sábado, 26 de janeiro de 2019

O livro didático em crise na era da escola digital






Por Ricardo Alvarez-

A escola básica vive o desafio cotidiano em dar respostas às exigências da contemporaneidade marcada por mudanças constantes, pela volatilidade da conjuntura, o uso de novas tecnologias e a conexão a um mundo on-line. Não são poucos e nem irrelevantes estes desafios. Neste contexto a discussão do uso do livro didático em sala de aula ganha relevância.

“Tudo ao mesmo tempo agora”, dizia o título de um álbum dos Titãs lançado no início dos anos 90 e que sintetizava, com sabedoria, a velocidade de reprodução das relações sociais.

A instantaneidade e a hipervalorização do momento carregam a simbologia de uma sociedade que se transforma com rapidez acelerada e vertiginosa. Para o bem e para o mal somos tomados pela sobreposição de imagens, cores e fatos em ritmo acelerado e em intensidade assustadora.

Os estudantes que não possuem perfis nas redes sociais são tomados como alienígenas e os que não expõe seus desejos em público como ilhas de estranhamento. Selfies em profusão e a vida privada, num clique, se torna pública.

Ao entrar na escola o estudante se depara com uma lógica que viaja em outra temporalidade, primeiro por que o processo de aprendizado não anda na mesma velocidade do mundo das aparências e segundo por que a leitura e a absorção e compreensão dos fenômenos tem uma maturação num ritmo bem mais vagaroso.

O choque entre as duas temporalidades se evidencia na dificuldade em absorver estas novas tecnologias e, ao mesmo tempo, processar o conhecimento. Não há receita pronta de como fazê-lo.

O livro didático há muito tempo utilizado como essencial nos conteúdos desenvolvidos em sala de aula vai, aos poucos, perdendo a capacidade de cumprir seu papel.

Primeiro porque ele se distancia abissalmente desta condição de um mundo on line – o estudante quer saber da Guerra na Síria, mas o livro chegou até a Ruanda -, segundo pela linguagem, distante da realidade dos alunos e portanto, pouco atrativo aos seus interesses.

A falta de interdisciplinaridade ou de desenvolvimento de temas transversais em função da lógica rígida das disciplinas, herdadas do positivismo, também se mostram pouco atrativas e produtivas se se quer mostrar um mundo interligado e conectado.

Outra questão é a posição passional do estudante diante do conhecimento. O livro estrutura conteúdos que se mostram definitivos, que não comportam questionamento e nem tampouco pesquisa. A produção do saber a partir do acúmulo que os estudantes carregam pouco espaço tem diante do livro didático.

À rigor, o livro didático não é o começo e nem o fim do problema, ele é parte de uma estrutura educacional presa aos moldes do passado e que não se modificou substancialmente, à revelia do que acontece no mundo para além dos muros das escolas.

A superação desta contradição se dará pelo acúmulo de conflitos cotidianos gerados pela divergência de interesses e uma nova síntese será gerada. Que seja a de interesse da maioria do povo brasileiro.


sábado, 19 de janeiro de 2019

Um exército de Doutores desempregados no Brasil






Por Hugo Fernandes-Ferreira 


Temos um exército de graduados analfabetos funcionais e de mestres que não merecem o título. Em um pelotão menor, doutores cujo diploma só serve para enfeitar a parede. Bilhões de reais gastos para investir e manter um grupo cujo retorno científico é pífio. Entretanto, esse não é o pior cenário

Vou contar uma história para vocês, para que entendam em que ponto a Ciência brasileira se insere nessa crise. Ao personagem, dou o nome de Carinha. Obviamente, é uma história generalista, que jamais pode ser aplicada a todos, mas pelo menos a uma enorme parcela dos acadêmicos. Você verá muitos amigos seus na pele do Carinha. Talvez, você mesmo.

1 – No começo dos anos 2000, principalmente a partir de 2005, novas universidades começam a surgir e o número de vagas, inclusive nas já existentes, aumentam vertiginosamente. A estrutura também melhora e as taxas de evasão de cursos de Ciência básica (Física, Química, Biologia e Matemática, por exemplo) caem. O Carinha, então, ingressa em um desses cursos.

2 – O Carinha que entrou em 2005 e se formou em 2009 passou o período da faculdade desconhecendo o mercado de trabalho do seu curso fora do meio acadêmico. Ao seu lado, muitos colegas que passaram quatro anos sem saber nem o que estavam fazendo. Para o Carinha, não havia outra solução a não ser lecionar em escolas ou tentar o Mestrado, que oferecia bolsa de pesquisa de R$ 1.100,00. Mas, para isso, teria que passar por uma difícil e concorrida seleção. Até que, com o aumento do número de programas e bolsas de pós-graduação, ele viu então que aquilo não era tão difícil assim. Em 2010, torna-se mestrando.

3 – Enquanto seu amigo engenheiro civil****, recém-formado, já está dando entrada para comprar um carro, o Carinha usa sua bolsa para pagar seus pequenos gastos pessoais, além de sua pesquisa sem financiamento externo

(****PS. Permitam-me uma edição aqui. Fui infeliz quando exemplifiquei o colega como um engenheiro civil, pois o mercado para esse profissional atualmente também encontra-se em crise. Tente imaginar qualquer profissão facilmente absorvida pelo mercado de trabalho privado e o texto continuará com o mesmo objetivo).

Em dois anos, o Carinha tenta produzir alguns artigos para enriquecer o currículo. Tem planos para publicar cinco, mas publica um, em revista de qualis baixo. Em paralelo, entra num forte estresse para entregar sua dissertação e passar pelo forte crivo da banca, que pode reprová-lo. Será? Na semana de sua defesa, seu colega também é aprovado, mas com um projeto medíocre e mal conduzido, que, apesar de criticado, foi encaminhado pela banca porque reprovações não são interessantes para a avaliação de conceito do Programa. Normas do MEC.

4 – Já mestre, publica mais um artigo e entra no Doutorado, em 2012. Foi mais difícil que o Mestrado, porém mais fácil do que teria sido anos atrás, por conta do bom número de bolsas disponível. Boa parte daqueles colegas medianos desiste da vida acadêmica, mas aquele dito cujo sem perfil de cientista de alto nível também é aprovado. Afinal, ter bolsas desocupadas não é interessante, porque senão o Programa é obrigado a devolvê-las. Normas do MEC.

5 – Sua bolsa de R$ 2.500,00 já ajuda um pouco sua condição financeira, enquanto aquele colega engenheiro conta sobre sua primeira casa própria. Além disso, o amigo já contribui com o INSS, tem seguro desemprego, 13º salário, plano de saúde, cartão alimentação, entre outros benefícios. O Carinha não, tem só a bolsa e um abraço. Normas do MEC. Mas, tudo bem, é um investimento em longo prazo. Logo menos, ele tentará um concurso para ser professor universitário, com iniciais de cerca de R$9.000,00. Ele se esforça, publica artigos, dá aulas, redige a Tese, defende e é aprovado. O colega mediano faz um terço disso, mas também alcança o título.

6 – Eis que, em 2016, Doutor Carinha se depara com uma grave crise financeira. Cortes profundos no orçamento, principalmente no Ministério da Educação, tornam escassas as vagas como docente. Concursos em cidades remotas do interior, antes com dois, cinco concorrentes no máximo, contam hoje com 30, 50, 80.A solução então é caminhar urgentemente para um Pós-Doutorado, com bolsa de R$ 4.100,00, metade do que ganha seu amigo engenheiro, mas ok, dá um caldo bom, ainda que continue sem direitos trabalhistas. Pouco tempo atrás, as bolsas sobravam e os convites eram feitos pelo próprio professor. Hoje, ele enfrenta uma seleção com 30. Ele passa, o outro colega já fica pelo caminho, assim como centenas espalhados pelo país. O que eles estão fazendo agora?

O resumo da história é… Temos um exército de graduados analfabetos funcionais e de mestres que não merecem o título. Em um pelotão menor, mas ainda numeroso, doutores cujo diploma só serve para enfeitar a parede. Bilhões de reais gastos para investir e manter um grupo cujo retorno científico é pífio para o país. Entretanto, esse não é o pior cenário.

Alarmante é ver um outro exército de Carinhas, esse qualificado, com boas produções, só que desempregado e enfrentando a maior dificuldade financeira de suas vidas. Alguns há anos em bolsas de Pós-Doutorado, sem saberem se essas podem ser cortadas no ano seguinte. Se forem, nenhum mísero centavo de seguro desemprego. Na rua, ponto. Outros abandonando por vez a carreira para tentar os já escassos concursos públicos em outras áreas ou mesmo para fazer doces caseiros, entre outras alternativas.

Ao passo que o Governo acertou na criação de novas universidades, programas e bolsas de pós-graduação nesses últimos 14 anos, a gestão desse material humano e financeiro foi bastante descontrolada. Quantidade exacerbada de cursos criados sem demanda profissional, falta de política de cargos e carreiras para o cientista brasileiro, recursos transportados para um programa de intercâmbio que não exigia praticamente nenhum produto de um aluno de graduação (sobre Ciência Sem Fronteiras, teremos um post exclusivo), critérios de avaliação bem distantes da realidade das melhores universidades do mundo, além de uma série de outros absurdos.

Teremos cerca de dez anos pela frente para que essa curva entre oportunidades e demanda volte a estabilizar. Não tenho dúvidas de que alcançaremos isso. Mas, até lá, cabe a pergunta. O que faremos com os novos Carinhas que ainda surgem a cada vestibular.


sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

24 milhões de brasileiros estão sem médicos





Por Paulo Henrique de Almeida Rodrigues e Luana Nunes da Silva


Após serem ameaçados de expulsão pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), os 8.553 profissionais cubanos do Programa Mais Médicos, que atuavam nas regiões mais pobres e necessitadas do Brasil, retornaram a Cuba por determinação do Ministério da Saúde Pública da ilha. O fim da cooperação entre Cuba e o governo brasileiro, provocado pela política de ódio do fascista Bolsonaro, prejudicará milhões de brasileiros pobres em mais de 600 municípios, muitos dos quais só contavam com os médicos cubanos para atender à população.

Dessa forma, populações indígenas, quilombolas, ribeirinhos da Amazônia, moradores do semiárido nordestino e das periferias das grandes e médias cidades do país ficarão sem assistência médica, uma vez que muitos profissionais médicos brasileiros não têm se disposto a trabalhar nessas áreas e com essas populações.

O Mais Médicos foi criado em julho de 2013 por medida provisória transformada em lei em outubro do mesmo ano, logo após as jornadas de junho de 2013, em que milhões de brasileiros se manifestaram pelo Passe Livre nos ônibus e por melhores condições de vida e de trabalho. O programa aumentou o número de cursos e de vagas para estudantes de Medicina, visando a aumentar a oferta de médicos no país, diante da constatação das dificuldades existentes para a colocação de médicos brasileiros nas áreas mais distantes e pobres do Brasil.

Como muitos médicos brasileiros preferiram trabalhar nas grandes cidades e regiões metropolitanas, as vagas disponíveis para as áreas mais afastadas passaram a ser ocupadas pelos profissionais vindos de Cuba, que encaram a medicina não como um negócio, mas como um serviço público.

Apesar da importância que teve para ampliar o atendimento médico à população mais necessitada, o Mais Médicos, desde o início, sofreu forte boicote por parte dos médicos brasileiros, que não aderiram ao programa ou desistiram em massa das vagas que ocuparam. De fato, a Associação Médica Brasileira (AMB), a Federação Nacional dos Médicos (Fenam) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) organizaram diversas manifestações contrárias à presença dos médicos cubanos, entraram na Justiça e apelaram até para a Organização Internacional do Trabalho (OIT) para tentar impedir o programa.

Menos médicos e mais mortes

O principal argumento que levantavam contra os médicos cubanos era que eles não possuíam a qualificação necessária para atender à população devido às diferenças na formação médica no Brasil e em Cuba. Entretanto, segundo o próprio Ministério da Saúde, em seis anos de cooperação, nenhum registro de erro médico foi feito contra os profissionais cubanos que atuavam no Brasil. Ao contrário, os médicos cubanos ficaram conhecidos por serem mais solidários, atenciosos e gentis com os pacientes do que a maioria dos médicos brasileiros.

A presença desses profissionais em nosso território, aliás, não é nova. Em 1988, vários médicos vindos de Cuba trabalharam no Tocantins após o governo estadual ter firmado uma parceria com o governo cubano para oferecer atendimento médico nas regiões onde não se conseguia profissionais brasileiros.

Agora, com o fim, na prática, do Mais Médicos e sem profissionais que atendam à população mais pobre, mais de 24 milhões de brasileiros ficarão sem assistência médica. Quantas mortes e doenças curáveis voltarão a acontecer devido à ausência de médicos? Com certeza não serão os mais ricos os principais prejudicados, mas os trabalhadores e suas famílias, que não possuem condições financeiras de pagar por um tratamento em instituições privadas e engrossarão as filas do SUS e os corredores dos hospitais e postos de saúde à espera de um médico.

FONTE: A Verdade

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