quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

O triste fim de um projeto de conciliação de classes



EDITORIAL   A NOVA DEMOCRACIA


A polarização que se gerou em torno do processo movido pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e recebido pelo judiciário na figura do juiz Sérgio Moro terminou contribuindo para que as paixões falassem mais alto do que os fatos. Por certo, isto não se tratou de uma estupidez que fez de Luiz Inácio e do PT vítimas de perseguição política, como querem alguns analistas. Muito ao contrário, obedece ao plano desesperado de um establishment dividido, que busca viabilizar a eleição de um presidente mais confiável, pela sigla do Partido Único, preferencialmente do PSDB.

Qual plano? Manter sobre ataque Luiz Inácio e o PT para dar-lhes palanque, fortalecendo-os como um perigo e uma ameaça de seu retorno à presidência do país. Para que? Para produzir o voto útil num candidato do PSDB. Caso a candidatura de Luiz Inácio cresça a ponto de ameaçar ir com muita força para o segundo turno, farão como fizeram com o impeachment de Dilma e com a condenação de Luiz Inácio em questão, inviabilizando sua candidatura. As classes dominantes exploradoras e opressoras exibem seu “Estado Democrático de Direito” para violar seu marco constitucional, legal, quando se apresenta necessário fazê-lo.

Para se demonstrar o caráter farsesco deste julgamento, sem efetivamente entrarmos no mérito e muito menos nas responsabilidades do PT e de Luiz Inácio nos casos de corrupção envolvendo a Petrobrás e empreiteiras, temos que voltar a 2002 quando da sua primeira eleição ao gerenciamento do Estado brasileiro.

Depois de três disputas malsucedidas levantando bandeiras de históricas reivindicações do povo brasileiro, tal como a reforma agrária, além da retórica do radicalismo pequeno-burguês, o PT resolve elaborar um projeto de declarada conciliação de classes, aproveitando do crescente descontentamento popular com as péssimas condições de vida. Essa situação foi agravada pela crise cambial resultante de oito anos de gerenciamento do PSDB, abalando sua viabilidade eleitoral.

Em primeiro lugar, montou uma chapa tendo como vice um representante da grande burguesia, na sua fração burocrática, José de Alencar. Num segundo momento, para tranquilizar o “mercado” e a Embaixada ianque, assinou a “Carta aos brasileiros”, expressando seu acordo à política de subjugação nacional imposta pelo imperialismo, principalmente ianque. Daí para frente autodenominando-se “lulinha paz e amor”.

Foi eleito e cumpriu com o juramento, respeitando todos os contratos firmados pelo gerenciamento de Cardoso com o FMI, Banco Mundial e a Casa Branca. Colocou um latifundiário no Ministério da Agricultura, agraciou o mercado com a raposa Henrique Meirelles, recém-eleito deputado federal pelo PSDB, a tomar conta do galinheiro, ou seja, do Banco Central.

Luiz Inácio, já pela metade de seu gerenciamento, se vangloriava de que jamais na história do Brasil os bancos e os ricos, em geral, haviam ganho tanto dinheiro. Para tal, ele abriu as portas do BNDES e ampliou o crédito escancaradamente.

Como parte do projeto de conciliação de classes, as classes dominantes, afeitas ao lucro máximo, tiveram que engolir o programa do Banco Mundial, o fracassado “fome zero”, depois transformado em Bolsa Família, como consolo aos mais pobres do país. Isso, ao mesmo tempo, deu ao PT e à sua frente oportunista eleitoreira a base de onde criou a clientela de curral eleitoral, além de cooptar as organizações sindicais e populares.

Com o passar do tempo, a relação entre o oportunismo e seus amos foi chegando a um patamar que exigia redefinição do acordo. A crise econômica mundial de 2008 cobrava das colônias e semicolônias cobrir os prejuízos do imperialismo.

Já no gerenciamento de Dilma Rousseff, o “mercado” exigia a implementação de um programa liberal que significava, principalmente, retirar direitos dos trabalhadores e avançar sobre a renda dos mesmos por meio do desemprego e arrocho salarial.

Com sua política de cooptação e corporativização das organizações dos trabalhadores, o PT desarmou o proletariado e os servidores públicos para o enfrentamento contra o inimigo de classe (cooptando as centrais sindicais), usou a Contag e MST em suas estruturas burocráticas, mudando suas ações para apoiar o governo, enquanto organizou a repressão mais covarde, como todos os gerenciamentos anteriores, contra o movimento camponês combativo por meio de sua genocida Operação “Paz no Campo”. Assim consolidou sua aliança com os setores mais retrógrados da sociedade dentro da velha política do “é dando que se recebe”.

Chegada a segunda eleição de Dilma Rousseff, numa campanha em que esta negava a retirada de direitos dos trabalhadores, chegando a declarar que, sob seu gerenciamento, isso não ocorreria “nem que a vaca tussa”, bastou pôr-se eleita para chamar um banqueiro (Joaquim Levy) para implementar o programa defendido pelo seu principal concorrente Aécio Neves/PSDB. Diante do boicote de parte dos militantes do PT, o banqueiro não conseguiu implementar as medidas pretendidas. Aí a crise se instalou com todas as vicissitudes que ela pode trazer: impeachment, cassação, “Lava Jato” e crise econômica, social, política e moral em que se afundou o país.

Como advertimos na época, a instalação da Operação “Lava Jato”, manejada pela Embaixada ianque e Rede Globo, tem o objetivo de lavar a fachada do sistema para reverter a séria crise de credibilidade e legitimidade das carcomidas instituições do velho Estado. Para fazer-se crer verdadeira, atacou um amplo espectro das cúpulas partidárias para alcançar os políticos envolvidos em corrupções e propinas vindas de empreiteiras e da Petrobrás. Mas, direcionando-se especialmente para representantes do PT, simplesmente por terem sido um dia de esquerda – com destaque para os dirigentes como José Dirceu e Luiz Inácio, dentre outros – teve o objetivo de queimar a esquerda como corrupta e com isto debilitar qualquer perspectiva verdadeiramente revolucionária, em meio da grave crise de dominação que se abriu no país.

Americanófilos instalados na PGR, nas esferas do Judiciário e no Alto Comando das Forças Armadas, instigando a deduragem promovida com o instituto da delação premiada, jogaram a rede ao mar arrastando peixes de todos os tamanhos, porém, recolhendo preferencialmente petistas.

A atuação dos tribunais, neste caso, não passa de jogo de cena para conduzir no fim da linha o manejo já traçado pelo imperialismo e seus sabujos.

Mesmo renovando juras à fração burocrática da grande burguesia, o oportunismo petista não poderá reeditar seu projeto de conciliação de classes baseado no assistencialismo e arremedos de desenvolvimentismo, pois que já foram usados – e desempenharam o papel de sabujos – para cumprir os propósitos pretendidos pelas classes dominantes no gerenciamento do velho Estado. Agora só lhes está reservado um papel secundário como força auxiliar da velha ordem.

Não é a primeira vez na história que o oportunismo dá com os burros n’água, dando lugar ao assanhamento da velha direita, aos setores mais reacionários e entreguistas das classes dominantes. Como em um dia, já remoto, foram de esquerda e seguem posando como se fossem, são chamados até de comunistas pela direita fascista energúmena e, manhosamente, de esquerda populista pelo PSDB e outros. Nada disto! Rigorosamente, o PT sequer pode ser considerado socialista burguês. Contudo, seu miserável destino é o de ser tão somente sócio menor na administração do Estado burguês, latifundiário, serviçal do imperialismo.


terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

E agora? É hora de chutar o tabuleiro!



Por Mauro Iasi [*]
 
"Marx disse certa vez que não se deve brincar com a insurreição se não quiser levá-la até as últimas consequências. Ao que parece o lulo-petismo espera que as massas garantam que Lula não seja preso e dispute as eleições, mas que depois saiam de cena para que tudo volte aos trilhos da normalidade para que se possa remendar o pacto social esgarçado pelo golpe."




A confirmação da condenação de Lula seguiu o script esperado. Apesar da inconsistência de provas, fatos e fundamentos jurídicos, era necessário retirar o ex-presidente da disputa eleitoral de 2018 e seguir com um governo cuja única lealdade é com as contra-reformas e os interesses do grande capital. O fim da democracia de cooptação operada pelos governos petistas abriu espaço para a barbárie explícita e a canalhice que presenciamos, política, jurídica, cultural e comunicacional. 

Os pesados ataques contra os trabalhadores, em especial a reforma trabalhista e a ameaça da reforma da previdência, não tiveram a resposta necessária porque o petismo e seus aliados ainda esperavam a "marcha dos acontecimentos" que desembocaria nas eleições de 2018, ainda que programaticamente isso não garantisse a reversão das medidas aprovadas até aqui. Com a condenação de Lula a conjuntura muda radicalmente em dois sentidos. 

Primeiro que a aposta nas eleições se transforma em um desafio aberto à legalidade institucional estabelecida, uma vez que a manutenção da candidatura do ex-presidente se torna uma desobediência civil. Segundo que as frágeis aparências de normalidade institucional podem se esvanecer rapidamente e abrir espaço para medidas políticas mais duras de parte da classe dominante e do segmento usurpador no comando do Estado. 

Nesse cenário, a combinação de espaços institucionais estabelecidos e ações por fora e além da legalidade ganha relevo para os dois lados envolvidos na disputa. Da parte das classes dominantes, isso não é uma novidade, porque diferente de certo setor da esquerda, a classe dominante nunca acreditou na institucionalidade democrática e sempre a utilizou pragmaticamente segundo seus interesses. O Estado trata a todos de forma igual perante a lei, mas nada que uma mala de dinheiro e um lobby eficiente não possam contornar. A burguesia pode operar no terreno da democracia porque tem os instrumentos de coerção do Estado e do domínio econômico à sua disposição. Assim, pode alternar formas democráticas e autoritárias com mais eficiência, o que não se dá com os trabalhadores. 

Quando uma força política escolhe operar nos limites da institucionalidade, fica muito difícil romper e operar com formas abertamente insurgentes. A única força política que pode criar as condições para tanto é a disposição das massas em romper a legalidade no sentido da rebelião. Como todo bom leitor de Lênin sabe, esta é uma condição objetiva – isto é, não está ao alcance desta ou daquela força política colocar as massas em movimento, de certa forma elas reagem a uma determinada situação política. 

O que a burguesia talvez tenha feito, inadvertidamente ou não, é dar o pretexto para que as massas entrem em cena numa dimensão que pode ir além da institucionalidade dada. Entretanto, neste ponto intervém a intencionalidade política dos sujeitos. Marx disse certa vez que não se deve brincar com a insurreição se não quiser levá-la até as últimas consequências. Ao que parece o lulo-petismo espera que as massas garantam que Lula não seja preso e dispute as eleições, mas que depois saiam de cena para que tudo volte aos trilhos da normalidade para que se possa remendar o pacto social esgarçado pelo golpe. De certa maneira a rebelião das massas se converte em um instrumento de chantagem ou ameaça para que os segmentos burgueses caiam em si e aceitem renegociar os termos do pacto. 

Esse é um jogo perigoso. Primeiro porque não se deve blefar quando se trata de uma política revolucionária que se pretenda séria. Parece que não se convoca as massas para que a classe trabalhadora estabeleça as condições de seu próprio poder, mas para que garanta a correlação de forças para que se recomponha as condições que marcaram a conciliação de classes que prevaleceu até 2016. O grande problema dessa alternativa é que o petismo se assusta mais com a rebelião das massas do que a burguesia: não há lugar para a insurreição na estratégia democrática popular e o PT não sabe o que fazer quando ela se apresenta, como ficou evidente em 2013. Por outro lado, a burguesia tem meios jurídicos, políticos e repressivos para enfrentar um descontrole social – alguns desses instrumentos, aliás, gentilmente oferecidos pelos governos petistas como a manutenção da Lei de Segurança Nacional, a Portaria Normativa que estabelece as Operações da garantia da Lei e da Ordem de dezembro de 2013 e a Lei Antiterrorismo, só para citar alguns dispositivos –, além, é claro, de um sistema judiciário que se emancipou da tutela incomoda do Direito e da Justiça. 

Portanto, trata-se de definir até onde as forças políticas estão dispostas a tensionar a legalidade. Estou convencido de que a burguesia mantém suas apostas, mesmo se for necessário romper (como tem feito no governo do usurpador) qualquer base legal, política e institucional. O PT está disposto a fazer o mesmo? Não sei. 

Quais são os próximos passos indicados pelo o segmento dominante? Tentar tocar as eleições sem Lula, diante do risco da extrema direita e da ausência de uma candidatura que possa retomar a estabilidade que a burguesia precisa, ou, cancelar as eleições e constituir alguma espécie de transição, uma junta provisória que prepare as condições políticas de uma alternativa mais estável nos termos da ordem, como o semi-presidencialismo, o parlamentarismo ou outra forma qualquer. 

Volto a dizer: a burguesia pode cancelar as eleições de 2018. E pergunto: as forças populares estão dispostas a colocar o enfrentamento diante das contrarreformas e o arbítrio burguês acima das eleições, inclusive agindo no sentido de inviabilizá-las? 

O ponto obscuro é o próximo passo do petismo. Será que ele está mesmo disposto a resistir e enfrentar a decisão judiciária com todos os meios necessários, ou é mais um blefe? A moderada e elegante presidente nacional do PT afirmou recentemente que a única maneira de reagir à consolidação de um cenário político no qual Lula vai preso e é impedido de disputar as eleições é a greve geral. Vejam vocês! A esquerda já sabia que a única maneira de evitar a consolidação do golpe contra os trabalhadores, a reforma trabalhista e da previdência é a greve geral, mas o PT discordava disso, pois acreditava que existia outra possibilidade: a candidatura de Lula. Agora que essa alternativa saiu de cena… então, vamos à greve! 

Marx e Engels, em um famoso texto de 1850, diziam que os trabalhadores não podem evitar que a pequena burguesia aja como o segmento social vacilante que está condenado a ser, mas os trabalhadores devem, em suas palavras, "agir no sentido de contrapor-se às dissuasões burguesas" contemporizadoras e "obrigar os democratas a concretizar o seu fraseado terrorista atual" ("Mensagem do Comitê Central à Liga [dos comunistas]", em: Karl Marx e Friedrich Engels, Lutas de classes na Alemanha , Boitempo, 2010, p. 67). Querem um Greve Geral? Certo, então vamos fazê-la até que as medidas contra os trabalhadores sejam revogadas e até que o governo Temer caia. Aí discutiremos o que fazer. Certamente alguns irão propor que tudo volte ao "normal" e que volte a se convocar eleições "limpas" (como as de 2014, na qual o financiamento privado jogou R$ 5 mil milhões nas mais diferentes candidaturas, menos nas do PCB, do PSTU e do PCO). Nós manteremos nossa proposta de estabelecer um Poder Popular Revolucionário fundado em uma nova forma de governabilidade na classe trabalhadora da cidade e do campo, na juventude e nas massas urbanas. 

Não importa agora que uns se mobilizem em torno de um líder cujos interesses no fundo, ao nosso juízo, são contrários aos da classe trabalhadora porque quer recompor o pacto desfeito. Neste momento se produz uma aproximação interessante na qual o interesse do lulopetismo em enfrentar a decisão que tira Lula das eleições coincide com o interesse da esquerda em enfrentar as contrarreformas reacionárias com uma Greve Geral. Se os interesses forem os mesmos (derrotar o governo Temer e suas contrarreformas), ótimo! Caso contrário, os caminhos se bifurcarão e nós, como temos feito, tomaremos a caminho da esquerda. 


[*] Professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. 


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