quinta-feira, 28 de julho de 2016

A farsa do ‘Estado Democrático de Direito’


Por Fausto Arruda   


O sistema político vigente no Brasil, baseado na farsa eleitoral e na corrupção endêmica, chega aos seus estertores. Mantido até a exaustão pelo caráter retrógrado das classes dominantes brasileiras, incapazes até mesmo de entrarem em correspondência com o espírito democrático burguês, agoniza na decomposição mais pútrida a céu aberto enquanto, desesperados, seus criadores buscam um soro capaz de lhe dar uma sobrevida.

Sob o esfarrapado manto do “Estado Democrático de Direito” as classes dominantes vão cortando na própria carne, embora muito longe de extrair o carnegão da condição semicolonial e semifeudal de seu velho Estado genocida alicerçado no capitalismo burocrático em crise terminal.

Preparam-se para lançar mão de um arsenal de remendos a serem colados sobre o manchão, denominado de Constituição brasileira, e a isto darão o nome de “reforma política”.

DIREITO PARA QUEM?

O que parecia um interminável novelo, denominado de “Operação Lava Jato”, ao aproximar-se de impolutas figuras dos três “podres poderes” dá lugar a maquinações engenhosas e ensaios na opinião pública de como pôr um ponto final.

O instituto da delação premiada e dos acordos de leniência, de repente, vão escancarando o caráter de classe do Judiciário, senão vejamos (com informações do Jornal O Tempo): “Os delatores da Operação Lava Jato, como Fernando Baiano, Sérgio Machado e Nestor Cerveró, tem tido uma vida de luxo após firmarem acordos de colaboração premiada e receberam o benefício da prisão domiciliar.

Machado, ex-presidente da Transpetro, cumpre pena em sua casa, uma mansão no litoral de Fortaleza, Ceará. Ele admitiu que recebeu R$ 75 milhões em propina e, após o acordo com o Ministério Público Federal, cumprirá três anos de prisão domiciliar.

Ex-diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró cumpre sua pena em um sítio em Itaipava (RJ), após ter sido preso em Curitiba (PR). Localizado em um condomínio de luxo, o sítio tem 2.700 metros quadrados e Cerveró não pode deixar o perímetro de sua residência por um ano e meio, exceto em caso de emergências médicas.

Já Fernando Baiano, lobista condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, cumpre pena desde novembro de 2015 em uma cobertura na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, avaliada em R$ 12 milhões. Apesar de não poder sair do prédio, o condomínio oferece piscina, quadra de tênis, churrasqueira e salão de beleza.

O ex-diretor Paulo Roberto Costa e o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco também estão presos em apartamentos de luxo no Rio. Em uma casa de alto padrão, em São Paulo, está Júlio Camargo”.

O outro lado da moeda podemos verificar nas páginas do AND edição 172 ao denunciar o Estado policial e a escalada fascista: “Ademais da brutal repressão contra as massas do campo que, com o concurso dos bandos de pistoleiros associados às forças policiais, criminaliza, persegue, prende, tortura e assassina dirigentes e ativistas do movimento camponês, indígenas e remanescentes de quilombolas; e nas cidades persegue, com seus aparatos repressivo e jurídico, os movimentos populares classistas e a juventude combatente, a escalada fascista se aprofunda mais e mais na medida em que se acirra a luta de classes”.


DENUNCIAR A FARSA

Se o caráter das pessoas, dos partidos e dos Estados não pode ser definido pelo que eles dizem de si mesmo e sim pela sua prática, por sua ação concreta, o “Estado Democrático de Direito” consagrado nas páginas da Constituição brasileira não passa de letra morta para as massas, enquanto que, para as classes dominantes exploradoras e opressoras mantém o princípio da velha política: “para os amigos tudo; para os indiferentes a lei; e, para os inimigos os rigores da lei”.

Este Estado, cuja base se reproduz através da farsa eleitoral, viverá este ano mais um episódio em que as oligarquias municipais e regionais encenarão mais uma farsa, para alçar ao poder local os filhos, netos e cupinchas dos velhos oligarcas.

É muito provável que pela primeira vez na história deste país a plateia não permita que a encenação se proceda com a mesma tranquilidade de outros tempos. A revolta popular já expressa em movimentos como o de junho/julho de 2013 e nas cotidianas e pulverizadas manifestações das populações no campo e na periferia das grandes cidades, nas favelas e bairros proletários; nas ocupações de escolas por parte da Juventude Combatente; tudo isso, é um indicativo de que os políticos e seus partidos eleitoreiros de todos os matizes serão como nunca antes rechaçados nas ruas e nas urnas.

Comícios e manifestações contra a farsa eleitoral e pelo boicote deverão se multiplicar aos montes, levando a que a massa de eleitores, pelo temor de ameaças, não se abstenha, realize seu protesto pela anulação do voto e pelo voto em branco.

PREPARANDO A REVOLUÇÃO

É neste terreno e nestas condições que se expandirá e se propagará entre as massas do campo e da cidade a necessidade da Revolução Democrática, através das mobilizações em defesa de seus interesses imediatos por terra, saúde, educação, transporte, moradias, emprego, saneamento básico e do entendimento de que isto deverá ser arrancado aos gerenciamentos de turno pelo grau crescente de sua politização e organização transformada em luta política aberta pelo Poder.

A mobilização, politização e organização de camponeses, operários, professores, profissionais liberais honestos, pequenos e médios proprietários rurais, comerciais e industriais, das mulheres e da Juventude Combatente desaguará, inevitavelmente na compreensão de que fora o poder, tudo é ilusão e que somente com a guia revolucionária, o partido revolucionário, poderão avançar para a derrubada do velho e construção do novo.

Urge, portanto, que as forças populares revolucionárias e democráticas passem a explicitar ao nível das minúcias o Programa da Revolução de Nova Democracia, aglutinando em torno do mesmo a revolta das massas e fazendo girar com velocidade a roda da História.


sexta-feira, 22 de julho de 2016

Razão neoliberal, dissolução da democracia e alternativas





Hoje, evitar o impeachment. Mas em seguida, inventar lógicas que recuperem a política como projeto coletivo, resgatem a esfera pública e reabilitem a potência da ação coletiva

Por Tatiana Roque


Defender a democracia. Esse é o mote que tem reunido ações de diferentes correntes político-partidárias. Há um sentimento de que há algo em risco, algo bem maior que o governo. Mas parece exagero pensar, por outro lado, que uma ditadura nos espreita, nem mesmo um projeto coordenado de usar meios autoritários que ameacem a liberdade do cidadão comum. A percepção de que a democracia está fragilizada é real, mas, ao invés de representar um retorno ao passado, pode ser explicada por uma compreensão aguda da atual fase do capitalismo neoliberal. Lembremos que, no pedido de impeachment, o suposto crime de responsabilidade seria um desrespeito à austeridade fiscal. Ou seja, se julgado procedente, representará uma criminalização da política econômica.

O neoliberalismo está muito além, contudo, de uma orientação da economia. Trata-se de uma racionalidade política que envolve um tipo preciso de organização social, um modelo de Estado e mecanismos eficazes de produção de subjetividade. Práticas de governança, nos termos de Foucault, que se traduzem como uma razão política normativa que abarca muitos campos para além daqueles ligados ao mercado.

Entendido desse modo, o neoliberalismo implica uma desativação de diversos princípios que regem a democracia liberal. Só para dar alguns exemplos de fenômenos em curso:

- suspensão da separação entre esfera pública e esfera privada;

- tratamento de opções políticas como ofertas concorrentes que o cidadão-consumidor deve escolher;

- conformação da ação pública aos critérios da produtividade e da rentabilidade;

- exacerbação dos poderes de polícia, que deixa de estar submetida a qualquer controle;

- desvalorização simbólica da lei, considerada mais tática do que princípio, com consequente fragilização do sistema jurídico;

- confusão entre as esferas política e econômica;

- centralidade dos temas da gestão para a avaliação da boa governança.

A democracia liberal, diante desse quadro, segue operando como esfera política ideal, mas perde sua face normativa. Wendy Brown1 chega a denominar des-democratização a desativação atual de fundamentos como: igualdade, universalidade, laicidade, autonomia política, liberdades civis, cidadania, regras ditadas pela lei e imprensa livre. Pierre Dardot e Christian Laval2 ressaltam que o neoliberalismo é distinto do liberalismo clássico justamente pela função proeminente do Estado que deve, ao mesmo tempo, construir o mercado e se construir segundo as normas do mercado. As leis do mercado deixam de ser concebidas, portanto, como leis naturais e cabe ao Estado garantir o bom funcionamento da concorrência. Seu papel é deslocado, assim, da esfera da justiça e das garantias ao cidadão para a esfera da gestão, cuja função é gerar um ambiente propício para a ação das empresas. A partir dessa lógica, podemos entender que seja mais importante respeitar a meta fiscal do que garantir o pagamento dos programas sociais, ou o financiamento da universidade pública. A lei adquire um papel tático que pode ser flexibilizado em prol da performance: uma legalidade de resultados.

Essas mudanças impõem-se gradativamente em um ambiente social degradado, em um mundo no qual a participação política é percebida como inócua: só nos resta cuidar de nossas vidas, pois a ação coletiva não tem consequência e não dá retorno algum. O indivíduo deve ser empresário de si, ficando responsável pela sua sorte, pelo investimento em si mesmo, como um capital que deve render frutos, mantendo-se produtivo e empregável. Além disso, a racionalidade liberal responsabiliza o indivíduo pela solução de problemas tipicamente sociais, como educação e saúde. Como consequência, os direitos do cidadão seguem cada vez uma lógica de direitos do consumidor.

Compreende-se, assim, o esvaziamento da política: o desinteresse do cidadão pela esfera pública, a desvalorização do bem público e da ordem jurídica. No momento em que vivemos, a dissolução da democracia corresponde ao esgotamento desses pressupostos. Mais do que o risco de qualquer regime autoritário, estamos diante de uma indiferenciação dos regimes políticos: não importam os partidos, não importam os governos, as práticas de gestão e as políticas de austeridade serão as mesmas.

Diante da dificuldade desse quadro, a esquerda se vê frequentemente na posição desconfortável de defender um regime em declínio. Defender a democracia liberal é o que temos para hoje, mas depois de amanhã precisaremos de diagnósticos mais eficazes. O desafio é inventar racionalidades políticas à altura do que o neoliberalismo tem de inédito e, sobretudo, do que tem de operacional em todas as esferas da existência.


1 Wendy Brown, “American Nightmare: Neoliberalism, Neoconservatism, and De-Democratization”. Political Theory, Vol. 34, No. 6, 2006, pp. 690-714.

2 Christian Laval ePierre Dardot, A nova razão do mundo: Ensaios sobre a sociedade neoliberal. Boitempo Editorial, Coleção Estado de Sítio, 2016.


Tatiana Roque Professora da Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, presidente do sindicato dos docentes dessa mesma universidade.



sábado, 16 de julho de 2016

Desmonte do Brasil


Por Frei Betto


O documento Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos, definido no governo Obama, assinala que o Brasil representa uma enorme reserva de riquezas naturais estratégicas, essenciais ao desenvolvimento das novas tecnologias. Acrescenta que apenas o nosso país possui o potencial de exercer, na América do Sul, um grau de influência capaz de competir com os interesses hegemônicos dos EUA.

Obama foi explícito: “temos que ter clareza sobre os desafios presentes e futuros, e reconhecer que o nosso país conta com a capacidade única de mobilizar e guiar a comunidade internacional para enfrentá-los”.

É a cultura unilateralista e xenofóbica de “destino manifesto” impregnada na mentalidade de muitos estadunidenses. Expressada em 1994 por Henry Kissinger em seu livro En Diplomacy: “os impérios não têm necessidade de equilíbrio de poder. Não têm interesse de operar dentro de um sistema internacional. Aspiram a ser o sistema internacional. Esta é a forma com que os EUA têm conduzido sua política externa em relação à América Latina”.

Tão logo foram descobertas as riquezas do Pré-Sal, potenciando o Brasil a se tornar grande produtor de petróleo e gás, a IV Frota da marinha estadunidense iniciou atividades no Atlântico Sul. Agora, graças ao governo Temer, se inicia o processo de desnacionalização do Pré-Sal e da Petrobras. A aviação comercial brasileira já está legalmente autorizada a ser 100% controlada pelo capital estrangeiro.

A ideia de que privatizar significa aprimorar não encontra respaldo na prática. A VASP faliu ao ser privatizada. A Vale definha e, hoje, encontra-se atolada no lamaçal onde se afunda a Samarco. O sistema telefônico, todo em mãos estrangeiras, é o que recebe mais reclamações dos consumidores. Os planos de saúde privados cobram caro de 50 milhões de brasileiros e, na hora da precisão, atendem mal, como se o cliente cometesse o crime de ficar doente…

O desenvolvimento capitalista dos EUA sabe que não pode prescindir dos recursos naturais do Brasil, como a água. Nas próximas décadas se prevê que quem controla a água terá o controle da economia mundial. Hoje, apenas 3% da água na superfície do nosso planeta é potável. No entanto, há 94% de água potável subterrânea.

A Europa e os EUA enfrentam escassez de água. No Velho Continente, dos 55 rios importantes somente cinco não estão contaminados. Nos EUA, 40% de seus rios e lagos se encontram contaminados. Calcula-se que o país tenha um déficit de 13,6 bilhões de metros cúbicos de água.

Já a América do Sul possui 47% das reservas superficiais e subterrâneas de água do mundo. A maior parte no Brasil, na região amazônica e no aquífero Guarani. É um mar de água potável de 55 mil km cúbicos, contendo elementos químicos essenciais às indústrias de tecnologia e bélica.

Não é à toa que os EUA, depois de abrirem uma base militar no Paraguai, agora recebem da Argentina de Macri o sinal verde para mais duas bases, uma na Patagônia e outra na Tríplice Fronteira.

Se o povo brasileiro não reagir, em breve teremos tropas ianques acantonadas em nosso país e humilhando o que nos resta de soberania.


sábado, 9 de julho de 2016

Paulo Freire é terceiro teórico mais citado em trabalhos acadêmicos no mundo





Por Vitor Paiva – O educador, pedagogo e filósofo brasileiro Paulo Freire é considerado, mundo a fora, um dos mais notáveis pensadores da história da pedagogia. Patrono da educação brasileira, Freire é simplesmente o brasileiro mais homenageado em todos os tempos, com 29 títulos de Doutor Honoris Causa por universidades da Europa e da América, e centenas de outras menções e prêmios, como Educação pela Paz, da UNESCO, que Freire recebeu em 1986.

O criador da Pedagogia de Oprimido agora é citado em um novo e impressionante título de reconhecimento: Paulo Freire é o terceiro pensador mais citado do mundo em universidades da área de humanas. O levantamento foi feito através do Google Scholar – ferramenta de pesquisa para literatura acadêmica – por Elliot Green, professor associado da London School of Economics. Segundo ela, Freire é citado 72.359 vezes, atrás somente do filósofo americano Thomas Kuhn (81.311) e do sociólogo, também americano, Everett Rogers (72.780).

PAULO FREIRE

Outro ponto de reconhecimento da obra do educador pernambucano foi a menção da obra Pedagogia do Oprimido entre os 100 livros mais pedidos em universidades de língua inglesa pelo mundo. Reunindo mais de 1 milhão de ementas de estudos universitários americanos, ingleses, australianos e neozelandeses, o livro de Freire foi o único brasileiro a entrar no top 100 da lista. No campo de Educação, ele ficou em segundo lugar entre os mais pedidos. O levantamento foi realizado pelo projeto Open Syllabus, e traz ainda outras 20 obras de Paulo na lista geral.

Em momento de intenso debate sobre educação no Brasil e sobre o legado do educador, a obra de Freire segue unânime pelo mundo. Na década de 1960, Paulo desenvolveu uma metodologia que realizou o feito de alfabetizar 300 cortadores de cana no Rio Grande do Norte em 45 dias. Paulo então foi convidado para preparar o Plano Nacional de Alfabetização, no governo João Goulart, que previa a formação de educadores em massa. O Golpe Militar, porém, interrompeu o plano e expulsou Paulo do país.

Paulo Freire é referencia em países diversos pelo mundo, e sua teoria visa aproximar o conteúdo acadêmico da vida cotidiana dos estudantes, oferecendo a possibilidade de que estes se apropriassem de suas próprias educações. Para ele, estudar não era um ato de “consumir ideias, mas sim de cria-las e recria-las”.

“[É necessário] Criticar a arrogância, o autoritarismo de intelectuais de esquerda ou de direita – no fundo, da mesma forma reacionários – que se julgam proprietários: os primeiros do saber revolucionário, os segundos do saber conservador; criticar o comportamento de universitários que pretendem conscientizar trabalhadores rurais e urbanos sem com eles se conscientizar também; […] buscam impor a superioridade de seu saber acadêmico às massas ‘incultas’”. Assim escreve Paulo, em sua obra mais reconhecida,Pedagogia Do Oprimido.

Ignorar ou mesmo negar a importância, a originalidade e a inovação contida na obra de Paulo Freire é junto ignorar a necessidade e o potencial de renovação na educação brasileira – coisa que o resto do mundo, que não é bobo nem nada, jamais fez, e segue estudando e se aprofundando no legado desse que é um dos maiores nomes da história da educação mundial.

Se você quiser conhecer melhor a obra de Paulo Freire, acesse a página do seu instituto – ou visite qualquer universidade importante pelo mundo.


segunda-feira, 4 de julho de 2016

A “Escola sem Partido" tem partidos



Por Aluizio Moreira


Em fins de junho próximo passado, fiz a postagem do artigo Escola sem partido ou o pensamento único? de autoria do professor Pedro Henrique Oliveira Gomes.

Em determinado trecho o autor se refere ao Projeto Escola sem Partido, como “um projeto para silenciar vozes, buscar estabilidades e criar novos espaços de conforto e conformismo social, cultural e intelectual. A instabilidade, o diferente, a emergência incomodam. Discutir as desigualdades sociais, o feminismo, a discriminação sexual, entre outros assuntos, é provocar instabilidade nesse sistema de histórias e pensamentos únicos.” (Cf. Pedro Henrique Oliveira Gomes) Ou seja, discutirmos nas escolas e nas universidades as diferenças existentes numa sociedade de classes, procurar despertar nos estudantes o entendimento, a consciência critica diante da  “complexidade do mundo” na expressão de Edgar Morin, seria doutrinação ideológica. 

Deputados e vereadores do PSDB em todo país apressaram-se em criminalizar o docente, pela sua livre manifestação do pensamento acusado de promover o que  denominaram “doutrinação ideológica”. 

Entre os Projetos de Lei destacam-se o PL 867/2015 do Deputado Federal Izalci Lucas (PSDB-DF) e o PL 1.411/2015 do Deputado Federal Rogério Marinho (PSDB-RN), afora 6 projetos similares (PLs 7180/2014, 7181/2014, 1859/2015, 2731/2015, 5487/2016, 4486/2016).

Projetos idênticos tramitam nas Assembleias Legislativas de vários Estados (RJ, GO, SP, ES,CE, MT, RS) e outro tanto nas Câmaras de Vereadores de vários municípios (Curitiba/PR, Joinville/SC, Rio de Janeiro/RJ, São Paulo/SP, Toledo/PR, Vitória da Conquista/BA, Cachoeira de Itapemirim/ES, Foz do Iguaçu/PR) 

Identificam-se com esses Projetos, além do PSDB, parlamentares do PSC, DEM, SD-Solidariedade.

O Deputado Federal Rogério Marinho com seu PL 1.411/2015 radicaliza a tal ponto seu posicionamento, que prevê no seu Projeto prisão para o professor acusado de “doutrinação ideológica”, o que nos faz recordar  o caso do Professor John Scopes que em 1925 no Tennesse, foi condenado à prisão por ensinar as teorias de Darwin. 

Não por mera coincidência, a investida em defesa da chamada “Escola sem Partido” tem sua primeira referencia em 2004 no primeiro governo Lula, através do referido site  que congregou (e ainda congrega) grupos que se articulam contra qualquer discussão que envolva tema politico, questão sexual, exclusão social, minorias étnicas, LGBT.

O próprio Miguel Nagib, advogado, coordenador do grupo reconhece que

O movimento surgiu em 2004, quando a gente se deu conta de que as escolas estavam sendo usadas para doutrinação. Criou-se uma mentalidade progressista, favorável ao PT, que auxiliou a manutenção deles no poder. Um dos pontos é que em sala de aula, o professor não pode ter liberdade de expressão. Ali, ele é obrigado a transmitir o conteúdo, só. Ao tratar da evolução, por exemplo, ele não pode desqualificar a religião. Não se pode obrigar os filhos a aprenderem o que os pais não querem. O governo vem tentando naturalizar o comportamento homossexual, e isso pode atingir o que um pai ensina ao seu filho. Promover os próprios valores morais é violar os direitos dos pais, e isso é ilegal. O pai pode processar o professor por abuso de autoridade de ensinar, e dizer que isso é preconceito é autoritário. (1)

Dois pontos devem ser destacados da citação acima: 1) "o professor não pode ter liberdade de expressão”; 2) o professor “não pode obrigar os filhos a aprenderem o que os pais não querem”.

Surpreende que o advogado faça letra morta do Art. 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos em relação à liberdade de expressão:

Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, este direito implica a liberdade de manter as suas próprias opiniões sem interferência e de procurar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão independentemente das fronteiras.

Quanto ao segundo ponto alguns jornais (inclusive El País, edição brasileira datada de 26/06/2016) indicam que a ideia do advogado Miguel Nagib de criação do Grupo Escola Sem Partido, surgiu quando sua filha comentou que seu professor de História comparara Ché Guevara a São Francisco de Assis, o que deve ter enraivecido o sr. Nagib. Fantasiosa, a ideia do professor em sala de aula se adequar aos pensamentos de cinco dezenas de pais de família.

Em entrevista à Revista Profissão Mestre, Nagib argumenta, citando uma pesquisa da CNT/Sensus, e publicada na Revista Veja, que “a imensa maioria dos professores (78%) acredita que a principal missão da escola é despertar a consciência crítica dos alunos”, como se essa postura assumida pelo professor, por si só objetivasse transformar o aluno em adepto de esquerda, defensor de  politicas promovidas pelo Partido dos Trabalhadores. (2)

Outro alvo da critica é o educador Paulo Freire que apresentado na postagem de Luiz Lopes Diniz Filho defensor da Escola sem Partido, sob o titulo “Paulo Freire e a ‘educação bancária’ ideologizada”  se expressa:

Recentemente a Gazeta do Povo publicou uma reportagem com mais uma batelada desses chavões que os seguidores de Paulo Freire usam para nos fazer acreditar que esse sujeito era um educador preocupado com liberdade e autonomia do indivíduo, quando ele não passava de um doutrinador ideológico dogmático e autoritário (mas de fala mansa). (3)

Contraditoriamente, os apoiadores da “Escola sem Partido” chegam a defender a liberdade de pensamento do professor, mas isto fora da sala de aula. Em contato com os estudantes que “não têm discernimento nem maturidade”, os docentes deverão se pautar pela neutralidade, se atendo aos conteúdos das disciplinas sem quaisquer indicativos de uma reflexão sobre a matéria. O que é discutível, é se essa tal neutralidade exigida à esquerda, também  fosse possível uma neutralidade à direita. 

Os paladinos da “Escola sem Partido”, esquecem ou fingem não enxergar, que a prática pedagógica de favorecer/incentivar uma visão reflexiva e critica dos alunos sobre livros e textos trabalhados em sala de aula, como sobre a realidade politica e social na qual estamos inseridos, não é exclusividade dos professores alinhados partidariamente, mas sim resultado de um concepção de uma pedagogia libertadora, para além dos Partidos. É o que a direita não consegue entender.

Não consegue nem mesmo entender, que defender uma Escola sem Partido também reflete uma doutrinação ideológica.  

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Notas





Como desmontar a Ciência e Tecnologia brasileiras

CNPq, entidade essencial ao desenvolvimento nacional, é o alvo da vez. Série de cortes brutais em Educação e Ciência escancara um Brasil q...