aprovados, os abaixo-assinados, grupos de pesquisa, pesquisadores individuais, instituições universitárias, associações científicas e da sociedade civil, extremamente preocupados com os rumos da pesquisa social no Brasil, vimos por meio deste manifestar nossa posição. Ao final, apresentamos algumas reivindicações:

1. É inaceitável que uma agência pública do Estado democrático e republicano brasileiro subscreva pareceres ideológicos, tendenciosos, superficiais e inconsistentes, que se fundamentem no questionamento da opção teórica metodológica adotada em projetos de pesquisa, sem nenhum fundamento plausível, o que expressa uma visível prática ideológica;

2. O patrulhamento ideológico não é somente contra o marxismo, mas, também contra a dialética, um saber que, como disse Hegel, vagou por dois mil anos e foi reconstruído na Filosofia Moderna. A maioria dos projetos sobre dialética são renegados, ainda que não se refiram diretamente ao marxismo. Fato este que deveria envergonhar, pela ignorância e pelo preconceito, os pareceristas da CAPES e de outras entidades de pesquisa fomentadas pelo Estado.

3. Uma agência pública que tem por missão coordenar o aperfeiçoamento da pós-graduação e da produção de conhecimento no Brasil tem a obrigação e responsabilidade de reconhecer a ciência e a produção científica das diversas áreas de conhecimento e das diferentes abordagens metodológicas utilizadas, sem preconceito, ou cerceamento ideológico, reconhecendo a pluralidade de ideias e métodos como um requisito para a liberdade e igualdade, assegurados pela Constituição Federal;

4. A abordagem teórico-metodológica fundada na tradição marxista, no campo das ciências humanas e sociais, e adotada, ontem, por importantes pensadores brasileiros e, hoje, por inúmeros pesquisadores, grupos de pesquisa e presente nos projetos pedagógicos de importantes cursos de graduação e pós-graduação, deve ser respeitada e não ser objeto de cerceamento ideológico. Impõe-se reconhecer que a liberdade de expressão, de pensamento e decisão teórico-metodológica na atividade de pesquisa são conquistas democráticas fundamentais da vida social e acadêmica no Brasil contemporâneo, a não ser que estejamos retornando ao obscurantismo de 50 anos atrás. A CAPES, e nenhuma agência de fomento, tem o direito de selecionar projetos com base em argumentos ideológicos. Isso fere totalmente a isonomia, a liberdade de expressão e de opção teórica, metodológica e política asseguradas constitucionalmente. Estas são conquistas caras e recentes em nosso país e muitas gerações foram torturadas ou morreram lutando contra a ditadura, com suas queimas de livros e perseguição de pessoas, para assegurar o livre direito de pensar, de se manifestar e de fazer escolhas teórico-metodológicas e políticas.

5. Cerca de 90% dos projetos aprovados no Edital Procad 071/2013 são das ciências exatas e biomédicas, o que parece uma clara e injustificável discriminação institucional contra as áreas de conhecimento no campo das ciências humanas e sociais,

Considerando essas reflexões, inquietações e fatos objetivos, reivindicamos: reunião com a direção da CAPES, em caráter de urgência, para debater este problema e suas conseqüências institucionais, dentre as quais a pertinência do anonimato dos pareceres e a necessidade de bancas públicas, e que o Projeto “Crise do capital e fundo público: implicações para o trabalho, os direitos e as políticas sociais”, seja reavaliado com base no Edital, respeitando-se os critérios de isonomia e legalidade.

Assinam esta Carta:

Equipe do Projeto “Projeto Crise do capital e fundo público: implicações para o trabalho, os direitos e as políticas sociais”
Universidade de Brasília – Proponente
Ivanete Salete Boschetti – Coordenadora
Evilásio da Silva Salvador
Rosa Helena Stein
Sandra Oliveira Teixeira
Maria Lúcia Lopes da Silva

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Participante
Elaine Rossetti Behring – Coordenadora
Marilda Vilella Iamamoto
Maria Inês Souza Bravo
Maurílio de Castro Matos
Mariela Becher
Tainá de Souza Conceição
Juliana Cislaghi Fiúza

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Participante
Rita de Lourdes de Lima – Coordenadora
Silvana Mara de Morais dos Santos
Andreia Lima da Silva
Maria Célia Correia Nicolau
Severina Garcia de Araujo
Ilka de Lima Souza
Miriam de Oliveira Inacio

Grupos e Núcleos de Pesquisa
Cemarx/Unicamp
Centro de Estudos Octávio Ianni – CEOI/UERJ
Grupo de Estudos Antonio Gramsci – UFGD
Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Gênero, Política Social e Serviços Sociais – GENPOSS/UnB
Grupo de Estudos e Pesquisas do Orçamento Público e da Seguridade Social – GOPSS/UERJ
Grupo de Estudos e Pesquisas MarxLutte – UEM
Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Seguridade Social e Trabalho /GESST
Grupo de Estudos e Pesquisas Trabalho, Ética e Direitos – GEPTED/UFRN
Grupo de Estudos Marxistas – GEPM/UFRB
Grupo de Estudos Marxistas em Educação da Universidades de Santa Cruz – BA
Grupo de Pesquisa “Filosofia, História e Teoria Social”- Unifal/MG
Grupo de Pesquisa “Implicações Metodológicasda teoria Histórico-Cultural”- UNESP/Marília
Grupo de Pesquisas sobre Poder Local, Políticas Urbanas e Serviço Social – LOCUSS/UnB
Grupo de Trabalho Marx – Anpof
Grupo de Trabalho Marxismo e Ciências Sociais – Anpocs
Grupo LEPEL/UFBA
NIEP/MARX/UFF
Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Teoria Social, Trabalho e Serviço Social – NUTSS/UnB
Núcleo de Estudos Agrários, Desenvolvimento e Segurança Alimentar – NEAD/UnB

Associações Científicas e Revistas

Associação Brasileira de Educadores Marxistas – ABEM
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS
Instituto Caio Prado Jr.
Revista Novos Temas
Revista Margem Esquerda: ensaios marxistas


quinta-feira, 5 de junho de 2014

Protestos no Brasil: despreparo e abusos por parte do Estado


Por Mateus Ramos





O ano de 2013, em especial os meses próximos à Copa das Confederações, ocorridas em junho, foram marcantes para o cenário político brasileiro. As ruas do país ficaram tomadas em vários estados por pessoas que tentavam exercer seu papel de cidadãos e exigirem direitos, muitas vezes esquecidos pelos governantes. Desde os "Caras Pintadas”, em 1992, o Brasil não via um movimento tão massivo e que uniu a população de forma tão plural, como os ocorridos no ano passado.

A organização Artigo 19, entidade internacional de direitos humanos com sede no Reino Unido, divulga números inéditos dos movimentos ocorridos e constata a fragilidade brasileira na proteção dos direitos de manifestação e de liberdade de expressão das pessoas. Ao todo, segundo a organização, foram 696 protestos de rua, sendo 15 com mais de 50 mil manifestantes; nessas manifestações foram detidas mais de 2.600 pessoas.

Outro aspecto observado é o despreparo das forças policiais, especialmente a militar, na forma de lidar com as manifestações. "A ação da Polícia Militar não se dá de modo a garantir a dignidade das pessoas e a integridade do patrimônio público e privado; pelo contrário, ela instiga a violência e o conflito. O que presenciei nesses eventos é que com a ação da Polícia a violência e a barbárie se generalizam”, relata em nota pública, Pedro Guimarães Lins Machado, fotógrafo, vítima da violência da polícia enquanto trabalhava nas manifestações.

A Artigo 19 relata que, em números gerais, dos 696 protestos, 16 tiveram mais de 10 pessoas feridas, além de oito mortes em decorrência do emprego desproporcional dos aparatos erroneamente chamados de "armas não letais”, que estariam longe de serem o que o nome sugere. Elas causam ferimentos graves, mutilações e podem, sim, levar à morte, como afirma uma reportagem da revista Galileu. Deveriam ser chamadas de "armas menos-letais”.

Contudo, não foram apenas as "armas menos letais” usadas em meio às manifestações; foram relatados e contabilizados o uso, por 10 vezes, de armas de fogo, ou seja, armas letais.

Uma das violações aos direitos dos manifestantes mais relatada foi a ausência de identificação por parte de muitos policiais. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), a identificação visível nos uniformes dos policiais é de extrema importância para a responsabilização de culpados no caso de violações a direitos humanos. Alguns policiais chegam a dizer que o motivo de esconderem a identificação é pelo fato de muitos manifestantes estarem usando máscaras. "Se eles podem esconder os rostos, também podemos esconder quem somos.”, afirmou um integrante da polícia, que não se identificou.


"O discurso policial calcado na ordem está funcionando de forma binária, transformando todo manifestante ali presente num inimigo do Estado, inclusive, de forma sádica, rindo da vulnerabilidade civil.”, desabafa o fotógrafo no relatório da Artigo 19.

Abusos contra jornalistas

Durante os protestos de 2013, não foram apenas os manifestantes vítimas das ações violentas e prisões arbitrárias por parte dos agentes do Estado. A polícia também cometeu violações contra profissionais de comunicação que cobriam os protestos por todo o Brasil, principalmente os que não faziam parte das grandes empresas midiáticas brasileiras. Muitas vezes, o foco eram as mídias alternativas.

O trabalho de denúncia que muitos jornalistas chamados "alternativos”, por fazerem parte de jornais digitais e fazendo transmissões ao vivo e sem interrupções pela Internet, tornaram esses profissionais quase inimigos dos policiais. As ações violentas e as prisões sem razões aparentes eram formas de bloquear o debate público, já que impediam que as informações sobre a atuação policial ou mesmo sobre a dinâmica dos protestos chegassem à população através dos veículos de comunicação.

Ao todo foram 117 jornalistas agredidos e feridos, muitas vezes de forma grave, como foi o caso do fotógrafo Sergio Silva, da agência Futura Press, que perdeu a visão no olho esquerdo após ser atingido por uma bala de borracha. "Essas armas não vão trazer nenhum bem para a sociedade. Não vão trazer nenhum tipo de paz e não vão acalmar as pessoas. O resultado é esse que aconteceu comigo. Um trauma para o resto da vida. Uma família prejudicada. É uma dor que eu desejo que o policial que me acertou nunca sinta na vida dele. É uma dor insuportável. É vontade de morrer ali para não sentir mais a dor”, declarou Sérgio no relatório.

Além do elevado número de jornalistas feridos, 10 foram presos, mesmo portando identificações provando que estavam trabalhando, como foi o caso do repórter Francis Juliano, do Bahia Notícias (BN), detido após questionar aos policiais o motivo de eles estarem espancando um fotógrafo. Segundo uma reportagem do BN, divulgada na época da prisão, além de deter o jornalista, os policiais gritavam que "o BN não tem direito de fazer interrogatório porque quem manda ali é a PM”.

Segundo Frank La Rue, relator da ONU para o direito e a liberdade de expressão e opinião, "no contexto de manifestações e situações de conflito social, o trabalho de jornalistas e comunicadores e o livre fluxo de informações através dos meios de comunicação alternativos como as redes sociais digitais, é fundamental para manter a população informada sobre os acontecimentos, pois cumpre um papel importante de reportar a atuação do Estado e da Força Pública ante as manifestações, prevenindo o uso desproporcional da força e o abuso de autoridade”.

Relatório digital

A "Artigo 19” lança nesta segunda-feira, 02 de junho, o site "Protestos no Brasil 2013”, uma versão digital do relatório homônimo, que busca fazer um registro sobre a série de violações ocorridas durante os protestos de todo o ano passado. Nesse site poderão ser encontrados dados sobre as manifestações ocorridas no ano passado, como estatísticas, infográficos e até depoimentos de pessoas que participaram dos protestos espalhados pelo Brasil.


FONTE: Adital

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