sábado, 20 de janeiro de 2018

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 uma discussão nada acadêmica



Por Aluizio Moreira



Em discussões sobre os 100 anos da Revolução Russa de 1917 nas quais participei, emiti a opinião de que nesta ocasião, não deveríamos nos restringir apenas a enfatizar a importância histórica da Revolução para o povo russo, bem como para o despertar das lutas dos países dependentes  contra o neocolonialismo. Necessário seria aprender com seus erros, dizia eu, e nos debruçarmos sobre aspectos relevantes para a história do movimento para a construção do socialismo no presente e no futuro. Fui veladamente contestado sob a alegação de que 1917 não era 2017, e que a referida Revolução acontecera sob determinadas circunstancias nacionais e internacionais.

É evidente que a Revolução de Outubro de 1917, aconteceu e se desenvolveu sob determinadas circunstâncias que obviamente jamais se repetirão. No entanto existem determinados princípios que não se restringem àquele momento histórico, cujas essências permanecem presentes hoje como ontem, em se tratando de Revolução Socialista. 

A destruição da sociedade burguesa e edificação de nova sociedade

Em 1850, na Mensagem do Comitê Central da Liga dos Comunistas (1980) escrita por Marx e Engels na qual comentam a Revolução de 1848 na Alemanha, Marx e Engels formularam um dos princípios mais importantes que enfatiza o caráter não-reformista da Revolução, princípios que permanecem atuais e que são fundamentais para a práxis revolucionária:  “Para nós, não se trata de reformar a propriedade privada, mas de aboli-la; não se trata de atenuar os antagonismos de classe, mas de abolir as classes; não se trata de melhorar a sociedade existente, mas de estabelecer uma nova.” 

Trata-se na verdade de uma radical transformação em relação à propriedade burguesa, à existência de classes antagônicas e à forma de organização e da estrutura de poder na sociedade humana, para além de simples reforma.

Historicamente a burguesia desempenhou um papel revolucionário ao destruir as antigas relações de produção, bem como as relações sociais existentes na sociedade feudal, forjando o aparecimento e a consolidação de um novo tipo de sociedade que correspondesse à nova realidade econômica, às novas formas de estrutura de poder. Mas para haver sociedade socialista, as antigas relações de produção deverão ser destruídas. 

O que dizer da classe social que dirigirá o processo que conduzirá ao fim às relações sociais de produção próprias do sistema capitalista?

Não temos a ilusão quais os meios que levarão à edificação de uma nova sociedade. Por certo não será pela convergência de interesses da classe dos industriais (empregadores e empregados) como defendia Sant-Simon; nem por uma “minoria consciente de revolucionários disciplinados que conduziria os trabalhadores pelos caminhos da revolução”, como preconizava Louis-Auguste Blanqui, nem tampouco como resultado de ações parlamentares.

Os trabalhadores são os agentes diretos da Revolução Socialista

Um outro princípio fundamental da Revolução Socialista foi apresentada por F. Engels, no Prefácio à edição alemã de 1890 do “Manifesto do Partido Comunista” (1988): “a emancipação dos operários deve ser obra da própria classe operária”.

Não é outra a conclusão a que chegam Trotsky e Lênin pouco antes da Revolução Russa de outubro de 1917.

Trotsky (1978) declara que desde antes mesmo de 1917, os teóricos do Partido “analisando as relações entre as classes sociais russas, tinham afirmado que um movimento revolucionário vitorioso colocaria inevitavelmente o poder do Estado nas mãos dos proletários apoiados pela grande massa dos camponeses pobres

Da mesma forma Lenin (1980a), diante da crise de julho que acometeu os sovietes, assim se pronuncia: “É precisamente o proletariado revolucionário que, depois da experiência de julho de 1917, tem de tomar ele próprio nas suas mãos, o poder de Estado – sem isso é impossível a vitória da Revolução [. . .]

Aliás os bolcheviques irão resgatar a lição deixada como herança pela Comuna de Paris de 1871. Trotsky (online) por exemplo chega a afirmar que “Sem o estudo [...] da Comuna de Paris, jamais teríamos levado cabo a Revolução de Outubro”. 

Por sua vez, no Relatório elaborado por Lenin (1980b) e apresentado no Terceiro Congresso dos Sovietes de Deputados Operários, realizado em janeiro de 1918, no qual presta contas das atividades do Conselho de Comissários do Povo, durante 2 meses e quinze dias, após a tomada do poder, se expressa: “Dois meses e quinze dias, isto são apenas cinco dias mais do que o prazo durante o qual existiu o precedente poder dos operários sobre todo um país ou sobre os exploradores e capitalistas: o poder dos operários parisienses na época da Comuna de Paris de 1871.”  

O velho Estado deve ser substituído pelo Estado Proletário, Estado de todo o Povo. 

Mas qual de fato a participação dos operários organizados nos Sovietes de Deputados Operários e Soldados, no processo revolucionário de 1917 na Rússia?

Mais uma vez recorremos a V.I. Lenin (1980c): Em outra oportunidade, o mesmo Lenin assim afirma: Seguindo o caminho traçado pela experiência da Comuna de Paris de 1871 [...] o proletariado deve organizar armar todos os cidadãos pobres e explorados da população, a fim de que eles mesmos tomem diretamente em suas mãos os organismos do poder do Estado e tomem eles mesmos as instituições desse poder.

A partir de agosto de 1917, vários sovietes (Petrogrado, Finlândia, Moscou, Sibéria, Kiev, Ural) começaram a reagir à dependência do Governo de Kerensky, passando ás mobilizações pela destituição do Governo Provisório, votando “a favor da concessão do poder aos operários e camponeses”. 

Em outubro sovietes e bolcheviques tomam de assalto o poder na Rússia.

É evidente que não se poderia manter a mesma estrutura do Estado burguês. Este Estado burguês deve dar lugar ao Estado proletário, não por uma simples substituição daquele por este, mas pela destruição do Estado Capitalista, e constituição de um Estado, cujo poder esteja nas mãos das diversas organizações populares, no caso da Rússia revolucionária, os Conselhos (Sovietes) de Deputados Operários e Soldados e Camponeses.

O Estado Soviético na Rússia a partir de Outubro de 1917, foi o tipo que se contrapôs ao modelo de Estado burguês. O Estado dos Sovietes no entanto, não pode ser visto como modelo do Estado Socialista que deverá ser adotado sob quaisquer circunstâncias. O poder popular hoje, como essência do novo tipo de Estado proletário, não será simplesmente uma reprodução do poder proletário de 1917. 

Durante o Governo Provisório que se instalou na Rússia após a queda do czarismo, ante a perspectiva da ascensão dos Conselhos (Sovietes) dos Deputados Operários e Soldados, êis como Lênin, no artigo “Sobre a dualidade de poderes” (1980d) escrito em abril de 1917, concebe o caráter político do governo dos Sovietes: 

É uma ditadura revolucionária, isto é, um poder que se apoia diretamente nas conquistas revolucionárias, nas iniciativas das massas populares, saída de baixo, e não na lei promulgada por um poder de Estado centralizado. É um poder de um governo completamente diferente do poder que geralmente existe nas Repúblicas parlamentares democrático-burguesas do tipo habitual imperante até agora nos países avançados da Europa e das Américas

Após a tomada do poder em Outubro de 1917, John Reed que acompanhou de perto a Revolução, relata da seguinte forma a função do poder dos sovietes, o novo tipo de Estado implantado na Rússia: 

A principal função dos sovietes é a defesa e consolidação da Revolução. Exprimem a vontade política das massas não apenas nos Congressos Pan-Russos, onde a sua autoridade é quase suprema. Esta centralização existe porque os sovietes locais criam o governo central e não governo central os sovietes locais. Mas apesar da autonomia local, porém, os decretos do Comitê Central Executivo e as ordens dos delegados são válidos para todo o país, porque na República dos Sovietes não são os interesses setoriais privados ou de grupos, que devem servir e a causa da Revolução que é a mesma em todo canto. (REED, online)

Assim, os órgãos superiores da Rússia a partir da ascensão ao poder dos sovietes e dos bolcheviques, que desempenhavam funções de Governo, eram os Congressos dos Sovietes e os Comitês Executivos. 

Essa estrutura, segundo a Corrente Comunista Internacionalista (online) ao se referir ao Estado dos Sovietes, registra que diferentemente do Estado burguês que se caracteriza pelo Executivo (Governo), Legislativo (Parlamento) e Judiciário, “o poder soviético” na baseia nas premissas:

1-participação ativa e massiva dos trabalhadores;
2-são os trabalhadores que discutem, decidem e executam

No V Congresso dos Sovietes de Deputados, Operários, Soldados e Camponeses de Toda a Rússia realizado em 5 de julho de 1918, era promulgada a Constituição da República Socialista Federativa Soviética Russa, Capítulo 1, no item 1, se define como “uma República de Conselhos (Sovietes) de Deputados Trabalhadores, Soldados e Camponeses e todo poder central e local pertence a esses conselhos (sovietes)”. No Capitulo IV, item 7, se estabelece que “o poder deve pertencer, inteira e exclusivamente ás massas trabalhadoras e ao seu representante plenipotenciário – os Conselhos (Sovietes) dos Deputados Trabalhadores, Soldados e Camponeses.” (Constituição da República Socialista Federativa Soviética, online)

Consideramos que a tomada do poder, produto da Revolução de outubro de 1917, resultou no estabelecimento da hegemonia do operariado ‘sob a forma específica de Estado dos Sovietes. Na “Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado” elaborada e apresentada por Lenin em janeiro de 1918, e que serviu de base para a Constituição da nova República Soviética, lemos: “Fica proclamara na Rússia a República dos Sovietes de Deputados, Soldados e Camponeses. Todo o Poder, tanto na capital como nas províncias, pertence a estes Sovietes”, que tinha como “missão essencial abolir toda a exploração do homem pelo homem suprimir por completo a divisão da sociedade em classes, esmagar de modo implacável a resistência dos exploradores, estabelecer a organização socialista da sociedade e alcançar a vitória do socialismo em todos os países” (1980e)

Durante o 7º Congresso dos Sovietes realizado em 1935, se passa a discutir a necessidade de modificações na Constituição da União Soviética em vigor desde janeiro de 1924 sob a consideração de que as enormes mudanças verificadas no país, a consolidação do socialismo, exigiam a implantação do sufrágio universal direto e secreto, que permitiria o avanço da democracia socialista. Propunha-se a formação de duas Câmaras (da União e das nacionalidades), de um órgão superior do poder do Estado (o Soviete Supremo da URSS), para os quais poderiam concorrer qualquer cidadão da URSS, independentemente de raça, nacionalidade, credo religioso, grau de instrução, origem social, situação econômica. Cria-se, sob a presidência de Stalin, de uma Comissão Especial para a elaboração da nova Constituição, cujo texto proposto pela referida Comissão, é aprovado por unanimidade no 8º Congresso dos Sovietes em 1936 (História do Partido Comunista (Bolchevique) da URSS, online).

Alguns momentos protagonizados por Lênin, nos deixam dúvidas quanto à   questão da crise e da queda da URSS. Em 1923, já doente, Lênin teria reconhecido “a distância existente entre a realidade soviética e aquilo que esperavam os bolcheviques”, pois “os sovietes é que deveriam ser órgão do governo dos trabalhadores e não para os trabalhadores” (MONTEIRO, online).

Em maio de 1919, no 1º Congresso da Internacional em Moscou, Lênin apresentava entre as 22 Teses sobre a Democracia burguesa e a Ditadura do Proletariado, a Tese de nº 16 que comentava

A velha democracia, isto é a democracia burguesa, e o parlamentarismo foram organizados de modo a afastar, mais que ninguém, precisamente as massas dos trabalhadores do aparelho de administração. O Poder Soviético, isso é, a Ditadura do Proletariado, está organizado, pelo contrário, de modo a aproximar as massas trabalhadoras do aparelho de administração. Tal é igualmente o objetivo da união dos poderes legislativo e executivo na organização soviética do Estado e da substituição dos círculos eleitorais territoriais, pelas unidades de produção, como as fábricas.

Trotsky em sua obra “A Revolução traída” (1980), escrita no mesmo ano de 1936, comenta alguns pontos da nova Constituição. Escreveu ele:

No plano político, a nova Constituição difere da antiga pelo retorno ao sistema eleitoral soviético, fundado sobre os agrupamentos de classe, de produção, isto é, ao sistema da democracia burguesa, baseado no que se chama o ‘sufrágio universal, igual e direto’, da população atomizada. Enfim, eis-nos perante a liquidação jurídica da ditadura do proletariado. 

A Assembléia Legislativa “democraticamente eleita”, como expressão da nova realidade da URSS “será um Parlamento atrasado ou, mais exatamente, uma caricatura de Parlamento, mas em caso algum, será o órgão dos sovietes”, conclui Trotsky na mesma obra. 

Retorno à Democracia Representativa das sociedades capitalistas?

REFERENCIAS

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA SOCIALISTA FEDERATIVA SOVIÉTICA RUSSA. Disponível em: <http://www.scientificsocialism.de/LeninDireitoeMoral/007.htm > Acesso em 02 jan.2018

CORRENTE COMUNISTA INTERNACIONALISTA. A revolução de 1917 (de julho a outubro): da renovação dos conselhos operários até a tomada do poder. Disponível em:
<http://pt.internationalism.org/ICCOnline/2010/A_Revolucao_de_1917_da_renovacao_dos_consedlhos_operarios_a_tomada_do_poder.htm>  Acesso em: 02 jan. 2018.

HISTORIA do Partido Comunista (Bolchevique) da URSS. Disponível em: <https://marxists.org/portugues/tematica/livros/historia/cap56.htm> Acesso em: 09 jan. 2018.

LENINE, V. I. A propósito das palavras de ordem: In: LENINE, V.I. Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980a, vol. 2, p. 136.131.

__________. Relatório sobre a atividade do Conselho de Comissários do Povo. In: LENINE. Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980b, vol.2, p. 465-477 

__________. Cartas de longe. In: LENINE, V.I. Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980c, vol.2, p. 1-9

__________. Sobre a dualidade de poderes. In: LENINE, V. I. Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980d, vol.2, p. 17-19

__________. Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado. In: LENINE, V. I. Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980e, vol. 2, 448-450

__________. Teses e Relatórios sobre a Democracia burguesa e a Ditadura do Proletariado. In: LENINE, V. I. Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980f, vol. 2, p. 76-88

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas. In:  MARX, K; ENGELS, F. Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980, vol. 1, p. 83-92.

_______. Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis: Vozes, 1988.

MONTEIRO, Marcio Lauria. Lenin e a burocratização do Estado Soviético. Disponível em: <http://esquerdaonline.com/?p=2381&print=print.> Acesso em: 09 jan. 2018

REED, John. Como funcionam os sovietes? Disponível em: 
<http://www.esquerda.net/dossier/como-funcionam-os-sovietes/17400>   Acesso em: 02 jan. 2018.

TROTSKY, Leon. Como fizemos a Revolução. São Paulo: Global, 1978.

________. Lições de Outubro. Disponível em: 
<www.marxists.org/espanol/trotsky/ceip/permanente/leccionesdeoctubre.htm#ftn1>
Acesso em: 02 jan. 2018

________. A Revolução traída. São Paulo: Global, 1980.


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