sábado, 19 de novembro de 2016

Tempos idos e vividos VIII


 Por Aluizio Moreira



Nossa gestão para os anos 67/68 à frente dos Diretórios Acadêmicos (Direito, Filosofia, Economia) e Diretório Central dos Estudantes da UNICAP chegava ao fim. 

A repressão ao Movimento Estudantil e às Universidades consideradas essas  então pela ditadura “centros revolucionários” ganhou nova dimensão. No inicio do ano seguinte, a ditadura sob a presidência de Costa e Silva, faz baixar o Decreto nº 477 de 26 de fevereiro de 1969 também chamado “AI-5 das Universidades”, que criminalizava duramente professores, alunos, e até mesmo funcionários que fossem julgados “subversivos” pelo regime. Os professores seriam demitidos e impossibilitados de exercer sua profissão em qualquer Instituição de Ensino por 5 anos. Os estudantes seriam expulsos e proibidos de cursarem qualquer Universidade por 3 anos.

Vejamos o Art. 1º e parágrafos do Decreto 477.

DECRETO-LEI Nº 477, DE 26 DE FEVEREIRO DE 1969

Define infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando das atribuições que lhe confere o parágrafo 1º do Art. 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968,

DECRETA: 
Art 1º Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que:
I - Alicie ou incite à deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento;
II - Atente contra pessoas ou bens tanto em prédio ou instalações, de qualquer natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora dêle;
III - Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou dêle participe; 
IV - Conduza ou realize, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua material subversivo de qualquer natureza; 
V - Seqüestre ou mantenha em cárcere privado diretor, membro de corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino, agente de autoridade ou aluno; 
VI - Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública.§ 1º As infrações definidas neste artigo serão punidas: 
I - Se se tratar de membro do corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino com pena de demissão ou dispensa, e a proibição de ser nomeado, admitido ou contratado por qualquer outro da mesma natureza, pelo prazo de cinco (5) anos; 
II - Se se tratar de aluno, com a pena de desligamento, e a proibição de se matricular em qualquer outro, estabelecimento de ensino pelo prazo de três (3) anos. 
§ 2º Se o infrator fôr beneficiário de bolsa de estudo ou perceber qualquer ajuda do Poder Público, perdê-la-á, e não poderá gozar de nenhum dêsses benefícios pelo prazo de cinco (5) anos. 
§ 3º Se se tratar de bolsista estrangeiro será solicitada a sua imediata retirada de território nacional.

Seguiam-se mais 5 artigos que tratavam da tramitação do processo.

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Alguns alunos começaram a ser vitimas do 477. Procurei safar-me da expulsão, e voluntariamente afastei-me da Universidade, abandonando o Curso de Jornalismo, sem efetivar a renovação de minha matricula em 1969, na esperança de que no ano seguinte retornaria aos meus estudos. Com o que eu não contava é que naquele ano de 1969 o Padre Freitas, então Reitor da UNICAP, tinha sido substituído por um interventor não jesuíta. Nunca mais tivemos noticias do Padre Freitas.

Em 1970 fui procurar o Interventor a fim de que permitisse meu retorno ao Curso de Jornalismo depois do abandono, pois não tinha feito o trancamento da matrícula naquele ano de 1969, condição que me asseguraria o retorno à Universidade, pois o jubilamento só aconteceria após três anos de abandono do Curso. Minha esperança desvaneceu-se quando ouvi do Interventor que “já estava botando para fora da Universidade os  comunistas, como poderia botar mais um para dentro?”

Nessa situação só consegui voltar aos estudos no ano de 1973 (pelo tempo deveria ter sido jubilado) por interferência de um Professor na época Coordenador do Curso de História. Reabri minha matricula em Jornalismo e um ano depois me transferia para o Curso de História na mesma UNICAP.

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Estou retornando ano 1962, ano que resolvi deixar a vida militar, por questões ideológicas, e passei procurar um emprego, retornar aos estudos, pois não teria mais bolsa da Prefeitura para custear as mensalidades do Curso. Com meu primeiro emprego, pude ingressar no Colégio Carneiro Leão, para cursar o que corresponde hoje ao nível médio. Repetindo o que já dissera antes: foi nesse Colégio, enquanto estudante do chamado Colegial que enveredei pela política tanto estudantil como partidária.

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Em relação ao emprego, fiz inscrição em Agência, concorrendo no mercado de trabalho como auxiliar de escritório. Só em março de 1963 consegui empregar-me na Agência Nacional de Navegação, empresa privada agenciadora de algumas companhias de navegação nacional como estrangeira. Nessa época associei-me ao Sindicato dos Comerciários e conheci o sr. Osvaldo, um idoso que também era funcionário de uma outra empresa de navegação. Em conversas, defendeu que ao invés de pertencermos à categoria de comerciários, deveríamos lutar por nosso enquadramento na categoria de marítimos, cujos salários e demais benefícios ultrapassavam ao que recebíamos como comerciários. Chegamos a convocar reuniões com outros funcionários de outros escritórios de navegação, quando aconteceu o golpe militar de 1964, o que não me impediu de continuar militando no PCB no âmbito do Sindicato dos Comerciários.

O fato de ter sido detido para averiguação por meus vínculos com a Associação Cultural Brasil-URSS, com o Clube Literário Monteiro Lobato e com o Sindicato dos Comerciários, valeu-me a demissão em 1972, da Agência Nacional de Navegação.

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Nessa época, casado, residente em Ouro Preto, Olinda, cursando Jornalismo na UNICAP, fiquei encarregado de publicar “AVANTE” mantido pelo Comitê Estadual do PCB, um tabloide que circularia a nível de Estado. Mimeografado artesanalmente na minha própria residência, suas matérias eram produzidas nos fins de semana por mim e pelo camarada Fausto Nogueira, embora utilizássemos vários nomes em cada edição, e a partir da segunda-feira saíamos distribuindo pessoalmente em várias empresas comerciais e bancárias, com os camaradas e simpatizantes do Partido.  É importante registrar, que nas páginas do Avante fazíamos, nas suas quatro folhas de papel oficio, denúncias dos mais variados tipos de repressões aos comunistas, não só do PCB, mas aos militantes de outras organizações de esquerda. Eram folhas de papel de seda mandadas pelos camaradas exilados na Europa que nos imprimíamos e divulgávamos, já que nossa imprensa nada publicava sobre torturas, mortes e desaparecimentos que ocorriam. Algumas vezes recebíamos materiais em francês que com muita dificuldade conseguíamos traduzir.


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Desempregado até então, voltei a procurar a Agência de Emprego, que me indicou para a firma DAMPE-Engenharia Representações Comerciais e Industriais, para trabalhar num canteiro de obras de um conjunto residencial localizado na Estância. Fiquei encarregado de organizar e controlar a entrada e saída dos materiais de construção. Um mês depois, uma amiga funcionária da Agencia Nacional de Navegação que conhecia minha situação, procurou-me no local de trabalho, para comunicar que o Bank of London & South America Ltd. estava selecionando pessoal para vagas como escriturário no setor de Conta Corrente. Aprovado na seleção  desliguei-me da Dampe-Engenharia e em junho de 1972 assumia meu novo emprego.

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Minhas atividades empregatícias não alteraram minha militância participando das reuniões e discussões na chamada “célula” do PCB na UNICAP. Juntamente com outros grupos de estudantes universitários (identificados com os socialistas e com a Igreja chamada progressista), participamos ativamente da politica estudantil, nos Diretórios Acadêmicos da Universidade e no Movimento Estudantil, a nível Estadual e a nível Nacional.

No inicio do ano de 1973, mês de abril/maio, se não me engano, um camarada responsável pela distribuição no Nordeste da Voz Operária, jornal da Direção nacional, tinha sido preso em Fortaleza, o que permitiu, a partir dos endereços encontrados com o militante, localizar vários camaradas da Bahia ao Maranhão. Entre tantos endereços, o meu.

Em maio, em decorrência desse fato, eu era procurado no Bank of London por um policial à paisana, convidando-me para ir ao DOPS dar uns depoimentos e que logo seria dispensado. Avisei aos companheiros do Banco e fui conduzido pelo policial até uma viatura onde já se encontravam dois homens, sentados entre dois policiais.

Ao chegar ao DOPS já se encontravam entre os presos Paulo Cavalcanti e Janiro Pontes técnico da SUDENE. Aliás foi o Paulo Cavalcanti que intermediou o contato do advogado Boris Trindade a fim de defender-me das acusações que pesavam contra mim: militante do PCB responsável pelo distribuição da Voz Operária em Pernambuco, bem como pelo pela feitura e distribuição do jornal mimeografado Avante.

Eis como Paulo Cavalcanti em “O caso eu conto como o caso foi: nos tempos de Prestes (Memórias política)””, o 3º volume relata minha “estadia” no DOPS:
Certa noite, puseram um rapaz perto da sala onde estávamos. Nem eu nem Janiro o conhecíamos. O rapaz parecia tenso, andando de um canto para outro. Um investigador nos transmitiu as recomendações do delegado: nenhum de nós poderia trocar palavra com o preso. 
 A minha experiência de frequentador de xadrez me levava a suspeitar da presença de uma pessoa completamente desconhecida entre nós. Às vezes, a policia utilizava elementos como esses para infiltrar-se no meio dos presos políticos, a fim de pescar o que se passava no coletivo.
Ao mesmo tempo, eu me condoía da situação do moço, calado, fumando muito, sem nos olhar diretamente.
Continua Paulo Cavalcanti:
Resolvi arriscar minha segurança. Numa madrugada, esgueirando-me pelo chão, quase rastejando como um réptil, acordei o jovem e me identifiquei. Perguntei-lhe a causa da prisão e fiquei sabendo que se tratava de um bancário acusado de participar da distribuição no Estado do jornal Voz Operária e da feitura do boletim mimeografado Avante, mantido pelo Comitê Estadual do PCB.
Dias depois eu e o Janiro fomos conduzidos por um jipe até o Bairro de Casa Forte e numa das dependências da Policia, tiraram fotos de frente e de perfil, além de imprimirmos nossas digitais num documento que nem se deram ao trabalho de deixar que lêssemos o conteúdo.

Ao contrário do que me dissera o policial por ocasião de minha detenção no Banco de Londres para que eu prestasse alguns esclarecimentos, eu não seria dispensado tão cedo. E não mais retornaria, por motivos óbvios, a trabalhar como escriturário naquela agência  bancária. 



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