quinta-feira, 30 de março de 2017

Brasil é 10º país que mais mata jovens no mundo





CEBI  – Os dados são do ‘Mapa da Violência’, lançado na semana passada (15/2) na Câmara dos Deputados, em cerimônia que contou com a participação do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Relatório aborda letalidade das armas de fogo no Brasil e ranqueia país em uma lista de cem nações. Documento alerta para a vulnerabilidade da população negra brasileira: atualmente, morrem 2,6 vezes mais afrodescendentes do que brancos por homicídios cometidos com armas de fogo.

No Brasil, 25.255 jovens de 15 a 29 anos foram mortos por armas de fogo em 2014, um aumento de quase 700% em relação aos dados de 1980, quando o número de vítimas nessa faixa etária era de cerca de 3,1 mil. Com isso, o Brasil ocupa a 10ª posição em número de homicídios de jovens num ranking que analisou cem países.

Mapa da Violência

As informações são do “Mapa da Violência 2016”, lançado na quarta-feira (15) em Brasília, na Câmara dos Deputados. O documento alerta também para a vulnerabilidade da população negra à violência. Atualmente, morrem por arma de fogo 2,6 vezes mais afrodescendentes do que brancos.

O representante do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Jaime Nadal, participou da mesa de apresentação do documento e afirmou que é preciso mudar a forma como a juventude é vista no Brasil. “Apesar de serem apontados como os principais responsáveis pelas alarmantes estatísticas no Brasil, adolescentes são mais vítimas do que autores de atos violentos”, disse.

O dirigente da agência da ONU no Brasil lembrou que a violência afeta principalmente os jovens negros e pobres, assim como as mulheres afrodescendentes.

Sem distinção por faixa etária, o “Mapa da Violência” aponta que, de 2003 a 2014, os homicídios por arma de fogo registraram queda de 27,1% entre a população branca — passando de 14,5 mortes por 100 mil habitantes para 10,6.

No mesmo período, o índice aumentou entre os negros. Em 2003, foram 24,9 mortes por 100 mil afrodescendentes. Onze anos mais tarde, a taxa subiu para 27,4 — um aumento de 9,9%.

Em números absolutos, o “Mapa da Violência” identifica um crescimento de 46% no número de negros vítimas de homicídio por arma de fogo — de 20.291, em 2003, para 29.813, em 2014. Em 2003, morriam 71,7% mais negros do que brancos por esse tipo de crime. A proporção chegou a 158,9% em 2014. Ou seja, morrem por arma de fogo 2,6 vezes mais negros do que brancos no Brasil.

A juventude criminalizada

“O UNFPA e outras agências da ONU no Brasil têm atuado em várias frentes, apoiando ações afirmativas que buscam promover a participação de pessoas jovens e diminuir as desigualdades étnico-raciais”, acrescentou Nadal.

Tendo como tema central a letalidade das armas de fogo no país, o “Mapa da Violência” recupera registros desde 1980 e revela que aproximadamente 1 milhão de pessoas já foram vítimas de disparos. De 1980 para 2014, o número de homicídios por armas de fogo subiu de 6.104 para 42.291 por ano — um crescimento de 592,8%. Do total de assassinatos, cerca de 25 mil vitimaram jovens.

No Brasil, o número de armas de fogo não registradas é maior que o de registradas — 8,5 milhões contra 6,8 milhões. O relatório aponta que 3,8 milhões estão em mãos criminosas.

Entre as unidades federativas, Alagoas é o estado com a maior taxa de homicídios por armas de fogo: 56,1 vítimas por 100 mil habitantes em 2014. Ceará e Sergipe vêm em seguida. Os estados com os menores índices são Santa Catarina (7,5) e São Paulo (8,2). A média brasileira em 2014 foi de 21,2 vítimas por 100 mil habitantes.

Com dados verificados até 2012, o Brasil ocupa, a nível internacional, a 10ª posição em um ranking de cem países. Quem encabeça a lista é Honduras, com taxa de 66,6 homicídios por 100 mil habitantes, seguido por El Salvador (45,5). A nação sul-americana com a maior taxa de homicídios por arma de fogo é a Venezuela (39).

Sobre os dados, o assessor especial da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Social (SEPPIR), Juvenal Araújo, comentou que é inadmissível que, a cada três jovens assassinados no Brasil, dois sejam negros. Araújo disse que faltam políticas efetivas para acabar com o genocídio da população jovem brasileira.

Parceira no lançamento do “Mapa”, a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) foi representada pelo secretário Assis Filho. “A violência tem cor, faixa etária e moradia”, disse o chefe do organismo, referindo-se aos números da violência contra a população negra, jovem e periférica.

Assis Filho informou ainda que a SNJ e seus parceiros estão trabalhando no relançamento do Plano Juventude Viva, projeto que visa reduzir a vulnerabilidade de jovens negros a situações de violência física e simbólica.

Grupo Assessor sobre Juventude

O UNFPA coordena, em conjunto com a Secretaria Nacional de Juventude, o Grupo Assessor Interagencial sobre Juventude da ONU no Brasil. Formado por 10 agências das Nações Unidas e pelo Conselho Nacional de Juventude, o organismo é responsável por promover diálogos entre a sociedade civil, governos e a Organização internacional.

Conheça o ‘Mapa da Violência’

O “Mapa da Violência 2016” tem autoria do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da área de Estudos sobre a Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO). A primeira edição do “Mapa” foi publicada em 1998 e, a cada ano, foca em um tema diferente, como homicídio de mulheres ou violência contra adolescentes.As informações completas podem ser encontradas na versão online do relatório.
Acesse o documento clicando aqui.


https://www.cebi.org.br/2017/02/21/brasil-entre-os-paises-que-mais-matam-jovens/


terça-feira, 21 de março de 2017

Tempos Idos e Vividos IX



Por Aluizio Moreira


Como a família, a escola, o local de trabalho, a sociedade em geral estigmatizam as pessoas! Você, que até então considerava a si mesmo como um igual, começa a sentir o peso de ser diferente. Foi como me senti quando no Quartel da Policia em Casa Forte, fui fotografado de frente e de perfil, expondo um número que já marcava uma diferença entre você e uma pessoa considerada “normal”. Por estes simples fatos, passei a ser visto, ou melhor, o poder impingiu-me a marca de ser diferente do padrão aceito pelas pessoas. Agora, eu era um ser diferente: comprovadamente um comunista. Consequentemente, para os outros eu adquiri outros valores que destoavam dos valores impostos pela sociedade. Assim acontece com um ateu, com um homossexual, com os que professam outra religião que não a que é considerada oficial. Os antigos colegas se afastam, as antigas namoradas deixam de sê-lo, os antigos vizinhos não nos reconhecem. Isto tudo por pensarmos a sociedade de modo diferente. Por defendermos que a desigualdade entre as pessoas pode deixar de existir. Por admitirmos “que outro mundo é possível.” 

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Tendo sido informado por um jornal local que a firma Fortaleza Comercial e Distribuidora, uma das empresas do Grupo J. Macedo, aqui representando a Brandinis, iniciando no Recife suas atividades estava selecionando pessoal para vários setores, candidatei-me a uma vaga de auxiliar de escritório, de sorte que em setembro de 1973, dois meses ter sido demitido do Bank of London, por razões politicas já referidas anteriormente, lá estava eu de volta ao mercado de trabalho. 

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É evidente que com minha prisão naquele ano, o Boletim do PCB local AVANTE, impresso em minha residência em Ouro Preto, Olinda, deixou de existir. Também por motivos óbvios, tive que morar (ou me esconder) em outro lugar: Alto Santa Isabel, bairro de Casa Amarela, numa casinha nos fundos de uma casa maior onde residiam os proprietários.

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Continuei com minhas atividades partidárias, sempre me reunindo com os camaradas, ora numa praça em Casa Amarela, ora em outra na Vila do Ipsep, ou mesmo no centro do Recife. Contatos que envolviam sempre um outro camarada, nunca mais que dois militantes. Os encontros ocorriam num estado de tensão danado, pois ficávamos sempre atentos com a aproximação de qualquer cara de paletó e chapéu.

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Todos esses encontros com o pessoal do Partido aconteciam sem que minha esposa e filho soubessem, pois o clima em casa, depois de minha prisão, ficou muito complicado. Qualquer pessoa (homem. mulher, criança, adolescente, vendedor ou esmoler) que se aproximasse de nossa casa ou batesse em nossa porta, já pensávamos tratar-se de um policial ou informante da policia. O temor e o sobressalto eram constantes durante as 24 horas. É preciso que se tenha vivido sob uma ditadura militar anticomunista, para se ter uma ideia clara do que é enfrentar, diuturnamente,  uma  situação de insegurança e de incerteza. Mas não era só em casa que o temor e o sobressalto tomavam conta de mim. Na firma onde trabalhava, a aproximação de uma pessoa com comportamento que eu considerasse “fora do normal”, era o suficiente para desestabilizar-me.

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Foi neste clima que num certo dia, um de meus cunhados telefonou-me convidando-me para um almoço numa churrascaria na Av. Mascarenhas de Moraes. Estranhei o convite. Até pensei que alguma coisa grave tinha acontecido com minha esposa, pelo estado constante quase que desesperado do seu comportamento. Acertei em parte, pois ao término do almoço, soube que realmente tratava-se de minha mulher. O cunhado fora o emissário do seu pedido de separação, O motivo? Sua insegurança e medo diante da situação de desespero em que nós nos encontrávamos. Eu não tinha o que dizer, nem o que fazer. 

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Finalmente no segundo semestre de 1979 concluía o Curso de Licenciatura em História e no primeiro semestre do ano seguinte concluía o Bacharelado também em História, ambos na UNICAP.  Minhas leituras relacionadas com minhas atividades partidárias, motivaram-me a preparação da Monografia de Bacharelado sobre o Movimento Operário em Pernambuco: “Pernambuco, 1917, colapsos e conflitos”, na qual procurava resgatar o movimento no seu cotidiano e defender a ausência do anarcossindicalismo naquela greve geral em Pernambuco, ao contrario do que ocorreu em São Paulo, Rio de Janeiro. (A Revista Clio do Mestrado de Historia da UFPE, nº 25 de 2005, publicou o capitulo que trata exclusivamente da referida Greve)
  
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No mesmo ano em que concluí o Bacharelado, fomos visitados na firma onde até então eu trabalhava, por um pessoal do Grupo J. Macedo propondo que os chefes de pessoal das empresas “filhas”, do Grupo, fossem fazer um Curso de Gerencia de Pessoal, em Fortaleza. Por mais que esta proposta fosse convidativa que poderia ser o inicio da uma carreira dentro das empresas do Grupo, pedi para entrar de férias, pois retornaria dentro do prazo para apresentar minha decisão. As férias me possibilitaram uma reflexão mais detida sobre o assunto, afinal de contas estava com o diploma nas mãos.  Concluindo que a minha possível ascensão nos quadros do Grupo como Gerente de Pessoal não me garantiria segurança in aeternum numa empresa capitalista, abdiquei do convite. Ao retornar das feiras fui diretamente à Gerencia fazer um acordo para liberação do meu FGTS mediante meu pedido de rescisão do contrato de trabalho mesmo sem ter qualquer emprego á vista na minha área de graduação: o ensino de História.

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Datilografei meu curriculum, relacionei por um catálogo um número razoável de colégios e cai em campo. O fato é que “a minha estrela na testa”, segundo meus familiares, me permitiu no primeiro mês, ser contratado por um Curso Supletivo, meses depois estava atuando no magistério na Fundação do Ensino Superior de Olinda (Funeso) e na própria Universidade Católica onde me graduara, a convite da Chefe do Departamento de História, na época, Alda Simoneti 

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Entrava então em outro momento de minha vida, consequentemente de minhas atividades politicas. Atuaria agora como docente integrando-me na categoria de profissional da educação numa Fundação do Ensino Superior e numa Instituição jesuítica. Por outro lado, fosse qual fosse a orientação das IES, como professor, não poderia jamais tratar o conteúdo das disciplinas, sem expor a minha visão de mundo, de sociedade. 

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Não há a tal da neutralidade em educação, e defender o contrário já é assumir uma posição que não é de neutralidade. Alfabetizados ou não, todos temos uma visão de mundo, e não há como  ver e pensar o mundo com uma visão que não seja a nossa. Isto quer dizer, que não apenas na exposição/explicação dos fatos nos alinhamos com determinada postura político-ideológica, mas até mesmo na escolha da bibliografia que utilizaremos em aula, infalivelmente, conscientemente ou não,  nos orientamos pela nossa concepção de mundo e das coisas. Daí por diante, ao repensar Revolução, fim do capitalismo, cheguei à conclusão que a instituição de uma nova sociedade, socialista, não se daria pela ação de um grupo de abnegados revolucionários que assaltaria o poder. Também passei a desacreditar que a transformação da sociedade burguesa em uma nova sociedade, poderia acontecer pela via parlamentar. Afinal, são as "pessoas que mudam o mundo".




sexta-feira, 17 de março de 2017

Número de homicídios de pessoas LGBT pode ser recorde em 2016



Último Relatório do Grupo Gay da Bahia constatou que uma pessoa LGBT morre a cada 28 horas no Brasil./
Elza Fiuza/Agência Brasil

A tendência é revelada pelo Grupo Gay da Bahia, que anualmente elabora o Relatório de Assassinatos LGBT no Brasil.


Por Débora Brito



O número de homicídios de pessoas gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais deve crescer em 2016 e superar as ocorrências dos últimos anos. A tendência é revelada pelo Grupo Gay da Bahia,  que anualmente elabora o Relatório de Assassinatos LGBT no Brasil. Dados preliminares do levantamento apontam que o ano deve ser fechado com o total aproximado de 340 mortes, maior número registrado nos últimos anos.

“No ano passado (2015), foram 318 mortes. Até agora, estamos com 329 mortes, mas temos alguns casos aguardando confirmação e o ano deve ser fechado com aproximadamente 340 mortes. Em 36 anos que monitoro os dados, nunca chegamos a esse número”, afirmou Luiz Mott, antropólogo fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB).

Segundo ele, o aumento se deve a vários fatores, como a coleta mais sistematizada de informações e a reação conservadora ao maior número de pessoas que vem assumindo sua condição sexual. “Hoje, tem mais homossexuais e trans saindo do armário por causa das paradas gays e outras campanhas; e isso os deixa mais expostos a situações de violência, o que levou ao aumento generalizado de crimes”, explicou Mott.

O estudo mostra que a maior parte das mortes (195) ocorreu em via pública, por tiros (92), facadas (82), asfixia (40) e espancamento (25), entre outras causas violentas. O assassinato de gays lidera a lista com 162 casos, seguido dos travestis (80), transexuais femininas (50) e transexuais masculinas (13). A instituição recebe informações das mortes por outras entidades, por familiares e amigos das vítimas, mas a principal fonte da base de dados são os casos divulgados pela imprensa. O levantamento é reconhecido pela Secretaria Especial de Direitos Humanos.

A subnotificação das mortes ainda é um desafio para as entidades que monitoram o problema. Mas, só pelos resultados do último relatório, a ONG constatou que uma pessoa LGBT morre a cada 28 horas no Brasil. E se a tendência de aumento se confirmar, o intervalo pode cair para 24 horas. “É apenas a ponta do iceberg, porque muitos são assassinados e as testemunhas escondem”, disse Mott.

Nordeste lidera

O estudo mostra que a liderança dos casos nos últimos anos é do Nordeste, mas outras regiões tem despontado com casos graves. “Atribuo isso ao conservadorismo e à falta de informação. A surpresa deste ano é o estado do Amazonas, que registrou até o momento 29 mortes. Proporcionalmente, o dado é chocante, embora São Paulo sempre registre o maior número absoluto”, disse Mott.

Entre os casos contabilizados, está a morte recente do ambulante Luís Carlos Ruas, espancado na noite de Natal por dois homens, numa estação de metrô em São Paulo, ao defender moradores de rua e travestis. O GGB configurou o ataque como um crime LGBTfóbico. Apesar de se tratar da morte de um heterossexual, de modo indireto “não deixa de ter também um crime LGBTfóbico. Afinal, a confusão começou pela defesa de uma travesti”, explicou Agatha Lima, integrante do Conselho LGBT de São Paulo e da Associação de Transexuais, Travestis, Transgêneros.

Cerca de “99% dos crimes contra LGBTs tem como agravante a intolerância, além da vulnerabilidade de grupos como os travestis, que geralmente estão nas ruas em condições mais marginalizadas, envolvidas com prostituição e uso de drogas devido à exclusão sofrida em outros espaços da sociedade”, explicou Mott. A opinião é compartilhada por outras organizações de defesa dos direitos das pessoas Trans, que engloba homens e mulheres transexuais e travestis.

Líder mundial

O alto índice de violência levou o Brasil à liderança do ranking mundial de assassinatos de pessoas transexuais em 2016. Das 295 mortes de transexuais registradas até setembro deste ano em 33 países, 123 ocorreram no Brasil, de acordo com dados divulgados em novembro pela ONG Transgender Europe. O México, os Estados Unidos, a Colômbia e a Venezuela seguem o Brasil em números absolutos do ranking de mortes de transexuais.

O relatório europeu mostra que, de janeiro de 2008 a setembro de 2016, foram registradas 2264 mortes de transexuais e transgêneros em 68 países. Nos oito anos da pesquisa, o Brasil contabilizou 900 do total dos casos, o maior número absoluto da lista. “Há décadas o Brasil é campeão mundial nos crimes contra a população LGBT. Comparativamente aos EUA, por exemplo, matamos de 30 a 40 LGBTs por mês, enquanto que lá morrem 20 por ano. O principal motivo é a LGBTfobia individual e cultural, que incrementa os crimes letais no nosso país”, diz Mott.

A conselheira Agatha Lima, disse que as associações estão dialogando com a ONU sobre essa questão. “Em primeiro lugar, isso é um absurdo. Em segundo lugar, ao mesmo tempo que o Brasil é o país que mais mata, é também o que tem a maior clientela para os profissionais do sexo trans. No país inteiro, existem 1,4 milhão pessoas trans, e 90% delas vivem do mercado do sexo, por causa da exclusão e do preconceito que sofrem no mercado de trabalho formal, em casa e nas escolas”, disse.


sábado, 11 de março de 2017

A política por trás da fé




O poderio político e midiático da Igreja Universal do Reino de Deus a transforma em figura importante em meio à disputa eleitoral deste ano [2014]. Prova disso é a presença maciça de autoridades na inauguração do Templo de Salomão, na última quinta-feira [julho/2014], em São Paulo.



Por Anna Beatriz Anjos | Fotos cedidas pela UNIcom (Departamento de Comunicação Social e Relações Institucionais da Igreja Universal do Reino de Deus)


Chegou a grande data para os fieis da Igreja Universal do Reino de Deus. Após quatro anos de obras, no dia 31 de julho [2014] , o faraônico Templo de Salomão foi apresentado ao Brasil e ao mundo. Poucos “figurões” tiveram o privilégio de adentrar o edifício, mas muitas pessoas, entre fieis evangélicos, comerciantes, transeuntes e moradores da região se apinharam no entorno da Avenida Celso Garcia para tirar fotos ou simplesmente contemplar. Sim, havia gente de olhar petrificado em direção ao prédio de 59 metros de altura – equivalentes a 18 andares -, sem acreditar que ele integra a paisagem do envelhecido bairro do Brás, no centro de São Paulo.

A obra custou 680 milhões de reais e, para ser levantada, 40 imóveis precisaram ser comprados e demolidos. Seu estacionamento conta com 2 mil vagas para carros, 241 para motos e 200 para ônibus. O Bispo Edir Macedo mandou vir de Hebron, em Israel, 40 mil metros quadrados de pedras usadas na construção e decoração do Templo. Cem metros quadrados de vitrais dourados foram instalados acima do altar.

Para inaugurar tanta grandiosidade e capricho, a organização foi minuciosamente pensada: voluntários trabalhavam para conter o trânsito e isolar o local, policiais militares, atentos, faziam a segurança, bastante protocolar devido à presença de algumas das autoridades mais importantes do país, dentre as quais estavam a presidenta Dilma Rousseff, governadores, prefeitos e vereadores. Tudo preparado para a recepção dos 10 mil convidados que lotaram o Templo.

A pergunta que fica – e que não é assim tão difícil de responder – é: por que a abertura de um local de culto, pertencente a uma religião específica, se tornou o centro das atenções da elite política brasileira?


Força Jovem da IURD fez cordão de isolamento em torno do Templo de
Salomão (Foto: Anna Beatriz Anjos/ Revista Fórum)

Crescimento acelerado

A Igreja Universal do Reino de Deus realizou seu primeiro culto no dia 9 de julho de 1977, no prédio onde funcionava uma antiga funerária, no bairro da Abolição, Rio de Janeiro. Para criá-la, seu líder, Edir Macedo Bezerra, que se autoproclamou bispo, juntou-se a alguns amigos protestantes – entre eles, seu cunhado Romildo Ribeiro Soares, mais conhecido como R.R. Soares, que posteriormente criaria a Igreja Internacional da Graça de Deus.

A fundação da IURD ocorreu depois que Macedo deixou de frequentar a Igreja Nova Vida, da qual foi membro de 1963 e 1975, sem conseguir uma chance como pastor. Antes de firmar sua primeira sede, ele costumava pregar aos sábados em um coreto no Jardim do Méier, zona norte do Rio, com apenas um teclado, um microfone e uma Bíblia.

Ricardo Mariano, pós-doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), no artigo “Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal”, classifica a IURD como “o mais surpreendente e bem-sucedido fenômeno religioso do país”. “Nenhuma outra igreja evangélica cresceu tanto em tão pouco tempo no Brasil. Seu crescimento institucional foi acelerado desde o início”, escreve.


Presidenta Dilma Rousseff, candidata à reeleição pelo PT, compareceu
à inauguração do Templo de Salomão

Para justificar sua afirmação, Mariano utiliza números. Ele levantou que, em 1985, com oito anos de existência, a igreja de Edir Macedo já contava com 195 templos em catorze estados e no Distrito Federal. Dois anos depois, a quantidade quase dobrou: eram 365 templos em dezoito estados. Já em 1989, ano em que Macedo iniciou as negociações para a compra da TV Record, os locais de culto já somavam 571. A conta final impressiona: entre 1980 e 1989, o número de templos cresceu 2.600%.

“Nos primeiros anos, sua distribuição geográfica [da IURD] concentrou-se nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Salvador. Em seguida, expandiu-se pelas demais capitais e grandes e médias cidades. Na década de 1990, passou a cobrir todos os Estados do território brasileiro, período no qual logrou taxa de crescimento anual de 25,7%, saltando de 269 mil (dado certamente subestimado) para 2.101.887 adeptos no Brasil, de onde se espraiou para mais de oitenta países, Em todos eles, conquista adeptos majoritariamente entre os estratos mais pobres e menos escolarizados da população”, afirma o sociólogo em seu texto.

Atualmente, a IURD é dona de mais de 6 mil templos em todos os estados brasileiros. No exterior, está presente em mais de cem países. De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),  de 2010, possui, no Brasil, 1.873.243 fieis.

Poder político

O poder da Igreja Universal em termos de infraestrutura e popularização se repete no terreno político. Isso se prova por meio da presença de importantes autoridades na inauguração do Templo de Salomão. Ainda que o Brasil seja um Estado laico, compareceram a presidente Dilma Rousseff (PT), o vice-presidente Michel Temer (PMDB), o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSBD), o prefeito da capital paulista, Fernando Haddad (PT), os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, além de desembargadores, promotores e vereadores.

“Isso [inauguração do Templo em época eleitoral] mostra mais um golpe de genialidade do Edir Macedo. Ele aproveita o momento político em que todos os candidatos estão em busca de apoio, e todos que estão nessa corrida acham que, quanto mais visibilidade tiverem, mais ganham”, analisa Saulo de Tarso Cerqueira Baptista, doutor em Ciências da Religião, professor da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e autor de “Cultura Política Brasileira, práticas pentecostais e neopentecostais”.

A fala de Baptista indica que o apoio da IURD é considerado importante pelos candidatos e partidos políticos. Antes de tratar especificamente sobre seu caso, entretanto, é preciso entender como os evangélicos, de uma forma geral, começaram a se envolver com política e conquistaram tamanha força nesse campo.

“A Revolução de 1930, conduzida por Getúlio Vargas dentro do contexto econômico da crise do modelo exportador de monocultura brasileira (o café), devido à crise da Grande Depressão de um ano antes, que reduziu drasticamente as exportações do café para os Estados Unidos, evidenciando a fragilidade do modelo econômico até então adotado. Nesse contexto, as classes médias urbanas ganham importância política e surgem os primeiros líderes políticos de origem evangélica”, narra o historiador Eduardo Guilherme de Moura Peagle, autor do artigo “A participação política dos evangélicos brasileiros”.

O primeiro deputado federal evangélico do Brasil foi o pastor metodista Guaracy Silveira, que cumpriu dois mandatos: 1933-1935 e 1946-1951. Já o pentecostalismo estreia na política apenas no final de década de 1960, com a igreja Brasil para Cristo (BPC), quando elege Geraldino dos Santos como deputado estadual e Levy Tavares como deputado federal.

Conforme escreve Peagle, “a vitória eleitoral do candidato a deputado federal Levy Tavares, da igreja Brasil para Cristo, havia sido um mero ensaio para o que estaria por vir através da política de lançar candidatos de corporação, como exemplificados entre a Igreja do Evangelho Quadrangular, a AD [Assembleia de Deus] e a IURD”.

O historiador se refere ao momento da redemocratização do Brasil, a partir de 1986, ano em que ocorreram as eleições para o novo Congresso. Este fato foi um divisor de águas. Se antes as lideranças políticas ligadas às igrejas evangélicas eram caracterizadas pela “escolha da ascensão social e econômica que conseguiu transformar o capital econômico em capital político sem a estruturação de um capital eclesiástico oferecido pelas igrejas, como se conhece hoje através das candidaturas oficiais” – os chamados políticos evangélicos –, a partir daí se destacaram os “políticos de Cristo”, aqueles que “passam do capital eclesiástico ao capital político eleitoral”. Em outras palavras, os candidatos passaram a ser representantes dos interesses das igrejas, e são por elas apoiados.

Em 1986, a IURD emplaca seu primeiro deputado federal, Roberto Augusto Lopes. Nos pleitos seguintes, o número só cresce, atingindo a marca de 17 deputados eleitos em 2002. Este ano foi marcante para a Igreja, que lançou seu primeiro candidato à presidência da República, Anthony Garotinho, pelo Partido Liberal (PL) – após sua derrota, o apoio foi dado a Lula (PT), que saiu vencedor. Já o candidato iurdiano ao Senado, bispo Marcelo Crivella, também do PL, foi bem sucedido: atingiu 3,2 milhões de votos (21,6% dos votos válidos) e ganhou as eleições. Há dois anos, Crivella foi nomeado ministro da Pesca e Aquicultura por Dilma Rousseff, o que simboliza o esforço de aproximação da atual presidenta e seu partido à bancada evangélica. Em março, ele deixou o posto para assumir sua candidatura ao governo do Rio de Janeiro.

Em 2005, a IURD foi além e ajudou a fundar o Partido Municipalista Renovador, posteriormente renomeado Partido Republicano Brasileiro (PRB), legenda para a qual se mudou José Alencar, então vice-presidente da República. A essa altura, apesar da reeleição presidencial, tanto a imagem do PT como a da Igreja estavam arranhadas por conta das denúncias envolvendo episódios de corrupção. Para Cerqueira Baptista, isso explica a perda de representação política observada nos resultados daquele ano (veja na tabela abaixo). “Ela caiu por conta do escândalo do Mensalão, pois o bispo Rodrigues, que era coordenador da Universal, foi enquadrado, perdeu o mandato e está aí cumprindo pena. A Universal, depois, tirou seu título de bispo.”


(Tabela elaborada por Leonildo Silveira Campos,
em "O projeto político do 'governo do justo': os
recuos e avanços dos evangélicos nas eleições
de 2006 e 2010 para a cãmara federal",
publicado na Revista Debates)

Embora o número de eleitos tenha caído, é inegável que a força eleitoral da IURD não minguou. Sua capacidade de mobilizar votos é abordada pelo filósofo Ari Pedro Oro, doutor em Antropologia e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no artigo “A Política da Igreja Universal e seus reflexos nos campos religioso e político brasileiros”. “Ela resulta de um modo próprio de fazer política que, desde 1997, adotou, no âmbito nacional, o modelo corporativo da ‘candidatura oficial’, cujo número de candidatos para os distintos cargos eletivos depende do capital eleitoral de que dispõe.”

A estratégia se baseia no que Oro chama de “carisma institucional”: antes das eleições, a IURD realiza uma campanha para que os jovens de 16 anos obtenham seus títulos de eleitor, efetuando uma espécie de “recenseamento de seus membros/fiéis”, em que constam seus dados eleitorais. Estes são apresentados aos bispos regionais que, por sua vez, os retransmitem para a direção. Em parceira, deliberam quantos candidatos lançam em cada município ou estado, “dependendo do tipo de eleição, baseados no quociente eleitoral dos partidos e no número de eleitores recenseados pelas igrejas locais”. Lançadas as candidaturas, a sua publicidade é feita nos cultos, concentrações em massa e a partir da mídia própria.

Oro ressalta, entretanto, que a decisão sobre quem se candidatará ou não cabe apenas aos dirigentes regionais e nacionais da Igreja, “segundo seus próprios cálculos e interesses. Não há nenhuma consulta democrática aos membros das igrejas locais. Estes recebem, no momento oportuno, o(s) nome(s) que devem apoiar”, descreve.

O professor relembra, ainda, que um dos pré-requisitos para os candidatos da Universal é que atuem na mídia e sejam conhecidos dos fiéis. Isso, contudo, não é tão fundamental para garantir sua eleição: o mais importante é o “fato de terem sido escolhidos, indicados e/ou apoiados pelos dirigentes da Igreja como ‘homens de Deus , em favor dos quais é usada a ‘máquina iurdiana’”, avalia.

O objetivo final: as concessões de radiodifusão

Mas por que, afinal, a Igreja Universal se esforça para manter sua representatividade eleitoral? O pastor batista Valdemar Figueredo Filho, doutor em Ciência Política e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio de Janeiro (ESPM-RJ), tenta responder esta questão. “A política faz parte de um projeto religioso, que, por sua vez, não sobrevive sem a política, porque é na política que eles conseguem contornar o que chamavam de ‘perseguições’”, considera.

“A prioridade das prioridades nessa estrutura política é a obtenção das concessões de radiodifusão”, pontua Figueredo Filho. “Com o poder de comunicação, eles vão adquirindo e organizando editoras, gravadoras, todo um complexo de empresas relacionadas à comunicação. Não vou ser leviano e falar que isso levou ao crescimento exponencial do número de fieis, mas ninguém é bobo, isso influencia sim; essas igrejas se manifestam, se comunicam através dessa estrutura midiática forte”, explica.

“A expansão da Igreja Universal do Reino de Deus está intimamente ligada ao uso intensivo da mídia como forma de conquistar os fiéis”, escrevem José Wagner Ribeiro, Ana Paula Saldanha e Sheyla Lima, pesquisadores da área de comunicação, no artigo “Mídia e Igreja Universal”. “A tentativa de adaptação desta igreja em acompanhar o intensivo uso da mídia como uma ferramenta para acompanhar as mudanças da sociedade, em especial dos processos de comunicação, tem sido realizada com afinco”, completam.


Na cerimônia inaugural, o bispo Edir Macedo fez pregação e convidou
a todos, independente da religião, a visitarem o Templo

Esse cenário é destrinchado por Figueredo Filho em “Coronelismo Eletrônico Evangélico”, sua tese de doutorado. No estudo, ele constata, a partir da análise de dados da Anatel e Abert em março de 2006, que 25,8% das emissoras de rádio das capitais brasileiras são evangélicas. Entre elas, 69,11% pertencem a igrejas pentecostais, cenário em que a Universal é dominante: detém 24 emissoras. Nas televisão, a Igreja é ainda mais presente: de acordo com o projeto Donos da Mídia, a Rede Record,  de propriedade do bispo Edir Macedo, tem 30 grupos afiliados e controla, direta ou indiretamente, 142 veículos. Seu sinal está presente em todo o Brasil por meio de 870 retransmissoras.

Por meio da TV Record, a IURD colocou em prática os princípios da Igreja Eletrônica, “espelhando suas técnicas e produções nos valores comerciais da indústria televisiva comercial. Trabalhando com a trilogia: fé, salvação e cura”, apontam Ribeiro, Saldanha e Lima. “Vendendo a salvação, os televangelistas prometem na TV a cura de doenças, ascensão social, a paz de espírito, e o afastamento dos encostos, dos terreiros de macumba, discutem homossexualismo, brigas de família e drogas, tudo dentro de estratégias de marketing que visam atingir ainda mais fiéis.”

O trio de autores explica, ainda, como funcionam estas estratégias, “ que incluem a solução imediata dos problemas sociais, motivo este que seduz principalmente os menos esclarecidos, mas não exclui sob nenhum aspecto os ditos mais esclarecidos”, analisa.  “A necessidade de provar que realmente a vida dos fiéis será mudada após a conversão, fez a IURD lançar mão de testemunhos em todos os seus programas televisivos e radiofônicos. As histórias contam sempre casos de pessoas que sofriam e tiveram suas vidas melhoradas. Após a confirmação do milagre, da libertação do sofredor, o pastor convida essas pessoas a buscar um templo da IURD para iniciar sua caminhada de libertação.”

A “menina dos olhos” 

O poderio político e midiático da Igreja Universal transformou a inauguração do Templo de Salomão na “meninas dos olhos” dos políticos em campanha. O evento atraiu autoridades públicas, evangélicas, pastores e obreiros. Segundo a assessoria de imprensa, o local teve atingida sua lotação máxima.

Mas não foram apenas os convidados oficiais que compareceram à Avenida Celso Garcia para acompanhar a cerimônia de abertura. Além dos inúmeros voluntários que formaram durante horas um cordão de isolamento em volta do quarteirão, fiéis vieram de outras cidades somente para apreciar a grandiosidade do edifício de 100 m² –  ele é quatro vezes maior do que o Santuário Nacional de Aparecida, o templo da religião católica no Brasil, localizado no interior de São Paulo.

Este é o caso de Terivaldo Lima, de 50 anos, que vive em Mauá, na região metropolitana de São Paulo, mas viajou à capital para admirar o Templo, mesmo que do lado de fora. “É maravilhoso. Espero todo mês vir pra cá. É uma coisa de Deus”, afirmou o técnico em eletricidade. Encostado na parede de uma lanchonete, segurando firme sua mochila, ele, que falou à Fórum por volta das 18h, chegou ao local horas antes, às 11h.

Com a mesma expectativa de Terivaldo, a comerciante Nalva Menezes, de 48 anos, saiu do município de Praia Grande, onde mora, e atravessou a Serra do Mar. “Vim ver a passagem da Arca da Aliança, que representa a presença de Deus”, contou. Ela precisaria esperar até a 19h30, quando quatro homens desfilaram pela rua levando o réplica do altar sagrado e, logo em seguida, adentraram o Templo. Frequentadora da IURD há 21 anos, Nalva estava ansiosa pelo dia da inauguração. “É bíblico, e como lá em Israel eles não puderam construir o terceiro Templo de Salomão, Deus deu inspiração para o Bispo Macedo e ele construiu aqui no Brás”, narrou.


Além de Dilma, estiveram presentes outras autoridades, como o vice-presidente
Michel Temer (PMDB), o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB),
o prefeito da capital paulista, Fernando Haddad (PT),  os ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski e Marco
Aurélio de Mello, entre outros

Assim como os fieis, a imprensa não pode entrar no prédio. Ficou em um cercado do lado externo, assistindo à cerimônia em duas TVs. Somente repórteres da Record tiveram acesso às dependências internas. Nenhuma autoridade discursou ou concedeu entrevista aos jornalistas, ainda que a disputa eleitoral já esteja decolando. Portanto, perguntas sobre as irregularidades no alvará de construção do maior espaço de culto do país não puderam ser respondidas.

A celebração inaugural teve direito a tapete vermelho, projeções, filme, fala de pastores e, por último, à pregação do líder máximo da Igreja. Com música comovente ao fundo, ele pediu paz em Israel – nem uma palavra sobre as mais de 1.500 mortes na Palestina – e dirigiu um recado a todas as pessoas: disse que qualquer um é bem-vindo na nova sede de seu império. “Não importa a religião, o sexo, nada”, declarou.

A mensagem de Macedo é emblemática. “O campo religioso, falando um pouco da linguagem de Pierre Bordieu, o filósofo francês, é um campo concorrencial, um campo de disputas de poder. É um campo onde se um ganha é porque o outro perdeu”, pondera Cerqueira Baptisa. “[A Universal] É muito mais igreja de uma clientela do que de membros. Eu me sirvo dos serviços, mas sou membro de outra igreja, ou sou católico. É um pouco a característica de algumas religiões afro, como a Umbanda: a pessoa não se diz membro, mas eventualmente participa de uma celebração”, coloca Figueredo Filho.

Para ele, o Templo de Salomão é uma tentativa da IURD de se distanciar da concorrência, que já aprendeu com ela como se faz. “Outros grupos evangélicos, pentecostais, foram chegando perto do modelo original da Universal – tem pesquisador que fala em mimetismo. Segundo a linguagem do marketing, foram igualando a marca. É um movimento de descolar dos outros grupos”, aponta o sociólogo (leia mais aqui).

E de marketing a IURD parece entender. “A Universal faz as suas coisas voltada para a conquista de mercado, conquista de novos adeptos. Uma iniciativa como o Templo de Salomão mexe com o imaginário de grande parte da população. A Universal trabalha com essas imagens, com esse fascínio, esse imaginário de poder”, avalia Baptista.


sábado, 4 de março de 2017

A insustentável lerdeza do judiciário






Por Felippe Hermes 



O País gasta quase tanto com burocracia jurídica quanto com educação. Em troca, recebe um dos Judiciários mais ineficientes da Terra. E agora?

Viramos um país de concurseiros. Neste momento, 10 milhões de brasileiros estudam para algum concurso público – é quase 10% da população economicamente ativa, aquela que junta quem está trabalhando e quem procura por um emprego.

Para boa parte do nosso exército de prestadores de concurso, as melhores oportunidades estão no Judiciário – o que faz sentido num país que possui 1.200 faculdades de Direito contra 1.100 faculdades de todos os demais países do mundo (sim, mais da metade das faculdades de Direito do mundo está no Brasil, segundo a OAB).

Não é à toa. Juízes, por exemplo, têm ainda mais privilégios do que parece à primeira vista. Os 16,2 mil magistrados em atividade no Brasil ganham, em média, R$ 46 mil mensais. Isso porque três em cada quatro juízes recebem mais do que o teto do funcionalismo público, de R$ 33,7 mil, graças a “indenizações” e “gratificações” recorrentes, e estranhas a trabalhadores que não usam toga.

Sem estampar as manchetes de jornais diariamente, como faz o primo feio, o poder Legislativo, o Judiciário brasileiro enriqueceu, e muito, ao longo dos últimos anos. Seus membros ganharam um aumento de 134% acima da inflação (1.350% em termos nominais), isso sem incluir um novo acréscimo nominal de 41% concedido em 2016. Para comparar: o salário mínimo, que subiu bem nesse período, cresceu 62% acima da inflação. Questão de prioridades.

Com isso, gastamos por aqui 1,3% do PIB com o Judiciário. Isso dá quatro vezes o gasto da Alemanha (0,32%), oito vezes o do Chile (0,22%), dez vezes o da Argentina (0,13%).

O rombo, porém, não para por aí. Deve-se somar a ele o custo do Ministério Público, que chega a 0,3%, além do gasto com as defensorias públicas. Ao final, o custo com Justiça no Brasil pode chegar a 1,8% do PIB. Em outras palavras: R$ 110 bilhões por ano, algo próximo ao orçamento do Ministério da Educação.

E o que temos em troca desses gastos monumentais? Recebemos o 30º Judiciário mais lento do mundo, dentre 133 países, segundo o Banco Mundial.

Devagar e nunca

Justificar tantos gastos para manter a estrutura do Judiciário não é uma tarefa difícil. São ao todo cinco tribunais superiores, 27 tribunais de Justiça estaduais, três tribunais militares estaduais, 27 Justiças Eleitorais nos Estados, cinco regiões da Justiça Federal, além de 24 regiões da justiça do Trabalho… Para cuidar de tudo isso, temos 390 mil funcionários e 16,2 mil juízes.

Nenhum outro país do mundo emprega tantos funcionários na área como o Brasil. São em média 205 para cada 100 mil habitantes, contra 150 na Argentina e 66,9 na Alemanha, por exemplo.

Por outro lado, nosso número de juízes é até baixo. Mantemos 8,2 magistrados para cada 100 mil habitantes, 1/3 do que possui a Alemanha.

O resultado é uma carga total de 6.531 processos por juiz a cada ano. Para dar conta em tempo hábil seria necessário que cada um julgasse 33 processos diariamente. A dificuldade em julgar tantos processos é uma das causas da lentidão do Judiciário brasileiro. Em média, cada processo leva cinco anos para sair da primeira instância.

Na prática, porém, pagamos mais por menos. Por aqui, cada membro iniciante do Ministério Público leva para casa 14 vezes a renda média do Brasil. Nos países membros da União Europeia, um juiz da mais alta corte recebe em média 4,2 vezes a renda dos habitantes locais.

Ter mais juízes recebendo salários mais realistas (ou, ainda, salários que não ultrapassem o teto, como é o caso de três em cada quatro juízes brasileiros) seria uma solução. Mas ela contraria o próprio interesse da categoria – que, como qualquer outra, não vai fazer lobby para diminuir os próprios vencimentos. E, como demonstraram os parlamentares ao conceder novos aumentos em 2016, não interessa ao Congresso contrariar esses interesses, menos ainda com a Lava Jato a todo vapor.

Botando no pau

Uma das explicações para o gargalo de processos em andamento no País é a Justiça do Trabalho. Ela responde por 40% das ações que ingressam na Justiça.

Isso significa 2,5 milhões de processos trabalhistas por ano. É muito. Dá 70 vezes o número registrado nos EUA, e quase mil vezes o do Japão.

Por conta desse volume galáctico, manter toda a estrutura da Justiça do Trabalho custa caro: mais de R$ 11 bilhões por ano. Isso é praticamente o mesmo valor que a Justiça do Trabalho gera para os seus reclamantes. Ou seja: para cada real ganho numa ação, o governo gasta outro real só para manter a estrutura da coisa toda.

Resolver cada processo custa em média R$ 458 aos tribunais estaduais e R$ 675 da Justiça Federal. Quando separada apenas a Justiça do Trabalho, o custo médio por questão processual pode chegar a R$ 1.700. Uma característica, porém, marca os mais de 95 milhões de processos em tramitação no Brasil: só os setores públicos são responsáveis por 51% dos processos em andamento no País. A maior parte desses processos existe para recuperar valores devidos por pessoas e empresas aos Estados e municípios, ou à União.

Tornar a Justiça brasileira menos paquidérmica não é, portanto, algo que dependa de uma canetada mágica, mas de adequar valores dos mais dispersos. Dar mais autonomia aos sindicatos para validarem acordos junto a empresas, sem necessidade de envolvimento judicial, ajudaria. Termos 20 mil, 25 mil juízes pelo preço dos atuais 16 mil, também. Mas talvez a maior de todas as medidas seja mesmo uma faxina no maior criadouro de processos judiciais do País: o labirinto dos impostos.

Minotauro fiscal

Um livro que reunisse toda a legislação de impostos composta desde a Constituição de 1988 conteria algo em torno de 300 mil normas, distribuídas em 41 mil páginas. Não que todas essas normas sejam vigentes. 92% delas não têm mais validade. O problema é saber quais. Entender exatamente qual lei se aplica em cada caso e qual já caiu em desuso e foi substituída equivale a buscar a saída de um labirinto.

De um labirinto minotáurico: para decifrá-lo, cada empresa brasileira despende em média 2.600 horas. Na Bolívia, que não é exatamente o paraíso da desburocratização, são 1.080 horas. Nos EUA, 175.

Um governo que tornasse a tarefa de pagar impostos menos olímpica certamente evitaria inadimplências – e novos processos judiciais. No fim, o que precisamos é de um país com menos data venias e mais papo reto. Em todas as áreas.



Como desmontar a Ciência e Tecnologia brasileiras

CNPq, entidade essencial ao desenvolvimento nacional, é o alvo da vez. Série de cortes brutais em Educação e Ciência escancara um Brasil q...