terça-feira, 27 de maio de 2014

“Esse ufanismo de que o Brasil é o celeiro do mundo é uma falácia”


Sociólogo e professor da UnB, Sérgio Sauer desmistifica a ideia de que o país não tem problemas na questão alimentar. “O Brasil, apesar de exportar uma parte significativa do que produz, não produz o suficiente para a sua própria população”


Por Anna Beatriz Anjos


Não é novidade que o Brasil é um dos maiores exportadores agrícolas do mundo. De acordo com o Ministério da Agricultura, somos o país que mais produz e exporta café, açúcar, etanol e suco de laranja no planeta.

Esse cenário gera a ideia de que nossa alimentação vai muito bem, obrigada. Mas isso não é o que pensa Sérgio Sauer, sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB). Para ele, embora produzamos e comercializemos alimentos em larga escala, o problema não está resolvido. “Essa discussão entre produção de alimentos e insegurança alimentar não passa só pela produção em si, mas pelo que se produz, como se produz e para quem se produz. Pensar em produção de alimento, portanto, não de grãos, significa pensar na produção da diversidade”, afirma.

Sauer, que também é relator de Direito Humano à Terra, ao Território e à Alimentação da Plataforma Dhesca Brasil, explica que a lógica do agronegócio dificulta a manutenção dessa diversidade. “O mercado, como regulador, vai sempre pensar pelo lado do que dá mais dinheiro”, pontua. “Os proprietários [das terras] não estão preocupados em diminuir metade da fazenda e cultivar alguma outra coisa.”

Em entrevista à Fórum, durante o III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), o professor falou, entre outros assuntos, sobre a questão da reforma agrária no Brasil, que, para ele, “saiu do foco” durante o governo de Dilma Rousseff. Confira a seguir:

Fórum – Como relator de Direito Humano à Terra, ao Território e à Alimentação da Plataforma Dhesca, quais são as maiores violações de direitos humanos que tem constatado nos últimos anos?

Segundo Sérgio Sauer, a perseguição a lideranças de
movimentos ligados à terra e ao território, é uma das
mais recorrentes violações de direito humano que
testemunhou como relator da plataforma Dhesca
Sérgio Sauer – Quando comecei na função, há 4 anos, as maiores violações, os ataques mais sistemáticos estavam muito ligados aos movimentos sociais agrários, como o MST [Movimento dos Trabalhadores Sem Terra] e todos os outros. Se mantêm ainda muitas dessas violações, algumas graves, como assassinatos de lideranças etc, mas mudou um pouco o enfoque. Olhando o Congresso, a bancada ruralista, a própria mídia, vemos que, agora, as maiores violações são aos direitos das comunidades quilombolas, indígenas. Claramente o foco está mais nas lutas de resistência dos territórios.

Do ponto de vista do tipo de violações, se mantêm muito fortemente as perseguições e ameaças, mas ganharam muita força também as violações que a gente chama de institucionais. O fato de o Estado ou governo não implementar ou não garantir certos direitos, como por exemplo, o direito ao território, gera uma série de outras violações, especificamente em relação aos povos indígenas. Acompanhei bastante, nos últimos dois anos, a situação lá no Mato Grosso do Sul, dos Guaranis e dos Kaiowás, e a não garantia do direito territorial gera uma série de outras violências que vão do direito à alimentação, que passa por problemas de saúde mental, passa por uma ampliação do alcoolismo, violência doméstica. Eles relatam isso.

Fórum – Como a questão da reforma agrária se relaciona às crises ambiental e alimentar? 

Sauer –  Como é que a noção de questão agrária surge na literatura? Primeiro com [Karl] Marx e depois, principalmente, com Kautsky [Karl Kautsky, teórico político alemão], que escreve o livro “A questão agrária”, cuja ideia central é: a terra é um impedimento ao desenvolvimento do capital, e aí a reforma agrária seria um mecanismo capitalista de diminuir ou amenizar esse bloqueio. Porque o centro da acumulação capitalista é o trabalho – sua exploração – e o capital. E isso marcou a esquerda, os grupos das teorias críticas, durante uns cem anos.

Mais recentemente, vários teóricos, inclusive alguns de esquerda, dizem que a terra não é mais um impedimento para o desenvolvimento do capital, porque há uma aliança entre o capital e terra, através do agronegócio. Então, se adquire a terra e, com os incentivos governamentais, como créditos etc, em vez de ela ser um impedimento – imobilizar o capital, como a gente chamaria na linguagem mais simples -, ele se dinamiza, porque a terra seria um ativo financeiro. Nessa perspectiva, a reforma agrária não teria mais uma função nem econômica, nem social, ou talvez só social, no sentido do combate à pobreza.

O que estou tentando dizer é que, primeiro, a gente precisa pensar a terra não só como ativo financeiro, não só como meio de produção, mas como base, inclusive material, para uma série de outros elementos, como por exemplo, todo o debate em torno do meio ambiente. Tendemos mentalmente a excluir a terra do meio ambiente, porque ela está ligada à produção. Mas, mesmo pegando pela dimensão produtiva, você tem um link direto com o tema dos problemas ambientais, portanto, da crise. Por exemplo: a agricultura é uma das principais atividades humanas emissoras de gases do efeito estufa. Isso faz com que a terra volte a ter uma atualidade e que surja um discussão em torno do tema. Como é que ela está sendo usada, como é que está sendo preservada – ou não? Com essa centralidade, retorna também o debate sobre a questão agrária. Eu inclusive comecei a utilizar a noção de função sócio-ambiental da terra, não apenas social, porque a dimensão ambiental tem que ser incorporada nessa discussão.

Mesmo que a gente não pegasse pelo tema ambiental, vamos abordar a necessidade de produzir alimentos, de alimentar a população mundial, independente se é problema só de produção, se é problema de produção e distribuição etc. Essa necessidade de produção, também traz de volta a centralidade da terra – como se produz alimento sem terra?. Claro, não é o único fator, obviamente, tem as sementes, tem o trabalho, tem os investimentos, mas a gente tende a tirar da equação a terra, e aí eu digo, se a gente realmente pensa de uma forma mais abrangente, ela volta a ser, no mínimo, parte da equação.

O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra é um dos mais
ativos na luta pela reforma agrária no Brasil (Foto: |MST)
FórumO Brasil importa alguns alimentos básicos, como feijão, trigo e leite. Na sua opinião, é necessário que se aumente a nossa produção agrícola, por meio de mais investimentos no agronegócio, para que sejamos autossuficientes na questão da alimentação? O que precisa ser feito para que o país pare de importar?

Sauer – Esse ufanismo de que o Brasil é o celeiro do mundo é uma falácia. Claro, nós produzimos muito, e nesse sentido o Brasil tem, entre aspas, uma vocação agrícola. Mas o que vem acontecendo no país já nos últimos 30 anos é que não se produz alimento, se produz grãos. Por que que faço essa distinção entre alimentos e grãos? Porque, por exemplo, não consumimos só soja. Pensar em alimentação é pensar na diversidade, mesmo que seja no modelo da revolução verde. Tem todo um discurso nessa história, de que precisamos produzir mais alimentos, nos aperfeiçoar tecnologicamente, investir em mais adubo, mais sementes selecionadas, mais sementes transgênicas. O discurso de defesa da mudança do Código Florestal, por exemplo, era de que precisamos de mais terra para produzir alimentos e alimentar o mundo. Mas não é bem assim.

A bancada ruralista e o agronegócio dizem que estão produzindo, exportando, gerando riqueza, mas estamos produzindo dois ou três produtos. O Brasil, apesar de exportar uma parte significativa do que produz, não produz o suficiente para a sua própria população. Essa discussão entre produção de alimentos e insegurança alimentar não passa só pela produção em si, mas pelo que se produz, como se produz e para quem se produz. Pensar em produção de alimento, portanto não de grãos, significa pensar na produção da diversidade, e não necessariamente significa aumentar a quantidade de produção.

No caso do feijão, o Brasil era produtor autossuficiente – inclusive, nós exportávamos. Mas a lógica passa pelo preço, e no mercado internacional, a demanda pela soja, e também os seus preços, estão mais elevados. Portanto, estão substituindo os cultivos. Por exemplo, o pequeno agricultor do centro-oeste, onde se produzia feijão, não consegue mais cultivar o alimento, porque a soja levou para a região uma lagarta branca, que não faz mal a ela, mas ataca o feijão.

A questão chave não é que precisamos de mais terras. Quando esse argumento é utilizado pelo setor patronal, ele sempre está pensado na floresta, nos biomas, nas áreas de preservação, quando, na verdade, o sistema do agronegócio já incorporou uma área tão grande, que a gente poderia, só em termos produtivistas, dobrar a produção ou mais sem avançar sobre o cerrado, sobre a Mata Atlântica, sobre a Amazônia.

Fórum – Como é possível aumentar a produção sem precisar de mais terras? 

Sauer – Uma das questões chaves seria a reforma agrária. Estamos falando de imensas fazendas, de 70, 100 mil hectares de terra, que serão utilizados para aquela atividade que dá mais dinheiro. Os proprietários não estão preocupados em diminuir metade da fazenda e cultivar alguma outra coisa. As questões da redistribuição da terra  e, obviamente, de repensar o modelo são chave. Agora, para isso, você precisa de políticas públicas, mas o mercado, como regulador, vai sempre pensar pelo lado do que dá mais dinheiro.

Por exemplo, tinha uma política ambientalista que defendia a expansão da cana de açúcar para áreas degradadas. Mas é mais caro você recuperar uma pastagem degradada, em termos de correção do solo, do que derrubar uma mata nova e aproveitar a fertilidade natural do solo. Então, você precisa criar mecanismos legais, mecanismos restritivos, mas também de incentivos, no sentido positivo, para que haja vontade de se fazer isso. O Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar],  principal política de apoio à agricultura familiar no Brasil, financia o clássico. Se o agricultor familiar chegar no Banco do Brasil e pedir um financiamento para produção orgânica, ele não consegue. Mas se ele pedir para plantações de soja, milho, consegue o recurso. Precisamos repensar as próprias políticas para a agricultura familiar, que têm as suas vantagens – não estou simplesmente fazendo “terra arrasada” das políticas públicas. É preciso repensar um pouco essa lógica, se a gente quer realmente caminhar na direção da sustentabilidade.

"É uma opção politica que já fizeram os governos anteriores - que
o Lula fortaleceu e que a Dilma continuou - de apostar no agro-
negocio. Ele nunca teve uma pujança tão grande como agora,
 porque tem recursos, incentivos, isenção de impostos para
 exportação", diz Sauer (Foto: Wikimedia Commons)
Fórum – A agricultura familiar e a agroecologia podem ser o modelo agrícola do Brasil no futuro? Elas dariam conta tanto das demandas internas e externas?

Sauer – Esse é um debate que tem uma dimensão política muito forte. Eu diria que esse é o caminho, mas isso é uma posição política, não é consensual. Sou da linha de que a agricultura familiar, justamente por ter acesso a menos recursos produtivos, tende a aproveitar melhor esses recursos. Se isso é verdade, então o resultado é sempre mais produtivo, mesmo que seja menos produção. Os defensores do agronegócio vão dizer o contrário, que seria necessário continuar exportando para equilibrar a balança comercial.

Do ponto de vista da agroecologia, um dos grandes desafios que está colocado é como a gente amplia, massifica experiências locais, faz com que ganhem dimensão regional, nacional, no sentido, inclusive, de produzir em quantidade? Acho que são desafios, mas eu diria que elas são viáveis e que seriam um caminho mais seguro na direção de um modelo de produção agropecuária mais sustentável a médio e longo prazo.

Fórum – Durante o III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), praticamente todos os movimentos sociais ligados à terra reivindicaram que o governo de Dilma Rousseff recuou muito em relação à reforma agrária. Você concorda? Por que isso ocorreu?

Sauer – Sou bastante crítico ao governo Dilma. Ele reproduz o que foram os governos do Fernando Henrique e do Lula: começa com um fôlego maior, especialmente em algumas áreas que nós defendemos, e vai perdendo esse fôlego. Muito claramente, toda a temática da reforma agrária, do fortalecimento da agricultura familiar, da agroecologia e produção sustentável saiu do foco, por uma combinação de fatores. Um deles foi, inclusive, uma certa perda da capacidade de mobilização dos movimentos sociais do campo. O ENA ainda reúne 2 mil pessoas, o Congresso do MST reuniu 5, 7 mil, mas transformar esses encontros em processos de mobilização e pressão é algo que vem caindo sistematicamente nesses últimos anos. Além disso, é uma opção política que já fizeram os governos anteriores – que o Lula fortaleceu e que a Dilma continuou – de apostar no agronegócio. Ele nunca teve uma pujança tão grande como agora, porque tem recursos, incentivos, isenção de impostos para exportação etc. Isso tudo associado a uma demanda internacional dos produtos que eles produzem, dessas commodities agrícolas e não agrícolas.

Ao mesmo tempo, os desafios se tornam mais complexos. Paralelo ao problema do não avanço da reforma agrária, você tem os assentamentos que já existem e precisam criar mecanismos de sobrevivência. Alguns estão endividados, outros estão cercados por várias experiências de agroindústria, e isso toma a energia das lideranças. Então, se tem um caldo bastante complexo que envolve um aumento das demandas internas, uma dificuldade de mobilização social e uma opção de governo, que é um governo amigo, mas que não implementa as bandeiras desses movimentos.

Plenária duante o III Encontro Nacional de Agroecologia, que ocorreu entre
os dias 16 e 19 de maio em Juazeiro, na Bahia. O evento reuniu mais de 2 mil
agricultores e integrantes de movimentos sociais ligados ao campo. (Foto:
Renato Cosentino/AARJ)

Fórum – Qual o balanço que você faz da atuação do Incra (Instituto de Colonização e Reforma Agrária) nos últimos anos? 

Sauer – O que acabou acontecendo é que o Incra e o MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário] vinham num processo de isolamento, de perda de espaço político no governo, e eles foram mudando institucionalmente, fazendo opções políticas justamente no sentido de buscar nichos que não eram os clássicos, como, por exemplo, ampliar os assentamentos, lutar por recursos para novas áreas. E foram fazendo opções de implementar políticas que são menos conflituosas, aí perderam sua característica histórica. É impressionante, você não vê ninguém criticar o Incra, não tem embates. Exemplo mais claro: em vez de fazer novos assentamentos, [eles dizem que] nós precisamos consolidar aqueles que já existem, colocando os técnicos para criar políticas de assistência técnica. Elas são importantes também, mas se direciona sua pouca força para isso. Outro exemplo claro foi quando, já no final no governo Lula – e isso depois foi fortalecido no Governo Dilma -, se fez a opção pela regularização fundiária através do Terra Legal. Você tira uma quantidade imensa de funcionários do Incra, que passaram a tentar implementar um programa que é importante, mas, de novo, tira a sua força.

Se vê claramente que essas opções políticas e institucionais tentaram ser eficientes em implementar algumas políticas que não aquelas estruturantes, e isso fez com que o órgão, e também o Ministério do Desenvolvimento Agrário, fosse perdendo sua capacidade, inclusive, de se colocar internamente no governo, de dizer “espera aí, tem também o nosso Ministério, precisamos de mais recursos porque temos X assentados.” Chegaram a assumir o discurso de que não tem mais luta pela terra, de que não tem mais acampados, e, portanto, não precisa fazer novos assentamentos.

Fórum – Mudando um pouco de assunto e falando do reconhecimento dos territórios dos povos tradicionais: quais são os maiores entraves para esse processo? Concorda com a reivindicação dessas comunidades, de que é um processo extremamente autoritário?

Sauer – Acho que o primeiro grande o problema – e isso o setor patronal e o setor do governo entenderam muito bem – é que quando você reconhece um território indígena, tira esse território do mercado de terras ou de futuras possibilidades de investimento ali. É um embate por reserva de valor. Por isso, há uma resistência e pressão muito forte desses setores de não reconhecer mais nada. Associado a isso, o governo Dilma, especialmente, assumindo um discurso muito burocrático e pragmático, também defende que primeiro é preciso resolver o problema daqueles territórios já conquistados, porque não tem saúde, não tem educação. Isso é verdade, mas as coisas não são descoladas, você não consegue avançar sobre o tema da educação no campo se você não tem famílias sendo assentadas. Eu diria que, no que se refere aos territórios de povos e de comunidades tradicionais, a chave acho está nessas duas coisas: primeiro, uma pressão para que não se reconheça porque, futuramente, poderão ser terras pra investimento, para reversa de valor etc; segundo, um governo que não vê essas políticas como capazes de mudar a realidade brasileira.

Um terceiro elemento é uma opção do governo, de que é necessário criar infraestrutura, portanto, direcionar investimentos governamentais para desenvolver o Brasil, para fazer crescer – nessa esteira vem o PAC. E aí o governo é realmente autoritário em todos os sentidos. Por exemplo: você vai construir uma estrada, mas tem lá 100 famílias. Negociar com essas 100 famílias dá trabalho, e o Estado brasileiro tem uma história de autoritarismo, então é muito mais fácil dizer: “vai passar por aqui, você assina o decreto e pronto, depois a gente resolve os problemas”. A nossa prática estatal extremamente autoritária se revela nessas horas.

Historicamente, também se utilizou o discurso da necessidade de preservação. Lembro muito bem quando o governo Fernando Henrique institui no Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente] que o assentamento de reforma agrária, para ser legalizado, precisava do licenciamento ambiental. Tinha toda uma argumentação da sustentabilidade, de preservar o meio ambiente. Também essa narrativa funciona muito bem para fazer o bloqueio, e isso é muito forte nos últimos anos. A criminalização [das comunidades tradicionais] via fiscalização é muito forte, seja pela questão ambiental, seja pela questão do uso dos recursos públicos, e isso tem dificultado muito a mobilização dos movimentos, porque qualquer acesso a recurso público a que o pessoal tem direito, o Estado autoritariamente faz aquele pente fino. Não é que a gente seja contra a fiscalização, mas você usa dois pesos e duas medidas, você aplica a lei de uma forma muito mais dura, muito mais rígida, para um dos lados.

As comunidades indígenas ainda lutam para que seu território seja
garantido (Foto: Mídia NINJA)

Fórum – Há uma forma de conciliar a preservação ambiental, com a criação de unidades de conservação, ao respeito ao direito das comunidades tradicionais? Parece que são duas coisas que conflitam, mas elas realmente são antagônicas?

Sauer – O Brasil é um bom exemplo de uma excelente legislação. Por que quando você fala de unidades de conservação, o sistema nacional tem umas 10 ou mais modalidades, que vão das mais rígidas, como as unidades de conservação integral, às reservas extrativistas, às reservas de desenvolvimento sustentável, que são figuras jurídicas e formas de ocupação da terra que pressupõem justamente essa relação entre convívio humano e preservação. Então, do ponto de vista legal, a gente teria os mecanismos, mas, na prática, as coisas são mais complexas.

(Crédito da foto de capa: Tribunal de Justiça do Amazonas)

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Marginalização do negro é fruto da abolição inconclusa



Em seminário realizado no último dia 14, a constatação foi de que a assinatura da Lei Áurea, há 126 anos, não representou a libertação dos escravizados; o ato marginalizou os africanos e seus descendentes, situação que tem reflexos até os dias atuais


Por Carlos Mercuri


No último dia 13 de maio, completaram-se 126 anos da assinatura da Lei Áurea, sancionada pela princesa imperial regente Isabel, filha do imperador dom Pedro II. Com o propósito de debater como ficou a situação dos negros e negras no dia seguinte à abolição da escravatura no Brasil até os dias atuais, o CELACC (Centro de Estudos Latino-Americanos de Cultura e Comunicação), da Universidade de São Paulo, organizou, no último dia 14, um debate sob o tema “Abolição Inconclusa”.

Para discutir o assunto, foram convidados o professor Kabengelê Munanga, graduado em Antropologia Cultural pela Université Officielle Du Congo à Lubumbashi  e doutorado em Ciências Sociais (Antropologia Social) pela USP, onde é professor titular; e Edson França, historiador, membro do Comitê Central do PCdoB e do Conselho Nacional de Igualdade Racial (CNPIR), na vaga de Notório Reconhecimento em Relações Raciais.

A mediação da mesa ficou a cargo do professor Dennis de Oliveira, coordenador do CELACC, vice-líder do Alterjor (Grupo de Pesquisa de Jornalismo Alternativo e Popular) e membro do Neinb (Núcleo de Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro), todos da USP, onde também atua como professor na pós-graduação.

O evento inaugurou o Ciclo de Diálogos Sentir, Pensar, Agir, que “busca reunir no mesmo espaço personalidades que expressem as três dimensões possíveis de relacionamento do ser humano com fenômenos sociais: a dimensão do sentir, presente na particularidade das expressões artísticas; do pensar, presente na universalidade do conhecimento científico; e do agir, presente nas singularidades da ação política”.

Para dar a dimensão artística do seminário, Dennis leu fragmentos do conto “Clara dos Anjos” (disponível aqui), do escritor Lima Barreto, que trata da questão do racismo. Na obra, a menina Clara, mulata de 17 anos, é seduzida pelo arruaceiro Cassi Jones, branco, de uns 30 anos. Ao ver-se grávida, foi com a madrinha à casa do rapaz pedir providências, ao que a mãe do sedutor julgou absurda a proposta de que lhe tomasse em casamento.

A seguir, os principais pontos levantados pelos debatedores:

Kabengelê Munanga

Abolição: um ato juridico não material
(foto: Griots)
Após frisar que, em sua carreira de pesquisador jamais escreveu uma linha sobre a abolição, apontou que é um tema que merece reflexão, a se perguntar se foi feita a abolição ou outra coisa. Ele disse não ser novidade que no Brasil, assim como em outros países das Américas, a abolição foi primeiramente um ato jurídico, pelo qual os próprios escravizados lutaram, com a solidariedade dos chamados abolicionistas, em defesa de sua liberdade e dignidade humana.

As grandes vítimas do tráfico e da escravidão foram os africanos escravizados e seus descendentes brasileiros também escravizados. Por isso a memória da escravidão é comum à África e à sua diáspora no mundo. O que levou a União Africana a considerar a diáspora como constituindo a sexta parte do continente africano.

O mais beneficiado de todos com a escravidão e o tráfico foi o Brasil, que recebeu cerca de 40% de todos os africanos deportados às Américas. Nesse sentido, o Brasil é considerado como o maior país da diáspora negra no mundo, com uma população negra ou afrodescendente numericamente superada apenas pela Nigéria, que é o maior país da África negra em termos populacionais.

Os africanos e seus descendentes se constituíram um dos mais importantes componentes da formação do Brasil, como povo e como nação. Apesar da desigualdade racial, da sub-representação dos negros, em diversos setores da vida nacional, os aportes e as contribuições culturais que fazem parte da identidade brasileira no plural são inegáveis.

A pergunta que se coloca hoje é saber qual é a situação das mulheres e dos homens negros nessa sociedade cuja construção contou com sua participação. É esta a questão da atualidade que preocupa a gente. E essa pergunta abre a porta para se discutir e questionar os efeitos e as conquistas da abolição da escravatura na sociedade.

E essa pergunta que leva algumas pessoas a falar da segunda e verdadeira abolição da escravatura. Segundo Censo do IBGE, afrodescendentes representam pouco mais de 50% da população total, mas por onde andam esses 51% em termos de mobilidade, de ascensão social? Onde eles estão? Houve realmente a abolição?

A juventude negra constitui a maior vítima da violência urbana. A cada três jovens mortos pela violência na periferia, dois deles são negros ou afrodescendentes. Então, pergunta, onde está a abolição, se a situação do negro e a posição subalterna cujas raízes vêm da escravidão não mudaram no Brasil de hoje. Essa desigualdade vem da escravidão.

O significado do 13 de Maio passa pela reflexão sobre a situação do negro no Brasil de hoje, passa pela reflexão sobre a memória positiva e negativa da escravidão, passa pela análise da situação do negro pós-abolição. Essa reflexão deve ser feita ou refeita por nossos historiadores e cientistas sociais.

Ele levanta algumas questões: Por que o Brasil levou tanto tempo para resgatar a memória da escravidão? Um país que foi o último a abolir a escravidão por que levou tanto tempo para resgatar a memória da escravidão, o legado da escravidão? É possível construir a democracia sem discutir sua relação com a diferença? É possível discutir a democracia sem discutir suas diferenças em relação às raças, às mulheres, aos homossexuais, aos indígenas?

Houve um silêncio organizado em torno de uma verdade que foi voluntariamente dissimulada. O silêncio é uma das estratégias do racismo brasileiro: não dizer nada para não conscientizar os membros da sociedade, para não conscientizar negro, para não conscientizar o branco.

A escola pública não reservou um espaço central no ensino do tráfico e da escravidão, apesar de existirem movimentos e as reivindicações na população negra. Por que em alguns livros os portugueses foram para a África, onde já havia pessoas que nasceram escravas, compradas por cachaça ou fumo?

O tráfico negreiro e a escravidão foram considerados pela Unesco como um crime contra a humanidade, mas, ao entender o discurso do então senador Demóstenes Torres, na audiência pública organizada pelo Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade das cotas, parece que essa consciência de crime que exige reparação, pelo menos reparação moral, não existe entre os brasileiros.

[NR: O então senador Demóstenes Torres (DEM-GO) foi relator do Estatuto da Igualdade Racial, aprovado em 2010 pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ); contrário ao sistema de cotas nas universidades federais, Torres disse, entre outras coisas, que os africanos eram os principais responsáveis pelo tráfico transatlântico de escravos, as escravas negras não foram violentadas pelos patrões brancos, pois 'isso se deu de forma muito mais consensual' e que, no dia seguinte à sua libertação, os escravos 'eram cidadãos como outro qualquer, com todos os direitos políticos e o mesmo grau de elegibilidade'.]

A abolição da escravatura no Brasil em 1888 não foi uma ruptura, pela sua incapacidade para transformar as profundas desigualdades econômicas e sociais, pois não se organizou uma resposta ao racismo que se seguiu para manter o status quo. Essa manutenção da relação mestre/escravo se metamorfoseou na relação branco/negro, ambas hierarquizadas.

A data de 13 de maio vem sendo uma data histórica importante, pois milhares de pessoas morreram para conseguir essa abolição jurídica que não se concretizou em abolição material, o que faz dela uma data ambígua. E o movimento negro não vê por que comemorar e elegeu o 20 de novembro uma data mais importante.

Trata-se de compreender na realidade as causas desse silêncio organizado e não ficar preso na aceitação da culpabilidade. Até o presidente Lula e o papa, quando foram à África, pediram desculpas. A aceitação da culpabilidade serve apenas para apaziguar as tensões, sem buscar tentar sair do impasse político. Estamos acostumados a discursos bonitos, mas depois deles não tem mais nada. Discurso bonito não resolve nada.

Na discussão sobre a abolição coloca-se o acento sobre o abolicionismo, mas apaga-se o que veio antes e depois. O que aconteceu no dia seguinte à abolição até hoje, com aqueles que ficaram na rua, não estavam mais na senzala? Isso é importante para entender a abolição.

A Lei Áurea é apresentada como grandeza da nação, mas a realidade social dos negros depois dessa lei fica desconhecida. O racismo está presente em nossa sociedade.

O discurso abolicionista tem um conteúdo paternalista: os negros são considerados como grandes crianças, ainda incapazes de discernir seus direitos e deveres na sociedade, por isso os abolicionistas os libertaram. Então a educação fica dominada pelo eurocentrismo.

A questão do negro tal como colocada hoje se apoia sobre uma constatação: o tráfico e a escravidão ocupam uma posição marginal na história nacional. No entanto, a história, a cultura dos escravizados são constitutivas da história coletiva.

A abolição da escravatura é apresentada como um evento do qual a República pôde legitimamente se orgulhar. Mas a comemoração da data tenta fazer esquecer até hoje a longa história do tráfico e da escravidão para insistir apenas sobre a ação de certos abolicionistas e marginalizar as resistências dos escravizados.

A memória da escravidão é negativamente associada aos escravistas e a memória da abolição positivamente associada à nação brasileira. No entanto, as duas memórias deveriam dialogar para se projetar no presente e no futuro do negro ou simplesmente se construir uma única memória partilhada.

Edson França

Está na hora de se discutir o voto étnico
(foto: Geledés)
Significado do 13 de Maio: deslegalização da escravidão. O nome abolição dá a impressão de que veio a liberdade e não foi bem isso que aconteceu. O Brasil foi o país em que teve maior longevidade a escravidão. O Brasil é singular porque aqui houve escravidão de norte a sul.

Durante o processo abolicionista, muito antes de chegar ao Brasil, a elite brasileira começou a se preocupar com vários aspectos, por causa da densidade demográfica brasileira majoritariamente negra. Havia um grande medo do que seria um país como o Brasil livre. Havia a experiência da revolução no Haiti, onde os negros não só se libertaram da escravidão como tomaram o poder  no país e expulsaram os brancos.

A grande pergunta era: o que fazer? Ninguém queria abolir ninguém. Queriam acabar com o regime escravocrata porque ele atrapalhava as pretensões capitalistas. Então, o que fazer com esses negros, praticamente 90% da população? A elite brasileira opta por vários processos para diminuir tanto quantitativamente como também assegurar que o poder depois da abolição se mantivesse em suas mãos.

Processo de imigração: Brasil recebeu muitos imigrantes europeus e a forma de substituição da mão de obra alijou aquela população que até então vinha trabalhando. Então o negro que era um bom escravo passou a ser um mau cidadão, alguém que, segundo a elite brasileira, era incapaz de se adaptar ao trabalho livre.

Esse processo tem como resultado a marginalização de um povo, transformado em inimigo, hostilizado pela classe dominante.

Processo de miscigenação: um processo de desafricanização. A qualquer denúncia contra um negro, ele era colocado em um navio e levado de volta à África. Uma acusação já era suficiente para devolver o negro à África, com o Estado pagando a viagem.

O resultado disso é que o Brasil passa a ser um país com profundas desigualdades socioeconômicas, passa a ser um país bastante violento.

No campo ideológico, o Brasil foi também bastante perverso. A elite brasileira, em matéria racial, é extremamente hipócrita. O racismo no Brasil não é escondido, é só ver na TV quantos jovens morrem por dia. Veja nas portas de fábricas, nas empresas de coleta de lixo quem trabalha lá. Não tem disfarce não. Apenas se evita falar sobre.

Nós, do movimento negro, somos extremamente críticos a esse processo de abolição e ao dia 13 de Maio. A questão racial continua sendo um grande problema nacional no Brasil. Enquanto não houver uma compreensão de que discriminando seu povo você não eleva uma nação, o Brasil não vai conseguir avançar efetivamente.

A população negra continua na base da pirâmide social e sendo a principal vítima da violência, e a sociedade não fica indignada. Não só a violência física, mas também o grande número de moradores de rua, muitas crianças e a gente não se sensibiliza. É como se a violência tivesse uma certa legitimidade.

Isso é fruto do escravismo e da maneira como o processo de abolição aconteceu no Brasil. Precisava tirar o poder da maioria da nação e isso foi feito pela violência, que passou a ser algo do cotidiano.

Nós passamos por tudo isso, mas o movimento negro e uma parcela não negra da sociedade ainda continuam indignados e se levantam, e lutam contra, não estamos passivos. O movimento negro no Brasil, apesar desse grande fosso entre negros e negras, apesar de todo esse empenho do Estado e da elite brasileira em marginalizar, é um movimento que vem buscando e vagarosamente, contrariando essa expectativa da elite, vem avançando em alguns pontos.

O projeto da elite em finais do século 19 e início do 20 era de que, em poucos anos, não existiria negro no Brasil, o processo de branqueamento tinha essa pretensão. E a maneira de fazer isso era misturar bastante. Quando a gente vê que 51% da população se autodeclara negra é um xeque-mate que a gente dá naquela pretensão. Eles são obrigados a admitir que o Brasil não é um país branco como queriam que fosse.

A cultura nacional não é europeia, nós conseguimos desconstruir isso. Há elementos da africanidade extremamente enraizados. O povo, apesar da opressão, conseguiu construir seus mecanismos de resistência que permitiram moldar o Brasil diferente daquilo que era o projeto da elite, que não nos incorpora.

A luta política vem construindo algum incômodo. A aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, por mais difícil que tenha sido, por mais incongruente com aquilo que tinha sido a nossa proposta, nós conseguimos fazer aprovar, e não foi a proposta do Demóstenes [Torres].

A principal luta hoje e sobre a qual precisamos começar a compreendê-la é a desigualdade em espaços de poder e decisão. Temos consenso em muitas agendas, o movimento negro tem uma grande unidade em sua pauta política. Mas por que as pautas do movimento não acontecem? Por que nossas coordenadorias, secretarias nas prefeituras são pastas sem dinheiro? É para não funcionar mesmo. Porque não temos força política, não temos caneta.

Então a discussão do poder é fundamental. Como estabelecer uma tática para atingir o poder? Está na hora de discutir o voto étnico. Está na hora de usar o Estado a nosso favor. Porque o Estado é um instrumento que a burguesia usa para ela e contra nós. Temos que trabalhar agora com a consciência de que negro vota em negro.

Hoje precisamos começar a construir a presença de negros e negras nesses espaços. E não tem outra forma, na democracia brasileira, além do voto. Para que não nos tornemos um movimento colecionador de reivindicações, ou de fracassos, ou de mentiras. Hoje somos um movimento social sem representação política.

Dennis de Oliveira

Discutir uma mudança profunda do
Estado (foto: IEA-USP)
Nessa ideia do Estado, é importante a gente refletir a questão do Estado para além do governo, as questões ideológicas. Importante destacar também o poder sendo expresso pelos meios de comunicação de massa, que vêm construindo uma ideologia racista de forma bastante sofisticada e a questão da educação, a dificuldade que nós temos de implementar a lei 10.639 [que torna obrigatório o ensino da História da África na escolas], que na verdade é uma lei que altera a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), e a resistência que a gente observa na educação na implementação dessa lei.

Ver como o Estado brasileiro é construído numa lógica racista. Por mais que a gente avance na legislação, há dificuldade de implementação e isso se dá em função de esse Estado ser moldado para não atender a esses compromissos. Então é importante a gente discutir uma mudança profunda do Estado.


(Crédito da foto da capa: Carlos Mercuri)


segunda-feira, 19 de maio de 2014

Mundial de 2014 do Brasil: o mais caro de sempre


Brasil já gastou em estádios mais do que a África do Sul e a Alemanha juntas (mundiais de 2010 e 2006). Ex-estrela de futebol Romário diz-se enganado porque, ao contrário do que disseram Lula e Dilma Rousseff, os recursos investidos foram 95% públicos.


Por Luís Leiria *


Estádio Mané Garrincha: demoraria 1167 anos a ser pago.
Foto do site do estádio
Pelas últimas contas, feitas às vésperas da abertura do Mundial de Futebol de 2014 no Brasil, a construção ou remodelação dos estádios onde os jogos vão decorrer custou cerca de 2.900 milhões de euros, um valor que representa uma derrapagem global de 66% a mais do que os gastos previstos em 2010.

Com as obras concluídas ou à beira da conclusão, o Brasil passa a ter metade dos 20 estádios mais caros do planeta, segundo um estudo realizado pela empresa KPMG. O ranking elaborado pela empresa coloca o Estádio Mané Garrincha em 3º lugar, atrás apenas do Wembley e do Emirates Stadium, ambos no Reino Unido. Cada lugar do estádio de Brasília custou 6.700 euros.

Gastos superiores aos dos Mundiais da África do Sul e da Alemanha somados

A Copa do Mundo de Futebol, como é conhecido o Mundial de 2014 no Brasil, já supera largamente em gastos todas as anteriores. Mais: os gastos com os estádios são maiores do que o somatório de tudo o que foi gasto nos estádios dos dois Mundiais anteriores, os da África do Sul de 2010 e da Alemanha de 2006.

Em junho do ano passado, o Brasil viveu uma onda de indignação com enormes manifestações que tiveram como uma das bandeiras a denúncia dos gastos com a Copa. As exigências da Fifa para a construção dos estádios deram origem a palavras de ordem como “Não queremos estádios – Queremos escolas e hospitais” e “Queremos escolas e hospitais no padrão Fifa”.

O governo argumentou que o dinheiro não vinha do orçamento federal, o que não passou de uma manobra retórica, já que há investimentos federais diretos e também mascarados de empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) aos clubes, além dos gastos dos orçamentos estaduais e municipais e as isenções fiscais de que a FIFA beneficia. No total, a realidade é que mais de 95% dos gastos são públicos.

Romário: “Fui enganado”

O antigo jogador da seleção Romário, um dos heróis do Mundial ganho pelo Brasil em 1994, hoje deputado federal, disse que se sentiu enganado pelo ex-presidente Lula, pela atual presidente, Dilma Rousseff, e pelo ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira em relação aos gastos com a realização do Mundial. “O Brasil não só tinha condição de sediar uma Copa, como tinha a condição de sediar a maior Copa de todos os tempos. Assim como todos, eu fui enganado. Eles tinham divulgado que 90% do gasto seria de dinheiro privado. Hoje temos quase 98% de dinheiro público, gasto totalmente errado. Dinheiro que a gente poderia colocar em outras áreas que são extremamente precárias, como educação e saúde. O que vejo de mais errado é esse gasto astronómico, totalmente fora do planeado, e o enriquecimento ilícito de vários políticos”, disse Romário.

Para a ex-estrela de futebol, “a Copa do Brasil fora do campo a gente já perdeu e de longe. Agora a gente tem que torcer para que a seleção seja campeã dentro de campo. Eu particularmente torço. Infelizmente, por outro lado, tenho que admitir que muito dos problemas vão ficar por baixo dos panos. Esse é o nosso país. Uma vitória em Copa do Mundo apaga e esconde muitas coisas”, disse.

Hoje temos quase 98% de dinheiro público, gasto totalmente errado. Dinheiro que a gente poderia colocar em outras áreas que são extremamente precárias, como educação e saúde, diz Romário.

Lucros da Fifa

Os gastos são públicos, mas os lucros privados. A Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) já garantiu uma receita recorde com o Mundial. O valor das isenções fiscais concedidas pelo governo federal do Brasil é calculado em 323 milhões de euros e a entidade que comanda o futebol mundial conta com mais de 900 contratos comerciais fechados e 19 cotas de patrocínios, sendo 13 com grandes multinacionais, apontando para um ganho mínimo de 2.850 milhões de euros com o torneio. A Copa mais lucrativa da sua história.

Só que os adeptos brasileiros ficarão muito longe dos estádios. O “torcedor” comum brasileiro apenas teve acesso a um terço dos ingressos da Copa de 2014 pela distribuição inicial da Fifa, já que mais da metade do total de 3,3 milhões de bilhetes foi para a federação internacional, associações nacionais de futebol, para a CBF e parceiros comerciais, Vips, Comité Organizador, governo federal, entre outros. E uma parcela foi destinada exclusivamente a estrangeiros.

A Fifa tem o monopólio da venda dos bilhetes, e o fenómeno do mercado negro já começa a funcionar, desta vez também virtualmente. O preço de um bilhete em sites de “candonga” para um único jogo pode chegar a 29 mil euros!

A Copa já era!

Num extenso e documentado artigo, o jurista Jorge Luiz Souto Maior, professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP e membro da AJD – Associação Juízes para a Democracia, desmonta com pormenor a argumentação de que apesar dos gastos astronómicos a Copa trará ganhos para todos os brasileiros – e não só para a Fifa.

“Há de se indagar qual o preço pago pela população brasileira”, argumenta, já que terá de conviver com “o verdadeiro legado da Copa: alguns estádios fantasmas e obras inacabadas, nos próprios estádios e em aeroportos e avenidas”.

O jurista faz as contas ao já citado estádio Mané Garrincha: “levando-se em consideração o resultado operacional com jogos e eventos obtidos em um ano após a conclusão da obra, qual seja, R$1.137 milhões, serão precisos 1.167 anos para recuperar o que se gastou, o que é um absurdo do tamanho do estádio”.

O problema aumenta, diz o professor, quando recordamos que nunca se viu no Brasil “a mesma disposição de investir dinheiro público em valores ligados aos direitos sociais, tais como educação pública, saúde pública, moradias, creches e transporte”.

*Luis Leiria é Jornalista


FONTE: Esquerda.net

sexta-feira, 16 de maio de 2014

A Monsanto além do mito [*]


Por Juliana Dias


"O oráculo Monsanto (que não tem cara, nem voz) apresenta a última palavra, literalmente, para redimir a humanidade do caos que está por vir: alimentar 9 bilhões de habitantes (previsão para 2050) com engenharia genética. Quem está disposto a crer para ver esse milagre?

O livro-documentário ‘O Mundo Segundo a Monsanto’, escrito pela jornalista francesa Marie-Monique Robin, em 2008, é uma daquelas leituras desconcertantes, que me fez uma leitora-investigadora, enquanto avançava com apetite por suas páginas. A autora foi cuidadosa e hábil ao compor o quebra-cabeça complicado com a saga da empresa norte-americana, pioneira na comercialização de produtos químicos e transgênicos.

Com precisão de datas, trechos de relatórios confidenciais, inúmeros estudos científicos, entrevistas, matérias de jornais, Monique cruzou informações para construir uma narrativa que está intrinsecamente ligada com a provisão de alimentos, a cultura, a sociedade, a economia, a política e a saúde há 112 anos, período de existência da empresa. E com vigor para prosseguir com longevidade seus domínios, cada vez mais perto, mais onipresente na terra, na mesa, no corpo. A obra, infelizmente, não é um dossiê maquiavélico do passado. Está se desenrolando vivamente.

Enquanto devorava seu conteúdo, reuni fatos atuais, que dão continuidade, ou reforçam, a rica contribuição de Monique para o debate sobre o sistema alimentar moderno. Localizei diversos trechos do livro sendo utilizados em discursos do presente. Trata-se de uma clara demonstração de que ainda há muita água para rolar debaixo dessa ponte, contaminada com a semente que supostamente salvará o mundo.

Monique não conseguiu entrevistar os atuais representantes da Monsanto. Não por falta de tentativa. Mas a empresa de St. Louis (cidade-sede da corporação) publicou nota, por meio de sua assessoria de imprensa, sobre o referido trabalho, limitando-se a descredenciar uma excelente investigação jornalística. "O projeto chamado O Mundo Segundo a Monsanto lança ataques contra a empresa e a biotecnologia e repete alegações que há muito tempo já foram descartadas por renomados cientistas internacionais. Tanto o livro quanto o vídeo extraem eventos de contextos específicos com o intuito de retratar a Monsanto de maneira desfavorável”, informa o release. Este texto é exatamente como Monique descreve a postura da empresa.

A nota expõe uma defesa dos venenos PCB (bifenilos ploriclorados), Agente Laranja e BST, argumentando que as empresas que fabricavam já foram vendidas; e se esconde na ciência para afirmar que, no caso dos PCBs, por exemplo, "o peso esmagador da evidência científica confiável estabelece que a exposição aos PCBs, exceto em níveis muito altos, não causa algum efeito adverso às condições da saúde humana”.

Outro ponto refutado pela companhia é sobre a sua possível relação com os casos recorrentes de suicídio dos agricultores indianos. A monocultura do algodão na Índia é cultivada, em grande parte, com o pacote tecnológico, que inclui sementes e fertilizantes da Monsanto. Para adquiri-los a cada safra (pois podem ser utilizados uma única vez), os pequenos produtores contraem dívidas, que muitas vezes não conseguem pagar com o lucro da colheita. O porta-voz da multinacional lamenta e retoma o discurso habitual: "Estudos científicos independentes realizados por renomadas entidades citam o endividamento como uma das principais razões para o suicídio”, mas argumenta que as causas desse problema não devem ser analisadas por fatores isolados. A mesma argumentação serve para tratar do sistema alimentar moderno, que não deve ser encarado apenas por um ângulo: o da biotecnologia, como sugerem os defensores dessa tecnologia, apontada como solução para prover alimentos em quantidades suficientes para uma população crescente, e ainda acabar com a fome.

Meio século em solo brasileiro: controvérsias

O ano de 2013 foi emblemático para a Monsanto. A empresa completou 50 anos no Brasil com o lançamento comercial no país das sementes da soja Intacta RR2 PRO, primeira tecnologia desenvolvida em solo brasileiro. Segundo o release da companhia, este será "o principal fator de crescimento da nova plataforma global de tecnologia para soja da Monsanto”. Ou seja, todas as apostas estão no chamado "celeiro do mundo”, sobre o qual Paul Roberts afirma que não é bem assim. E é para a China (o principal mercado mundial) que o Brasil vai exportar esse grão transgênico.

Três em um. É assim que Monsanto vende seu produto, supostamente revolucionário: "resultados de produtividade sem precedentes; tolerância ao herbicida glifosato proporcionada pela tecnologia Roundup Ready (RR); controle contra as principais lagartas que atacam a cultura da soja”. A justificativa quanto ao otimismo se deve ao fato de que o Brasil é o segundo maior produtor de transgênicos no planeta, perdendo apenas para os EUA.

A Monsanto espera substituir a tecnologia Roundup Ready (RR), presente em quase 90% das lavouras de soja do país, e cuja patente venceu em 2010.

A Monsanto do Brasil tem 36 unidades distribuídas por 12 estados brasileiros – Alagoas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, São Paulo e Tocantins – e o Distrito Federal. São 19 unidades de pesquisa, 8 unidades de processamento de sementes, 2 unidades de produção de herbicidas, 3 unidades de vendas, 1 unidade de distribuição e 3 escritórios administrativos. Em 50 anos, a norte-americana avançou e montou uma base consolidada para seguir seus planos de salvar o mundo. "Quem os nomeou para esta divina missão?

Um plano para "salvar o mundo”

Da guerra à mesa, as invenções, ou apropriações, da Monsanto são apresentadas como soluções para salvar o mundo. No entanto, essa gigante da indústria tem força política, econômica e acadêmica para seduzir ao seu bel prazer e punir os que se opõe a sua marcha do bem (para quem?). Para alguns, está mais para anticristo do que para salvador. Depois de 50 anos, a Revolução Verde não acabou com a fome como havia prometido. E em 2013, a empresa mantém seu otimismo fanático de que pode redimir o ser humano de suas mazelas, como a fome e a desigualdade.

As promessas não foram cumpridas. Esse suposto salvador não tem plenos poderes. Ao contrário do que se espera de uma divindade, falhou. Mas continua com sua doutrina arrematando fiéis. A solução milagrosa é a biotecnologia. O alimento foi decomposto em nutriente e, agora, está resumido a um gene. Nesse sentido, o homem fica mais distante da natureza, dessa relação em que Graciliano Ramos tanto exaltou em sua obra, ou do que Michael Pollan alertou sobre a necessidade de olhar o alimento com a lente ecológica. Quem sabe o cidadão do século XXI poderá despertar como Jacinto de Tormes, personagem de Eça de Queiroz, em A Cidade e as Serras? O caso é apropriado para pensar a relação entre o homem e a modernidade.

Ao retornar a sua cidade natal, Tormes, em Portugal, o nobre e sofisticado Jacinto curou-se da frustração da moderna Paris do século XIX com uma refeição frugal: "E o meu Príncipe, na verdade, parecia saciar uma velhíssima fome e uma longa saudade da abundância, rompendo, assim, cada travessa, em louvores mais copiosos”. Ele se esbaldou com frango dourado assado no espeto, a salada que colheu na horta e o vinho produzido na região. Voltou às origens para reviver. Religou-se a sua terra enquanto havia tempo e revigorou-se. Se o alimento é tratado como um gene, como construir uma relação como está descrita por Queiroz?

O oráculo Monsanto (que não tem cara, nem voz) apresenta a última palavra, literalmente, para redimir a humanidade do caos que está por vir: alimentar 9 bilhões de habitantes (previsão para 2050) com engenharia genética. Quem está disposto a crer para ver esse milagre?


Juliana Dias é doutoranda em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia, na UFRJ.


FONTE: Outras Palavras

[*] Nota do blog: Para saber mais sobre a Monsanto, clique aqui

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Onda de linchamentos: fruto da falha do Estado e da cultura da desigualdade


Por Marcela Belchior


Espancada e morta por vizinhos na cidade de Guarujá (Estado de São Paulo), a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, 33 anos de idade, foi atacada por uma multidão que acreditava no seu envolvimento com sequestro de crianças para a realização de rituais de magia negra. A reação da população foi incentivada pela publicação de um retrato falado de uma mulher no Facebook, o que levou a crer que seria ela a suspeita do crime. Seu caso não é único, ela foi a 20ª pessoa assassinada em uma situação de "justiça com as próprias mãos” este ano no Brasil.

Em fevereiro último, um adolescente, acusado de roubo, foi preso nu a um poste na cidade do Rio de Janeiro com uma trava de bicicleta por um grupo que se autoproclamou "justiceiros”. O caso ganhou espaço na imprensa nacional e nas redes sociais da Internet. Enquanto críticos à violência classificam a situação como "volta à Idade Média”, parte da população do país adotou a ironia "adote um bandido”, para criticar os e as defensores/as de direitos humanos.

Na época do caso do adolescente preso ao poste, a apresentadora Rachel Sheherazade, do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), expressou apoio e incentivo à prática, causando polêmica entre a população. No Facebook, grupos e páginas reunindo os autoproclamados "justiceiros” se proliferam. Uma delas agrega mais de 2 mil seguidores e utiliza uma caveira como marca. "A justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem”. Esta sentença do filósofo grego Epicuro está estampada no perfil. Ao definir o que é ser "justiceiro” publica: "Não tem muita diplomacia na hora de fazer o certo, costuma fazer isso à queima roupa”.

Nos últimos três meses, pelo menos outras 37 pessoas foram vítimas de linchamento no país. Levantamento realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) aponta que casos de roubo e sequestro são os que mais geram essa reação na população. A segunda razão seria o próprio homicídio, provocando resposta dos próprios cidadãos para a sensação de insegurança nas grandes cidades. Os Estados de São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro lideram as ocorrências entre os anos de 1980 e 2006 no Brasil, registrando 580, 204 e 180 casos, respectivamente.

Na tentativa de compreender o fenômeno, analistas apontam que o linchamento ataca sempre o mesmo alvo: vítimas de setores de baixo poder aquisitivo, já acometidas pelo abuso policial e pela exclusão das políticas públicas. Seria uma revolta em reação às falhas do Estado, como o mau serviço prestado e o próprio medo da violência, desaguando com veemência em mais agressividade. Outro elemento desse contexto seria a mídia como potencializadora do ímpeto por soluções imediatas por parte da população, que abriria mão de regras sociais e jurídicas.

Em artigo publicado na revista Carta Capital, o deputado Jean Wyllys (Psol), membro da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, indica que questões de racismo levariam ao chamado "justiçamento”. Segundo ele, também uma cultura de tortura e um modelo de desenvolvimento fundador de periferias urbanas, implantado pela ditadura militar no Brasil, ainda estariam arraigados na população. Para Wyllys, o Estado estimula a revolta por estar em débito também em educação, saúde, moradia de qualidade, acesso à cultura e à justiça com esse contingente.

"Qualquer um de nós pode ser vítima de linchamento, mas, na prática, as pessoas mais pobres estão mais vulneráveis a ele porque, historicamente, foram alijadas de direitos (...) por discursos que as desqualificam como humanos. (...) Os telejornais e, antes, a mídia impressa desqualificam as populações mais pobres, associando-as à criminalidade e à violência urbana”, acrescenta o parlamentar.

Em entrevista à Adital, Isabel Lima, pesquisadora da ONG Justiça Global, que trabalha com a promoção de direitos humanos, adverte que o Estado tem o dever não só de prover os serviços necessários como de proteger a população dos atos de violência. Um caminho para a superação disso seria o fortalecimento de uma cultura de direitos no Brasil.

Adital - Qual a responsabilidade do Estado num caso de linchamento?

Isabel Lima - Tanto com base no ordenamento jurídico interno como com base nos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, a responsabilidade do Estado num caso de linchamento é o de "proteger" (evitar que o linchamento ocorra, aprovar legislação que penalize essa conduta) e, em não sendo possível evitá-lo, o de investigar, julgar (num julgamento imparcial e independente) e punir os responsáveis pelo cometimento do delito.

AD - "Justiça com as próprias mãos” é parte da cultura brasileira?

IL - Chama a atenção no caso em questão (como de uma forma geral nos casos de linchamento) a argumentação utilizada pelas pessoas para mostrar repúdio à ação: "ela era inocente!”. Como se, no caso da situação contrária ocorrer (ela realmente ter sido a responsável pelos supostos sequestros de crianças para realização de rituais de magia negra), o fato dela ser culpada justificasse o crime.

Neste sentido, vale lembrar que a pena de morte está proibida no Brasil, mas o país está entre os que mais matam seus cidadãos, principalmente por meio da ação da polícia, e também por não conseguir evitar este tipo de ação. Na prática, temos uma pena de morte informal, sem o devido julgamento e defesa, e sendo aplicada de forma paralela ao sistema legal.

As pessoas costumam justificar os justiçamentos com base na sensação de impunidade e ineficiência do sistema de justiça e de segurança pública para assegurar seus direitos. Segurança pública eficiente não significa mais violência e mais punição. O Brasil possui muitas leis penais e é um dos países com maior população carcerária no mundo. Isso não tem resolvido o problema de segurança pública.

Da mesma forma, justiçamento não é justiça (em nenhum momento, Fabiane Maria de Jesus teve a oportunidade de se defender e de provar sua inocência), nem contribui para o seu fortalecimento, pelo contrário. O sistema de segurança pública e de justiça se fortalece com o fortalecimento das suas instituições e não com uma política de vingança/justiça com as próprias mãos.

AD - Como isso pode ser superado?

IL - Pelo fortalecimento de uma cultura de direitos. O direito do cidadão comum a não ser vítima do sequestro de crianças é tão válido quanto o direito de outra cidadã (neste caso, a pessoa linchada) de viver e, no caso de ser acusada de um crime, de poder se defender com acesso a assistência jurídica perante um tribunal independente, que aplica, de maneira imparcial, leis previamente estabelecidas. Alimentar a espiral de violência só resulta em mais violações de direitos e toda a sociedade perde com isso.

FONTE: Adital

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