Por Aluizio Moreira
Algumas vezes nos deparamos em sala de aula com uma pergunta como esta. O que não é de se estranhar, pela completa desinformação dos nossos alunos que chegam à Universidade, pois durante o Ensino Médio, a maioria nunca ouviu falar em Normas da ABNT, Trabalho de pesquisa transforma-se em plágio de artigos da Internet, Resumo não passa de transcrição literal de capítulos de livros.
O caminho que usamos para explicar a importância de Métodos e Técnicas de Pesquisa (1) nos cursos de graduação, nos faz reportar ao que entendemos por Universidade, por Curso Superior. Infelizmente, sobre isso não há concordância nem mesmo entre os responsáveis pelas Instituições do Ensino Superior no Brasil.
Não é necessário irmos muito longe para admitirmos que para muitos, os estudos do 3º grau não são muito diferentes do ensino médio e até seria a continuação deste. Para alguns, basta o professor dominar o conteúdo qualquer, sobretudo nas disciplinas profissionalizantes indispensáveis para a disputa no mercado de trabalho, e pronto. É o tipo da Instituição preparatória de uma mão-de-obra especializada, em que entre um curso superior e um curso técnico, não há muito o quê discutir.
Se nossos pares, muitos deles também formados “em cursos técnicos superiores”, dessem o mínimo que fosse de seu tempo para pensar e assumir uma postura critica sobre Universidade; se conhecessem nem que fosse pelas orelhas de livros, o papel do ensino superior; se saíssem de seus casulos e tentassem pelo menos se informar e discutir o que se discute fora de sua “escola técnica”; se procurassem obter informações (o mínimo que podemos admitir quem frequentou os bancos do nosso ensino “acadêmico” é obter informações) e sobre a História das Universidades. . . com certeza a realidade dos nossos cursos Superiores seria outra.
Talvez soubessem um dia, que desde a primeira metade do século XIX, os que fizeram que as Universidades surgissem na Europa, passaram a vê-las, considerá-las, desenvolvê-las como centros de pesquisa, de trabalho crítico, de produção de conhecimentos, num palavra, passaram a fazer Ciência.
Embora surgida na época medieval, a Universidade do século XIX vai enfrentar duas tendências, ambas resultantes da industrialização nascente: de um lado a que segue uma linha pragmática, do utilitarismo herdado do iluminismo, defensora do caráter profissionalizante do ensino, de outro lado como espaço de incentivo à mentalidade voltada a reflexão crítica, para a pesquisa, para a ciência.
Essa última tendência terá como marco inicial importante, a criação da Universidade de Berlim, em 1810, por Humboldt, que pensou Universidade como centro de criação e difusão do saber, dos estudos reflexivos e críticos.
Se entendemos ou consideramos a Instituição de Ensino Superior como um ambiente em que fundamentalmente se incentive a pesquisa, e numa ligação estreita com a pesquisa, o desenvolvimento da investigação critica, do trabalho criador, em que o pensar se torne uma prática constante para o avanço do saber; se entendemos a Universidade como Instituição que objetiva capacitar o estudante para análise critica dos métodos e do conhecimento existentes, encaminhando-o para assumir uma postura de seriedade em relação as atividades acadêmicas pautadas pelas técnicas apropriadas e conduzidas pelo rigor metodológico; afinal se nós nos conscientizarmos de tudo isso, talvez possamos vislumbrar da importância da disciplina Metodologia da Pesquisa e/ou Métodos e Técnicas da Pesquisa.
Mas será que não estamos exagerando, dando à Universidade atribuição que ela não tem?
A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394, de 20.12.1996) ao tratar “Da Educação Superior” em seu Capítulo IV, Art. 43, estabelece como sua finalidade:
I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito cientifico e do pensamento reflexivo
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III – incentivar o trabalho de pesquisa e investigação cientifica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive.
Não temos o intuito de apresentar uma lista (que não é pequena) de autores que pensaram e pensam a Universidade como instituição que tem como objetivo produzir conhecimento científico, preparando os alunos para fazer ciência.
Qual o lugar, portanto, que deverá ocupar a disciplina Métodos e Técnicas de Pesquisa?
Partindo da aceitação de que o Curso Superior objetiva a produção do conhecimento científico, formando o corpo discente na perspectiva de fazer ciência, não se produz cientificamente a não ser através da pesquisa. Não de qualquer pesquisa evidentemente (ou do que chamam pesquisa), mas pesquisa que se oriente pelos métodos, abordagens e procedimentos aceitos pela Ciência.
Daí ser indispensável à formação do futuro profissional e cientista, além das discussões teóricas sobre o conhecer, a Ciência e o espírito científico, a apreensão das fases do processo de pesquisa, desde a elaboração da problematização, à formulação da hipótese, à formação do referencial teórico, bem como dos procedimentos técnicos inerentes à investigação do que se procura comprovar: levantamento bibliográfico, pesquisa de campo (entrevista, questionário, formulário), pesquisa documental.
Não queremos dizer com isso que não haja diferença entre o cientista reconhecido e integrado em grupos de pesquisa, com trabalhos publicados, e os estudantes de graduação que “treinam passos no caminho da ciência” (...) “Mas, para treinar passos no caminho da ciência, devem não só imbuir-se de espírito cientifico e de mentalidade cientifica, mas também instrumentar-se e habilitar-se a trabalhar com critérios de ciência.” (RUIZ, 2006, p. 49). E completa: “A diferença entre os trabalhos de pesquisa dos cientistas e os dos estudantes universitários não deveria residir no método, mas nos propósitos.” (idem, ibidem, p. 49).
No entanto esta atividade de pesquisa na Universidade, não terá sentido, nem cumprirá fielmente sua finalidade didático-pedagógica, se não houver difusão dos seus resultados ante a comunidade acadêmica e a sociedade, através da publicação em revistas acadêmicas (artigos, resenhas, ensaios), de comunicação em Congressos, de divulgação em Conferências e Encontros, de trabalhos monográficos.
Obstáculos existem para o desempenho do Curso Superior dentro dos padrões programáticos desejáveis e voltados para a pesquisa. E entre esses obstáculos citamos:
a) admite-se, na prática, que os Cursos Superiores devem se limitar ao ensino;
b) a função dos Cursos Superiores é apenas preparar mão-de-obra especializada para o mercado;
c) a monografia existe apenas para atender a obrigatoriedade das Diretrizes Curriculares;
d) poucas IES promovem eventos anuais (Congressos, Encontros, Semanas de Estudos, etc) mesmo internos, que incentivem e motivem a pesquisa cientifica (2);
e) algumas disciplinas não procuram nem seguem as mesmas perspectivas de Métodos e Técnicas de Pesquisa, nem orientam os trabalhos acadêmicos dos seus alunos, minimamente dentro das normas da ABNT (3);
f) a maioria das Instituições não cria um quadro de docentes em regime de tempo parcial ou integral que permita a atividade de pesquisa, pois não se faz pesquisa apenas em intervalos de aulas.
Conclusão: a grande tarefa do professor de Métodos e Técnicas de Pesquisa (ou Metodologia da Pesquisa), é antes de tudo convencer os alunos da importância da disciplina. Alguns só vão sentir sua utilidade por ocasião da elaboração do trabalho monográfico.
E haja mea culpa.
NOTAS:
(1) Délcio Vieira Salomon, (2010, p.7-9) expõe as diferenças existentes nas modalidades Metodologia do trabalho intelectual e cientifico, Metodologia cientifica, Metodologia da Pesquisa (ou Métodos e Técnicas de Pesquisa.)
(2) Quando acontece uma Instituição promover um dos eventos acima citados, não há a preocupação dos organizadores em padronizar as formas da produção científica a ser apresentada, se comunição, artigo, resenha (descritiva ou crítica) etc.
(3) Evidente que não defendemos a proposta que todo professor seja um especialista em Métodos e Técnicas de Pesquisa. Mas pelo menos algumas normas da ABNT sobre trabalhos científicos, referências, citações, deveriam ser lembradas e atualizadas, considerando que a maioria dos docentes seja de pós-graduados.
Obras consultadas:
FERRAREZI JUNIOR, Celso. Guia do trabalho cientifico: do projeto à redação final. São Paulo: Contexto, 2011.
LUCKESI, Cipriano et al. Fazer universidade: uma proposta metodológica. 6.ed. São Paulo: Cortez, 1991.
RUIZ, João Álvaro. Metodologia Cientifica: guia para eficiência nos estudos. São Paulo: Atlas, 2006.
SALOMON, Délcio Vieira. Como fazer uma monografia. 6.ed. São Paulo: WMF/Martins Fontes, 2010.