domingo, 19 de setembro de 2021

Paulo Freire, 100: Em busca de outra autoridade pedagógica


No centenário do educador brasileiro, um convite para repensar o papel do mestre. Em vez de lógicas disciplinantes, uma educação libertadora requer também outra gramática de poder, que promova o diálogo e a construção coletiva


Por Roberto Rafael Dias da Silva

 


Escrever sobre o centenário de Paulo Freire, considerando minha formação em Pedagogia e meu envolvimento com as questões educacionais, apresentou-se para mim nas últimas semanas como uma tarefa inadiável. Freire ocupa um espaço fundamental em nossas prateleiras; não somente pela difusão internacional de seu pensamento, mas também pela necessidade de produzir conhecimento em Educação colocando-o em nosso horizonte de reflexões. Justapondo-se ao seu pensamento, refutando suas hipóteses ou reelaborando seu repertório de indagações, as últimas gerações de educadores precisaram colocar o pensamento freiriano em permanente reflexão. Há que se reconhecer também – e isto ainda é um aspecto bem significativo – o quanto suas obras são recorrentemente mencionadas e cada vez menos estudadas. Ou ainda, como destacou o professor Flávio Brayner, no campo educacional construímos certo culto à personalidade do mestre, acompanhado de uma gradativa institucionalização de sua obra.

Reconheço a crítica realizada pelo professor Brayner e tais argumentos servirão de balizas intelectuais para a reflexão que farei neste texto. Isto é, sob o ethos do pensamento freiriano, evitarei uma posição de fidelidade para colocar em debate um aspecto que considero central nas obras do pedagogo brasileiro, qual seja: o redimensionamento da autoridade educativa. Certamente podemos ingressar no grande conjunto de suas obras por caminhos variados, considerando o alargado percurso de estudos elaborado por Freire e seus comentadores. Escolho examinar – e defender – uma concepção de autoridade que se deriva do repertório de estudos freirianos e que, contemporaneamente, ainda nos permite caracterizar um modo de relação pedagógica em nosso país.

A publicação da Pedagogia do Oprimido, no contexto das tensões políticas experienciadas na América Latina na década de 1960, atribuiu visibilidade para questões que respondiam aos desafios educativos de nosso continente. A crítica da educação bancária – centrada no professor e em sua necessidade de transmitir conteúdos – bem como o advento de uma educação problematizadora – baseada no diálogo, na inconclusão dos seres humanos e nos temas geradores derivados de sua condição existencial – renovaram a pedagogia latino-americana. O contexto das lutas democráticas, as demandas pelo enfrentamento das desigualdades e a difusão da teologia da libertação serviam de contexto para a emergência de um novo léxico para delinear a formação humana.

Alvo de inúmeras controvérsias, a relação educando-educador proposta na obra de Freire ainda é o tema que mais me instiga a considerar em minhas elaborações educativas. “Ninguém educa ninguém”, “o diálogo começa na busca do conteúdo programático” ou “os homens se libertam em comunhão” são expressões que – ainda que muito repetidas (a ponto de quase se tornarem clichês, como lembra Brayner) – recolocam em debate a temática da autoridade daquele que educa. Teria Freire abdicado da defesa do ensino e do lugar do mestre? Teria Freire fabricado um educador com vocação política e pouco compromisso com a qualidade do ensino? Sua pedagogia foi incapaz de tornar-se efetiva, ficando circunscrita a modelos alternativos e pedagogias populares? Irei responder de forma negativa a todas essas indagações, uma vez que Freire – com uma perspectiva humanista – permite-nos recolocar em debate a controversa questão da autoridade.

Richard Sennett na obra Autoridade, publicada originalmente no ano de 1980, auxilia-nos a pensar sobre os laços afetivos das sociedades modernas. Tais laços afetivos têm consequências políticas e a autoridade é uma dessas expressões emocionais do poder. Considerando a ambiguidade destes laços, bem como a dimensão contextual referente aos modos pelos quais cada sociedade constrói seus vínculos, vamos reconhecendo que a partir das mutações culturais da década de 1960 somos desafiados a pensar sobre a autoridade. No contexto pós-guerra e das variadas ditaduras que ocorreram no século XX, importante destacar que se consolidou uma espécie de medo ou negação da autoridade.

As imagens modernas acerca do exercício da autoridade supõem o uso da força, a capacidade de guiar os outros, os modos de disciplinar ou a capacidade superior de julgamento, como bem descreveu Richard Sennett. A autoridade, enfim, remete-se a uma força sólida, um refúgio para nossa proteção ou um guia que nos coloque no melhor caminho. Mais que um mero exercício de poder, a autoridade é um processo de tradução social (e subjetiva) das práticas de governo. Podemos aderir ou rejeitar, obedecer ou transgredir, defender ou substituir tais práticas, como é de nosso conhecimento. Importante destacar que todas essas características ou dimensões poderiam ser atribuídas ao professor, pelo menos em sua forma engendrada na Modernidade.

Com a consolidação dos regimes democráticos, no final do século XX, a questão da autoridade é retomada; desta vez buscando sinalizar para o seu reconhecimento na vida pública. Relendo alguns clássicos do pensamento social, Sennett defenderá na obra mencionada que as figuras públicas da autoridade precisam ser legíveis e visíveis. Isto é, “os cidadãos devem ler juntos, devem observar a situação da sociedade e discuti-la entre si”. Neste momento, julgo oportuno voltar a Freire e reconhecer a potencialidade política de sua definição da autoridade pedagógica, uma definição enraizada nas lutas educativas de nosso continente.

“Ninguém educa ninguém” pode ser interpretada como um ideal democrático da escola brasileira, na medida em que nossos modos de autoridade sejam legíveis e visíveis. Com Freire encontramos uma redefinição do papel do mestre e não o seu esmaecimento como sinalizam alguns filósofos contemporâneos. Nas palavras do pedagogo, “educador e educando (liderança e massas), co-intencionados à realidade, se encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas também no de recriar este conhecimento”. Sem vincular-me ao culto à personalidade – aspecto destacado por Brayner que procurei evitar – reconheço que os escritos freirianos trouxeram importantes contribuições para um redimensionamento da autoridade pedagógica. A busca por construir uma escola democrática, capaz de enfrentar as condições desiguais da América Latina, continua sendo nosso desafio e para isso Freire seguirá sendo um interlocutor fundamental. Acompanhados da potencialidade de seu pensamento, ainda precisamos reinscrever a aprendizagem para nossas crianças e jovens em uma gramática mais aberta e plural.

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Referências:

BRAYNER, Flávio. Para além da educação popular. Campinas: Mercado de Letras, 2018.

SENNETT, Richard. Autoridade. 2a ed. Rio de Janeiro: Record, 2012.

SILVA, Roberto Rafael Dias da. Sennett & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

 

FONTE: Outras Palavras


sábado, 11 de setembro de 2021

E o 11 de setembro chileno?


Por Aluizio Moreira

Data fatídica  essa  do 11 de setembro!  O Chile tambem teve o seu 11 de setembro.


 Palacio La Moneda

Exatamente em 11 de setembro de 1973, tropas do exército chileno sob o comando do General Pinochet, bombardeavam o Palácio La Moneda em Santiago. O Presidente Salvador Allende, democraticamente eleito, que se encontrava reunido com membros do governo,  fora ali mesmo morto, em circunstâncias ainda não esclarecidas (suicídio ou assassinato?). Iniciava-se uma das mais sangrentas ditaduras militares na America do Sul, que  duraria 17 longos anos.

Cifras da ditadura:  3.197 vítimas. Dessas 1.197 pessoas desaparecidas.Cálculos mais otimistas, estimam 100 mil o número de torturados.Cerca de 500 mil presos políticos, exilados e exonerados.

Segundo Norbert Ahrens em artigo publicado no dia 10 do corrente na página Calendário Histórico da  edição eletrônica do jornal alemão DEUTSCHE WELLE (1):

 O golpe de Pinochet foi festejado politicamente pelo governo norte-americano de Richard Nixon, do qual também obteve apoio logístico. O golpe militar de 11 de setembro de 1973 foi o sangrento ponto final da política exterior dos EUA contra o socialista Allende, que fora combatido por Washington desde o início do seu governo.

 Fato confirmado com o desarquivamento de documentos da  CIA, Pentágono, Departamento de Estado e FBI, solicitado em 1999 pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, que inclusive revelam as “operações secretas” da CIA no Chile desde 1962.

 Emir Sader, brasileiro, Sociólogo e Doutor em Ciência Politica, na época exilado no Chile, juntamente com outros brasileiros em decorrência do golpe de 1964, chega a afirmar que antes mesmo da posse de Allende:

Em reunião no Salão Oval da Casa Branca, Agustin Edwards, proprietário do jornal El Mercurio, se reuniu com Nixon e com Kissinger, começando a planejar o golpe. Kissinger afirmou que era preciso “salvar o povo chileno das suas loucuras”. Essa articulação desembocou no golpe, na destruição da ditadura chilena e na instauração do regime mais feroz que o Chile conheceu. (2)

No dia 10 setembro de 2011, enquanto rendia-se tributo às vítimas do World Trade Center e a data desperta um grande movimento de comoção e solidariedade internacionais, no Chile, nesta mesma data, em cerimônia privada que reuniu familiares e amigos, aconteceu o  traslado dos restos mortais do ex-Presidente Salvador Allende para o Mausoleu da família Allende Bussi.

Paralelamente, o  Museo de La Memoria y los Derechos Humanos, preparou para o dia 11 a exibição de 2 mil fotografias dos mortos pela ditadura de Pinochet. Trata-se de “una homenje audiovisual para los hombres y mujeres  muertos por la violencia de Estado entre El 11 de septiembre de 1973 y el 10 de marzo de 1990.”

Pouquíssimos órgãos de comunicação (impressa e/ou virtual) lembraram-se desse fato. Como esquecerão os milhares de mortos no Afeganistão e no Iraque.

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(1) www.dw-world.de/dw/article/0,2144,319346,00.html Acesso em 10.Set.2011 
(2) www.cartamaior.com.br/templates/blogMostrar.cfm?blog_id=1&alterarHomeAtual=1 Acesso em 10.Set.2011

 


sábado, 4 de setembro de 2021

Bolsonaro e seus ministros erguem o túmulo da Educação


 "O resultado tem sido o desmonte do setor, tocado por quem ultrapassa as fronteiras da mediocridade", analisa Gilvandro Filho, do Jornalistas pela 


    (Foto: Reprodução | REUTERS/Adriano Machado)

 

Por Gilvandro Filho, para o Jornalistas pela Democracia

 

O governo Bolsonaro tem imposto ao Brasil péssimos gestores públicos, nas mais diversas áreas. Mas, no que se refere à Educação, as escolhas têm sido a dedo e os resultados, desastrosos. Numa área básica da vida nacional, os quadros que têm aparecido são bizarros exemplos do bolsonarismo mais atrasado e rasteiro. O resultado tem sido o desmonte do setor, tocado por quem ultrapassa as fronteiras da mediocridade e entulhando a galeria de ex-secretários de nomes que, em um governo sério, sequer seriam lembrados para o cargo.

Ao todo, entre os que chefiaram a pasta e os que foram sem nunca terem sido, cinco bolsonaristas de estirpe podem juntar aos seus currículos a passagem, mesmo que de raspão, pelo Ministério de Educação do governo que menos olhou para o setor na História. Metade deles foi parida da verve  anticomunista, antiglobalista e terraplanista do “filósofo” e astrólogo amador Olavo de Carvalho, mentor da ala ideológica do governo e padrinhos escancarado de pelo dois ex-ministros, o colombiano Ricardo Velez Rodriguez e Abraham Weintraub, de sofrida memória.

Ricardo Velez, o primeiro ministro da Educação de Bolsonaro, cometeu um número tão grande de parlapatices, para seus três parcos meses de gestão, que acabou caindo. Destaque para o pedido que fez a professores para filmar os alunos cantando o Hino Nacional e recitando o slogan de Bolsonaro, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. O ridículo da ideia não a permitiu prosperar e ele pediu o boné logo depois.

Abraham Weintraub era mais perigoso e foi um dos mais ideológicos dos ministros de Bolsonaro. Caiu por excesso de confiança, pois às vezes pensava ser o próprio presidente da República. Colecionou palavras e atos polêmicos, alguns de cunho racista, todos nitidamente antidemocráticos. Na famosa reunião ministerial de 21 de abril de 2020 (a da “boiada” do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles), foi autor da recomendação para prender os ministros do Supremo Tribunal Federal. "Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF", declarou, no encontro. Caiu meio que pra cima. Ainda ocupa cargo no Banco Mundial e manteve por um bom tempo o irmão Arthur como importante assessor do Planalto.

No time dos ex-quase-futuros ministros da Educação, o professor Carlos Decotelli foi o número um em bizarrice. Anunciado 13 dias após a saída de Weintraub, não chegou a tomar posse. Foi-lhe fatal a revelação de que mentiu ao enxertar no currículo cursos e títulos que não possuía e que Bolsonaro, pomposamente, citou na TV ao anunciar seu novo ministro. “Decotelli é bacharel em Ciências Econômicas pela UERJ, mestre pela Fundação FGV, doutor pela Universidade de Rosário, Argentina, e pós-doutor pela Universidade de Wuppertal, na Alemanha”, declamou o “mito”. Não era bem assim. As duas universidades estrangeiras desmentiram a conversa mole e o professor foi “desescolhido”.

E há um caso de recusa, o do empresário Carlos Feder, que chegou a ser anunciado por Bolsonaro, mas declinou do convite. Uma sequência de escolhas equivocadas e gestões desastradas que tornaram a Educação na era Bolsonaro um peso morto em termos de qualidade e importância histórica. Coisas pelas quais o setor, que já teve à Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Fernando Haddad, sempre primou. O governo Bolsonaro constrói a façanha de ser o túmulo da Educação.

Mas, pelo visto, o atual chefe da pasta, o pastor protestante Milton Ribeiro, vai além. Com seu estilo tosco e inacreditavelmente retrógrado, tem mantido a tradição da linhagem bolsonarista, e se superado. Rancoroso e radicalmente evangélico (“terrivelmente evangélico” é outro requisito criado por Bolsonaro, mas para ocupantes do STF por ele indicado), tem marcado a sua gestão por atitudes de um viés de extrema-direita que deixa o citado Olavo no chinelo.

Em seu ideário e discurso, Ribeiro coleciona bizarrices. Já defendeu a universidade “para poucos”. Universidade que ele, antes mesmo de ser ministro, já entendia como reduto de “sexo sem limites”. Em vídeos mais antigos , já apareceu defendendo um feminicida que, segundo ele, “confundiu paixão com amor”,  ou pregando castigo físico para educar crianças. Um “democrata”. Repleto de aspas.

A última de Milton Ribeiro foi se envolver em bate-boca com a filha do ex-jogador e hoje senador Romário. Ivy, portadora de síndrome de down, enquadrou o ministro após este ter cometido o despautério de questionar o “inclusivismo” ao afirmar, na TV Brasil, que misturar crianças deficientes com alunos sem a mesma condição “atrapalha” o aprendizado desses últimos. Romário, que tem a defesa da criança com deficiência como bandeira desde o nascimento na filha caçula, reagiu primeiro, chamando o ministro de “completo idiota” e “imbecil”. Ribeiro reagiu à moda bolsonarista, dizendo que a sua frase foi “tirada de contexto”. Mas coube a Ivy rebater, com doçura, as patadas do ministro, a quem acusou de “mal educado”.

"Sabe, eu tenho síndrome de Down, sou uma pessoa com deficiência, e sou estudante. Eu estudo para ter um futuro e ajudar o meu país. Eu não atrapalho ninguém", fulminou a pequena Ivy, que se mostrou uma craque na sensibilidade, na sagacidade e no bom senso. Como o pai sempre foi na bola. Como o ministro nunca foi, em nada disso.

 

Gilvandro Filho Jornalista e compositor/letrista, tendo passado por veículos como Jornal do Commercio, O Globo e Jornal do Brasil, pela revista Veja e pela TV Globo, onde foi comentarista político. Ganhou três Prêmios Esso. Possui dois livros publicados: Bodas de Frevo e “Onde Está meu filho?”

 

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/bolsonaro-e-seus-ministros-erguem-o-tumulo-da-educacao



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