sexta-feira, 22 de abril de 2016

Tempos Idos e Vividos VI


Por Aluizio Moreira


Joacir Castro
Nossas atividades à frente dos Diretórios (DAs e DCE), não se limitaram às questões da política nacional, da defesa dos interesses estudantis da UNICAP e da educação em geral. Procuramos inovar o Coral da Unicap incentivando a inclusão em seu repertório, a Música Popular Brasileira. Outra iniciativa foi criação do Teatro da Universidade Católica de Pernambuco -TUCAP, incentivada por Joacir Castro (1), ex-integrante do Teatro de Cultura Popular (TCP) e do Teatro Popular do Nordeste (TPN), na  época  estudante  da Universidade  Católica, contando  com   o  apoio de José Mário Austragésilo e Roberto Pimentel.  Com a opção por um teatro engajado que contribuísse para a conscientização da população, o TUCAP iniciou suas atividades com a peça “Eles não usam black-tie”, de Gianfrancesco Guarnieri, sob a direção de Lucio Lombardi.  A politica do Tucap era levar o teatro às comunidades, aos sindicatos, às escolas. 


Edson Luis
O ano de 1968 passou para a História do Brasil, como o ano de tristes lembranças, iniciando o que ficou conhecido como “anos de chumbo”, que duraria até março de 1974, período mais repressivo dos governos militares.

No  dia  28 de março  daquele ano,  o estudante de 18 anos,  Edson Luís de  Lima Souto,  era assassinado por militares no restaurante Calabouço no Rio de Janeiro. Naquele dia, os estudantes que comumente faziam refeições no Calabouço, resolveram sair em passeata em protesto contra a má qualidade da comida ali servida, e contra o alto preço cobrado pelo bandejão. A Policia Militar invadiu o local resultando na morte do estudante Edson Luís, atingido no peito à queima-roupa por uma arma calibre 45.

No dia 4 de abril, missas de sétimo dia seriam celebradas em todo país, em memória de Edson Luis. As aulas foram suspensas, e em alguns Estados como no Rio de Janeiro, foi decretado luto nas Instituições de Ensino Superior por 3 dias. Inevitavelmente às manifestações de pesar se juntariam as manifestações de revolta. 

No Recife, os estudantes se concentraram na UNICAP, partindo daí para a Praça 17 (2) onde se localiza a Igreja do Divino Espirito Santo. Nessa Igreja o Padre Antônio Henrique (3) celebrara a missa em memória de Edson Luis. Quando com uma colega da UNICAP chegamos ao local, não havia mais espaço na parte interna da Igreja, pelo número de pessoas que se espremiam para participar da celebração. 

Padre Antonio Henrique

Nós que ficamos na parte externa da Igreja, percebemos a movimentação de um grupo de agentes do DOPS (sempre trajavam paletó, gravata e chapéu) que se aproximavam do local onde estávamos.  Por certo aqueles agentes não estavam no local para prestar homenagem ao Edson Luis. 

Por segurança fomos nos afastando pouco a pouco, até chegarmos á Rua 1º de março. Pegamos o primeiro taxi e fomos para a UNICAP.

oooOOOooo

Ainda em 1968, no dia 12 de outubro aconteceria o XXX Congresso da UNE (4) em Ibiúna, São Paulo. Descoberta a mobilização dos estudantes que o S.S. do DOPS vinha acompanhando, 215 militares do Exército cercaram o local e fizeram cerca de 700 prisioneiros. Entre os presos, segundo os jornais da época, uns 20 estudantes universitários do Recife. Na verdade contabilizamos 34 de várias Universidades de Pernambuco.

oooOOOooo

Ainda não tínhamos superado os acontecimentos ligados á repressão policial em Ibiúna e seus desdobramentos nos âmbitos do politico-jurídico e militar, uma fatalidade atingiu de cheio nosso movimento na UNICAP. 

No dia seguinte aos protestos do dia 14.10 quando promovemos um protesto pela prisão de nossos colegas no XXX Congresso da UNE, recebemos a triste noticia do falecimento de nosso colega Manuel Limeira, do Curso Psicologia da UNICAP, num acidente automobilístico. Sobretudo pelo seu companheirismo, pelo seu equilíbrio diante dos fatos mais constrangedores e opressivos da ditadura, e sobretudo pela nossa identidade política, embora não partidária, não poderia deixar em branco esse fatídico acontecimento. E a forma que encontrei para homenageá-lo, está no poema de despedida que lhe dediquei.


BOA NOITE, COMPANHEIRO!

Homenagem a MANOEL LIMEIRA, companheiro do Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UNICAP, morto estupidamente num desastre automobilístico em 1968 no Recife.

Manoel, 
não sei por onde começo
a lhe escrever neste poema.
Talvez comece com a rosa,
talvez comece com as armas
talvez nem mesmo comece
a escrever para o poeta
qualquer memória que apague
a imagem sua que temos.

Talvez
lhe fizesse um busto
uma placa
um pavilhão,
talvez fizesse seu nome
dar nome a qualquer coisa
para que permanecesse.

Mas talvez
você não queira nada:
placas, bustos, pavilhões. . .
- para serem erguidas em que praça?
- onde a tropa hoje faz cêrco?
- enquanto se editam mais Atos
e mais Leis de Segurança?

Acho que lhe bastaria
bater seu ombro de novo
hoje cheio de cravos brancos
cercado de tantas rosas
erguermos as armas que temos
dizer que resistiremos. . .

- Boa noite, companheiro!

(Recife/1968)


Notas:

(1 ) Sentimos pesar pelo falecimento em 11/03/2015 de "um homem do teatro", de "um militante do teatro", JOACIR CASTRO. Nos idos 67/68, quando fazíamos parte do Diretório Acadêmico da Unicap, em plena ditadura, levava seu "teatro militante" aos sindicatos, às comunidades, sempre como forma de despertar a consciência politica do cidadão. Joacir não acreditava na arte neutra, na arte pela arte. Não foi outro seu empenho em encenar "Eles não usam black tie", de Guarnieri, em várias associações de bairros e de trabalhadores.

(2) O nome Praça 17 é uma homenagem à Revolução Pernambucana de 1817 

(3) Padre Antônio Henrique, auxiliar direto do arcebispo Dom Helder Câmara, foi     assassinado em maio de 1969 por agentes da repressão. Sobre o Padre Henrique, ver o link abaixo:

(4) União Nacional dos Estudantes (UNE) foi criada em agosto de 1937 num Encontro do Conselho Nacional de Estudantes, e a partir daí participou de vários acontecimentos políticos: opôs-se ao nazi-fascismo, participou da campanha “O Petróleo é Nosso”, defendeu a posse de João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros integrando na Campanha da Legalidade. 



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