sábado, 12 de julho de 2014

Plágio Acadêmico


Por Bruno Garschagen

Plagiar nunca foi tão fácil e freqüente nas universidades brasileiras, principalmente depois da popularização da internet. Os professores universitários são obrigados a duvidar de todos os trabalhos entregues pelos alunos. “O plágio nas universidades se tornou uma pandemia”, lamenta Lécio Augusto Ramos, professor de Metodologia da Pesquisa do Curso de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá e orientador de Trabalho de Conclusão de Curso da cadeira de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Segundo ele, há um grande processo intenso de apropriação indevida de frases, parágrafos e até trabalhos inteiros nos cursos de graduação e pós. Embora exista uma legislação especifica sobre direitos autorais e o Código Penal estabeleça punições, a cópia se torna cada dia mais comum entre os estudantes. “O plágio intelectual é indefensável e está presente em todos os níveis, do jornalismo à academia”, ressalta Lécio.
Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a cópia também tem sido detectada de forma freqüente. Ana de Alencar, professora de Teoria Literária da Faculdade de Letras da UFRJ, conta que o tema se tornou recorrente nas conversas entre os professores, que aplicam nota zero quando identificam o furto teórico. Ana, no entanto, não dramatiza a questão. Acha que o desenvolvimento tecnológico provocou uma revisão do debate sobre direitos autorais. Mesmo assim, considera o plágio inaceitável.
Ruim como certos chopes
Rosa Benevento, Coordenadora do Departamento de Comunicação Social da UFF, que engloba os cursos de jornalismo, publicidade e cinema, revela que, tão grave quanto o plágio, foi descobrir que a cópia, em muitos casos, não ocorre exatamente por má-fé, mas porque o aluno aprendeu a plagiar no ensino médio: “Isso me alertou para o tipo de ensino de pesquisa e elaboração de trabalho que esses alunos estão aprendendo antes de chegar à faculdade. Isso é muito preocupante”, avalia.
Rosa conta que a identificação cada vez mais regular de trabalhos com plágios obrigou a faculdade a realizar palestras de orientação sobre o assunto. “A idéia é mostrar para eles que o mais importante é criar e não copiar”. Para os alunos, copiar é preciso. Exercitar o intelecto, nem tanto.
Seja por desconhecimento ou má-fé, o fato é que nunca se viram na história do ensino brasileiro tantos plágios identificados, segundo os professores entrevistados. A maioria dos alunos ignora ou finge não saber que a cópia sem citação da fonte tem conseqüências jurídicas nas esferas civil e penal.
O advogado Rodrigo Borges Carneiro, especialista em Direitos Autorais e Propriedade Intelectual, diz que o plágio configura o crime de violação dos direitos do autor, tipificado no artigo 184 do Código Penal. O plagiário pode ser condenado a pena de detenção de três meses a um ano, ou multa. Caso a violação consista “em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, (...) sem autorização expressa do autor, (...) ou de quem os represente”, a pena será de dois a quatro anos de reclusão, e multa.
A Lei de Direitos Autorais (9.610/1998), que regula a matéria, estabelece que “ninguém pode reproduzir obra que não pertença ao domínio público, a pretexto de anotá-la, comentá-la ou melhorá-la, sem permissão do autor” (artigo 33). O artigo 7 da lei define as obras intelectuais protegidas pela lei (os textos de obras literárias, artísticas ou científicas, obras dramáticas, composições musicais etc.) e o artigo 22 diz que os direitos morais e patrimoniais sobre a obra criada pertencem ao autor. É óbvio, mas é a lei, que, não raro, é óbvia.
Direito autoral, na definição de Henrique Gandelman no livro O que você precisa saber sobre Direitos Autorais, “é a proteção jurídica das formas de expressão originais e criativas, tanto de idéias como de conhecimento e sentimentos humanos”. Mais claro do que isso, só chope de má qualidade servido em certos barzinhos da predileção dos universitários.
O uísque como padrão
No Brasil, os direitos do autor foram reconhecidos legalmente pela primeira vez em 1891, com a primeira Constituição republicana. A matéria passou a ser regida pelo Código Civil a partir de 1917, mas em 1973 entrou em vigor uma lei específica (Lei 5.988). Atualmente, como já dito, os direitos autorais são regulados pela lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Além das normas internas, o país aderiu a cinco tratados internacionais que protegem a propriedade intelectual: Convenção de Berna; Convenção Universal; Convenção de Genebra; e Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (TRIPs).
O conceito de copyright, porém, é bem mais velho. Surgiu na Inglaterra mais de um século antes da inserção da matéria na constituição brasileira. Foi durante o reinado da rainha Ana, mais precisamente em 1709, que se elaborou o Copyright Act, segundo Gandelman em seu livro sobre direitos autorais.
A coroa passou a proteger por 21 anos, idade de um uísque de ótima qualidade, as cópias impressas de determinadas obras registradas formalmente. As obras não impressas eram protegidas durante 14 anos, pouco mais do que o padrão de um scotch mais do que razoável. Até então, sob a vigência do Licensing Act, de 1662, só os editores comiam o pirão. Os autores chupavam dedo.
Na França, os autores conseguiram fazer valer seus direitos no final do século XVIII. A Revolução Francesa em 1789, que, além das decapitações, teve na defesa dos direitos individuais uma de suas marcas mais significativas, foi o estopim para que o conceito do copyright inglês fosse incorporado à legislação do país de Rabelais.
De lá para cá, a legislação foi se aperfeiçoando no mundo ocidental. E, em 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU), na Assembléia Geral realizada em 10 de dezembro, inseriu na Declaração Universal dos Direitos Humanos que todo homem tem ‘direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção literária, artística ou científica de qual seja o autor’ (artigo 27, parágrafo 2).
Aranhas em teia alheia
Desde a popularização da internet, o uso muitas vezes indiscriminado do conteúdo disponível na rede gera debates intermináveis sobre a propriedade intelectual e sua proteção legal. Estabeleceu-se a confusão (para alguns, uma certeza inabalável) de que os textos disponíveis para leitura e consulta pudem ser reproduzidos ad nauseam sem ao menos um pedido de permissão por e-mail - que dirá remuneração. Quem escreve sabe que, na world wide web, as aranhas se incumbem de espalhar a teia alheia.
E se os internautas estão se criando e sendo criados sob a mentalidade do desrespeito com a proteína mental alheia, alguns intelectuais referendam a velhacaria e estimulam o crime.
Pierre Lévy, popstar do pensamento sobre o mundo digital, teve a desfaçatez de escrever no seu livro O que é virtual que a “distinção do original e da cópia há muito perdeu qualquer pertinência” na internet. Ele acha que “não há mais um texto, discernível e individualizável, mas apenas texto, assim como não há uma água e uma areia, mas água e areia”.
Se o pecado fosse apenas a obviedade, tudo estaria resolvido. Mas o problema é de outra ordem. E muito mais grave. Lévy quer vender a idéia abjeta de que no espaço virtual não cabe falar em originalidade e autoria. O texto, como obra individual, se perderia num imenso sopão de letrinhas. Assim, não haveria razões para se estabelecer critérios de qualidade. Qualquer viúva de Bukowski seria colocada na altura de Philip Roth, para ficarmos em autores contemporâneos.
Lécio Ramos, professor da Universidade Estácio de Sá, atribui a quatro fatores o crescimento do plágio intelectual:
1- A deformação na formação educacional e intelectual de alunos, professores e demais profissionais da área;
2- A diluição ética do que é e do que não é lícito fazer;
3- A facilidade trazida pela internet, que coloca à disposição, em escala geométrica, muitos textos para quem quiser copiar;
4- A falta de tempo e pressão para produzir trabalhos.
Amigo e alcagüete
D.G, aluno de Direito na Universidade no Rio de Janeiro, diz que 90% dos trabalhos que entregou na faculdade são plagiados de textos disponíveis na internet. O acadêmico revela que copia pela praticidade, agilidade e certeza de que assim terá um trabalho de melhor qualidade do que se fizesse por conta própria.
E sobre o aspecto ético e legal, tão caros ao direito? “Na verdade, nunca parei para pensar nisso. Quase todos os meus colegas na faculdade também copiam da internet ou copiam trabalhos que foram feitos assim”, diz D.G. “Mas sei que o maior prejudicado serei eu mesmo.”
O plágio se tornou um problema tão sério que os professores universitários ouvidos por NoMínimo defendem a adoção imediata de um trabalho pedagógico de conscientização e o ensino mais eficaz de como pesquisar e usar as fontes de informação. Ana Alencar, da UFRJ, acha fundamental seduzir o aluno despertando-lhe o interesse pelo desenvolvimento intelectual. E ela não propôs chopada nem churrasco, mas aulas dinâmicas.
Rosa Benevento, da UFF, diz que os professores podem coibir o plágio acompanhando o desenvolvimento do aluno. “Conhecendo o aluno, é possível perceber imediatamente se o trabalho que ele produziu está de acordo com sua formação e rendimento.”
Lécio Ramos, da Estácio de Sá, acha que esse é um dos caminhos, mas lembra aos professores que consultar um programa de metabusca também é importante para verificar a origem da cópia. Na maioria das vezes, o Google denuncia imediatamente a fonte do furto intelectual. O programa criado por Sergey Brin e Larry Page é, ao mesmo tempo, grande amigo dos plagiários e o mais eficiente alcagüete dos jovens criminosos.
Por tão suspeito quanto o mordomo
Há três tipos muito comuns de plágio, segundo o professor da Estácio de Sá:
- plágio integral - a transcrição sem citação da fonte de um texto completo;
- plágio parcial - cópia de algumas frases ou parágrafos de diversas fontes diferentes, para dificultar a identificação;
- plágio conceitual - apropriação de um ou vários conceitos, ou de uma teoria, que o aluno apresenta como se fosse seu.
Muitos alunos, para engabelar os professores, deixam para entregar os trabalhos no fim do prazo na esperança de que o acúmulo de textos para corrigir impeça a descoberta do plágio.
Uma dica para não copiar por erro ou ignorância (excluindo a má-fé) é seguir as recomendações de Umberto Eco no livro Como se faz uma tese em ciências humanas. O professor italiano cita exemplos bastante claros de uma ‘paráfrase honesta’, ‘uma falsa paráfrase’ e uma ‘paráfrase textual que evite o plágio’. Ali está o caminho das pedras.
O plágio ampliou as responsabilidades do professor, que, pela regularidade com que encontra trechos copiados, opta por aplicar uma nota zero ou solicitar ao aluno que refaça corretamente o trabalho. Alguns são diretamente encaminhados ao departamento responsável para as devidas punições, que começam com uma advertência e podem culminar na expulsão da universidade.
E se engana quem acha que só os alunos se valem do plágio. “Tivemos casos aqui até de professores plagiando trabalhos de outros professores”, revela Rosa Benevento, da UFF. Um dos casos mais notórios, que não envolve internet, foi apontado pelo diplomata José Guilherme Merquior, intelectual de primeira e uma espécie de pitbull das polêmicas. Num texto para a ‘Folha de S. Paulo’ em julho de 1989, Merquior revelou a ‘desatenção’ da professora de filosofia Marilena Chauí ao inserir vários parágrafos do pensador francês Claude Lefort, sem citar a fonte, no seu livro Cultura e democracia.
O filósofo Roberto Romano, num texto para o ‘Correio Popular’ de setembro de 2005, lembra que ‘movido pela piedade e diante dos lamentos dramáticos por ela encenados’, tentou defendê-la. E levou ‘merecidas pauladas de Merquior’. Romano revela que um figurão ‘importantíssimo no Panteão da esquerda’, único a não se sentir indignado com Merquior, ‘disse clara e distintamente: Ela colou’. Lefort, professor e amigo de Marilena, tentou publicamente salvar a aluna da acusação, mas Merquior não havia deixado abertura para refutações.
Nenhuma instituição está salva do plágio e os alunos passaram a ser tão suspeitos quanto o mordomo dos romances policiais. E, se a cara de pau dos plagiários não tem nada de virtual, a velha assassinada não é mais uma vovozinha rica, mas o presente e o futuro intelectual de uma nação."

FONTE: www.observatoriodaimprensa.com.br

Para ter acesso à Lei de Direitos Autorais, clique aqui 

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