segunda-feira, 4 de julho de 2016

A “Escola sem Partido" tem partidos



Por Aluizio Moreira


Em fins de junho próximo passado, fiz a postagem do artigo Escola sem partido ou o pensamento único? de autoria do professor Pedro Henrique Oliveira Gomes.

Em determinado trecho o autor se refere ao Projeto Escola sem Partido, como “um projeto para silenciar vozes, buscar estabilidades e criar novos espaços de conforto e conformismo social, cultural e intelectual. A instabilidade, o diferente, a emergência incomodam. Discutir as desigualdades sociais, o feminismo, a discriminação sexual, entre outros assuntos, é provocar instabilidade nesse sistema de histórias e pensamentos únicos.” (Cf. Pedro Henrique Oliveira Gomes) Ou seja, discutirmos nas escolas e nas universidades as diferenças existentes numa sociedade de classes, procurar despertar nos estudantes o entendimento, a consciência critica diante da  “complexidade do mundo” na expressão de Edgar Morin, seria doutrinação ideológica. 

Deputados e vereadores do PSDB em todo país apressaram-se em criminalizar o docente, pela sua livre manifestação do pensamento acusado de promover o que  denominaram “doutrinação ideológica”. 

Entre os Projetos de Lei destacam-se o PL 867/2015 do Deputado Federal Izalci Lucas (PSDB-DF) e o PL 1.411/2015 do Deputado Federal Rogério Marinho (PSDB-RN), afora 6 projetos similares (PLs 7180/2014, 7181/2014, 1859/2015, 2731/2015, 5487/2016, 4486/2016).

Projetos idênticos tramitam nas Assembleias Legislativas de vários Estados (RJ, GO, SP, ES,CE, MT, RS) e outro tanto nas Câmaras de Vereadores de vários municípios (Curitiba/PR, Joinville/SC, Rio de Janeiro/RJ, São Paulo/SP, Toledo/PR, Vitória da Conquista/BA, Cachoeira de Itapemirim/ES, Foz do Iguaçu/PR) 

Identificam-se com esses Projetos, além do PSDB, parlamentares do PSC, DEM, SD-Solidariedade.

O Deputado Federal Rogério Marinho com seu PL 1.411/2015 radicaliza a tal ponto seu posicionamento, que prevê no seu Projeto prisão para o professor acusado de “doutrinação ideológica”, o que nos faz recordar  o caso do Professor John Scopes que em 1925 no Tennesse, foi condenado à prisão por ensinar as teorias de Darwin. 

Não por mera coincidência, a investida em defesa da chamada “Escola sem Partido” tem sua primeira referencia em 2004 no primeiro governo Lula, através do referido site  que congregou (e ainda congrega) grupos que se articulam contra qualquer discussão que envolva tema politico, questão sexual, exclusão social, minorias étnicas, LGBT.

O próprio Miguel Nagib, advogado, coordenador do grupo reconhece que

O movimento surgiu em 2004, quando a gente se deu conta de que as escolas estavam sendo usadas para doutrinação. Criou-se uma mentalidade progressista, favorável ao PT, que auxiliou a manutenção deles no poder. Um dos pontos é que em sala de aula, o professor não pode ter liberdade de expressão. Ali, ele é obrigado a transmitir o conteúdo, só. Ao tratar da evolução, por exemplo, ele não pode desqualificar a religião. Não se pode obrigar os filhos a aprenderem o que os pais não querem. O governo vem tentando naturalizar o comportamento homossexual, e isso pode atingir o que um pai ensina ao seu filho. Promover os próprios valores morais é violar os direitos dos pais, e isso é ilegal. O pai pode processar o professor por abuso de autoridade de ensinar, e dizer que isso é preconceito é autoritário. (1)

Dois pontos devem ser destacados da citação acima: 1) "o professor não pode ter liberdade de expressão”; 2) o professor “não pode obrigar os filhos a aprenderem o que os pais não querem”.

Surpreende que o advogado faça letra morta do Art. 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos em relação à liberdade de expressão:

Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, este direito implica a liberdade de manter as suas próprias opiniões sem interferência e de procurar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão independentemente das fronteiras.

Quanto ao segundo ponto alguns jornais (inclusive El País, edição brasileira datada de 26/06/2016) indicam que a ideia do advogado Miguel Nagib de criação do Grupo Escola Sem Partido, surgiu quando sua filha comentou que seu professor de História comparara Ché Guevara a São Francisco de Assis, o que deve ter enraivecido o sr. Nagib. Fantasiosa, a ideia do professor em sala de aula se adequar aos pensamentos de cinco dezenas de pais de família.

Em entrevista à Revista Profissão Mestre, Nagib argumenta, citando uma pesquisa da CNT/Sensus, e publicada na Revista Veja, que “a imensa maioria dos professores (78%) acredita que a principal missão da escola é despertar a consciência crítica dos alunos”, como se essa postura assumida pelo professor, por si só objetivasse transformar o aluno em adepto de esquerda, defensor de  politicas promovidas pelo Partido dos Trabalhadores. (2)

Outro alvo da critica é o educador Paulo Freire que apresentado na postagem de Luiz Lopes Diniz Filho defensor da Escola sem Partido, sob o titulo “Paulo Freire e a ‘educação bancária’ ideologizada”  se expressa:

Recentemente a Gazeta do Povo publicou uma reportagem com mais uma batelada desses chavões que os seguidores de Paulo Freire usam para nos fazer acreditar que esse sujeito era um educador preocupado com liberdade e autonomia do indivíduo, quando ele não passava de um doutrinador ideológico dogmático e autoritário (mas de fala mansa). (3)

Contraditoriamente, os apoiadores da “Escola sem Partido” chegam a defender a liberdade de pensamento do professor, mas isto fora da sala de aula. Em contato com os estudantes que “não têm discernimento nem maturidade”, os docentes deverão se pautar pela neutralidade, se atendo aos conteúdos das disciplinas sem quaisquer indicativos de uma reflexão sobre a matéria. O que é discutível, é se essa tal neutralidade exigida à esquerda, também  fosse possível uma neutralidade à direita. 

Os paladinos da “Escola sem Partido”, esquecem ou fingem não enxergar, que a prática pedagógica de favorecer/incentivar uma visão reflexiva e critica dos alunos sobre livros e textos trabalhados em sala de aula, como sobre a realidade politica e social na qual estamos inseridos, não é exclusividade dos professores alinhados partidariamente, mas sim resultado de um concepção de uma pedagogia libertadora, para além dos Partidos. É o que a direita não consegue entender.

Não consegue nem mesmo entender, que defender uma Escola sem Partido também reflete uma doutrinação ideológica.  

_______
Notas





2 comentários:

  1. Esses imbecis não percebem que a escola faz parte da sociedade, pois é composta de seres humanos, e estes por sua vez são integrantes ativos de uma população que recebe no seu convívio diário a influência da política vigente no país? Como pode então esse grupo de idiotas imaginar uma escola isolada da comunidade, como se tudo que está acontecendo no meio social não tivesse nada haver com a vida daqueles que estão na escola?...imagino que eles pensam que o sofrimento que o aluno passa diariamente na sua comunidade acaba quando ele põe os pés na sala de aula, ou seja, para eles a escola é uma ilha de mil maravilha cercada das mais diversas mazelas sociais. Então como pode a escola, que na minha concepção é o principal veículo condutor do indivíduo para a libertação de toda opressão bem como para a participação dos benefícios que o país oferece, manter os educandos isentos das discussões políticas?...o povo brasileiro tem que pensar muito antes de eleger políticos desses partidos (PSDB, DEM, PMDB e outros), que preferem ver o povo brasileiro alienado, para continuar servindo como massa de manobra dos mesmos, e com isso manter a hegemonia do poder por eles ocupado.
    LOURIVALDO MAGNO

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    1. Prezado Lourivaldo, compartilho com sua observação. Há uma frase do Paulo Freire que expressa muito bem o papel que você atribui á escola: "a educação não muda o mundo. A educação muda as pessoas que mudam o mundo". Na verdade o papel do professor é mudar as pessoas. Um abraço

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