Por Inês do Amaral Buschel
Há quem diga que o texto constitucional é de difícil entendimento e, portanto, é descabido ensiná-lo ou mesmo apresentá-lo à população em geral. Há muitos juristas que, desiludidos, pensam que não valerá a pena difundi-lo, pois nossa Constituição Federal já sofreu tantas Emendas (90) e hoje encontra-se desfigurada. Outros, desprezam a Lei Maior e entendem que não há nem mesmo qualquer serventia em popularizá-la, haja vista que a Constituição representa uma ideia de democracia burguesa e, portanto, é desprezível.
Ademais, acrescentam alguns outros profissionais, nem mesmo as autoridades constituídas obedecem aos preceitos constitucionais. E há, ainda, aqueles que consideram a Lei Maior um assunto exclusivo para bacharéis em Direito. Enfim, à direita, à esquerda e ao centro encontramos pessoas gabaritadas que não incentivam o ensino popular da Carta Magna.
Dessa maneira, resulta que o texto constitucional pátrio é solenemente desconhecido por brasileiros(as) de distintas classes sociais e graus de instrução, sejam eles(as) operários, comerciários ou médicos, engenheiros, pedagogos, físicos, arquitetos, bioquímicos etc. Assim, para mim está claro que temos um regime democrático manco. Nem a Lei Fundamental de seu país os cidadãos(ãs) brasileiros conhecem.
No meu modo de pensar essa situação é ridícula. E antidemocrática. Basta tomarmos como exemplo e considerarmos que, os livros sagrados das religiões monoteístas - Torá, Bíblia e Alcorão - são bem herméticos e, no entanto, são ensinados nas comunidades religiosas a todos que assim o desejarem.
No caso dos muçulmanos, pelo que sei, é até mesmo obrigatório estudar o Alcorão. As crianças e jovens iniciam-se nas letras através da leitura desses livros. E, como esses livros sagrados também não são tão simples de entender, exigem uma iniciação por aulas ministradas por professores ou religiosos. Nenhuma complicação.
Diante disso, qual é a dificuldade de cidadãos(ãs) brasileiros(ãs) aprenderem a importância da Constituição Federal do seu país, e saberem um pouco sobre sua essência? Não se trata de ministrar um Curso de Direito Constitucional de nível universitário, obviamente.
Por primeiro, é preciso que esse livro da cidadania - a Constituição Federal - seja apresentado às pessoas comuns do povo. Explicar sua essência, importância e simbolismo. Após isso, há inúmeras maneiras de iniciar esses estudos, por exemplo, com a leitura atenta aos seus primeiros dezessete (17) artigos. É fundamental sabê-los. Todos os brasileiros deveriam, minimamente, saber "de cor e salteado" esses artigos, tal qual conhecem as regras do jogo de futebol.
Neste momento grave da política nacional, por exemplo, os(as) cidadãos(ãs) brasileiros(as) estão perplexos e nada sabem sobre o que lhes poderá acontecer. Ignoram o futuro do país, pois desconhecem as regras gerais de substituição de mandatários, em caso de impedimento da presidenta da República, por exemplo. E, no entanto, para isso bastaria ler os artigos 79 e 80 da Lei Maior. Simples assim.
Nas manifestações de ruas deste ano de 2015, havia muitos cidadãos(ãs) adultos, letrados e abastados, que ignoravam a existência dessas regras. E imaginavam que, se a presidenta da República fosse deposta ou renunciasse, quem assumiria o cargo seria o candidato derrotado nas últimas eleições. É de pasmar!
Por essas e outras, todos nós deveríamos também conhecer a regra contida no artigo 85 da Constituição Federal, para saber o que são "crimes de responsabilidade", que podem ser cometidos pela presidência da República. São apenas 7 (sete) tipos de atos que poderão ser assim considerados. Se o ato cometido não se enquadrar nessas definições, nada poderá ocorrer, haja vista que, lá no artigo 5º, inciso XXXIX está estabelecido que: "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;". É difícil de entender isso? Bastará um bom professor para ensinar e alunos interessados em aprender.
Da mesma maneira que existem variadas leituras da Bíblia cristã, por exemplo – por católicos, protestantes, pentecostais etc. - há também diferentes interpretações das regras constitucionais, dependendo da ideologia de quem as lê e as entende. Parafraseando o escritor italiano Umberto Eco, temos, entre nós, os intérpretes "apocalípticos e os integrados". É uma obra aberta.
Todavia, o bom senso nos leva a admitir que não poderemos divergir exageradamente. Há limites técnicos para a interpretação. A distorção entra no campo da má-fé. É o que tem feito, por exemplo, os islamitas radicais do movimento "Estado Islâmico" com relação às regras do Alcorão.
Mas, mantenho minha esperança e quero aqui recomendar a quem estiver interessado em aprender um pouco, a leitura de um pequeno-grande livro, clássico, de autoria de Ferdinand Lassale (advogado, socialdemocrata alemão, 1825-1864), cujo título está traduzido entre nós por "A Essência da Constituição".
Neste momento há até mesmo uma nova edição (9ª) pela Freitas Bastos Editora, sediada no Rio de Janeiro. Foi escrito com uma clareza meridiana e é acessível a leigos. Não se trata de um livro de cunho jurídico, mas sim sociológico. Lendo-o, pode-se compreender a importância da existência de uma Constituição Federal e/ou Lei Fundamental para um país.
Esse livro deveria fazer parte de um pequeno "Kit Constitucional" a ser distribuído, juntamente com um exemplar da Constituição Federal, aos alunos do ensino médio em todas as escolas brasileiras públicas e privadas. Seria uma atitude louvável das autoridades constituídas na área da Educação brasileira.
No entanto, isso é inimaginável. Aqui no estado de São Paulo, por exemplo, o que se pretende é aprovar uma lei na Assembleia Legislativa que prevê a entrega de um "Kit Bíblico" para as escolas estaduais. Um vexame!
Há um ditado popular que diz: "o ótimo é inimigo do bom". Pensando nisso, à época das manifestações de ruas no mês de junho de 2013, ao perceber que boa parte da juventude estava confusa e não sabia bem a quem dirigir seus reclamos, resolvi contribuir escrevendo um sucinto e acessível texto explicando, minimamente, as regras constitucionais. Publiquei-o em meu blog pessoal. Para minha alegria é um dos textos ainda muito acessado e lido.
Resta-nos repetir, incansavelmente, as palavras ditas por Tiradentes (Joaquim José da Silva Xavier, 1746-1792):
" Se todos quisessem, se poderia fazer do Brasil uma grande nação.”
Inês do Amaral Buschel é promotora de justiça de SP, aposentada. Associada-fundadora do MPD-Movimento do Ministério Público Democrático.
FONTE: Correio da Cidadania
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