sábado, 28 de fevereiro de 2015

Colapso do sistema penitenciário: tragédias anunciadas


Por Luiz Flávio Gomes     
(Jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Estou no professor LFG.com.br)


Levantamento realizado pelo Instituto Avante Brasil, com dados disponibilizados pelo InfoPen, mostra que o crescimento da população carcerária nos últimos 23 anos (1990-2013) chegou a 507% (de 90 mil presos passamos para 574.027). A população brasileira (nos anos indicados) cresceu 36%. Apesar de tantas prisões, nenhum crime diminuiu nesse longo período no Brasil (o que constitui uma prova de que a estratégia não está surtindo o efeito esperado).

Veja o levantamento completo aqui: Sistema Penitenciário Brasileiro em junho de 2013

Só nos últimos 10 anos (2003-2013), o aumento foi de 86% (a população brasileira no período cresceu menos de 15%). Em junho de 2013 a taxa de presos era de 300,96 por 100 mil habitantes, de acordo com o Depen (contra cerca de 700 para 100 mil nos EUA e média de 100 para 100 mil na Europa, que experimentou o capitalismo distributivo nas décadas de 60/80, melhorando extraordinariamente a escolaridade, a renda per capita assim como a expectativa de vida).

Enquanto a população nacional cresceu 1/3 (de 1990 a 2013), a população carcerária mais que sextuplicou. No primeiro ano do governo Lula (2003) aconteceu o mais explosivo aumento na população carcerária do nosso País, de 28,8% (68.959 em número absoluto). É da História do Brasil (e do mundo) o seguinte: todas as vezes que algum movimento de esquerda avança com o discurso dos direitos políticos, civis e sociais, o conservadorismo recrudesce (defesa orgânica). Isso voltou a acontecer depois das jornadas de 2013 (veja Paulo Arantes, professor de filosofia da USP).

O colapso do sistema penitenciário brasileiro (sistema de barbárie) está mais do que evidente. Boa coisa isso não sugere. Pode comprometer o futuro do Brasil. As instituições não estão acompanhando a velocidade das mudanças e transformações. Mais tragédias anunciadas podem ser previstas. Talvez até uma megarrebelião nacional, marcada pelo face ou pelo WahtsApp (com centenas ou milhares de mortos). Ou o nascimento de um novo crime organizado, tal qual o PCC (que surgiu como resposta à matança do Carandiru, em 1992). Não se pode desconsiderar que os crimes organizados já estão dominando os presídios e eles contam com forte poder de fogo (muitas armas), além de excelente comunicação (quantidade infinita de celulares).

O número de presos condenados cresceu 336%. Já o número de presos provisórios, responsável pelo abarrotamento dos presídios brasileiros atualmente, aumentou 1.231% (no mesmo período). Ou seja, o número de presos provisórios cresceu 13x, enquanto o de presos condenados aumentou apenas 4x (usa-se a prisão cautelar como pena antecipada; a prisão cautelar, no século XXI, é, em grande medida, o equivalente imoral da Inquisição nos séculos XVI-XVIII). Forma de contenção social (de controle social) de um determinado segmento da sociedade.

Mais de 40% dos presos hoje são provisórios. Pesquisa feita em parceria entre o Depen (Departamento Penitenciário Nacional) e o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontou que em 37,2% dos casos em que há aplicação de prisão provisória os réus não são condenados à prisão ao final do processo ou recebem penas menores que seu período de encarceramento inicial. O abuso prisional (sobretudo a partir do 1º governo Lula) está mais do que demonstrado (veja abaixo). Novamente: a prisão cautelar no século XXI se transformou no equivalente imoral da Inquisição dos séculos XVI-XVIII. Os que prendem abusivamente hoje são os torquemadas de ontem. Quem não tem capitalismo distributivo (melhoria da qualidade vida para todos), distribui dor e sofrimento, pancadaria e tortura, prisões e extermínios (seja para as vítimas, seja para os detidos).

Até junho de 2013, do total de presos no Brasil, 93,7% estavam no Sistema Penitenciário e 6,3% estavam sob custódia das polícias. O estado mais encarcerador do Brasil no ano de 2013 foi o Acre, que possui uma taxa de 520,8 por 100 mil habitantes. O TOP 5 dos estados com maior população carcerária por 100 mil habitantes são:

1. Acre (520,8)
2. Mato Grosso do Sul (519,1)
3. São Paulo (502,8)
4. Rondônia (494,7)
5. Distrito Federal (476,4)

Embora o número de vagas venha crescendo em termos absolutos nos últimos anos, o déficit entre o número de presos e o de vagas ainda é muito desproporcional. Em 2013, havia 256.294 presos além da capacidade dos presídios, que era de 317.733 vagas. Têm-se então uma taxa de ocupação de 1,8 presos por vaga no ano de 2013, ou seja, quase 2 presos por vaga.

Importante salientar que no relatório divulgado pelo InfoPen, apesar de o número de presos do Sistema Penitenciário e da Secretária de Segurança Pública serem computados em separado, o número de vagas foi unificado entre eles, causando a impressão de um menor número de presos por vaga do que realmente acontece na Polícia. Vários estados não informam o número de vagas na Polícia, inserindo seus presos no total de vagas do Sistema.

O encarceramento feminino também começa a apresentar os mesmos problemas do aprisionamento masculino. A População Carcerária Masculina cresceu 141% entre 2000 e 2013 (contra 257% da população carcerária feminina). Enquanto a população carcerária masculina mais que dobrou a feminina mais que triplicou nesse período (sobretudo em virtude do tráfico de drogas: as mulheres estão sendo escaladas para adotarem as posições mais vulneráveis na cadeia do tráfico de drogas). No ano 2000 eram 10.112 mulheres presas e em 2013* o número saltou para 36.135.

No Brasil, até junho de 2013, apenas 11% da população carcerária estava em atividade educacional. Entre as mulheres essa taxa era de 19%, enquanto entre os homens não passou de 10%. No total, 52.347 homens e 6.210 mulheres estudavam, ou seja, 108,9 para cada 1.000 presos. Entre 2009 e 2013 houve um aumento de 36,5% na participação dos presos na educação, contudo se considerarmos a evolução da participação pela taxa de 1000 mil presos, a evolução foi de 20%, no mesmo período.

No que tange às atividades laborais, apenas 22% dos encarcerados no Sistema Penitenciário Nacional estava envolvida em alguma atividade laboral até junho de 2013, entre trabalhos internos e externos. No total, 119.474 presos estão trabalhando, sendo 94.812 em trabalhos internos (17,6%) e 24.662 em trabalhos externos (4,6%), ou seja, 222 para cada 1.000 presos se encontram em atividades laborais. O estado com o maior número de presos trabalhando (tanto interna como externamente) foi Santa Catarina, local onde 45% da população nas penitenciárias exercia atividade laboral nesse período. Do total, 41% estavam em atividades internas e 4% em atividades externas. O estado com pior desempenho foi o Rio de Janeiro que, de acordo com a os números divulgados pelo InfoPen, registrou um total de 2,3% dos presos em atividade laboral em 2013. Desses, 1,8% faziam trabalhos internos e 0,5% externos.

 Estima-se que 10,2 milhões de pessoas estejam presas, em todo o mundo. Se reportados também prisioneiros dos “centros de detenção” da China e o dos campos de prisioneiras na Coréia do Norte, esse total chegaria a 11 milhões. EUA, China, Rússia e Brasil têm as maiores populações carcerárias do mundo, o correspondente a 50% do total. Entre os países da América Latina, o Brasil é o país com a maior população prisional atualmente. Brasil, México, Colômbia e Peru são os 4 maiores encarceradores da região.

Em 2014, O CNJ apresentou um novo paradigma sobre o Sistema Penitenciário Brasileiro. Incluindo o número de presos em situação domiciliar houve um incremento no déficit de vagas e uma modificação no percentual de presos provisórios no Brasil e nos Estados. Houve também um aumento no número total de presos, que colocaria o Brasil na terceira posição entre os países mais encarceradores do mundo, passando a Rússia e ficando atrás apenas de EUA e China.

De acordo com o CNJ, o panorama do Sistema Penitenciário seria:

População no sistema prisional: 567.655 presos
Capacidade do sistema: 357.219 vagas
Déficit de Vagas: 210.436
Pessoas em Prisão Domiciliar no Brasil: 148.000
Total de Pessoas Presas: 715.655
Déficit de Vagas : 358.219
Número de Mandados de Prisão em aberto no BNMP: 373.991
Total de Pessoas Presas + Cumprimento de Mandados de Prisão em aberto: 1.089.646
Déficit de Vagas : 732.427

Computadas as pessoas que estão em prisão domiciliar no Brasil, temos o seguinte ranking (2013):

Estados Unidos da América: 2.228.424
China: 1.701.344
Brasil: 715.592
Rússia: 676.400
Índia: 385.135
Tailândia: 296.577
México: 249.912
Irã: 217.000
África do Sul: 157.394
Indonésia: 154.000

Fechando escolas, para abrir presídios. O Brasil é um dos poucos países do mundo que está fechando escolas para abrir presídios. Estudo realizado pelo nosso Instituto Avante Brasil verificou (a partir dos dados do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que no período compreendido entre 1994 e 2009 houve uma queda de 19,3% no número de escolas públicas do país, já que em 1994 tínhamos 200.549 escolas públicas contra 161.783 em 2009. Em contrapartida, no mesmo período, o número de presídios aumentou 253%. Em 1994 eram 511 estabelecimentos, este número mais que triplicou em 2009, com um total de 1.806 estabelecimentos prisionais.

O encarceramento massivo no Brasil é aloprado porque 51% dos presos não praticaram crimes violentos, enquanto centenas ou milhares de violentos perigosos escapam do império da lei.

Solução? Existe. Mas enquanto o Brasil não mudar de patamar, indo para o 1º grupo do IDH (índice de desenvolvimento humano), nada se pode esperar de sustentável. Para que isso aconteça temos que melhorar muito a escolaridade, a renda per capita assim como a saúde (expectativa de vida) da população. Os países do 1º grupo do IDH são muitos menos violentos que o do 2º (e, com exceção dos EUA, prendem muito menos). Porque a prisão não é um instrumento de controle da população, sim, só acontece quando absolutamente necessária.

Vejamos:




* Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora do Instituto Avante Brasil.

 P.S. Participe do nosso movimento fim da reeleição (veja fimdopoliticoprofissional.com.br). Baixe o formulário e colete assinaturas. Avante!


domingo, 22 de fevereiro de 2015

5 livros para compreender a miséria humana



Autores como Fiódor Dostoievski, José Saramago, Graciliano Ramos, Victor Hugo e Paulina Chiziane escreveram obras fundamentais para entendermos tragédias que se abateram (e ainda se abatem) sobre a humanidade


Por Marcelo Hailer

A classificação de um produto cultural enquanto “clássico” não se dá à toa. Uma série de fatores estão envolvidos em torno da obra que fazem dela atemporal e fundamental para se compreender eventos, trágicos ou não, que aconteceram durante a história. No momento presente vivemos uma série de acontecimentos que são alvos de inúmeras análises – jornalísticas, sociológicas e históricas – tais como os novos conflitos de guerra, seca no Brasil, grupos políticos da extrema esquerda e direita que disputam a narrativa político-social e, claro, a concentração de riqueza e a miséria inerentes ao sistema capitalista.

Por mais que os temas acima citados sejam contemporâneos, eles são recorrentes na história do mundo, seja no Ocidente, na Ásia ou na África. E todos eles já foram fontes de inspiração para obras primas que nos trazem algum entendimento das atitudes dos considerados “humanos” e que, inevitavelmente, levam à tragédia. Para tanto, selecionamos cinco autores e uma obra respectiva que trata de questões presentes no cotidiano, seja ele político, jornalístico ou social.

1 – Os Demônios, de Fiódor Dostoiévski

Obra fundamental para quem deseja compreender e acompanhar os resultados de quando duas figuras ávidas pelo poder travam uma disputa na qual as pessoas são meramente instrumentos para tal objetivo. De acordo com especialistas na obra de Dostoiévski, Os Demônios é uma das poucas, senão a única obra do escritor russo que teve como ponto de partida uma tragédia real: o assassinato do estudante Ivanov por um grupo de niilistas liderados Nietcháiev, em 1869.

Todo o ambiente político de então é recriado por Doistoiévski de maneira magistral e, a partir dos personagens Kirilov, Chigalióv e Piotr Stiepánovitch, temos a representação do intelectual pessimista e dos fanatismos políticos perpetrados pelos grupos de Chigalióv e Stiepánovitch. Temas como fundamentalismo religioso, fanatismo político e terror se fazem presente nesta obra prima. As análises críticas sobre o humano e a sua busca pelo poder são de uma atualidade perturbadora. Para historiadores, ao construir as personagens de Chigalióv e Stiepánovitch, Dostoiévski foi profético a respeito dos horrores cometidos em nome de Hitler e Stálin.


2 – Os Miseráveis, de Victor Hugo

Esta obra monumental do escritor francês Victor Hugo é fundamental não apenas para se compreender a questão da miséria humana, mas também para quem deseja ter acesso a críticas e percepções do período revolucionário que resultou na fundação do Estado francês. Inúmeras críticas tecidas pelo escritor podem ser muito bem adaptadas e trazidas para o atual contexto político, principalmente quando pensamos na atual fase da Europa e dos novos movimentos revolucionários.

Os Miseráveis não chamou apenas a atenção, à época, por conta de seu teor crítico, mas, principalmente, por ter como protagonistas um presidiário (Jean ValJean), uma prostituta (Fantine) e uma criança explorada por adultos (Cosette). Tal escolha de personagens foi considerado um escândalo, pois, à época, os romances apenas retratavam o cotidiano da realeza e da burguesia.

A partir da narrativa de Jean, Fantine e Cosette, Victor Hugo mergulha na hipocrisia humana e como está dividida entre “ambiciosos” e “invejosos” e que tal divisão é parte da cultura e, portanto, presente desde a educação infantil. Ao mesmo tempo em que o autor desnuda a “sociedade de bem”, ele dá voz aos sujeitos subalternos que passam ao largo da Revolução Francesa.

3 – Vidas Secas, de Graciliano Ramos

Considerada a obra mais importante do movimento realista da literatura brasileira, Vidas Secas nunca esteve tão atual, principalmente quando pensamos que nos dias atuais o que mudou foi o mapa geográfico da seca retratado na obra. Se antes eram exôdos rurais, hoje o Brasil vive na iminência de um êxodo urbano.

Empurrados pela seca, a família de Sinhá Vitória e Fabiano empenha uma jornada em busca de meios à sobrevivência. Na obra, o que chama atenção é que, a única personagem humanizada e com sentimentos é a cachorra Baleia e também é a única que possui um nome. As outras personagens são referidas pelos cargos que ocupam ou posição genética na família, tais como filho mais novo.

Vidas Secas é um mergulho profundo na miséria humana no que diz respeito a explorar o próximo em situações de calamidade, tal como a seca. O que impressiona é a crítica de Graciliano Ramos: profética e atual.



4 – O Evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago

Como será que Jesus Cristo narraria a sua trajetória se lhe fosse dada esta oportunidade? É o que faz o escritor José Saramago em O Evangelho segundo Jesus Cristo, onde o Messias é o narrador de sua própria história na qual mitos bíblicos e crenças religiosas são desconstruídos.

Em tempos onde fundamentalistas religiosos ocupam cargos de poder no Brasil e em outros países, resgatar a obra de Saramago é de fundamental importância, principalmente quando lembramos da memorável cena onde Cristo estabelece um diálogo com o Diabo e Deus e fica sabendo do provável acordo entre as duas imagens referências da religião.

Além de toda a crítica à moral religiosa, principalmente a católica, reler O Evangelho… é de suma importância para compreendermos que, entre laicos e fundamentalistas, o acordo político vem antes.



5 – Ventos do Apocalipse, de Paulina Chiziane

Ventos do Apocalipse, ao lado de Neketcha – Uma história de poligamia, é considerada uma das obras mais controversas de Paulina Chiziane, onde a escritora moçambicana pesa a caneta para retratar os horrores da guerra de civil de Moçambique, que aconteceu entre 1977 e 1992 e onde a escritora atuou como voluntária para ajudar os feridos de guerra.

Na obra, Paulina Chiziane está mais interessada em discutir a relação e a destruição entre os irmãos moçambicanos do que as questões políticas. Ativista da revolução que libertou Moçambique da colonização portuguesa, Chiziane sempre declara que, à época, não se conformava que, depois de tanto lutar contra os colonizadores, moçambicanos iniciassem uma guerra contra… moçambicanos.

Com uma narrativa muito particular, Paulina Chiziane retrata os horrores da guerra civil que, segundo a autora, presenciou durante o conflito. Não existe bem ou mal, apenas guerra e miséria.





Ilustração de capa: Emile Bayard (A jovem Cosette)


quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Golpes na Argentina, Venezuela e Brasil?


Os três países têm vários traços em comum. Em todos eles, a direita partidária sofreu duras derrotas eleitorais nos últimos anos. Forças contrárias ao neoliberalismo, com suas nuances e ritmos diferenciados, chegaram ao governo – e não ao poder.


Por Altamiro Borges


Há algo muito estranho ocorrendo em três países decisivos na geopolítica da América Sul. A Venezuela, rica em petróleo, enfrenta uma onda permanente de desestabilização – com sabotagem no abastecimento de produtos básicos, choques violentos nas ruas e ameaças de golpes militares contra o presidente Nicolás Maduro. Na Argentina, segunda economia da região, está em curso um processo de judicialização da política que pode desembocar na cassação da presidenta Cristina Kirchner. Já no Brasil, a principal força no tabuleiro político do subcontinente, a direita mais suja do que pau de galinheiro se traveste de vestal da ética, bravateia a tese do impeachment e incentiva as marchas dos grupelhos fascistas. O que explica esta sinistra coincidência? Os EUA, que sempre trataram a região como o seu quintal, têm algo a ver com esta onda nitidamente golpista?

Os três países têm vários traços em comum. Em todos eles, a direita partidária sofreu duras derrotas eleitorais nos últimos anos. Forças contrárias ao neoliberalismo, com suas nuances e ritmos diferenciados, chegaram ao governo – e não ao poder. Fragilizada, a elite colonizada foi substituída no seu ódio ao campo popular pela mídia monopolista e manipuladora. Na Venezuela, Argentina e Brasil, os jornalões, as revistonas e as emissoras de rádio e tevê fazem oposição diariamente – jogam no pessimismo da sociedade, difundem a visão fascista da negação da política, tentam impor sua agenda neoliberal derrotada nas urnas e apostam na desestabilização dos governos progressistas. Nos três países, os barões da mídia hoje lideram as forças golpistas e estão cada dia mais agressivos. Nada mais contém a sua sanha conservadora e entreguista, pró-império.

Além da mídia monopolista, outros aparatos de disputa de hegemonia também servem aos interesses das oligarquias nativas e alienígenas. Na Argentina e no Brasil, boa parte do corrompido poder Judiciário está nas mãos das elites. O suspeito caso da morte do promotor Alberto Nisman, responsável pelo inquérito sobre o atentado terrorista a um centro judaico em Buenos Aires, tem servido para atiçar a campanha pela deposição da presidenta Cristina Kirchner. Já o escândalo da Petrobras, com vazamentos seletivos e técnicas de tortura do Ministério Público e da Polícia Federal – outros dois aparatos de hegemonia –, alimenta o sonho da oposição demotucana de sangrar e, se possível, de derrubar a presidenta Dilma Rousseff. Na Venezuela, focos golpistas voltaram a aparecer nas Forças Armadas e se unem aos empresários sabotadores da economia.

Diante desta onda reacionária, os governantes dos três países são chamados a enfrentar a “guerra da comunicação” e derrotar os aparatos de hegemonia da elite colonizada. Na semana passada, o chefe de gabinete da Casa Rosada, Jorge Capitanich, acusou explicitamente a mídia e a Justiça de tramarem um golpe. “É uma estratégia de golpismo judicial ativo. No mundo, a disputa é entre democracia e grupos obscuros vinculados a poderes econômicos”. Ele inclusive citou o Brasil, no qual “Dilma Rousseff sofre ataques com pedidos de julgamento político”. Já o secretário-geral da Presidência da República, Aníbal Fernández, falou em “manobra de desestabilização democrática” e conclamou os setores populares a irem às ruas para defender a continuidade do mandato de Cristina Kirchner.

Também na semana passada, o presidente Nicolás Maduro acusou novamente o governo dos EUA de orquestrar um golpe na Venezuela. Na última quinta-feira (12), ele anunciou a prisão de 14 civis e militares, entre eles de um general da reserva. Segundo as investigações, o grupo pretendia causar tumultos e mortes num ato agendado pela direita local. Em rede de televisão, o líder bolivariano afirmou que “os EUA pagaram [os sabotadores] em dólares e lhes deram vistos com data de 3 de fevereiro. A Embaixada dos EUA lhes disse que, em caso de fracasso, poderiam entrar no território americano”. A grave denúncia foi, como sempre, ridicularizada pela mídia venezuelana e mundial – a mesma que apoiou efusivamente o golpe fracassado de abril de 2002. Já a Casa Branca considerou as acusações “ridículas”. Afinal, o império nunca apoiou golpes e ditaduras!

Já no Brasil, a “guerra da comunicação” anunciada por Dilma Rousseff na primeira reunião ministerial, no início de janeiro, ainda não saiu do papel. Nenhum ministro teve a coragem de denunciar “a estratégia de golpismo judicial ativo” – que deverá ficar ainda mais agressiva no pós-Carnaval com a nova fase da midiática Operação Lava-Jato. A presidenta Dilma Rousseff também ainda não ocupou a rede nacional de rádio e televisão para criticar os setores que pretendem destruir a Petrobras e entregar o Pré-Sal - um antigo desejo dos EUA. Num contexto bastante explosivo na região, aonde as coincidências golpistas são estranhas e os interesses imperiais são violentos, é preciso reagir rapidamente! O fantasma do retrocesso assombra a América do Sul.


segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Livro sobre família gay é recomendado pelo MEC nas escolas infantis!


Este livro abaixo está sendo recomendado pelo Ministério da Educação (MEC) e encontra-se em classes de Educação Infantil de todo o Brasil. Inclusive, ele faz parte do grupo de livros destinados ao Programa Nacional para a Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Este que é um programa do Governo Federal (PT) em convênio com os estados, municípios e universidades para alfabetizar todas as crianças até os 8 anos de idade.
Foto de uma família com dois
pais gays



De acordo com o texto de apresentação no catálogo Acervos Complementares (anos de 2013/2015) do Ministério da Educação (MEC), este livro “trata das mudanças atuais nos conceitos de família, da diversidade cultural, religiosa, econômica e social das famílias contemporâneas.” Seguindo esse propósito, a obra apresenta com calculada naturalidade e igualdade de condições 13 arranjos familiares diferentes, dentre eles a família homossexual.


Foto de uma família com duas
mães lésbicas

A beleza artística e a qualidade do papel encontradas no livro, impressionam não somente crianças, mas também os adultos. A partir da capa, suas folhas lisas e brilhosas abrigam personagens, coisas e lugares criativamente desenhados. A combinação dos tamanhos e cores das palavras na capa permite subentender a pretensão de grandeza e singularidade deste livro que se autodenomina "das famílias".

As duas autoras inglesas (Mary Hoffman e Ros Asquith), usam com propriedade a articulação entre o discurso verbal e o não verbal para a produção dos efeitos de sentido almejados. Elas dão mais ênfase à figura do que à escrita porque seus leitores, os alunos da Educação Infantil em fase de alfabetização, têm mais facilidade para compreender as imagens. Desta forma, somente debaixo de algumas gravuras, inscrevem enunciados breves, objetivos, em linguagem simples e uso consciente dos advérbios de afirmação.

Logo na primeira página, é apresentada uma família cujos membros são o pai, a mãe, uma filha e um filho. Esta família veste e calça conforme os trabalhadores rurais de algumas regiões do país. A postura corporal desleixada, o penteado, as roupas, o espaço em que eles se encontram, os instrumentos de trabalho (pá e regador), podem ser interpretados como indicadores de posição social. Os brinquedos, a bola com o filho e a boneca com a filha, são distintivos de gênero nesse modelo de família.

O enunciado que aparece em cima da figura: “Muitos anos atrás, a maioria dos livros sobre famílias eram assim”, e a leitura da imagem, desqualifica e desatualiza este modelo de família. Situa-o, assim, num tempo longínquo e indeterminado, da mesma forma que são distantes e imprecisos o tempo dos contos de fadas. Partindo-se desse pressuposto, é possível conjecturar que as autoras comparam a família tradicional com o ideal romântico do conto de fadas.

Esta suspeita pode ser inferida a partir da afirmação embaixo da mesma figura: "Mas na vida real existem famílias de todo tipo, formato e tamanho." Ou seja, na vida real que escapa ao ideal do tradicionalismo familiar, há, sim, uma diversidade de tipos familiares com o mesmo grau de importância. Esta ideia subliminar que se apresenta já no início do livro, obedece sua coerência até o final. A página seguinte mostra a bucólica e aprazível casa da família tradicional: fora do aglomerado urbano, sem prédios para cobrir o sol baixo, cercada com estacas de madeira, flores, jardim, pomar, cachorro e gato. 

Mais adiante, com vestimentas e aspectos urbanos e modernos, duas mulheres cuidam de uma menina; dois homens, e de um menino. Na mesma página, um casal tradicional com dois filhos. O que poderia causar estranheza é apresentado com naturalidade e aprovação pelo enunciado: “Algumas crianças têm duas mães ou dois pais.”

É relevante neste livro o esforço para a desconstruir o conceito de família nuclear: pai, mãe e filhos. Isto levando-se em consideração que seu público é composto por crianças de 7 e 8 anos, cujas famílias são majoritariamente tradicionais. Trata-se de uma atitude deliberada de contradizer os valores morais dos núcleos familiares dos alunos. E esta pode ser considerada uma atitude reprovável porque a escola deixa de respeitar a bagagem cultural trazida de casa pelo aluno.

É motivo de maior preocupação quando se trata de um livro que faz parte da coleção do Plano Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). O que se questiona neste importante programa de alfabetização é o porquê de se inserir nele a desconstrução da família tradicional para crianças ainda na infância, oriundas de famílias cristãs, notadamente as dos ramos romano, ortodoxo e protestante. O livro, ao esquecer a Constituição, isto com a finalidade de normalizar novos modelos de família para crianças em fase de formação psicológica e física, trai a confiança da lei. Mais ainda: trai também a confiança dos cidadãos que vivem debaixo dessa Constituição porque prepara os filhos para burlarem o paradigma familiar dos pais.

Art. 226, da Constituição da República Federativa do Brasil (1988)
A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

No livro a familia de gays é apresentada como mais alegre e próspera

Estas duas páginas do livro (acima e abaixo) apresentam molduras que mostram o estado de humor de diferentes famílias. As duas famílias homoafetivas são retratadas em ambiente próspero e harmonioso. Há tranquilidade e segurança em suas fisionomias. As crianças sentem-se bem e seguras. Os estados de pobreza, ansiedade, tristeza, braveza, rispidez e mal humor ficam por conta de outros arranjos familiares, principalmente a da família tradicional. 

A escolha da maneira de representar pessoas ou coisas por meio da escrita ou da imagem, não pode ser considerada desprovida de intencionalidade. Quando se fala ou desenha pessoas ou coisas, expressa-se opinião particular ou coletiva acerca do objeto. Entra-se, então, no campo da subjetividade... O que se depreende com estes desenhos são o aspecto dedutivo (como recurso de convencimento) e o favorecimento implícito das duas famílias homoafetivas, em relação às demais. Estes dados não podem ser desprezados porque a criança consegue perfeitamente extrair das imagens os pressupostos estabelecidos intencionalmente.

Um projeto contra a “homofobia” na escola?

Engana-se quem considere o ensino da orientação homossexual na educação básica, tomada como medida padrão de sexualidade a ser ensinado, seja adequada ao combate do preconceito contra o homossexual na escola. Ainda mais quando este ensino sistemático, conduzido pelo Estado, não é antes debatido com as famílias dos alunos, com os diretores e os professores das escolas.

Se, por um lado, a discriminação de pessoas por causa da opção homossexual não deve ser admitida, por outro lado, o Estado precisa respeitar as famílias tradicionais dos alunos, sobretudo as que pertencem ao segmento religioso cristão. Nesse sentido, não se deve utilizar a rede de ensino público para estimular crianças ao comportamento homossexual através de material didático. As escolas devem ser espaços neutros com respeito a este assunto, principalmente quando o público é infantil e juvenil.

Ensinar uma criança a respeitar as diferenças individuais é muito diferente de orientá-la para uma determinada compreensão ou prática. Embora os valores do respeito e da solidariedade comecem a se estabelecer em casa, a escola exerce importante papel complementar à família, quando ensina ao aluno que é preciso respeitar quem é negro, albino, sarará, baixinho, gordinho, feio, orelhudo, magricelo, tímido; assim como quem se apresenta homossexual, religioso, ateu, etc. Mas em nenhum momento deve haver atenção especial para A ou B. 

A valorização do respeito às diferenças, limites e condições de cada ser humano, independe de suas particularidades. Qualquer "política" que dispõe disso significa favorecer uns em prejuízo dos outros, seja por preferência de condição física, crença, comportamento ou ideologia.

Considerações

Os movimentos organizados de defesa do homossexualismo exercem influência nas políticas educacionais do MEC. Eles agiram estrategicamente ao inserirem nos livros didáticos de algumas disciplinas os temas relacionados ao comportamento sexual e a configuração familiar. Os educadores e pais que discordam dessas ações vêm denunciando a intenção desses grupos de doutrinar crianças e jovens nas principais fases de desenvolvimento psíquico e corporal.

Segundo essas denúncias, as propostas que teriam o objetivo de combater o “preconceito” (leia-se: opinião contrária) contra o homossexual na escola, acabará produzindo uma geração de pessoas sem definição clara de padrões para o comportamento sexual. É bom ressaltar que as novas concepções de gênero ainda não possuem embasamento científico suficiente para levá-las à categoria de matéria de ensino escolar. Existe muito mais apelo político e ideológico por trás dos movimentos que se engajam nessas causas, inclusive acadêmicos, do que conhecimento empírico.

Tendo em vista essa nova realidade da escola, os pais precisam acompanhar mais cuidadosamente o conteúdo moral e cultural transmitido aos seus filhos. A responsabilidade de estabelecer as bases dos padrões morais, religiosos e culturais para os filhos é da família e não do Estado. Ainda mais quando o assunto é a orientação sexual porque há o risco de ensinar às crianças e aos jovens conceitos equivocados sobre o assunto.

Sendo assim, é de estranhar a insistência do Estado em inserir na grade curricular da escola pública temas carregados de controvérsia e carentes de estudos aprofundados e conclusivos. A não ser que a intenção do Estado seja retirar da família a autoridade sobre a formação do caráter pela consequente educação moral dos seus filhos.


FONTE: Orley José da Silva (professor, mestre em letras, linguística e em estudos teológicos)


Recebido por e-mail -> ppclze@terra.com.br

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Anistia: Brasil trata violência contra jovens negros como “parte da paisagem”



Rogério JordãoOito em cada dez jovens mortos no Brasil são negros – a maior parte por armas de fogo. Nos últimos 10 anos, a violência letal contra jovens negros aumentou em 30%. A guerra às drogas acabou virando uma guerra às juventudes das periferias das grandes cidades do país. E a resposta da sociedade brasileira a este massacre é a indiferença. É o que diz nesta entrevista Atila Roque, diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil, que lançou em novembro do ano passado a campanha “Jovem Negro Vivo”, com peças publicitárias e um manifesto online que já conta com 28 mil assinaturas. Confira.

Rogério – A violência contra jovens negros vem aumentando?

Atila — O aumento da letalidade pode ser verificado nas estatísticas dos últimos dez anos. Nesse período a violência letal entre os jovens brancos caiu 32,3% e entre os jovens negros aumentou 32,4%. Ou seja, os homicídios de jovens negros são um dos principais pilares que sustentam o aumento das mortes. O outro pilar é a indiferença com a qual a sociedade e o Estado tratam essas mortes, como se já tivessem passado a fazer parte da paisagem natural de nossas cidades.

Rogério – Como a indiferença se expressa?

Atila — Temos percebido que a sociedade está em negação e trata o alto número de homicídios como se eles fossem parte da paisagem. Isto acontece tanto porque as pessoas que convivem com as mortes já naturalizaram esta situação, como se ter parentes ou amigos assassinados fizesse parte da rotina, e também porque são jovens negros morando na periferia. A maior parte da classe média e alta não está preocupada com o que acontece tão longe de seus olhos. No início de janeiro, para citar apenas um exemplo, vimos o menino Patrick de apenas 11 anos ser morto com tiros de fuzil pela polícia, em circunstâncias que levantam muitas dúvidas sobre a legitimidade dessa morte, que é uma tragédia seja por qualquer ângulo que se olhe. E isso, uma morte de uma criança a tiros de fuzil, não gerou comoção, primeiras páginas ou escândalo. É isso que chamamos de “naturalização”.

Rogério — O site da Anistia diz que há muitos “preconceitos e estereótipos associados a estes jovens (negros)”. O que isso tem a ver com a questão da violência?

Atila — O contexto de guerras às drogas acabou declarando guerra aos jovens da periferia e das favelas, que em sua maioria são negros ou pardos. Desta forma, o estereótipo do bandido, do favelado, reforça estes preconceitos, inclusive institucionais, na segurança pública. Na ocasião do lançamento da campanha, conversamos com alguns jovens e todos sem exceção já haviam sido abordados de forma violenta pela polícia, como se ser negro e morador de favela tornasse todos suspeitos de tráfico de drogas.

Rogério – Quais os objetivos da campanha Jovem Negro Vivo?

Atila — A campanha é uma iniciativa relevante em um contexto de aumento do número de homicídios no Brasil. Nunca se matou tanto no país. Em 2013 foram 56 mil homicídios. O principal grupo vítima dessas mortes são os jovens, em particular negros, muitos deles moradores de favelas e periferias – há uma tendência nos últimos anos de aumento do número de homicídios entre a população jovem negra e diminuição entre a população jovem branca. O perfil de grande parte das vítimas (homem, jovem, negro), aliado a um contexto de preconceito e racismo, contribui para que a sociedade não se mobilize para enfrentar esse problema e exigir um basta para essas mortes. É como estivéssemos dizendo que algumas vidas valem mais do que outras.  É aí que entra a Anistia Internacional. Nesta primeira etapa, a campanha dá visibilidade para estes números e convida a sociedade brasileira a deixar a indiferença para trás e assinar o manifesto “Queremos ver os jovens vivos”.

Rogério — Por que os jovens, e sobretudo os negros, são as principais vítimas de homicídios no Brasil?

Atila - Não há uma única explicação para a alta taxa de homicídios de jovens negros. Há vários fatores que podem contribuir para explicar a alta taxa de homicídios entre os jovens, especialmente os negros, entre elas: A banalização da violência na sociedade brasileira, sendo a violência aceita como forma de resolução dos conflitos (mata-se por muito pouco); a naturalização e a indiferença de parte da sociedade a estas mortes; falta de políticas públicas efetivas para a redução da violência letal; alta disponibilidade de armas de fogo; o racismo e estereótipos negativos associados à negritude e aos jovens negros (por exemplo, jovem negro morador de favela ser sinônimo de traficante ou bandido); alta letalidade da polícia, impunidade – menos de 8% dos homicídios são levados à justiça – o que alimenta um ciclo de violência.

Rogério — Qual o retorno da campanha até agora?

Atila - O lançamento da campanha ocorreu em novembro, mês em que se comemora o Dia da Consciência Negra, em um evento que contou com várias manifestações culturais (como passinho e duelo de barbeiros). Até o momento, já conseguimos cerca de 28 mil assinaturas para o manifesto. Também obtivemos apoios importantes, especialmente entre organizações de direitos humanos e familiares de vítimas da violência. O engajamento dos próprios jovens é muito importante para uma mudança dessa realidade. A campanha também vem tendo bastante visibilidade na mídia e apoio significativo de personalidades públicas, parlamentares e artistas. Mas precisamos muito mais para romper com a barreira de silêncio que prevalece em relação a essas mortes.

Rogério — Apenas entre 5% e 8% dos homicídios no Brasil são levados à Justiça. Por que esse número é tão baixo?

Atila — Em geral, por falhas na investigação, na perícia, na reunião de provas que possam constituir um inquérito policial que, de fato, vire um processo criminal.  Existe também um descaso generalizado de todas as esferas do sistema de justiça que não cobra maior eficiência dos organismos. Enquanto a redução de homicídios não for uma verdadeira prioridade do Estado, em todos os níveis e instâncias, não veremos mudanças significativas nessa realidade.

Rogério — Quais políticas públicas poderiam melhorar este quadro?

Atila — A redução do número de homicídios deve ser uma prioridade. Políticas de inclusão social e oportunidades para estes jovens são essenciais, assim como a reforma da segurança pública, a quebra do paradigma da guerra e da militarização. Também precisamos romper com a inércia em relação à política de guerras às drogas, questionada cada vez mais no mundo inteiro, que tem aumentado a criminalização da juventude pobre e das periferias. É preciso sair da lógica do confronto e investir em inteligência, integrar as polícias, treinar e valorizar os agentes de segurança. Deve-se se lembrar que a polícia no Brasil é uma das que mais mata no mundo, mas também é das que mais morre. Enquanto a segurança pública não for levada a sério, isto não vai mudar.

Rogério — Há exemplos bem sucedidos de políticas públicas que tenham feito baixar os índices de homicídios contra jovens negros?

Atila — Sim. O programa Juventude Viva, do governo federal é uma iniciativa importante, mas que padece da falta recursos e escala. Esperamos que outras políticas nacionais – como o Juventude Viva – e políticas de redução de homicídios de jovens sejam criadas e fortalecidas. Infelizmente ainda não vemos sinais claros de que isso vai acontecer. Recentemente, em entrevista à imprensa, o Ministro da Justiça disse que ainda era cedo para se estabelecer metas de redução de homicídios no Brasil. Cedo? Com taxas de mais de 50 mil homicídios a cada ano ao longo de mais de uma década?

Rogério — Vivemos a era das redes sociais – em breve haverá mais seguidores do facebook no mundo do que a população da China! A existência das redes sociais ajuda o trabalho da Anistia?

Atila — Sim, definitivamente. As redes sociais tem sido muito bem-sucedidas em levar a informação mais rapidamente e sem intermediários ao usuário final. Temos uma grande comunidade no Facebook e no Twitter que funciona também como um fórum de discussão. Para esta campanha produzimos inclusive alguns materiais exclusivos para mídias sociais nesta campanha. Os resultados foram excelentes, com muita gente compartilhando, o que fez a informação circular entre vários grupos.

Rogério — A sociedade brasileira parece mais mobilizada no pós-junho de 2013. Como “ativista” da Anistia, você sente isso de algum modo?

Atila — Temos percebido um maior engajamento, em especial da juventude, que tem estado bem presente nas ruas com demandas de diferentes espécies. Vemos como positivo esse movimento pois cidadania e direitos, em geral, não são dados e precisam ser conquistados. Uma sociedade alerta e mobilizada tem mais chances de conquistar o que deseja.

Texto postado originalmente em:
https://br.noticias.yahoo.com/blogs/rogerio-jordao/anistia-brasil-trata-violencia-contra-jovens-211537672.html


domingo, 8 de fevereiro de 2015

Racismo a gente vê na Globo


Sempre que a vinheta carnavalesca da Globo é exibida na televisão, o Brasil reafirma sua herança racista e misógina. Ainda mais preocupante é que poucos parecem se incomodar com o racismo explícito


Por Jarid Arraes 

No Brasil, impera a ilusão de uma convivência racial harmoniosa, segundo a qual pessoas de diferentes cores e miscigenações conviveriam na mais perfeita paz, sem que suas características físicas jamais se tornassem alvo de discriminação. No entanto, esse discurso cai por terra facilmente: o racismo brasileiro está vivo e, de fato, é tão bem aceito na sociedade que questioná-lo soa como um ultraje. Um exemplo dessa realidade é a existência do Globeleza, quadro da Rede Globo que exibe mulheres negras – chamadas por eles de “mulatas” – no período do carnaval.

Não é difícil compreender onde mora o racismo do Globeleza: a Rede Globo seleciona somente mulheres negras para que representem a sexualidade do Carnaval, que, como sabemos, está relacionada ao sexo considerado “promíscuo”; ou seja, ano após ano, a mulher negra é associada a um objeto sexual descartável, que representa uma sexualidade compulsiva, sem que possua qualquer valor fora desse papel. Essa é uma mentalidade racista que existe desde os tempos de escravidão, quando mulheres negras escravizadas eram estupradas por homens brancos, que mantinham seus casamentos com mulheres brancas, mas usavam as negras de forma abusiva e violenta.

Sempre que a vinheta carnavalesca da Globo é exibida na televisão, o Brasil reafirma sua herança racista e misógina. Ainda mais preocupante é que poucos parecem se incomodar com o racismo explícito. É possível até ouvir posicionamentos moralistas, de pessoas que repudiam o quadro por seu conteúdo de nudez, mas dificilmente denunciarão a problemática racial e os prejuízos que a Globo vem causando às mulheres negras todos os anos.

As críticas feitas contra o Globeleza não são recentes. Tanto o movimento negro quanto o feminista já elaboraram teorias e protestos de longa data no constante esforço de eliminá-lo. Os estereótipos racistas e machistas, afinal, se repetem bastante. Toda a polêmica envolvendo o seriado Sexo e as Nêgas, de Miguel Falabella, é mais um exemplo do padrão racista da televisão brasileira, tão fortemente utilizado pela Rede Globo.

Eliane Oliveira, mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afro-Brasileiros (NEIAB), é categórica em sua análise: o Globeleza e a série Sexo e as Nêgas repetem os mesmos papéis destinados às mulheres negras. “Uma permanência da relação com o sexual, com o exótico. É racismo e machismo misturado, me parece que não conseguem perceber nós negras para além da cama, um estigma colonial que não desaparece, que não é superado, os sinhôs e sinhás achando que a preta está ali para servir, a seu bel prazer”.

Érika Moura, Nayara Justrino e Valéria Valenssa:
"Engana-se profundamente quem pensa que a posição
de Globeleza só traz frutos positivos para a mulher
escolhida". (Foto: Repodução)
Escolhida para a rejeição

Engana-se profundamente quem pensa que a posição de Globeleza só traz frutos positivos para a mulher escolhida. O caso de Nayara Justino, escolhida como Globeleza por voto popular pela programação da Globo, escancara a perversidade por trás desse quadro: Nayara foi eleita pelos telespectadores e foi coroada como musa do carnaval, mas logo passou a receber ataques e ofensas racistas, principalmente pela internet. O discurso repetido discriminava Nayara por ter a pele muito escura e não possuir traços faciais considerados delicados.

Por causa do racismo do público, a Rede Globo empurrou Nayara para a geladeira e fez de tudo para escondê-la, o que a levou a cair em depressão. Para 2015, a Globo elegeu uma nova “mulata”: a paulista Erika Moura, que tem a pele mais clara e a aparência física mais próxima do padrão negro que a emissora permite ser mostrado em sua telinha. “A Erika é linda e pelo que sei, a seleção foi feita dentro das escolas de samba. A Nayara também é linda e foi escolhida pelo voto popular. A meu ver, o problema está na padronização ou estereotipia da mulher negra aceitável para a tela da TV. Ou seja, tem negra que pode e negra que não pode. Alguém com os traços marcadamente negros, tom de pele mais escuro, lábios grossos e nariz redondo não passa pelo crivo racista do público brasileiro”, explica Oliveira.

Segundo Oliveira, tanto Erika quanto Nayara são mulheres negras e lindas, sem que uma seja mais ou menos bela que a outra – o problema é a tentativa da emissora de embranquecer a beleza negra para aproximá-la do padrão europeu. “Basta ver como anunciam a nova escolhida: ‘uma morena linda’”, exemplifica. Ela ainda explica que o padrão racial da Globo é o padrão racial dos brasileiros, que parecem não entender que 50% da população do país é negra. “A impressão que tenho é de que nós não existimos como telespectadores nem como consumidores, não precisamos nos ver representados, pois apenas o desejo, o gosto, o dinheiro do branco é que conta. Vivemos essa falácia de branqueamento há séculos e não conseguimos nos livrar desse ranço, o colorismo é a herança que parece não ter fim”, lamenta.

A situação é complexa e difícil, sobretudo quando colocamos na berlinda a saúde psicológica de mulheres como Nayara Justino. Em poucos meses, a mulher que foi aclamada e aplaudida pelo público pode se tornar o alvo de chacota do país, mas ao final ainda terá de agradecer pela oportunidade concedida. Essa é uma lógica cruel, mas naturalizada. No entanto, é fundamental não se deixar ludibriar, porque não existe lado positivo no racismo e na objetificação sexual. O espaço concedido, quando construído sobre preconceito racial, pode desmoronar muito rapidamente. Mas como resolver o problema? Como lutar contra a gigante midiática e a relação de dependência que a emissora impõe aos artistas negros?

“Penso que a relação ‘Mulher negra e Carnaval’ precisa ser problematizada, pois para além de ser uma festa cultural do Brasil, o Carnaval é também uma festa comercial e a ‘mulata tipo exportação’ é mais um item a ser comercializado”, afirma Oliveira. A mulata, nesse contexto, seria a personificação da exotificação e objetificação da mulher negra. “Amo as passistas, o samba no pé, o cuidado com o corpo e a dedicação à comunidade, mas questiono por que essas mulheres não têm o mesmo destaque midiático que têm as globais que ocupam os postos de destaque nos desfiles, por exemplo”, contesta.

E as brancas?

Eliane Oliveira, mestre em Ciências Sociais, defende
o fim do quadro "Globeleza": "É racismo e machismo
misturado" (Foto: Arquivo pessoal)
Algumas pessoas pontuam que, apesar das duras críticas ao Globeleza, concursos com mulheres brancas, como o Miss Universo, não sofrem os mesmos protestos. Mas isso não passa de um engano, baseado na mais pura ignorância. O movimento feminista aponta, sim, o sexismo existente em concursos de beleza voltados para mulheres brancas. De fato, o Globeleza parece ser a única disputa entre negras que recebe algum destaque, já que em todas as outras competições femininas as mulheres brancas são absoluta maioria. Até mesmo na Bahia, o estado brasileiro com a maior população negra, já houve polêmicas devido à ausência de candidatas negras na seleção para o Miss Brasil.

É importante lembrar que diversas feministas negras, tais como Eliane Oliveira, não enxergam a inclusão das mulheres negras como uma solução definitiva para o problema. “Não encaro concursos de Misses de forma positiva em nenhum contexto”, salienta. “Acho esse tipo de coisa uma aberração. Qual a explicação racional para mulheres disputarem entre si quem é mais bonita? Meu feminismo não me deixa enxergar lógica numa situação em que mulheres batalhem entre si por um posto que é totalmente ilusório; beleza é subjetiva, o gosto é socialmente construído.”

Mas a exclusão das mulheres negras de concursos como o Miss Brasil tem ramificações e consequências; são resultados que explicam o Globeleza, já que essa é uma das únicas oportunidades para que as mulheres negras possam ser avaliadas como belas, ainda que de forma machista e distorcida. “O Globeleza, na minha opinião, é algo que já deveria ter desaparecido da televisão há muito tempo. Mas, ao invés disso, por termos no Brasil uma mídia seletiva e uma sociedade racista, esse é um dos poucos espaços de destaque que a mulher negra ainda consegue disputar na TV. Entendo que muitas moças almejem tal posto; afinal, quais as outras possibilidades que elas possuem na TV, ser atriz e fazer papeis subalternos?”, analisa. O fato é que falta representatividade para as mulheres negras na televisão e, mesmo quando aparecem, são colocadas em posições inferiorizadas, sem paridade ou protagonismo.

O caminho rumo à paridade é longo, mas algumas estratégias simples, porém incisivas, são sugeridas pela intelectual, que acredita que o Globeleza deve acabar. “Por qual motivo a Globo tem que ter uma musa do carnaval? Penso que quem deve ter musa são as agremiações que trabalham o ano todo para isso, e que, provavelmente, devem ter critérios de escolha que não apenas a beleza física”, considera. “O papel da emissora se resumiria a dar destaque às moças, mas por que será que não é assim? Podem me dizer que a escolhida para tal posto também acaba se beneficiando, mas acho que se não houver outros espaços para onde ela possa crescer, do estrelato para o anonimato é uma queda vertiginosa. Basta ver o que aconteceu com a belíssima Valéria Valenssa: depois de mais de dez anos como Globeleza, desapareceu da mídia e, pelo que li, entrou em depressão por ter perdido o posto de forma abrupta. Não era atriz, vivia do título, quando perdeu o posto teve que lidar com a distância dos holofotes. Sinceramente, não vejo nada de benéfico nessa situação.”

O carnaval está chegando; a Globeleza samba na televisão brasileira e mais uma vez aquelas que lutam contra o racismo recebem a hostilidade dos que se recusam a questionar os padrões. No Brasil, infelizmente o racismo machista ainda é considerado entretenimento. Na tela da TV, no meio desse povo, racismo a gente vê na Globo.

(Foto de capa: Reprodução/TV Globo)

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