Por André Azevedo da Fonseca
Professores não estão transformando os jovens em massa de manobra para fins ideológicos. E também não estão instigando milhões de seguidores ao culto de suas personalidades. Não são eles que induzem os jovens ao vício em Internet para lucrar com o engajamento compulsivo em torno de seus conteúdos. Quem faz isso são os gurus e charlatões de redes sociais.
Professores mal são ouvidos. É uma luta para manter a disciplina! Pesquisas demonstram que cerca de 20% do tempo de aula é desperdiçado apenas para pedir silêncio. Com turmas lotadas, sempre além da capacidade adequada para a aprendizagem; e frequentemente lidando com problemas básicos de infraestrutura – como a falta de ventiladores nas salas – educadores enfrentam dificuldades diárias para despertar a atenção dos alunos, até mesmo para os conteúdos cobrados nas avaliações.
Nos últimos anos, em parte devido à histeria de movimentos fundamentalistas que decidiram atribuir aos professores o papel de bodes expiatórios de suas fantasias conspiratórias, o respeito ao trabalho docente vem decaindo entre estudantes e suas famílias: como resultado, o Brasil ficou em último lugar no Índice Global de Status de Professores de 2018. Os trabalhadores da educação, a ponta mais frágil do sistema de ensino, têm sido sistematicamente desmoralizados e desacreditados. Basta ver a hostilidade pela qual são tratados quando se organizam para reivindicar seus direitos.
Por outro lado, dados do relatório 2018 Global Digital demonstram que, no Brasil, jovens passam, em média, mais de nove horas por dia navegando na Internet. Você não leu errado: mais de nove horas navegando, todos os dias. Isso é praticamente o dobro do tempo que passam na escola. E em geral, sozinhos em seus celulares, sem acompanhamento de adultos. Só nas redes sociais, são mais de 3 horas e meia diárias consumindo, produzindo e interagindo em seus universos – ou melhor, guetos de interesse. Consequentemente, sob vista grossa das famílias, que preferem fingir que o problema não é delas, crianças e jovens desperdiçam o dia ouvindo, lendo e reproduzindo barbaridades de ignorantes histéricos no YouTube, no Facebook, no Instagram e no Twitter – empresas que dominam o mercado da economia da atenção.
É um auto-engano perigoso supor que jovens consomem informação de qualidade em seu isolamento na Internet. A lógica das redes sociais já é bem conhecida: quanto mais escandalosa, agressiva ou sensacionalista a mensagem, maior o “engajamento” – um eufemismo publicitário para se referir ao vício. Emoções intensas, para o bem ou para o mal, são altamente viralizáveis. E o problema nem é propriamente a tecnologia em si, mas o modelo de negócio baseado em acesso gratuito, coleta massiva de dados e análises de perfis para fins de direcionamento de conteúdos meticulosamente ajustados à psicologia individual, que faz da plataforma uma experiência viciante por definição.
Deste modo, ao manipular as inseguranças de jovens solitários e ansiosos por símbolos de identidade e aceitação social, charlatões que lucram com a propaganda exibida em seus conteúdos instigam os ânimos de seus públicos para induzi-los ao consumo frenético de suas produções. O termo “seguidor” não tem nada de inocente: esses gurus conhecem os princípios do marketing pessoal e sabem o que fazer para criar a sua marca e fidelizar os seus clientes – ou seja, transformá-los em fieis. Um dos truques é precisamente incitar os seus seguidores a ataques furiosos contra qualquer pessoa que, ao reagir, promove involuntariamente a visibilidade do agressor. Em troca, os gurus oferecem aos seus consumidores uma ilusão de fraternidade análoga ao espírito de gangue – ainda que, naturalmente, sem os inconvenientes do confronto físico, pois tudo se desdobra no simulacro da tela do computador. Essa ilusão é forjada através da repetição contínua de um conjunto de símbolos e narrativas que os fieis reproduzem para reafirmar a própria identidade enquanto “lutam” contra aqueles que o guru define como “inimigos”.
Não é por acaso que os ataques dirigidos aos professores e às escolas, aos intelectuais e aos livros, aos jornalistas e à imprensa, assim como aos cientistas e às universidades tenham origem nesses ambientes: afinal, profissionais da educação, do conhecimento, da informação e da ciência são precisamente os antídotos a esse charlatanismo que intoxica a inteligência e as emoções de milhares de usuários. Notamos a dimensão do problema quando observamos jovens “refutando” conceitos científicos com memes de humoristas.
Ídolos invisíveis
Uma das características da economia da chamada “cauda longa” é a total invisibilidade das subcelebridades fora de seus nichos. Isso quer dizer que youtubers com milhões de seguidores são simplesmente ignorados por aqueles que circulam em outras bolhas de informação. Por isso, muitos não conseguem enxergar este fenômeno: multidões de jovens idolatrando vigaristas arrogantes que fazem dinheiro a partir do tempo que os seguidores dedicam às suas ordens – seja consumindo conteúdos, seja xingando diariamente e compulsivamente nas redes sociais para promover a visibilidade e, por consequência, a lucratividade do mestre.
Convertidos em verdadeiros devotos, ávidos pela atenção do guru – que retribui a devoção com um like, um retuíte ou uma breve resposta em um comentário – haters inseguros, escondidos em avatares e nicknames, se tornam massa de manobra gratuita ao se desintegrar em verdadeiros exércitos de anônimos a serviço do mentor, desperdiçando longas horas de seus dias – incluindo aquela que deveria ser dedicada aos estudos – nessas cruzadas digitais. Como consequência, a inteligência de parte da atual geração está sendo corrompida pelo consumo de preconceitos grosseiros, disseminados por charlatões agressivos que distorcem o conhecimento e deformam a imaginação para garantir a fúria, as visualizações, o engajamento e os lucros pessoais. Esses agenciadores não estão interessados em estimular a criatividade, a curiosidade e a criticidade: o objetivo é apenas atrair usuários para o consumo de seus conteúdos.
As famílias que se preocupam com a formação de seus filhos fariam melhor se confiassem nos professores e se unissem a eles na reflexão crítica sobre os gurus de redes sociais que propagam conteúdos obscuros que as crianças e jovens consomem o tempo todo na Internet. E não o contrário, como temos visto. Ao ameaçar a liberdade dos professores, deixando os charlatões digitais à vontade para corromper a inteligência dos estudantes, as novas gerações ficarão ainda mais vulneráveis à desinformação, à pseudociência e aos preconceitos grosseiros que contaminam a rede.
Não acreditem em mim. Observem o conteúdo que seus filhos consomem na Internet para verificar de onde brotam as distorções que podem fazer deles pessoas piores. Dia a dia. Compulsivamente. Trabalhando de graça para “refutar” com slogans qualquer informação que prejudique os lucros do guru. Melhor ainda: que tal substituir a perseguição pelo diálogo com os professores? Que tal participar nas reuniões da escola para compreender a importância dos educadores nesse contexto? Professores sempre foram parceiros das famílias. E nunca inimigos! A escola crítica é um dos espaços mais importantes de esclarecimento contra a desinformação das novas mídias.
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André Azevedo da Fonseca é professor e pesquisador no Centro de Educação, Comunicação e Artes (CECA) da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e professor visitante na Universidad Complutense de Madrid. Doutor em História (Unesp) com pós-doutorado no Programa Avançado de Cultura Contemporânea (UFRJ).
FONTE: Observatório da Imprensa
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