sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Perfil dos juízes é conservador e distante da realidade do restante do país






Por Juca Guimarães 

Estudo mostra que juízes ganham 2,5 vezes acima do limite da classe A, são brancos, casados e têm parentes no judiciário.

O balanço de dados sobre os juízes brasileiros, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revela um perfil de homem, branco, 47 anos, casado e católico. O perfil revela uma forte concentração em nicho específico de classe social elitizada, com uma média salarial por mês de R$ 47,7 mil, incluindo benefícios, o que equivale a 50 salários mínimos. Além disso, 20% deles têm parentes na magistratura.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a classificação de renda para pertencer à classe A leva em conta os salários acima de R$ 19.080. Ou seja, os juízes ganham duas vezes e meia acima deste limite.

O contraste é maior quando se analisa o dado de raça dos juízes. Segundo o CNJ, 80,3% dos juízes se declararam brancos e 18,1% se declararam negros, com um percentual composto de 1,6% de pretos e 16,5% de pardos.

Em contrapartida, segundo os dados do Ministério da Justiça, entre a população carcerária do Brasil, que conta com mais de 726 mil presos, os negros representam 64% do total contra 35% de brancos.

O cruzamento das duas estatísticas mostra que o percentual de negros presos é 1,8 vezes maior do que o de brancos, enquanto o percentual de juízes brancos é 4,4 vezes maior que o de juízes negros.

Mais do que um contraste estatístico, a comparação mostra que o fator classe social tem influência desastrosa em decisões tomadas pelos magistrados.

“A gente percebe juízes que não têm compreensão da realidade e tomam decisões muitas vezes a partir de estereótipos e do medo que sentem nos seus castelos de cristal, até por causa do salário e da classe que pertencem; e imaginam que encarcerando vão deixar o mundo mais seguro. Então a gente vê uma distorção enorme. Tanto o Ministério Público como o Judiciário, não compreendem os efeitos dessas decisões que vão sendo tomadas, enchendo as prisões, fortalecendo as lideranças prisionais, das gangues e facções, e produzindo um efeito inverso do que eles imaginavam”, disse Bruno Paes Manso, especialista do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP).

A pesquisa do CNJ analisou os dados sociais de 11.348 dos 18.168 magistrados do país. Confira aqui a íntegra do estudo.

Mulheres

O estudo do CNJ desvenda também uma diferenciação de gênero quando se compara a evolução da carreira dos juízes. No primeiro estágio da carreira, para o cargo de juiz substituto, as mulheres são 44% do total. No segundo estágio, que é o cargo de juiz titular, elas passam a representar 39%. Na fase seguinte, a queda é ainda maior: são apenas 23% as desembargadoras. A desigualdade é aumenta quando se analisa o quadro de ministros nos tribunais superiores onde as mulheres têm apenas 16% das vagas.

“É possível que haja uma dose de preconceito já que para entrar, mulheres e homens competem por meio de provas. No entanto, algumas progressões dependem de indicações. Mas não creio que seja só isso. As mulheres ainda têm muitas atribuições domésticas e isso gera impacto profissional. De qualquer forma, é um dado que precisa ser estudado, já que não fomos a fundo em relação aos motivos dessa diferença, e ela pode ser observada também em outras carreiras”, diz Maria Tereza Sadek, diretora do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ.

A qualificação não seria uma justificativa para a diferenciação entre os gêneros. De acordo com o levantamento, 68% das mulheres da magistratura fizeram pós-graduação, e entre os homens o índice é muito próximo, 70%.

https://www.brasildefato.com.br/2018/09/18/perfil-dos-juizes-e-conservador-e-distante-da-realidade-do-restante-do-pais/


FONTE: Controversia

domingo, 14 de outubro de 2018

Dia das Crianças: infância roubada


Por Guilherme Amorim*




No 12 de outubro, comemoramos o Dia das Crianças, mesma data na qual os católicos comemoram Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Tradicionalmente mais um feriado nacional em que milhões de crianças são dispensadas das aulas para ficarem em casa com suas famílias e receberem presentes.

Em teoria, deveria ser este o roteiro para tal data, mas a realidade, infelizmente, tem sido outra. Diante da grave crise econômica pela qual milhares de famílias têm passado, dificilmente sobrarão alguns trocados para comprar brinquedos, que, em sua maioria, são caros. Para muitas crianças o tão sonhado brinquedo não pôde vir. De qualquer maneira, nossa análise deve ir além desse ponto específico, alcançando direitos mais diversos e profundos, sejam eles familiares, escolares ou mesmo urbanos.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), o Brasil tem hoje cerca de 53 milhões de jovens com faixa etária menor que 18 anos. Desses, cerca de 60% estão em situação de pobreza. Ou seja, a cada dez jovens no Brasil, seis estão em situação de pobreza.

O trabalho infantil ainda é uma triste realidade. Cerca de 30 mil crianças, entre cinco e nove anos, e 130 mil, entre 10 e 13 anos, trabalham de forma ilegal. São meninos e meninas que deveriam ter o direito básico de brincar e frequentar uma escola de qualidade, mas têm sua infância roubada. E vai além. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, cerca de 30% dos jovens brasileiros com até 24 anos estão desempregados, números que se aproximam do Haiti e de países do Oriente Médio. O resultado disso é o aumento do trabalho informal, instabilidade financeira, falta de perspectiva e, em alguns casos, centenas de jovens se perdem para o tráfico de drogas, sob a promessa de conseguirem dinheiro rápido e fácil, caminho acompanhado por uma expectativa de vida muito curta.

Sob a perspectiva educacional, a situação é mais grave. Não é de hoje que nosso ensino público é defasado. Na verdade, em nenhum momento de nossa história a educação foi considerada prioridade. O máximo que se alcançou foi uma adequação mínima a normas e padrões internacionais. Mas sabemos que os índices educacionais do Brasil estão longe de serem os ideais. De acordo com o último exame PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – na sigla em inglês), de 2015, ocupamos as últimas colocações dentre 72 países avaliados.

Esses resultados não podem ser jogados nas costas dos estudantes, nem tampouco dos profissionais de ensino. As condições impostas por sucessivos governos municipais, estaduais e federais colocam a escola como um verdadeiro “galpão de alunos”. Não é possível manter uma aula de qualidade com alunos e professores concentrados com 30, ou até 50 jovens, em uma sala de aula, ausência de materiais didáticos adequados, professores mal remunerados e desestimulados e legislações que pressionam a aprovação de jovens quem nem mesmo sem saber ler e escrever.

Sob a ótica do ensino superior, a realidade é mais alarmante: menos de um quarto dos jovens que concluem o ensino médio ingressam no ensino superior, e, quando o conseguem, precisam encarar a dura rotina de trabalhar e estudar, aumentando a evasão.

Outra dificuldade encarada pelas crianças e jovens brasileiros diz respeito à violência. Ser jovem no Brasil é algo perigoso, principalmente se for negro e residir em áreas de vulnerabilidade social. De acordo com a Anistia Internacional, cerca de 30 mil jovens morrem no Brasil por ano. Os motivos são os mais diversos: envolvimento com o crime, acidentes de trânsito, bullying, violência sexual e abuso emocional. Sendo que esta última, muitas vezes, ocorre dentro de casa ou por exploração econômica da sexualização infantil.




Sob o aspecto urbano, o acesso a condições mínimas de saneamento básico impede que cerca de 13,3 milhões de crianças tenham ao menos um vaso sanitário em casa. As regiões Norte e Nordeste possuem os piores índices relativos ao saneamento básico. É absurdo que, em pleno século 21, ainda existam residências brasileiras que não possuem banheiro. A consequência direta disso é que milhares de crianças e jovens são expostos a doenças facilmente evitáveis, sendo esta a causa de uma boa parcela da mortalidade infantil em território nacional. Se encontramos tal situação neste quesito, pior ainda é o acesso a equipamentos de esporte, cultura e lazer. Dos 5.570 municípios brasileiros, é ínfima a quantidade deles que dispõe de espaços para o desenvolvimento artístico e intelectual das crianças e jovens.

Diante da crise política e social pela qual passamos, o Dia das Crianças se tornou mais um momento de reflexão do que comemoração propriamente dita. Os projetos de lei recém aprovados colocam em xeque qualquer grande expectativa quanto ao futuro de nossas crianças e jovens. Como poderemos, por exemplo, investir de forma efetiva em educação, saúde e cultura com a Emenda Constitucional 95 em vigor? Como podemos realizar uma verdadeira transformação na sociedade enquanto o Brasil é um dos países mais desiguais em distribuição de renda do mundo, onde mais se assassinam jovens, onde as expectativas de um futuro lhes são negadas?

O desafio que nos é colocado é grande: lutar para o cumprimento de medidas básicas em nossa Constituição, como acesso à saúde, educação, moradia, cultura. Para isso, será necessário a organização da sociedade como um todo para enfrentar os privilégios das elites, os pensamentos reacionários do fascismo, representados pelo candidato Bolsonaro e, assim, avançar para que o direito à infância seja respeitado.


* Guilherme Amorim, professor de História e militante da Unidade Popular


FONTES:
.OIT: 2017 desemprego entre jovens
.PNAE 2017: 60% dos jovens brasileiros estão em situação de pobreza
.PISA 2015: Brasil ocupa as últimas posições do ranking
.Censo da Educação Superior 2017
.Secretaria da Juventude
.Anistia Internacional


FONTE: A Verdade

sábado, 6 de outubro de 2018

Como o agronegócio desumaniza o campo



Relatório revela: 87 mega-corporações controlam a agricultura em todo mundo -- sementes,
terra, agrotóxicos, mercados e crédito. Resultado: êxodo rural,devastação de biomas,
fim da segurança e da diversidade alimentar



Por Rute Pina, no Brasil de Fato


Apenas 87 corporações, com sede em 30 países, dominam a cadeia produtiva do agronegócio em todo o planeta. O dado integra gigantes do setor de bebidas e carnes, como por exemplo, a Coca-Cola, a AmBev, a JBS e a Unilever; mas também empresas de tecnologia como a IBM, a Microsoft e a Amazon, atraídas para a produção agrícola e o varejo de alimentos por áreas como big data (grande conjunto de manipulação de dados) e veículos inteligentes.

Quatro grandes traders, empresas investidoras no mercado financeiro, controlam a importação e a exportação dos commodities agrícolas: o chamado grupo ABCD, formado pelas empresas estadunidenses Archer Daniels Midland (ADM), Bunge, Cargill e pela multinacional com sede na Holanda, Louis Dreyfus Company. Hoje, elas representam 70% do mercado mundial de commodities agrícolas.

Os dados são do Atlas do Agronegócio, lançado em 4 de setembro. O relatório analisa a cadeia global da agricultura e como a concentração do mercado nas mãos de poucas empresas molda o sistema agrícola mundial.

O atlas teve a sua primeira versão publicada na Alemanha em 2017. A edição brasileira é resultado da parceria entre a Fundação Heinrich Böll e a Fundação Rosa Luxemburgo, organizações alemãs com atuação no país.

Maureen Santos, coordenadora de Justiça Socioambiental da Heinrich Böll, explica que o novo documento traz análises sobre a realidade local do agronegócio.

Segundo ela, o mérito do projeto é mapear, em uma só publicação, dados do setor que passam sobre os temas de finanças, investimentos e maquinário; conflitos relacionados ao acesso à terra e à água; sementes e uso de fertilizantes no mercado de commodities; e o processamento de alimentos até a chegada à mesa dos consumidores.

“O Atlas é composto por 22 capítulos e faz esse raio-x desse setores e como, na verdade, existe um eixo central que é exatamente a desregulamentação, por um lado; e a concentração da cadeia de valor, por outro”, diz.

Um dos resultados do estudo, segundo ela, é a desmitificação da imagem propagandeada de que o “agro é pop”.

“A gente mostra que mundialmente, e também no Brasil, temos problemas muitos sérios relacionados a essa cadeia: a expansão das plantações de monocultura  e o consequente aumento do uso do agrotóxicos e dos problemas de saúde; perda de qualidade do solo e redução de biodiversidade; e os conflitos que dessa concentração do mercado e desse aumento da aquisição de terras em detrimento das condições de vida e de trabalho da agricultura familiar, camponesa e das populações tradicionais.”

Financeirização

O Atlas também mostra como funciona o jogo financeiro das traders que formam o grupo ABCD no mercado especulativo.

Em 2015, o comércio de contratos futuros de milho foi 11 vezes maior que a produção mundial do grão. Ou seja, enquanto a safra do milho atingiu 978 toneladas, os contratos na Bolsa de Valores no estavam em torno de 10,5 milhões de toneladas.

“O gráfico mostra essas relações perigosas e os seus desdobramentos. Até sobre a definição se aquele produto será para ser comido, se vai ser energia ou se vai ser destinado ao mercado de ração”, afirma.

Além disso, o grupo é direta ou indiretamente responsável pelo desmatamento da floresta tropical. No Brasil, por exemplo, as comunidades indígenas Guarani acusaram a Bunge de comprar cana-de-açúcar produzida em terras roubadas em 2012. Na época, a empresa afirmou que seus fornecedores respeitavam o direito à terra, mas os contratos não foram renovados.

Soberania alimentar

A concentração da cadeia produtiva representa uma ameaça a um conhecimento ancestral do cultivo da terra. Esta é a preocupação da jornalista Verena Glass, coordenadora de projetos da Fundação Rosa Luxemburgo e que participou da adaptação do relatório pela entidade. Ela pontua que o aumento do uso da tecnologia de ponta, com a agricultura de precisão, representa uma ameaça para a soberania alimentar de diversos países.

“O que me preocupa nessa discussão da agricultura de precisão é que ela transforma a agricultura em uma atividade extremamente tecnificada, com tecnologia de ponta, que é muito cara, acessível a poucos, e aplicadas em áreas extensivas”, diz a jornalista.

“O que era mais vivo, que é a relação de alimentar o ser-humano e reproduzir a vida a partir do conhecimento que se tem da terra, do território, do clima, dos animais e da integração com a biodiversidade, acaba sendo substituído. E essa é uma lógica que, adicionadas a sementes transgênicas, agrotóxicos e tecnificação e a patente, a gente perde em biodiversidade, conhecimento.”

A jornalista aponta ainda para o aumento da disputa por território. “Ou seja, a agricultura familiar e a agroecologia, comunidades indígenas e quilombolas no Brasil e no mundo vão ter qual espaço nesses novos paradigmas?”, questiona Glass.

O Atlas do Agronegócio também mostra o avanço da tecnologia como temas como o da biofortificação, termo para a manipulação genética de plantas com o objetivo de aumentar a concentração de nutrientes do alimentos.

O relatório aponta que as iniciativas de manipulação nutricional vem sendo impostas sem um debate público efetivo com setores da sociedade civil. No Brasil, as culturas biofortificadas são: abóbora, arroz, batata-doce, feijão, feijão-caupi, mandioca, milho e trigo.

Já o mercado global de genética animal deve crescer de US$ 3,7 bilhões em 2016 para US$ 5,5 bilhões em 2021, um aumento médio de 8,4% ao ano. Este crescimento é duas vezes e meia mais rápido do que a economia mundial.

Outro ponto destacado no relatório é que o número de empresas no mercado global de sementes e agrotóxicos tem diminuído em ritmo acelerado com fusões que criam poderosos conglomerados empresariais. Com a consolidação da compra da Monsanto pela Bayer, em junho deste ano, este mercado ficou praticamente dividido em quatro grandes grupos: Dow DuPont, Bayer, Syngenta e BASF.

A versão brasileira do Atlas do Agronegócio, na íntegra, pode ser encontrada no site da Fundação Heinrich Böll.



Como desmontar a Ciência e Tecnologia brasileiras

CNPq, entidade essencial ao desenvolvimento nacional, é o alvo da vez. Série de cortes brutais em Educação e Ciência escancara um Brasil q...