segunda-feira, 25 de maio de 2020

Políticas de igualdade racial: refazendo o feito e o desfeito


Por Matilde Ribeiro 


Estamos atônitos diante dos desfeitos e desmontes. Porém, temos de nos munir de energias para reavaliar os feitos e, se necessário, revê-los e refazê-los 


É preciso reforçar a luta cotidiana pela garantia de direitos democráticos e justiça social,  fortalecer a utopia e
investir em mudanças estruturais. Foto: Lula Marques/Agencia PT

Em 2020, se finda a segunda década do século 21 e a sociedade ainda se posiciona com perplexidade e distanciamento diante de questões humanitárias, principalmente no diz respeito à população negra, em particular sobre a construção de agenda de igualdade racial. Conforta-nos (aos inconformados com a apatia, hipocrisia e desumanidade) que, mesmo diante de estruturas sociais e institucionais racistas, foram conquistados diversos direitos tardios. Deve-se considerar que a abolição de 1888 não aboliu. Isso promoveu um verdadeiro arrastão da situação de desigualdade e violência, atribuída historicamente a população negra.

O racismo está vivo, após 122 anos da abolição da escravização, mesmo com incessantes vozes chamando por justiça racial. Nesse sentido, Nilma Lino Gomes (2017) destaca o papel educador do Movimento Negro, tendo como elemento histórico a persistência na luta antirracismo e a relação construtiva com toda sociedade, independente do pertencimento racial.

Os caminhos de uma política

A persistência do racismo não ocorre por falta de produção e/ou de atitude históricas. Lembremo-nos de Abdias do Nascimento1, que comumente verbalizava a frase: “a luta pela liberdade inicia-se desde o momento que a/o primeira/o negra/o foi escravizado no Brasil, após ter sido capturado na África” (ver Matilde Ribeiro, 2015).

Também Roger Bastide e Florestan Fernandes (2008), em 1955, apontaram o “pecado da omissão”2 como a não atenção do Estado em relação à necessidade de políticas governamentais de promoção da igualdade racial.

Seguindo a perspectiva de superação do pecado da omissão, foi que se desenvolveram as políticas de igualdade racial, de maneira mais focada a partir dos anos 1980, nos executivos. Leis e normatizações3 e 4 foram sendo criadas, depois vieram os órgãos consultivos (de elaboração de indicativos para as políticas públicas) e por fim, os órgãos executivos em governos locais e federal (as coordenadorias, assessorias e similares vinculados a secretarias).

Em 1988, com a revisão constitucional (a Constituição Cidadã) ampliaram-se perspectivas, como por exemplo, com a regularização fundiária de terras de quilombos, a criminalização do racismo, os indicativos para o desenvolvimento das ações afirmativas, entre outros direitos formulados por milhares de mãos e mentes.

Do ponto de vista do Executivo, constata-se que durante muitos anos a Fundação Cultural Palmares (FCP), criada em 1988, foi o único ente governamental federal responsável pela política direcionada à população negra, porém, sob olhares críticos, pela restrição da missão à cultura.

Com a realização da Marcha Zumbi dos Palmares, em 1995, foi apresentado pelo Movimento Negro ao presidente da República (Fernando Henrique Cardoso) o Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade Racial. Como produto das negociações, foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), conhecido como GTI População Negra que teve como base a atuação do governo federal no estabelecimento de políticas públicas para negros. Esse instrumento foi formado por representação governamental de vários ministérios (Saúde, Trabalho, Educação, Relações Exteriores, Esportes, Justiça, Cultura e Planejamento, além das Secretarias de Comunicação Social e de Assuntos Estratégicos) e por oito representações de parte da sociedade civil (Movimento Negro).

Em 1996, houve a consagração de Zumbi dos Palmares como Herói Nacional no Livro Dos Heróis Da Pátria (que se encontra no Panteão da Liberdade e da Democracia – Lei 9.315 de 20/11/96) e o reconhecimento da data de sua morte, 20 de Novembro, como o Dia Nacional da Consciência Negra. Essa dia se tornou feriado em vários estados e municípios5 e hoje faz parte do calendário oficial brasileiro.

Após esse percurso, em 2002, com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, novos tempos se delineiam. No discurso de posse, em 2003, diante de ampla mobilização popular, o presidente afirmou: “Mudança! Esta é a palavra chave”. Com isso demarcou sua autoridade possuidora de uma história de superação de dificuldades (de migrante a supremo mandatário), agradeceu ao apoio recebido e reafirmou que todos os brasileiros devem ter a oportunidade de superar as dificuldades sociais, políticas e econômicas. O Programa Fome Zero foi anunciado como prioridade e, no campo racial e étnico, foi reconhecida a existência das discriminações e feito o alerta de que não poderíamos esquecer jamais que o povo brasileiro realizou uma grande obra de resistência e construção nacional.

Ainda foram apresentados caminhos para as relações internacionais, no que diz respeito ao continente africano: “[...] reafirmaremos os laços profundos que nos unem a todo o continente africano e a nossa disposição de contribuir ativamente para que ele desenvolva as suas enormes potencialidades” (discurso de posse, publicado em Bonfim, 2004:414). O comprometimento político com o continente africano reforçou também a positividade dos propósitos da política de igualdade racial em âmbito nacional e internacional.

Com sua reeleição, o presidente Lula em seu discurso de posse para a segunda gestão (2007-2010) anuncia como perspectiva a continuidade de enfrentamento às injustiças contra as camadas mais pobres. São apresentadas as compreensões sobre a necessidade de superação da injustiça e desigualdade de maneira geral. Portanto, comparado ao conteúdo do discurso da primeira posse, as questões raciais estão implícitas, ao considerar o posicionamento de superação das desigualdades e construção de democracia e direitos.

A resposta mais efetiva por parte da gestão do presidente Lula às demandas do Movimento Negro e organização de mulheres negras foi à criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) em 21 de março de 2003.

As bases para a montagem da estrutura da Seppir foram a Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, o Programa Brasil sem Racismo e a Declaração e Plano de Ação de Durban. Expressa-se a visão de que essa política “não pode ser viabilizada por um único órgão público ou somente pelo governo, mas por uma conjugação de esforços que una o Estado, a sociedade civil, o setor empresarial e todos os envolvidos e comprometidos com a justiça social no Brasil” (Brasil, 2003).

Assim, iniciou-se um novo ciclo na administração pública, no que diz respeito às políticas de promoção da igualdade racial. A Seppir foi criada como órgão assessor da Presidência da República com status de ministério e, em 2010, foi transformada em Ministério, posteriormente, em 2015, passou a compor o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
Também o Estatuto da Igualdade Racial, instituído em 20/06/2010 (Lei 12.288/10), referencia a constituição de uma ação efetiva do Estado brasileiro, como base legal para a igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos; e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.

Nos anos 2000, ocorreram a promulgação de leis como a da obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira no ensino público e privado (10.639/03); o Programa Universidade para Todos – Prouni (concessão de bolsas a alunos pobres, indígenas e negros – 11.096/05); as cotas nas universidades públicas (acesso a alunos pobres, indígenas e negros – 12.711/12); a PEC das Domésticas (66/2012) e a Lei Complementar 150 referindo-se a conquista de jornada de trabalho de 8 horas, licença e salário maternidade, auxílio doença, aposentadoria por invalidez, idade e tempo de contribuição, auxílio acidente de trabalho, pensão por morte entre outras.

Destaca-se, ainda, as iniciativas com relação ao continente africano, sendo impulsionada em várias áreas da política pública. Nesse contexto o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirma que o Brasil se importa com o continente africano porque a “África é aqui” (ver Ribeiro, 20115). Ainda, a embaixadora Irene Vida Gala (2019), em seu livro Política Externa como Ação Afirmativa, informa que o presidente Lula, entre 2003 e 2006, esteve presente em dezessete países africanos, o que supera referências históricas, pois, somados, todos os presidentes anteriores tinham visitado apenas dez países africanos. Reafirma-se que as visitas, são acompanhadas de formatação de acordos e normatizações, que geram políticas públicas.

A história não é linear, é mutável

Recuperei passagens e fatos que constituíram essa ação política, como re-constatação da realidade. Identifica-se, nas últimas décadas, a ampliação de representação política, de instrumentos e práticas de políticas de igualdade racial. O caminho tem sido moroso e tortuoso, mas é possível verificar coerência e persistência histórica do movimento negro e organização de mulheres negras, impulsionando setores antirracismo e ações governamentais.

Não é possível que uma “caneta azul” e a lavagem cerebral imposta pelo atual governo federal destruam tão detalhada e complexa construção. Também temos de compreender que essa realidade é parte de um fluxo maior de desmonte de direitos sociais, econômicos e políticos, duramente construídos antes e depois da ditadura militar, que infelizmente é reanimada.

Voltando-nos ao passado, é possível ver os feitos. Porém, não sejamos ingênuos, é pertinente a crítica de que as conquistas deveriam ser ainda mais amplas. Devemos considerar que tudo é história e fundamento para lutas e vidas futuras!

Mas vamos combinar, né! Não dá pra nos conformarmos em olharmos pra frente e enxergarmos apenas ruínas e retrocessos, pois não há linearidade na construção de agendas políticas.

Temos sim de reforçar a luta cotidiana para garantia de direitos democráticos e justiça social, fortalecer a utopia de ampliação das conquistas e, acima de tudo, investir em mudanças estruturais.

A história já demonstrou a possibilidade da alternância da vida política. Os arranjos governamentais não estão sempre à direita, nem sempre à esquerda. As relevâncias democráticas são construídas a partir de contingências históricas e políticas, portanto, a efetiva mudança é possível, tornando-se importante sulear6 o mundo.

Por fim, concordo plenamente com Mário Maestri (1994) e Darcy Ribeiro (2006) que refletem sobre a necessidade de revisão nacional quanto às questões étnico-raciais. Maestri enfatiza a população negra e Ribeiro a condição dos indígenas7. Ambos nos fazem refletir que é impossível compreendermos as relações étnico-raciais no Brasil se não levarmos em consideração os legados da escravização e da dizimação dos povos indígenas, de maneira negativa, do ponto de vista teórico e político, nos estudos e na vida da sociedade.

Tá registrado, ao longo da história, vários foram os feitos. Estamos atônitos diante dos desfeitos e desmontes. Porém, temos que nos munir de energias para reavaliar os feitos e, se necessário, revê-los e refazê-los. O rumo é, sem dúvida, o reinventar da justiça e da democracia, fazendo jus à formulação “nada sobre nós, sem nós”!

Matilde Ribeiro é doutora em Serviço Social, professora no Instituto de Humanidades/Área de Pedagogia da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab) em Redenção, no Ceará, integrante do Conselho África do Instituto Lula

Referências

BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e Negros em São Paulo: Ensaio sociológico sobre aspectos da formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. 4ª ed. São Paulo: Global, 2008.
BONFIM, João Bosco Bezerra. Palavra de Presidente. Os discursos presidenciais de posse de Deodoro a Lula. Brasília: LGE Editora, 2004.
GALA, Irene Vida. Política Externa como Ação Afirmativa. Projeto e ação do Governo Lula na África, 2003-2006. Santo André, SP: EdUFABC, 2019.
GOMES, Nilma Lino. O Movimento Negro Educador. Saberes construídos em lutas por emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.
MAESTRI, Mário. O Escravismo no Brasil. São Paulo: Atual, 1994.
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. A formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
RIBEIRO, Matilde. “Mulheres Negras: uma história de criatividade, determinação e organização”. In: SANTANA, Bianca (Org.). Vozes Insurgentes de Mulheres Negras. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2019.
________. “Brasil e África: desafios das políticas de igualdade racial em âmbito nacional e internacional”. In: Diálogos Africanos, nº 1, jul/set de 2015.
________. Políticas de Promoção da Igualdade Racial no Brasil (1982-2010). Rio de Janeiro: Garamond, 2014.


NOTAS
1.Abdias Nascimento foi militante antirracismo, artista plástico, escritor, professor, dramaturgo, gestor público, deputado federal e senador. Formou-se em Economia e seguiu seus estudos de pós-graduação em áreas afins. 
2.Formulação utilizada pelos autores.
3.Em 1951, passa a existir o primeiro instrumento federal voltado ao enfrentamento do problema da discriminação, a Lei Afonso Arinos, que define como contravenção penal qualquer discriminação racial das pessoas no comércio, no ensino, em hotéis, restaurantes e outras situações.
4.Em 1989 é regulamentada a Lei Caó (nº 7.716 de 05/01/1989) que passou a definir os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, tipificando condutas que obstem o acesso a serviços, cargos e empregos.
5.Vale ressaltar que o resgate histórico de um líder negro que lutou contra a escravidão e instalou o Quilombo dos Palmares configura-se como uma estratégia importante para dar visibilidade à luta contra o racismo. Essa conquista elucida os resultados das estratégias das diferentes formas organizativas ao longo dos tempos.
6.Reforçarmos a relação Sul-Sul que deve ser cada vez mais praticada e anunciada pelos países do hemisfério Sul.
7.Mário Maestri é um historiador especializado, sobretudo, em história da África e da escravidão no Brasil. Falecido em 1997, Darcy Ribeiro foi um antropólogo, escritor e político brasileiro, reconhecido pelas suas contribuições sobre as questões relativas às populações indígenas e à educação no Brasil.


segunda-feira, 18 de maio de 2020

Ao negar a política, Ciência cede ao obscurantismo


Na pandemia, divulgação científica assume protagonismo — mas ataques vêm, principalmente de ultraliberais e fascistas, temerosos de mudanças. Porém, insistir em “produção neutra”, com receio de parecer partidário, é erro grave…


Por Rafael Evangelista

Imagem: Science for the People


Desde o início da pandemia, aumentaram exponencialmente os ataques a pesquisadores e divulgadores de ciência. Isso aconteceu assim que foram implementadas medidas de distanciamento social e paralisação de atividades, providências recomendadas por autoridades científicas e endossadas e justificadas por divulgadores. Ameaças de violência física, tentativas de invasão de contas em mídias sociais e plataformas, ataques de conotação sexual (misoginia e homofobia), jornalistas de ciência e comunicadores científicos passaram a ser alvo do mesmo tipo de perseguição que profissionais da informação política já vem sofrendo há algum tempo. 

Esse ataques, obviamente lamentáveis, são um sinal de que, neste momento importantíssimo, a divulgação científica está cumprindo o seu papel, está falando para além da bolha que, ironicamente, criou para si mesma. Mais importante, alguns estão assumindo um protagonismo necessário em defesa da precaução, do cuidado e da vida, acima das demandas de um sistema produtivo que se recusa a parar a despeito das mortes que produz.

A divulgação científica entrou em rota de colisão com o neofascismo, que hoje é a tropa de choque do neoliberalismo. É isso que explica os ataques, não o argumento boboca contra a polarização. Justamente o contrário, se há algo que imobiliza a divulgação científica, que a torna inerte para a sociedade, é a incapacidade que ela vez ou outra demonstra de apontar quando a ciência está sendo instrumentalizada contra o social. Quando pretende falar de um lugar “neutro”, acima da política e longe dos corpos que a sustentam e consomem, ela acaba iludindo a si mesma de que está assumindo uma posição objetiva. Então, de fato começa a falar pelos objetos, a falar em favor de um sistema mais dedicado a produzir coisas e valor financeiro do que sustentar uma vida decente dos sujeitos.

Isso não significa demandar uma ciência e uma divulgação panfletária ou algo do tipo. É natural que se module a mensagem, que se busque falar para um público diverso, social e politicamente. É parte do esforço de ser o mais abrangente possível. Mas isso não pode nos fazer embarcar na onda da negação da política, que é justamente o efeito que o neofascismo busca produzir. Nem tampouco nos fazer relutar em condenar o abominável ou examinar racionalmente o que é absurdo. Isolamento vertical não faz sentido, ponto, não precisamos de vinte mil experimentos para apontar isso.

A intersecção entre o negacionismo da covid-19 e o negacionismo climático é brutal e isso não é fortuito. O negacionismo climático só tem espaço na mídia e ecoa por setores não científicos porque responde aos interesses da indústria de combustíveis fósseis, aquela que se resiste a alterar a rota de seus lucros. Do mesmo modo, o negacionismo da pandemia repousa em um neoliberalismo que se recusa a parar, que por um lado busca restaurar a “normalidade” a todo custo, conclamando as pessoas a irem às ruas. Por outro, busca a criação de um novo normal acelerado por tecnologias de vigilância e controle social. Elas permitiriam a continuidade do sistema, ainda que por outros meios, viabilizando uma abertura-distante, uma vida que se isola socialmente e só entra em contato mediada por sistemas de informação cibernética de comando e controle. São dois lados de uma mesma moeda, que não endereça o que a ciência sociológica e a economia política já apontavam estar na fonte do problema: a desigualdade social e econômica, que inviabiliza os controles sanitários especialmente nos lugares mais pobres.

Alguns setores passam a promover controvérsia (onde não há) porque desejam obstaculizar certas medidas e mudanças necessárias, que são contrárias a seus interesses. E esses setores, em especial esses novos conservadores neofascistas, atuam numa “língua” e num padrão de comportamento, promovendo conflito, que é diferente das controvérsias costumeiras do meio científico. Historicamente, esses grupos radicais, que normalmente vivem na margem, ganham força justamente no momento em que emerge uma parceria com os grandes negócios. É a indústria do combustível fóssil, por exemplo, patrocinando negacionistas climáticos que, aos olhos dos neofascistas, aparecem como adversários de políticas internacionais de caráter global. Foi o que aconteceu no Reino Unido da Era Thatcher, a ascensão do neoliberalismo britânico pode ser explicada em parte pela atração de votos vindos do National Front, que se deu assim que os conservadores abarcaram o discurso anti-imigração. No microcosmo brasileiro acontece o mesmo: setores conservadores impulsionaram ou foram coniventes com movimentos neofascistas, numa aliança pelos interesses do mercado. 

Com força política, os neofascistas vão agir como neofascistas, ou seja, vão entrar no debate público tratando o adversário político como alguém a ser, no limite, fisicamente eliminado. É esse curto-circuito que causa estranhamento. 

A divulgação científica está habituada com uma prática de debate que tem duas fontes principais. Uma é emprestada de uma imagem da tradição científica e se dá pela contraposição de argumentos considerados como factuais pelos diferentes campos científicos e ancorados em publicações de respeito. Outra é a do nicho, o que encerra uma ironia. Embora a divulgação científica se proponha a falar “para fora”, para o público, ao longo dos anos elas constituiu um fora que é um dentro de si: a sua audiência cativa, que conhece os principais nomes e polêmicas do meio.

Não é com essa cortesia que o neofascimo se porta. Sua lógica não é a da guerra constante, com adversários sendo transformados em inimigos, devendo ser vencidos (e não convencidos), calados e eliminados. Ele seduz e atrai e busca coesão interna pelo ódio, pela morte, e não pelo encantamento ou pela transformação. 

As redes sociais fizeram da comunicação um palco em que seus agentes se personalizaram e ganharam status de celebridades. Não por culpa ou necessariamente vaidade dos sujeitos, mas porque isso é da natureza da nova estrutura do mercado de informação. Antes a produção da informação aparecia como um processo mais coletivo, com os veículos ganhando a linha de frente no imaginário público. Hoje a fragmentação dos canais levou a uma disputa que reforça a personalização e a exposição de si. Quando tudo está bem a confiança dos sujeitos fica energizada. Mas, na hora dos ataques neofascistas, são esses sujeitos que física e emocionalmente correm riscos.

Dá pra culpar o modelo, no qual as redes sociais são a melhor imagem e as grandes plataformas Big Tech os principais agentes? Dá, criou-se uma estrutura que isola múltiplas iniciativas e favorece uma competição imediatista por cliques em decorrência da exposição. Sem falar no quanto as empresas de tecnologia e informação, com seus algoritmos, impulsionam aquilo que está “quente” ou é “tendência” em detrimento de critérios mais qualitativos. Mas também é preciso reconhecer que a insistência em pensar uma divulgação científica neutra/inerte, como se fosse ela mesma uma “ciência” acima de tudo e de todos, dá a falsa impressão de que é possível fazer comunicação sem política.

Para o problema das plataformas podemos nos mirar pelas experiências históricas. Quando a mídia broadcast surgiu, lá no início do século XX, houve um esforço regulatório importante, fruto de conflitos políticos e de debate na sociedade, que estabeleceu regras tendo em vista a idealização de um debate público racional. Em alguns países, em especial os europeus, essas regras foram muito bem desenhadas e aplicadas, e são países que em geral tem as melhores políticas públicas. Outros, como EUA, até construíram regras importantes de regulação do mercado de mídia, porém essas normas foram gradualmente sendo abandonadas por pressão de grandes grupos econômicos. O mundo já viveu uma onda fascista e medidas de regulação de mídia foram tomadas também em reação a isso. As nossas ações precisam se inspirar nas experiências exitosas do passado. 

Quanto às reações violentas típicas do neofascismo, a solução de curto prazo é se proteger e fortalecer os laços solidários, lembrando que podemos ter divergências, mas o campo antifascista é um só — até porque eles nos veem assim. O que não podemos fazer é nos curvar, deixar de dizer o que é necessário e essencial porque temos medo de desagradar ou parecermos partidários. Ao contrário, a ascensão do neofascismo deve muito à negação da política, muitas vezes um subterfúgio para calar oponentes. A raiz do problema está nesse pacto obscurecido e obscurantista entre neoliberalismo e neofascismo, ao qual infelizmente foi dada legitimidade pública. Tempos de pandemia exigem que não douremos a pílula.



Rafael Evangelista

Rafael de Almeida Evangelista é graduado em Ciências Sociais (1998), mestre em Linguística (2005) e doutor em Antropologia Social (2010), todos os títulos pela Unicamp. Também é especialista em Jornalismo Científico (2000). Como pesquisador tem trabalhado com os temas: história e ideologias das tecnologias da informação; utopias da cibernética e cultura do Vale do Silício; gameficação; redes sociais, internet e trabalho não remunerado; regulação da internet e vigilância em sistemas informacionais. E-mail: rae@unicamp.br


domingo, 10 de maio de 2020

Humanismo e educação pós-capitalista



Tempos incertos convidam a revisitar Paulo Freire e Richard Sennett. Eles nos veem como inacabados – portanto, abertos a indagar, cooperar, transformar. É antídoto à competição permanente e visão de curto prazo, que o sistema deseja impor


Por Roberto Rafael Dias da Silva|Imagem: mural zapatista




Bola de meia, bola de gude / O solidário não quer solidão /
Toda vez que a tristeza me alcança o menino me dá a mão /
Há um menino/Há um moleque / Morando sempre no meu coração /
Toda vez que o adulto fraqueja ele vem pra me dar a mão. 
(Fernando Brant e Milton Nascimento)


Na experiência social que estamos vivenciando nas últimas semanas, em decorrência da pandemia causada pelo covid-19, são inúmeros os diagnósticos que vemos em circulação, ora sinalizando para um recuo da globalização acompanhado de uma agenda conservadora, ora apostando no declínio da atual forma capitalista – por um alargamento do Estado social ou pela emergência de formas alternativas. Não resta dúvidas de que a instabilidade experimentada nestes dias, associada às incertezas diante do futuro, permite que arrisquemos hipóteses e, com a devida ousadia, possamos juntos começar a construir novas pactuações com relação ao futuro. Na condição de pesquisador das questões educacionais e um entusiasta do pós-capitalismo como modo de vida, tenho aproveitado este momento para dialogar com meus interlocutores privilegiados – os futuros professores – e arriscar o desenvolvimento de uma cultura de indagação, marcadamente cooperativa, para prospectar futuros. Entretanto, uma questão – já explorada por inúmeras teorizações sociais – tem nos mobilizado: após a crise, seremos mais humanos?

Em termos educacionais, esta questão configura-se como crucial, haja visto que laboramos com as qualidades humanas e oferecemos nosso trabalho para a transmissão de nossa memória cultural e a construção de outros futuros. O humanismo tem uma longa tradição e, sob um prisma filosófico, atravessa a própria constituição da Modernidade Ocidental, desde o final do século XV. Sua história é recheada de controvérsias, o que favorece com que divulgadores e detratores tenham disputado argumentação acadêmica nos últimos séculos.

Respeitamos e, efetivamente, conhecemos esta longa tradição, uma vez que a pedagogia moderna é uma das heranças deste conceito. Porém, começarei a lançar mão de meus argumentos valendo-me de um ensaio publicado por Richard Sennett, no verão de 2011. De acordo com o sociólogo, vivenciamos um período no qual o capitalismo nos orientou a agir no curto prazo, a abdicar de narrativas de vida estáveis e a assumir a competitividade como nosso valor existencial. Em sua perspectiva, o velho ideal humanista ainda pode nos ajudar a dar sentido a nossas vidas e busca na biografia de Pico dela Mirandola uma possível alternativa. À medida em que o Mestre Artesão nos criou à mercê de nosso arbítrio, precisamos encontrar nossa própria voz. A inspiração sennettiana ainda nos direciona a pensar sobre a valorização da diferença e a possibilidade de construir enredos bem-feitos para nossa existência. Distanciando-se de alguns quadros valorativos sobre o humanismo, o ensaio de Sennett compreende-o como “um símbolo de honra e não a denominação de uma visão de mundo esvaziada”. Utilizando-me de argumentos educacionais, poderíamos pensar que o sociólogo nos desafia a potencializar outros modelos de formação humana (SILVA, 2015).

A alternativa de reflexão proposta por Sennett, leva-nos a uma segunda inquietação. O humanismo ainda é capaz de inspirar um projeto formativo? Os limites do universalismo já não foram intensamente criticados na pedagogia brasileira? Em um exercício heterodoxo, vamos buscar os escritos tardios de Paulo Freire para dimensionar uma educação humanista e crítica. Em sua conhecida “Pedagogia da Autonomia”, dentre inúmeros pontos que convergiriam para uma agenda humanista, penso que vale a pena enaltecer a dimensão de que ensinar exige a “consciência do inacabamento”. A radicalidade de sua esperança no humano torna-se uma aposta na invenção de nossa existência de forma transformadora.

É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida em que se reconheceram inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade. É também na inconclusão de que nos tornamos conscientes e que nos inserta no movimento permanente de procura que se alicerça a esperança (FREIRE, 1999, p. 64).

Ainda precisamos retomar a pergunta que nos orienta nessa reflexão: a defesa do humanismo é compatível com uma educação pós-capitalista? Após termos retomado algumas leituras de Freire e Sennett, considero pertinente trazer a última obra de Paul Mason, intitulada “Clear Bright Future”. Os escritos deste jornalista, bastante perspicaz, provocam-nos a tomar posição frente aos novos fascismos emergentes e a defesa do humano. Em suas palavras, “para liberar o potencial de elevação do bem-estar humano que envolve as novas tecnologias, temos que fazer algo humano para nos proteger”. As crises que enfrentamos, em sua abordagem, estão enraizadas na erosão do próprio significado de ser humano. Isto implica redimensionar nosso compromisso com a democracia e a revisar o modelo econômico predominante. Reforçar o humanismo, então, apresenta-se como uma atitude de resistência e favorece a reinscrição da formação humana sob novos princípios.

Tal como assinalamos desde a epígrafe desse texto, o humanismo pode se constituir como um dos pilares para uma educação pós-capitalista. Com a música de Milton Nascimento e Fernando Brant, podemos nos inspirar a pensar em uma educação em que “toda vez que a bruxa me assombra / o menino me dá a mão / E me fala de coisas bonitas que eu acredito que não deixarão de existir”. Que a educação humanista e pós-capitalista, pelo menos, ajude-nos a seguir acreditando nas coisas bonitas que vêm de nossas meninas!

Referências:

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 14a ed.São Paulo: Paz e Terra, 1999. 
MASON, Paul. Por un futuro brillante: una defensa radical del ser humano. Barcelona: Paidós, 2020.
SENNETT, Richard. Humanism. The Hedgehog Review, v. 13, n. 2, p. 21-30, summer 2011.
SILVA, Roberto Rafael Dias da. Sennett & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Milícias: breve histórico e suas relações com o poder


Por  Thaiane Mendonça 


Geralmente, as milícias se “responsabilizam” por proteger a comunidade de grupos de traficantes, controlam o fornecimento de botijões de gás, pedágio e taxa para a proteção, sinal clandestino de TV a cabo e linhas de transporte alternativo. A população, em vez de tutelada pelo Estado, encontra-se sob a tutela desses grupos 


Segundo as investigações, o assassinato de Marielle teria sido reação à sua  luta contra uma prática comum
das milícias. Foto: Fernando Frazão/ABr
O início de 2019 foi conturbado no cenário político com a troca do governo federal. Dentre os diversos assuntos na pauta da mídia nacional, as milícias tomaram grande parte. Antes uma questão mais restrita ao Rio de Janeiro, ainda que não exclusiva do estado, agora passou a ser assunto nacional. Toda essa exposição suscitou questionamentos sobre a origem das milícias, sua atuação nas comunidades e, principalmente, sua relação com o poder e o governo.

As milícias são um fenômeno relacionado particularmente ao Rio de Janeiro e que por muitos anos foi tratado de forma restrita ao território do estado. Contudo, o fato de o filho do presidente da República ter aparentes relações com esses grupos fez com que o tema assumisse proporção nacional, suscitando debate e comentários sobre suas características. Historicamente, o termo “milícia” não é novidade e foi utilizado com frequência mesmo para designar forças armadas e guardas nacionais.

No caso do Brasil contemporâneo, o termo é utilizado para designar grupos formados principalmente por policiais e ex-policiais (militares, geralmente), bombeiros e agentes penitenciários com treinamento militar, portanto pertencentes às instituições estatais, que se dão a função de “proteger” e “fornecer” segurança para uma localidade. Geralmente, as milícias se “responsabilizam” por proteger a comunidade de grupos de traficantes. Há diversas configurações possíveis para esses grupos, alguns contando até mesmo com civis. É inegável, contudo, que a grande maioria é resposta e consequência de anos de políticas de segurança falhas e pouco efetivas.

Os grupos mais comuns atualmente são aqueles que eram chamados de “grupos de extermínio” a partir dos anos 1960 principalmente na Zona Oeste do Rio e na Baixada Fluminense, mas que também podiam ser encontrados em outras cidades do país. A particularidade interessante dos grupos hoje em dia está na diversificação dos “serviços” oferecidos. Além de prover segurança, muitos deles controlam o fornecimento local de botijões de gás, pedágio e taxa para a proteção, sinal clandestino de TV a cabo e linhas de transporte alternativo. Além disso, há o claro controle militarizado de parcelas do território em que atuam. A população, em vez de tutelada pelo Estado, encontra-se sob a tutela desses grupos.

Historicamente, as favelas cresceram afastadas do controle disciplinar do Estado. Esse crescimento apartado dos “bairros formais” da cidade fez com que estabelecessem uma série de dinâmicas e relações sociais específicas que mesclam o legal e o ilegal. Por essa razão e também pela particular geografia dos morros cariocas, a partir dos anos 1970 as favelas tornaram-se o local ideal para os grupos narcotraficantes, já que seriam partes da cidade que poderiam ser facilmente controladas.

Pelo fato de o comércio ilegal de drogas ser intrinsecamente violento, não são raros os confrontos entre grupos traficantes rivais buscando controlar ainda mais territórios para viabilizar seu negócio. Com isso, a população dessas comunidades sente-se cada vez mais ameaçada e insegura. Associado à grande insegurança da população local e a uma lógica de sociabilidade que emula as atividades do Estado, já que este sempre esteve presente de forma débil, o ambiente torna-se favorável ao estabelecimento de grupos como as milícias.

A história mais comum sobre a origem das milícias como se conhece hoje é que teriam surgido a partir da experiência de Rio das Pedras, bairro/favela da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, próximo a Jacarepaguá, Itanhangá e Anil. Inicialmente, havia um acordo tácito entre os moradores e o que se chamava “polícia mineira”. A função da polícia mineira era garantir a segurança dos moradores contra os grupos traficantes, e existia uma regra de conduta mais ou menos aceita e respeitada pelos dois lados. Havia, com isso, uma “paz cínica” no local, já que a polícia mineira mantinha o território e a sua população sob um controle militarizado à margem do controle estatal, provendo uma falsa sensação de segurança, pois eles impediam a atuação violenta dos grupos traficantes ao prover um serviço que deveria ser responsabilidade do Estado.

O que se observa em outras comunidades, contudo, é que a ideia de polícia mineira paulatinamente transformou-se no fenômeno mais similar ao que se tem hoje em dia com as milícias. Os grupos tornaram-se mais truculentos ao tentar conquistar novos territórios e não possuem mais laços específicos com a comunidade, como ocorria no caso da polícia mineira.

Em Rio das Pedras chama a atenção, desde os anos 1990, a relação simbiótica entre as lideranças locais e as associações de moradores e milícias, o que evidencia uma característica importante desses grupos: a tentativa de ocupar espaços nos poderes Legislativo e Executivo, com foco no estado e no município do Rio de Janeiro. Em certa medida, os políticos no Rio de Janeiro aceitavam as milícias e as consideravam uma forma de “autodefesa” contra o tráfico. Contudo, em 2008, jornalistas de O Dia foram presos e torturados pela milícia do Batan, na Zona Oeste, justamente quando preparavam uma reportagem sobre a atuação dos grupos.

Depois desse fato, as autoridades passaram a enxergar essa atuação com outro viés e, ainda em 2008, Marcelo Freixo, como deputado estadual (Psol-RJ), foi autor da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, responsável pela maior investigação dos grupos na cidade. Dentre os mais de duzentos indiciados por envolvimento com esses grupos estavam diversos vereadores e deputados do estado, principalmente ligados às milícias de Campo Grande e de Rio das Pedras, na Zona Oeste da cidade.

Dos indiciados pela CPI, é interessante mencionar o caso da milícia conhecida como Liga da Justiça. Recentemente soltos, os irmãos Jerominho, ex-vereador, e Natalino Guimarães, ex-deputado estadual, foram presos por comandar a Liga da Justiça, maior milícia a atuar na Zona Oeste da cidade. A atuação dos irmãos se dava predominantemente em Campo Grande, bairro mais populoso e um dos maiores colégios eleitorais da cidade.

Outro caso notável de envolvimento das milícias com a política no Rio de Janeiro foi o assassinato de Marielle Franco, vereadora pelo Psol, e de seu motorista Anderson Gomes em 2018. As investigações apontam que o crime teria sido motivado pela luta de Marielle contra uma prática comum das milícias, a grilagem, que consiste na construção, venda ou locação ilegal de imóveis. Ainda que a investigação não esteja concluída, o Ministério Público Federal indica que há “fortes indícios” de que o assassinato tenha sido cometido pelo Escritório do Crime, grupo que atua em Rio das Pedras.

O Escritório do Crime é justamente a milícia que foi ligada a Flávio Bolsonaro. Como foi divulgado pela mídia, quando o caso Queiroz veio a público, o ex-motorista de Flávio escondeu-se em Rio das Pedras, onde sua família supostamente operava um negócio de transporte alternativo, atividade comumente ligada às milícias. Assim como outros políticos durante os anos 2000, por diversas vezes a família Bolsonaro se pronunciou, minimizando o problema das milícias na cidade. É notável, contudo, que Flávio Bolsonaro tenha homenageado com a Medalha Tiradentes, honraria mais alta da Assembleia Legislativa, o ex-policial militar Adriano Nóbrega, suspeito de comandar uma milícia na Zona Oeste. Além disso, tanto a mulher quanto a filha de Nóbrega foram convidadas por Queiroz para integrar o gabinete de Flávio Bolsonaro.

Em outros momentos, a família Bolsonaro já havia proferido discursos com uma visão positiva das milícias e até mesmo contrária à CPI das Milícias em 2008. O que é relevante frisar é o fato de esse tipo de discurso favorável às milícias e sua atuação violenta, que submete uma parcela considerável da população carioca, agora está presente no alto nível da política nacional. A simbiose entre o Estado e as milícias está posta às claras com as notícias sobre o envolvimento de Flávio Bolsonaro, senador e filho do presidente da República, com pessoas comprovadamente ligadas a esses grupos.

Hoje em dia é corrente o discurso de que o tráfico deve ser contido e que as políticas de segurança pública no Rio de Janeiro não são eficientes para tanto. Apesar de ser fato que as políticas de segurança tentadas até o momento não obtiveram o sucesso esperado, não se deve achar que a “paz cínica” conquistada pelas milícias em algumas comunidades cariocas seja a solução para o problema de segurança da cidade. É preciso manter o foco na parcela da população que fica à mercê desses criminosos e de sua arbitrariedade, controle e violência. As milícias já estão espalhadas por diversas localidades da cidade, e sua relação com a política e o atual governo está cada vez mais evidente. Nesse cenário, é possível questionar que tipo de política de segurança pode se esperar da gestão de Bolsonaro.


Thaiane Mendonça é doutoranda em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP), mestre em Estudos Estratégicos pelo Instituto de Estudos Estratégicos (Inest/UFF) e pesquisadora do Lepdesp (Iesp/ESG) e do LaSInTec (Unifesp)


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