domingo, 22 de outubro de 2017

100 anos da Revolução Russa de 1917 (I)



Por Aluizio Moreira


"Promoveram-se greves e  formaram-se conselhos (sovietes) de operários,
camponeses e soldados. Difundiram-se então as idéias revolucionárias".
Crédito da foto: pt.slideshere.net
As comemorações dos 100 anos da Revolução Russa de 1917, não devem se limitar às apresentações factuais do desenvolvimento dos acontecimentos políticos, até a tomada do poder em outubro de 1917.

Na verdade não há como desconhecer as conquistas materiais alcançadas pelos trabalhadores urbanos e rurais; as mudanças industriais e tecnológicas ocorridas naquela sociedade saída nos finais do século XIX, inícios do século XX, das limitações do sistema feudal; na contribuição dada aos povos do mundo inteiro, nas suas lutas de libertação colonial; no seu papel fundamental desempenhado contra o domínio e expansão do nazi-fascismo. 

São fatos de domínio público, que não temos nenhuma intensão nem a preocupação em detalhar aqui.  Não é necessário ser de esquerda ou comunista para admitir todas aquelas mudanças e realizações acima referidas. Basta ser independente (o que não é fácil) do pensamento fanático da ideologia conservadora para perceber os avanços vivenciados pela sociedade russa a partir de 1917. 

“A história não é dos mortos, a história é dos vivos”, afirmava o historiador José Honório Rodrigues, na sua obra “Teoria da História do Brasil”. Ou seja, a história acontecida há dezenas de anos ou séculos passados, não se encerra naqueles anos e séculos, cujo tempo se encarregaria de apagar da vida e das ações dos homens de hoje. A história contribui com seus exemplos, com seus erros e acertos, orientando os homens na condução do desenvolvimento das sociedade do presente e do futuro. Não é outra a visão de Marx, quando afirma em “O Dezoito de Brumário de Louis Bonaparte”:  “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob circunstancias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. 

Neste artigo, não passou pela nossa cabeça fazer um retrospecto nem discutir as causas da queda da União Soviética. Mas o de lembrar/reforçar aspectos da Revolução Russa de 1917, que dizem respeito à luta que se trava ainda hoje, em todos os continentes por militantes que abraçam a bandeira da edificação de um mundo novo, uma sociedade sem exploradores nem explorados, uma sociedade comunista, onde se institua, no dizer de Gramsci, uma Democracia Operária. 

Pretendemos aqui tentar resgatar, dentro de nossas limitações, uma das impactantes frases de Marx & Engels constante do “Manifesto do Partido Comunista” de 1848, quando afirmam que “A emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores”. 

Outra abordagem diz respeito  a uma outra afirmativa que também será alvo de nossas preocupações, que encerra a “Introdução” que Engels preparou para a obra de Marx “A Guerra Civil em França” de 1891, Diz ele: 

E eis que o filisteu alemão foi novamente tomado de um saudável terror com as palavras: ditadura do proletariado. Pois bem, senhores, quereis saber como é esta ditadura do proletariado? Olhai para a Comuna de Paris. Tal foi a ditadura do proletariado.

A primeira questão diz respeito ao papel fundamental desempenhado pelos Sovietes (Conselhos) no processo revolucionário, sem o qual a Revolução, com certeza, não aconteceria, se admitimos que uma Revolução não ocorre de acordo, exclusivamente, pela vontade de um líder ou de um Partido. Evidente que não descartamos a importância de um e de outro no processo revolucionário, mas não ao ponto de minimizarmos e até mesmo “esquecermos” que a construção de um mundo novo, está nas mãos dos trabalhadores. 

O próprio Lênin, ao analisar a fase imediatamente anterior ao outubro de 1917, o julho de 1917, período da “chamada dualidade de poderes” Sovietes/Contra-revolucionários,  tenha afirmado no artigo, aliás pouco lido, “A propósito das palavras de Ordem” (17.07.1917): “É precisamente o proletariado revolucionário, que depois da experiência de julho de 1917, tem de tomar ele próprio nas suas mãos o poder de Estado – sem isso é impossível a vitória da revolução” 

Mais adiante, no mesmo documento: . . .“seremos pela construção de todo o Estado segundo o tipo dos sovietes.”

Já em relação à segunda questão que caracterizaria a construção de um Estado de novo tipo, não parlamentar, um Estado operário (ditadura do proletariado), recorremos ainda ao próprio Lênin quando em “Teses de Abril” (04.04.1917), assim procura definir o novo Estado: “Não uma república parlamentar; retornar à uma república parlamentar a partir dos Sovietes, seria dar um passo atrás. E sim um república dos Sovietes de deputados operários, trabalhadores agrícolas e camponeses. Em todo o país, de alto a baixo.”

Resumindo, nesta altura de nossas pesquisas, estamos afirmando/confirmando que há diferença entre o Estado dos Conselhos e o Estado burguês; que a Revolução Russa de 1917 deve ser vista como resultado de um movimento dos trabalhadores;  ao contrário geralmente do que se pensa, é possível se construir um Estado operário qualitativamente diferente do Estado burgues, se instalando uma democracia exercida por todo o povo.


quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Burguesia aumenta ataques contra a educação pública


Por  Giovanna Sango



Nos encontramos em um momento de grave crise na representatividade política brasileira: o povo, os trabalhadores e os jovens não se sentem representados por seus governantes. Os escândalos de corrupção, cada dia maiores, criam um medo ao redor da palavra “política” e “partido político”, vinculando essas palavras às falhas da democracia burguesa (democracia que serve à burguesia, à classe dominante dentro do sistema capitalista, aos donos dos meios de produção).

A vinculação dessas palavras a essas falhas inerentes ao sistema capitalista não é acidental. Como diria Lênin: “A posição negativa diante dos partidos da sociedade burguesa não é senão uma expressão hipócrita, velada e passiva de quem pertence ao partido dos que estão empanturrados, os partidos que dominam, os partidos dos exploradores”.

Diante disso, esses setores conservadores e neoliberais (ideologia que defende menor participação do Estado na economia, privatizações etc.) criam e apoiam o projeto de lei “escola sem partido”, desestimulando, assim, o debate político na sala de aula e, consequentemente, fora dela. Seu objetivo, além de interferir no aprendizado crítico dos alunos e transformar a instituição escolar cada vez mais em um ambiente conservador, também é de enfraquecer a luta estudantil e a união dos estudantes, cuja força é de fundamental importância no combate a todo tipo de opressão, exploração e injustiça.

Já a Reforma do Ensino Médio, assim como todas as outras Reformas do Governo Temer, serve a somente uma classe, a classe dominante. A proposta de especialização do curso entre as áreas de ciências da natureza, ciências humanas, linguagens e matemática; a formação técnica e profissional e a obrigatoriedade do ensino apenas para matemática, português e inglês tem como objetivo baixar o valor da mão de obra formada por esses jovens que saíram do colégio em massa. Como disse Lênin em seu artigo As Tarefas da Juventude Comunista: “A velha escola declarava que queria criar homens instruídos em todos os domínios e que ensinava as ciências em geral. Já sabemos que era pura mentira […] Estas escolas, em vez de educar os jovens operários e camponeses, preparavam-nos para dar maior rendimentos à burguesia”.

A possibilidade de as aulas serem dadas por profissionais de “notório saber” precariza ainda mais a situação dos professores, categoria esta que é recorrentemente atacada pelo Estado burguês e prejudicará o ensino dos alunos, já que profissionais sem a formação correta em pedagogia ou licenciatura poderão dar aula e o aumento da carga horária, de 800 horas para 1.400 horas, por sua vez, não virá acompanhada de um maior repasse financeiro do Estado. Apesar do aumento dos gastos das escolas em infraestrutura, alimentação, materiais, entre outros, a PEC 55 congela os gastos sociais (incluindo educação) por 20 anos. Esses são apenas alguns exemplos de como a reforma do ensino médio será prejudicial ao sistema de ensino brasileiro, que já se encontra decadente.

Essas mudanças, entretanto, afetam apenas o ensino público, segregando ainda mais o ensino que as classes ricas ganharão: enquanto as classes ricas terão condições para pagar um ensino sem o objetivo de os especializarem, podendo focar apenas no ingresso na faculdade, as classes pobres serão obrigadas a frequentar a escola sob esse tipo de ensino profissionalizante, que não foca no ingresso às faculdades, mas sim na formação de mão de obra, tornando, assim, ainda maior a disparidade no acesso que as duas classes têm ao ensino superior.

A Reforma do Ensino Médio e o Projeto de Lei “Escola Sem Partido”, impostos de forma autoritária e antidemocrática pelo Governo Temer, sem a participação dos que mais serão atingidos por eles, os professores e alunos, são um verdadeiro ataque à educação pública e aos que participam dela. Apenas em uma sociedade socialista, com o aprendizado dos alunos e o ensino dos professores não servindo à burguesia, a educação triunfará.


Giovanna Sangoi, militante da UJR de Santa Cruz do Sul-RS


FONTE: A Verdade

domingo, 8 de outubro de 2017

As primeiras ameaças da “Escola sem partido”



Alice Aparecida e Silva, professora do Instituto de Educação Estadual de Londrina (PR)


Lei não foi aprovada, mas há quem queira instalar clima de perseguição nas escolas. Quatro professoras relatam as intimidações que receberam — e como estão resistindo, com apoio dos alunos


Por Andrea Dip, na Pública


Apesar de os projetos de lei baseados no Escola Sem Partido ainda não terem sido aprovados em nenhuma instância (a não ser no estado de Alagoas, com o nome de Escola Livre), vários professores de todo o país estão sendo perseguidos, processados ou respondendo sindicâncias por “doutrinação ideológica” – um conceito que vem ganhando força, como aconteceu com a “ideologia de gênero”. Abaixo, depoimentos de quatro professoras que foram ou estão sendo perseguidas, receberam ameaças e mensagens de ódio e ou respondem sindicâncias junto aos órgãos de educação.

Cleonilde Tibiriçá, ex-professora da Fatec Barueri, em São Paulo (SP):

(Foto: José Cícero da Silva/Agencia Pública)

“Eu não sabia da existência do Escola Sem Partido até a ocasião. Eu dava aula na Fatec de Barueri, em São Paulo, desde sua inauguração em 2009 e em 2013 eu era a professora mais antiga na casa. Tinha sido coordenadora do principal curso de lá, de Comércio Exterior, e era professora concursada da disciplina de Comunicação e Expressão. Estou no Centro Paula Souza desde 2007, já dei aulas em Etecs e Fatecs e em diversas faculdades. Eu trabalho a língua a partir de textos ancorados em um contexto geográfico, sociopolítico. Porque em geral os alunos não entendem nada de gramática e vocabulário, porque a língua é trabalhada fora de contexto; aí eles morrem de tédio e não sabem fazer uma análise sintática porque não veem como isso funciona na vida real. Quando você coloca isso como coisa viva, que dialoga com a realidade, o negócio muda de figura. Sempre funcionou, sempre tive muita adesão dos meus alunos. E no meu plano de ensino estava lançado o que eu iria trabalhar no semestre; sempre trabalhei com a aprovação da direção. Tinha lá Hobsbawm, Milton Santos, Chico Buarque, Paulo Freire. Tinha também muitos artigos, alguns da Carta Capital, alguns da Veja

No segundo semestre de 2013, percebi a presença de um aluno estranho, com umas perguntas estranhas. Ele vinha me sugerir textos do Reinaldo de Azevedo e eu dizia: ‘Tudo bem que você faça essas leituras, mas a gente tem coisas melhores pra ler em sala de aula’. Os textos que ele trazia vinham sempre do Instituto Millenium. Eu só descobri tardiamente que esse moço de 35 anos era ligado a este instituto e ao Escola Sem Partido. 

Em outubro daquele ano, eu recebi um e-mail do Miguel Nagib, coordenador do ESP, dizendo que tinha recebido uma denúncia e uma série de documentos referentes a minha prática doutrinária em sala de aula. Dizendo que iria publicar três artigos e estava me avisando para que eu me defendesse. Eu respondi dizendo que não autorizava a publicação de artigo nenhum, que ele não me conhecia e que, se algum aluno tinha passado informações pra eles, eram informações que circulavam no interior de uma relação pedagógica e que ele não deveria ter acesso a isso. Ele ignorou minha resposta e publicou. A primeira publicação ele mandou com cópia pro diretor da Fatec de Barueri, para a superintendente do Paula Souza e para o Geraldo Alckmin. Ele dizia que eu fazia aquela prática com o dinheiro do contribuinte. Que merecia sindicância para exoneração. Eu comecei a receber uma série de apoios de professores, alunos, familiares e, por outro lado, eu exigi que a instituição saísse na minha defesa, já que meu plano de ensino estava autorizado há anos pela minha direção e pela minha coordenação. Eu tinha concurso público que atestava que eu era capacitada a exercer minha função. Eu tinha um memorial que atestava minha experiência docente e tinha a Constituição a meu favor, já que a liberdade de cátedra é garantida lá. Minha instituição se recusou a fazer minha defesa pública, disse que não era necessário. 

Entrei em contato com a superintendência do Paula Souza, e eles me responderam que entendiam, que estavam absolutamente do meu lado, mas que a única pessoa que poderia fazer uma declaração pública era meu diretor. Aí meu diretor se recusou. Algum tempo depois eu descobri que ele enviou uma carta ao Nagib dizendo que já tinha aberto uma sindicância. Ou seja: o Miguel Nagib ficou sabendo primeiro que eu que minha organização estava abrindo uma sindicância para saber da minha ‘ação doutrinária’. Pouco tempo depois, eu recebi de um colega professor um print em que meu coordenador curtiu uma matéria do Rodrigo Constantino em que ele estava me denegrindo. Ou seja, sem diálogo, sem conversa, sem nada, a instituição se alinhou à denúncia do Miguel Nagib. 

Então procurei novamente a superintendência, eles me receberam, eu fiz uma denúncia por escrito e solicitei a minha transferência de lá. Hoje eu trabalho na coordenação de ensino superior do Paula Souza e dou algumas aulas em uma nova Fatec em Santana de Parnaíba. Mas o processo está correndo, não sei o que vai acontecer comigo. Minha advogada disse que dificilmente o Miguel Nagib vai conseguir o que ele quer, mas que no momento atual as coisas mudaram um pouco porque há dois anos ele tinha menos peso, o grupo tinha menos peso. Hoje ele já é visto com outros olhos. 

Eu recebi mensagens de pessoas malucas me ameaçando; no Inbox, no Facebook e na minha secretaria eletrônica, dizendo que eu não merecia só ser presa por doutrinar jovens contra a família e contra Deus, que eu merecia morrer. Outra disse que eu merecia arder no inferno. Na PUC chegaram a encontrar minha filha, porque ela estava no meu Facebook, indicaram quem era ela pra um maluco e ele começou a gritar: ‘Olha a filha da doutrinadora’. Tive que mudar meu e-mail institucional de tanta ameaça. Dizendo que eu era a pior espécie de professor, mas que graças a iniciativas como o Escola Sem Partido eu seria exterminada. Minha defesa foi processá-lo, e o processo está correndo. Nunca imaginei que algo assim pudesse um dia acontecer.”

Janeth de Souza e Silva, professora do Instituto de Educação Rangel Pestana, em Nova Iguaçu (RJ):

(Foto: André Mantelli/Agência Pública) 

“Eu sou professora da rede estadual desde 1984 e estou respondendo a uma sindicância por ‘doutrinação ideológica’. Sou professora de inglês e defendo a escola pública como sempre defendi a vida toda. Estamos em uma greve de cinco meses aqui no Rio, e, toda vez que tem uma greve, eu converso com os meus alunos e explico os motivos das greves e o desrespeito que os governantes têm com a educação e os educadores. Acho que eles têm o direito de saber os motivos das greves que os afetam diretamente. E parece que agora isso é tido como doutrinação. 

Um belo dia eu dei minha aula e, quando estava saindo, me ligaram dizendo que eu precisaria comparecer à Metropolitana 1, que fica no centro de Nova Iguaçu e que responde pela Secretaria de Educação no meu município. Assim fiquei sabendo que havia uma gravação de 40 minutos de uma aula minha, que havia uma sindicância e que a acusação era doutrinação ideológica. Não fui chamada pela coordenação da escola, extremamente autoritária, fui chamada diretamente pela secretaria. Fiquei muito surpresa, mas continuo achando que, se eu for participar de uma greve, meus alunos têm o direito de saber os motivos, mesmo porque ensino futuros professores. 

Eu já poderia estar me aposentando pelos meus anos de trabalho, mas continuo na escola pública porque acredito que ela deve mudar, que a gente vai conseguir melhorar a educação, quero dar uma educação de qualidade aos meus alunos. A sindicância foi aberta em novembro de 2015 e até agora não tive qualquer notícia. Aqui no Rio de Janeiro, a gente tem a família Bolsonaro a nível federal, estadual e municipal. Portanto, nas três esferas temos representantes do Escola Sem Partido. Eu, inclusive, participei da audiência pública sobre o projeto e fiquei muito assustada com os depoimentos de algumas pessoas. Apareceu até um homem vestido de Hitler. Essa lei é um verdadeiro retrocesso.”

Gabriela Viola, professora de Colégio Estadual em Curitiba (PR):

(Foto: Mídia NINJA)

“Enquanto professora, acredito que o conhecimento tem que ser construído em parceria com os alunos. Cada aluno traz o seu próprio conhecimento, cultura de vida, então um tema nunca é abordado da mesma forma. Eu levo um tema e a partir de um debate ele vira um conhecimento conjunto. E minha relação com os estudantes foi construída com muito respeito, nunca precisei tirar aluno de sala de aula ou aumentar o tom de voz. E nunca tinha sofrido qualquer tipo de repressão antes do ocorrido. O ataque veio por parte de páginas de direita, principalmente por causa do autor escolhido e do ritmo de música, que é marginalizado dentro da sociedade. 

Existem pessoas que pensam que sua cultura é superior a outras e é um pensamento etnocêntrico. E em cada ano do ensino médio a sociologia vai focar em um aspecto. O primeiro ano do ensino médio é mais voltado à sociologia, quando os alunos entram em contato com os pensadores clássicos como Durkheim, Marx e Weber. O segundo ano é um estudo de cultura e o terceiro ano, ciência política. Esse trabalho foi realizado no primeiro ano, e eu já tinha trabalhado outros autores. Hoje em dia, a sala de aula não é mais atrativa, é um desafio para o professor fazer com que a sala inteira participe da sua aula, que se envolva com o debate, e não apenas copie no caderno. A paródia [versão do funk Baile de favela com letra falando das teorias de Karl Marx] foi uma forma que eu encontrei de fazer a sala toda participar do conteúdo. Eles que escolheram o estilo musical, fizeram a paródia. O que eu fiz, que é um papel da sociologia, foi pegar algo que estava pronto na sociedade, desconstruir isso e construir algo novo. A gente ressignificou. Aí postei a música no Facebook no domingo à noite, e, no dia seguinte, o vídeo já estava em um monte de páginas, inclusive dizendo que era doutrinação ideológica. Algumas páginas de direita me ameaçaram. Na segunda-feira à noite, o vídeo já tinha 150 mil visualizações. 

A coordenação do colégio me chamou e disse que era pra eu ficar em casa enquanto o Núcleo Regional de Educação resolveria o que fazer com meu caso. Não chegaram a se opor oficialmente, mas o fato de me mandarem pra casa fez como que os alunos se mobilizassem no colégio e houve duas manifestações, de manhã e à noite, e também criaram a hashtag #VoltaGabi. Na mobilização da noite, a patrulha escolar foi chamada, mas apareceram três carros da Rotam. Acho que ninguém esperava essa pressão dos alunos e acho que a repercussão negativa de me mandar pra casa influenciou na decisão de me trazer de volta. 

Nós, professores, estamos sendo massacrados, apanhamos na rua quando pedimos melhor alimentação nas escolas, estamos sofrendo cortes. Então, esse projeto Escola Sem Partido não quer a qualidade da educação. Ele vem de setores fundamentalistas que querem cada vez mais uma sociedade passiva e ignorante. A escola sem partido é escola de um partido só.”

Alice Aparecida e Silva, professora do Instituto de Educação Estadual de Londrina (PR):

(Foto: Allan Ferreira/Agência Pública)

“Eu sou professora de geografia, atualmente trabalho com ensino médio regular, profissionalizante e fundamental 9º ano e sou professora há 22 anos. Em junho, aconteceu um evento organizado pela equipe multidisciplinar do colégio em que nós debatemos a questão de gênero, desde violência contra a mulher, cultura do estupro, orientação sexual em toda a sua diversidade, e culminou no Dia Mundial do Orgulho LGBT. Nós falamos também sobre a questão geracional, acessibilidade, idosos e prevenção de drogas, foi um trabalho amplo chamado ‘Diversidade e Sustentabilidade’. 

Nosso trabalho foi recortado e denunciado ao Juizado da Infância e Juventude por um advogado que tem um blog chamado “Endireita Londrina”, dizendo que estávamos estimulando a erotização infantil e trabalhando a ideologia de gênero – o que, aliás, precisamos discutir porque não existe ideologia de gênero – e ensinando pornografia. Tudo porque um dos grupos, que estava trabalhando a questão da orientação sexual, levou uma drag queen para fazer uma performance na hora do intervalo. Foi uma série de atividades, mas o enfoque foi na performance da drag e em um pedaço de um filme chamado O homossexual não é perverso, perverso é o ambiente onde ele vive, de 1971. Um professor do próprio colégio fez o recorte, ele é amigo desse advogado Felipe Barros, que se apresenta como um defensor da família, da moral, da fé. A drag fez uma dança e três trocas de roupas, estava com todas as roupas. Isso está sendo chamado de pornografia.

Essa atividade aconteceu no turno em que temos só alunos de ensino médio. E, em todo o trabalho que foi feito, foi feita uma arrecadação de fraldas geriátricas; professores e alunos falaram sobre o que pensam sobre drogas, direitos, deveres, diversidade sexual. Foi um semestre nesse trabalho que culminou nessas apresentações. Nós respondemos que não infringimos nenhuma lei, que trabalhamos com o conteúdo do MEC e que o foco foi o respeito à diversidade – rompermos com o machismo, homofobia, preconceito contra o idoso, responsabilidade ambiental, respeito ao outro. Fizemos esse trabalho com adolescentes, não havia crianças na escola. Eu fui muito ameaçada na página do advogado. 

O processo está correndo e seremos chamados pra nos defender. Já abrimos um processo contra o professor e contra o advogado. Esse advogado orienta estudantes a filmar as aulas pra denunciar os professores, como na lei da mordaça. Nas redes sociais, sofremos muito ataque, assim como na página dele. Alguns dizendo que não servimos nem pra dar aula para animais. As defesas que foram feitas nas páginas foram excluídas. As manifestações homofóbicas, machistas e racistas na escola são recorrentes. Trabalhar esses temas é fundamental. Nós vivemos em uma sociedade bastante preconceituosa e excludente, e a escola é o reflexo desse contexto.”


Como desmontar a Ciência e Tecnologia brasileiras

CNPq, entidade essencial ao desenvolvimento nacional, é o alvo da vez. Série de cortes brutais em Educação e Ciência escancara um Brasil q...