sábado, 29 de setembro de 2018

A educação básica na mira das grandes corporações






Por Ricardo Alvarez 


A história da educação pública e de massa no Brasil ganha impulso com as demandas impostas pela urbanização e industrialização iniciadas com Vargas e impulsionadas com JK. O Estado é o elemento chave neste processo fomentando, ao mesmo tempo, uma nova estrutura produtiva e o devido suporte na qualificação dos trabalhadores.

O monstruoso analfabetismo vai cedendo terreno aos poucos e a manipulação das letras e números se incorpora ao cotidiano dos brasileiros. A escola, antes um privilégio dos ricos e brancos, incorpora gradativamente pobres e negros.

Este processo de ampliação não se fez sem contradições, mas a crise da educação brasileira assume maior complexidade a partir dos anos 60.

Primeiro com o golpe de 64 cujo modelo de educação militar era claramente avesso ao pensamento crítico. Na redemocratização o mantra do mercado livre do governo FHC abriu as portas para a privatização. Nos governos petistas o protagonismo do Estado na defesa da educação pública e de qualidade pouco avançou. A PEC 95 no governo Temer, que congela os gastos em educação por 20 anos, mostra que as coisas ainda podem piorar.

O quadro geral é de desespero. Com décadas de desinvestimentos, desestímulo à carreira do magistério, falta de estrutura e perda do sentido da leitura e reflexão para os nossos jovens, a crise não chega a ser surpresa. A escola pública não tem muito a oferecer num país de economia subordinada, reprimarizada e financista.

São Paulo é um caso significativo neste processo deliberado de deterioração. Aprovação automática e carreira profissional desvalorizada são símbolos do descaso que, de resto, se espalham pelo território nacional.

O ensino médio e fundamental público e de qualidade no Brasil, pela via das políticas públicas, morre aos poucos. Sobrevive pontualmente pelo esforço monumental de professores, trabalhadores e estudantes que se empenham pelo bom andamento da educação.

Escolas qualificadas para os filhos dos ricos já existem, não é de agora, mas começam a pintar os primeiros sinais de um novo modelo de gestão a partir da presença das grandes corporações no ensino básico. Mas que modelo é este?

É a reprodução do que ocorre no ensino superior privado expandido para o médio e fundamental. Passa pela destinação de verbas públicas (FIES e PROUNI readequados) às grandes corporações que assumem as escolas com a promessa da redenção.

O filme é conhecido e seu final não é feliz. Propaganda massiva que esconde um ensino de qualidade duvidosa, recursos abundantes em publicidade e garotos propaganda, corpo docente mal remunerado associado a rodízio na mão de obra, dentre outras distorções. Ou seja, o plano dos negócios se sobrepõe ao plano educacional.

A educação pública, laica e de qualidade passa pelo cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação, a saber: ensino em tempo integral, qualificação dos profissionais em educação, melhoria das condições salariais e de trabalho, investir em infra-estrutura, plano de carreira, 10% do PIB investido em educação, dentre outras medidas.


Ricardo Alvarez
Professor, mestre em geografia urbana pela USP e criador do site Controvérsia e escreve semanalmente.


FONTE: Controversia

domingo, 23 de setembro de 2018

Duas táticas da oligarquia financeira no Brasil



   Primeiro: "adocicar" Bolsonaro, por meio do ultraliberal Paulo Guedes. Segunda: colonizar
uma das candidaturas à esquerda, "sugerindo" um ministro da Fazenda como
Joaquim Levy


Por Paulo Kliass *


À medida que a conjuntura evolui, passam a ficar mais claras as probabilidades para o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais. As pesquisas de intenção de voto começam a convergir para um quadro em que Jair Bolsonaro e Fernando Haddad poderiam despontar como os dois primeiros colocados na apuração do próximo dia 7 de outubro.

A recusa do sistema que se articula junto à cúpula do Poder Judiciário em rever as injustiças e ilegalidades presentes no processo contra Lula, fez com que Haddad fosse apresentado como o candidato oficial do PT e Manuela d’Ávila (PCdoB) fosse guindada à posição de vice. Por outro lado, o atentado cometido contra o candidato do PSL ajudou na incorporação da estratégia de sua vitimização, permitindo que o mesmo mantivesse a campanha nas redes sem ser obrigado a enfrentar suas dificuldades e contradições nos debates.

A aguardada transferência de votos de Lula para seu substituto começa a se manifestar nas pesquisas de intenção de voto, fazendo com que a posição da chapa Haddad/Manuela passe a ser mais conhecida e indicada pela população. A rejeição elevada de Temer e o desastre do austericídio tornam ainda mais difícil a vida de Meirelles e Alckmin, favorecendo a migração de votos anti-petistas de forma antecipada já para Bolsonaro. A tendência é que essa polarização se consolide. Ciro e Marina dificilmente conseguirão fôlego para entrarem nesse jogo mais pesado.

O risco da perpetuação do golpe

No entanto, é importante perceber que a realização das próprias eleições parece não mais garantir a continuidade do processo democrático e institucional. Uma série de declarações e manifestações recentes de integrantes do alto escalão das Forças Armadas têm vocalizado o interesse e o desespero de setores do empresariado e do financismo. Frente à incapacidade dos candidatos mais afinados com a herança do golpeachment em conquistar a simpatia do eleitorado, a estratégia agora vai para a linha de fortalecer um suposto voto útil antecipado da direita, agora já no primeiro turno.

Ocorre que é bastante elevado o índice de rejeição de Bolsonaro e isso deve contribuir para que sua performance no segundo turno do pleito seja ainda mais difícil. Com isso, começa a se difundir a alternativa de perpetuação do golpe: qualquer resultado que não assegure a vitória de deputado-capitão será considerado como usurpação da vontade popular.

Essa tentativa de edulcorar o defensor da tortura, da pena de morte e da cultura do estupro não é tão recente como parece. Na verdade, começou a tomar forma há muito tempo, com a insatisfação de parcela da classe média mais radicalizada, que sempre se abrigou no discurso beligerante e intolerante que o tucanato praticou nesses anos todos de oposição no plano federal. Há poucos meses, a indicação do conservador Paulo Guedes para responder por seu programa econômico foi um passo importante nessa estratégia. Setores dos meios de comunicação começaram a divulgar uma imagem mais palatável daquele que faz apologia da violência, da homofobia e que se posicionava contra a privatização de empresas estatais até pouco atrás.

A tentativa de maquiagem de Bolsonaro

Com intuito de evitar declarações contraditórias e que o afastassem ainda mais da elite do financismo, Bolsonaro delegou ao seu liberal radical a função de responder às questões mais embaraçosas no domínio da economia. Uma das maiores revistas semanais de (des)informação chegou a postar em sua capa a foto do economista íntimo dos círculos do financismo, com a legenda de “Presidente do Brasil”. O recado era bastante claro, ao sugerir o voto útil no militar reformado. Uma espécie de reconfortante de consciência para os financistas mais recalcitrantes em aderir a essa aventura da barbárie contra os elementos básicos da civilização. Como se os editores dissessem: “Podem votar sem preocupação no Bolsonaro, pois o governante de fato será nosso companheiro Paulo Guedes”.

No outro front, os formadores de opinião do establishment abrem sua artilharia pesada contra qualquer tentativa de romper com a política de ajuste conservador, baseado no austericídio, nas reformas redutoras de direitos e no avanço da destruição do Estado. Para tanto, buscam encapsular e capturar a candidatura de Fernando Haddad para seu campo de atuação. Afinal, o ex ministro de Lula nunca escondeu suas tendências em direção a uma espécie de um confuso social-liberalismo tupiniquim. Não nos esqueçamos de que, no início do ano passado, o professor trocou a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da USP por uma instituição escancaradamente vinculada ao mercado financeiro – o INSPER. Isso dá bem a medida de sua indefinição em termos de uma vocação intelectual e ideológica.

Os operadores da banca tendem a ser muito pragmáticos em sua estratégia e o que eles querem mesmo é saber de compromissos com suas postulações. Não é por outro motivo que aqui e ali são lançados balões de ensaio para aferir a disposição de Haddad em aderir a esse projeto continuísta. Criam situações de embaraço e constrangimento para o candidato, pressionando pela manutenção da essência da política econômica em vigor, iniciada ainda por Joaquim Levy sob Dilma e levada cabo por Meirelles e Goldfajn.

Escapar da pressão do financismo

Esse é outro dos riscos envolvidos no processo eleitoral. No momento atual não há mais espaço econômico nem fiscal para que seja repetida a tática adotada por Lula durante seus dois mandatos. Acabou-se a bonança na esfera internacional e o “boom” das commodities não oferece mais a alternativa do jogo ganha-ganha, onde todos os setores eram beneficiados pela política econômica. Os grandes conglomerados do capital nacional e internacional ganharam muito dinheiro no período. Os bancos e demais instituições financeiras também nunca obtiveram tantos lucros. E ainda sobraram recursos para fazer políticas sociais importantes, que contribuíram de forma significativa para a redução das desigualdades e para promover inclusão social.

Agora o momento é outro. O cenário internacional não é lá tão favorável. O austericídio jogou o Brasil na maior recessão de sua História. Os desempregados estão na casa dos 13 milhões. Os números de falências de empresas são impressionantes. O desastre da crise trouxe a fome e a miséria para o cotidiano de nossa sociedade. A carência fiscal provocada pela queda da atividade econômica aponta para um novo ano de dificuldades para as contas públicas: 2019 deve apresentar um déficit superior a R$ 140 bilhões.

Em situações como essa, a máxima de que “governar é realizar escolhas e estabelecer prioridades” vale em toda a sua plenitude. O financismo já tem pronta e definida a sua pauta, nossa velha conhecida. Isso significa nada mudar em relação aos estragos que Temer & Meirelles já realizaram. A lista é longa: i) manter o tripé da política econômica; ii) preservar a busca desenfreada pelo superávit primário; iii) manter intocáveis os ganhos do setor financeiro associados às despesas com juros no Orçamento; iv) dar continuidade à política de concessões e privatizações; v) aprofundar a entrega do Pré Sal às multinacionais do setor petroleiro; vi) manter a EC 95, que congela as despesas públicas por longos 20 anos; vii) manter as deformações e maldades da mudança da CLT; viii) dar seguimento à Reforma Previdenciária redutora de direitos encaminhada por Temer & Meirelles ao Congresso Nacional; ix) autorizar a venda da Embraer à Boeing; entre tantos outros pontos advindos do lado sombrio da força.

O dilema de Haddad: semi-continuidade ou mudança de fato?

Nessas condições, resta imaginar como deverá se comportar um eventual governo Haddad. Para além das declarações ao longo do debate eleitoral, deve ser objeto de preocupação e controle por parte das forças progressistas como se pautará sua relação com o establishment financeiro. O perfil das nomeações para Ministério da Fazenda e Banco Central serão sinalizações importantes nesse sentido. Ao votar contra Bolsonaro, general Mourão e Paulo Guedes, a população estará sinalizando o desejo expresso de abandono da pauta golpista da austeridade e do desmonte do Estado. Haddad não pode se submeter a esse tipo de chantagem do povo das finanças, sob pena de cair mais um vez no canto de sereia do servilismo e do bom mocismo. A experiência catastrófica do estelionato cometido por Dilma em 2015 ainda está bem fresco em nossas memórias.

Felizmente, o debate eleitoral já proporcionou a criação de alguns consensos importantes. Por exemplo, a convergência em torno da promoção de um referendo revogatório contra a emenda constitucional do congelamento. A necessidade de desfazer o mito do superávit primário e não conceder tratamento privilegiado às despesas de natureza financeira. A urgência em retomar o protagonismo do setor público como motor da retomada do crescimento e desenvolvimento econômicos. A compreensão de que, em um primeiro momento, o Estado deverá mesmo aumentar seus gastos e que isso retornará aos cofres públicos nas etapas seguintes, quando houver a retomada das atividades e aumento da capacidade de arrecadação tributária.

Por outro lado, isso significa também desfazer um conjunto de malfeitos perpetrados desde meados de 2016. Trata-se de anular os monstrengos criados pela extinção/fusão de Ministérios como Trabalho + Previdência; Ciência Tecnologia e Inovação + Comunicações; retirada de Comércio Exterior e BNDES da estrutura do MDIC; Desenvolvimento Agrário + Desenvolvimento Social; Secretarias de Direitos Humanos, Mulheres e Igualdade Racial. Ou seja, trata-se de restabelecer os instrumentos do aparelho governamental para implementar as necessárias políticas sociais.

Enfim, o cenário está montado. Falta apenas a coragem política para enfrentar as dificuldades e confiar na capacidade da população em apoiar o novo governo nas medidas que deverão impor sacrifícios também ao chamado andar de cima. As elites sempre foram deixadas à margem de qualquer contribuição econômica para tirar o País de seus momentos mais difíceis. 2019 poderá vir a ser o ano da mudança. Ou então tudo continuará como dantes.



* Doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal


sexta-feira, 14 de setembro de 2018

80% da pesquisa no Brasil está ligada a programas de pós-graduação


Comunicado da Capes alertou para a possibilidade de corte em bolsas a partir de 2019


Rafael Tatemoto


93 mil bolsistas de pós-graduação podem ser afetados
Marcos Santos/USP Imagens


No Brasil, 80% das pesquisas em ciência e tecnologia estão ligadas a programas de pós-graduação. Apesar disso, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes), agência de fomento federal, anunciou recentemente que os cortes no orçamento do órgão levarão à interrupção do pagamento de bolsas a partir do segundo semestre de 2019. O percentual é apresentado pela própria entidade. 

A projeção da Capes foi feita a partir da Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovada para 2019, onde o órgão sofreria com um corte de pelo menos R$ 580 milhões no ano que vem. O impacto abarcaria 93 mil bolsas de pós-graduação – mestrados, doutorados e pós-doutorados. Em outra área, a de formação de docentes, com os programas Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), de Residência Pedagógica e o Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor), 105 mil bolsistas em 2019 podem ser afetados.  Apenas a título comparativo, a cifra representa apenas 70% do valor pago – R$ 817 milhões - a 17 mil magistrados (juízes e desembargadores) no Brasil como auxílio-moradia.

Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira de Progresso da Ciência (SBPC), aponta que a entidade faz contínuos alertas há pelo menos dois anos sobre os cortes orçamentários na área. 

“É muito grave. Quase 80% da pesquisa brasileira está relacionada à pós-graduação. A gente já vinha dizendo em relação a Capes, CNPQ, Finep, a todo esse corte em relação à ciência e tecnologia. Já está havendo um sucateamento de laboratórios. Isso certamente diminui muito a competitividade da ciência brasileira. Quando isso vem da própria direção da Capes fica muito mais evidente”, diz. 

Moreira aponta que, além da perspectiva negativa que o cenário levanta para possíveis pesquisadores, cortes em pesquisas têm efeitos na própria economia. Ele menciona o fato de que países desenvolvidos investem em média cerca de 3% de seu PIB em ciência e tecnologia. O Brasil investe apenas 1%. 

“Esses países investem pesadamente nisso porque vem como uma questão econômica importante, de inovação tecnológica, de transformação social e melhoria das condições de vida.  A pesquisa básica em todos países avançados do mundo tem apoio do Estado. As universidades americanas, as grandes universidades do mundo, todas elas têm participação significativa de recursos públicos”, defende.

O biólogo Rógean Vinicius Santos Soares, integrante da diretoria da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), afirma que o comunicado da Capes foi defendido pela representação da entidade no conselho diretor do órgão para que houvesse dados concretos sobre o impacto da LDO na pesquisa científica. Além disso, apontou o que significaria para os pesquisadores o fim das bolsas. 

“A bolsa do pós-graduando tem uma grande defasagem: ela não é reajustada desde 2013. Das agências nacionais, a bolsa de mestrado hoje é de R$1500 e a de doutorado R$ 2200. Como a maioria dos bolsistas são obrigados a ter dedicação exclusiva, ou seja, não tem outra fonte de renda, esse dinheiro é apenas para a sobrevivência”, critica. 

Uma série de mobilizações locais foram marcada contra os cortes. No dia 14 de agosto, um protesto em Brasília deve ocorrer. A data é o prazo final para Temer avaliar o texto da LDO. O Ministério da Educação anunciou na noite desta sexta-feira (3) que os cortes previstos não devem se concretizar. 



Edição: Pedro Ribeiro Nogueira


domingo, 9 de setembro de 2018

As grandes vítimas da contrarreforma trabalhista



Cortadores de cana (2015): Sob forte calor, cada um chega a cortar e carregar
15 toneladas por dia. Agora, com menos salários, direitos e Previdência.


Milhões de trabalhadores rurais estão perdendo registro, benefícios sociais e direito à Previdência. Expostos ao poder do latifúndio, podem converter-se, na prática, em semi-escravos


Por José Álvaro de Lima Cardoso | Imagem: Márcio Pimenta


Um dos pilares do golpe é aumentar, em geral, o grau de exploração da força de trabalho. A lista de medidas nesse sentido é imensa: contrato por tempo parcial, trabalho intermitente, destruição da CLT, fim das limitações da terceirização a atividades fim, desmonte do Estado público, demissão e arrocho salarial nas estatais, etc. No entanto, se o programa dos golpistas achata a renda e precariza as condições dos trabalhadores em geral, para a população rural ele é simplesmente devastador. No campo se localizam os maiores índices de informalidade, um menor índice de organização sindical em vigor e uma cultura secular do trabalho escravo. Neste quadro, através da contrarreforma trabalhista, procuraram desarticular os sindicatos, por exemplo, com o fim da obrigatoriedade do imposto sindical. O desmonte dos modestos avanços dos anos anteriores ao golpe, tem sido dramático e muito rápido.

A partir de 2016, mais de 50 milhões de brasileiros passaram a viver em situação de pobreza, com uma renda de 387 reais por mês, de acordo com os dados do IBGE. Para efeito de comparação: em 2013 o programa Bolsa Família (essencial para a população rural) beneficiou cerca de 14 milhões de famílias número que totaliza aproximadamente um quarto da população do país. Após uma “limpeza” no cadastro feita em 2016 e 2017, o governo ilegítimo retirou 1,5 milhão de pessoas da lista de beneficiários do programa. A relação entre os cortes dos programas sociais e a intensificação da pobreza no campo é direta. No ano passado a pobreza extrema aumentou, pelo terceiro ano consecutivo, em 11%, o que representa um aumento do indicador em 14,8 milhões de brasileiros.

O desmonte de ações estatais em benefícios da população é amplo, e abrange todos os programas que possibilitavam uma atenuação da pobreza e da concentração de renda no campo. O Programa de Aquisição de Alimentos (que compra produtos a preços de mercado regionais e os transfere a instituições públicas), fundamental para o escoamento da produção da agricultura familiar, sofreu cortes orçamentários abruptos, caindo de 840 milhões de reais em 2012 para 360 milhões de reais no ano passado.

Os golpistas estão destruindo também o Programa Cisternas, que levou até as comunidades das regiões mais secas e pobres do país, técnicas de armazenamento e gerenciamento de águas pluviais. Este programa é extremamente bem-sucedido: desde 2003 mais de 1,3 milhão de cisternas foram instaladas, ofertando água potável para beber e para a produção agrícola durante a estação seca. Contudo, desde 2015, o programa vem sofrendo drásticos cortes orçamentários: o orçamento era de 377 milhões de reais em 2013 e, no ano passado, tinha caído para 46 milhões (88% de redução).

Segundo a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), os cortes no orçamento significam um número de mais de 350 mil famílias que não recebem as tecnologias de uso de água potável. O pior é que a redução do Programa vem justamente em um momento em que o país é atingido por secas violentas e a economia vive uma das mais graves estagnações da história.

O desmonte dos programas sociais e a contrarreforma trabalhista tornam as famílias que vivem no campo mais vulneráveis, o que as obriga a se submeterem mais as exigências do capital. A contrarreforma trabalhista rebaixou o mínimo de garantias que os trabalhadores tinham e satisfez praticamente todas as exigências das empresas, além de diminuir os custos do trabalho, tão criticado pelo empresariado rural. O fim do pagamento das horas in itinere, a terceirização sem limites, a contratação de autônomos, o trabalho intermitente, a “pejotização”, o banco de horas (compensação de horas extras, demissão “em comum acordo”; tudo isso piorou em muito a vida do trabalhador rural.

Segundo a Pnad-IBGE (2015), do total de 13,5 milhões de trabalhadores rurais brasileiros, 12% têm carteira assinada, 17% trabalham informalmente (com acordos verbais e temporários) e os demais dedicam-se à agricultura familiar. Segundo a referida pesquisa os trabalhadores rurais que estão na informalidade têm rendimento mensal médio de até um salário mínimo. Além disso, um terço deles recebe menos de um salário. Com a contrarreforma trabalhista, muitos empregados permanentes do campo começam a passar à condição de empregados temporários. Muitos contratos fixos estão passando para contratos temporários ou intermitentes, mais baratos aos patrões. Como se sabe, o pagamento mínimo por dia na jornada intermitente tem que ser equivalente ao salário mínimo diário. Acontece que o trabalhador, muitas vezes não consegue trabalhar horas suficientes para completar o salário mínimo no final do mês, fenômeno que os sindicatos urbanos já vêm detectando nas suas bases. A questão é que um trabalhador só pode pagar a Previdência Social se conseguir totalizar, no mês, a contribuição equivalente a um salário mínimo, hoje de R$ 954.

Em 2017, a apresentação de um projeto de lei por um deputado do Mato Grosso, que prevê a possibilidade de pagamento dos trabalhadores rurais através de “remuneração de qualquer espécie”, o que pode incluir alimentação e moradia, mostra o quanto a bancada ruralista está determinada a aniquilar direitos sociais e trabalhistas.

Essa questão não tem uma dimensão meramente econômica. A destruição de políticas assistenciais e de organização do campo tem um aspecto político fundamental: trabalhador sem direitos e esmagado pela miséria, tende a ser servil e sem vontade própria. O que facilita, na prática, um regime de semiescravidão.


Como desmontar a Ciência e Tecnologia brasileiras

CNPq, entidade essencial ao desenvolvimento nacional, é o alvo da vez. Série de cortes brutais em Educação e Ciência escancara um Brasil q...