Brasília – A Comissão de Memória e Verdade da Universidade de Brasília (UnB) investigará a suspeita que o ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), Anísio Teixeira, foi assassinado em março de 1971, por agentes do Estado, após ser sequestrado e levado para uma unidade da Aeronáutica, quando se dirigia à casa do filólogo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em Botafogo, no Rio de Janeiro, conforme informou hoje a Agência Brasil.
A versão do assassinato, segundo a reportagem da Agência Brasil, é admitida
pela família do ex-reitor. Ela veio a público na semana passada, em Brasília, no
momento de instalação da comissão de memória e verdade da UnB.
Durante a cerimônia, João Augusto de Lima Rocha, professor da Universidade
Federal da Bahia (UFBA) e biógrafo de Anísio Teixeira, anunciou que tinha
conhecimento do assassinato conforme lhe con fidenciara, em relatos diferentes,
o ex-governador da Bahia Luís Viana Filho (1967-1971) e o professor e crítico
literário Afrânio Coutinho.
Anísio Teixeira teria sofrido tortura de acordo com a nova versão apresentada |
“Essa suspeita perdura até hoje entre os familiares. Nunca se soube uma
situação que objetivamente negasse isso. Muito pelo contrário, ficaram sempre
situações não esclarecidas. Então, não nos surpreendeu [a revelação do professor
João Augusto] porque, vez por outra, já tinham sido levantadas que se
processaria alguma coisa no sentido de investigar isso”, confirmou à Agência
Brasil, o médico psiquiatra Carlos Antônio Teixeira, terceiro filho de Anísio
Teixeira.
Segundo a versão oficial, o ex-reitor morreu após cair acidentalmente no poço
do elevador de serviço do prédio onde morava Aurélio Buarque. Conforme Carlos
Antônio, a família sempre desconfiou da versão, mas temia buscar investigação
aprofundada. “Nós, na verdade, não víamos clima e nem maior mobilização para
isso. Por isso, nos mantivemos distantes. Na época, tentamos clarear os fatos,
mas as coisas tomaram o caminho de querer culpar o mordomo, aí desistimos de
prosseguir”, disse, ao salientar que a família “sempre se dispôs” à qualquer
iniciativa de investigação apesar de nunca ter tomado a frente. “A família tinha
medo de sofrer retaliações”, complementa o professor João Augusto.
A suspeita sobre as circunstâncias da morte de Anísio Teixeira será
investigada pela Comissão de Memória e Verdade da UnB, que por coincidência tem
o nome do ex-reitor, em uma homenagem a ele. A informação é do historiador da
UnB José Otávio Nogueira Guimarães, coordenador de investigação da comissão.
“Anísio Teixeira era alguém que incomodava. Ele foi cassado [depois do golpe
militar de 1964], mas não tinha posições de esquerda explícita. Tinha, porém,
projetos e uma forma de pensar que certamente não agradava o regime”, avalia o
historiador.
Conforme o professor João Augusto, quem primeiro confidenciou a versão de
assassinato foi Luís Viana Filho, que a época (dezembro de 1988) escrevia o
livro Anísio Teixeira: a Polêmica da Educação (Editora Unesp). Viana, que apoiou
o golpe e era próximo do marechal Castello Branco (primeiro presidente militar),
“teve informação de que Anísio não tinha morrido, estava detido em instalações
da Aeronáutica no Rio.”
O segundo depoimento foi de Afrânio Coutinho (março de 1989) na casa e na
presença de James Amado (irmão de Jorge Amado) e da sua esposa Luiza Ramos
(filha de Graciliano Ramos). “Ele me disse que presenciou a necrópsia de Anísio
Teixeira. Pelos ossos que estavam quebrados de Anísio, ele não admitia que tenha
sido queda. Quase todos os ossos estavam quebrados. A versão era de que ele foi
sequestrado no caminho [à casa de Aurélio Buarque] e submetido à tortura”.
Conforme o relato de Afrânio, “Anísio também disse a ele que estava recebendo
telefonemas com ameaças.”
Carlos Antônio Teixeira acrescenta que no momento do suposto sequestro,
Anísio tinha em sua pasta um texto do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão
(que estava na clandestinidade, mas era contra a guerrilha). O texto, que
desapareceu, foi dado ao ex-reitor pelo próprio filho – ele, sim, militante do
PCB. “Era um documento crítico. Falava da ditadura, não falava das pessoas, mas
das perspectivas próximas e imediatas”, descreveu Carlos Antônio à Agência
Brasil. De acordo com ele, o pai “achou o texto lúcido e por causa da
clandestinidade do Partidão não se afastava fisicamente do documento.” A pasta e
outros documentos de Anísio Teixeira foram devolvidos à família.
Além de Afrânio Coutinho, a necropsia de Anísio Teixeira foi testemunhada
pelos médicos e amigos do ex-reitor: Diolindo Couto (neurologista), Domingos de
Paola (professor titular de anatomia patológica) e Francisco Duarte Guimarães
(anatomopatologista do do Hospital dos Servidores). Todos os três médicos, assim
como Afrânio Coutinho e Luís Viana Filho, já estão mortos.
A Comissão de Memória e Verdade da UnB deverá fazer a primeira reunião de
trabalho na próxima semana e terá acesso ao acervo do Arquivo Nacional, entre
outros, além de ser apoiada pela Comissão da Verdade do governo federal, a quem
deverá encaminhar o relatório final.
Procurado pela Agência Brasil, o Ministério da Defesa informou que não irá se
manifestar sobre o assunto e que o caso deve ser tratado no âmbito da Comissão
da Verdade.
http://www.jb.com.br/ http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=6935 |
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