Marcada para 20/9, ela promete reforçar a face contemporânea da luta ambiental: muito jovem, indignada, claramente anticapitalista. Pode ser maior que nunca. Brasil – onde Bolsonaro lança ataque inédito à natureza – participará?
A estranha ausência do Brasil nas mobilizações globais em defesa do planeta – contra a mudança climática e as corporações que a promovem – pode ter fim em breve. Está marcada para o próximo 27 de setembro uma nova greve em defesa do ambiente. Será, provavelmente, a maior já realizada. É convocada, em 125 países, por milhares de organizações, redes internacionais, coletivos locais, grupos de cidadãos indignados. Sua preparação coincidirá, em nosso país, com um momento de efervescência entre a juventude. A partir de 13 de agosto, recomeçarão as grandes manifestações em defesa da Educação, da Universidade e da Ciência, ameaçadas pelo governo obscurantista e reacionário. É uma chance de articular as lutas de oposição a Bolsonaro com uma agenda igualmente política – porque capaz tanto de aprofundar a crítica ao capitalismo quanto de expor o atraso patético dos grupos que controlaram ao poder em Brasília.
As greves pelo clima são um fenômeno recente e em rápida expansão. Estão marcadas por duas características: fortíssima presença de adolescentes e jovens – que parecem não se conformar nem com a inação dos governos, nem com o amortecimento dos adultos… – e politização crescente. Um movimento precursor ocorreu às vésperas da Conferência sobre o Clima em Paris, em novembro de 2015. Em mais de cem países, cerca de 50 mil pessoas foram às ruas, já defendendo bandeiras que articulavam o ambiental com o social. Havia, então, três reivindicações básicas: redução drástica do uso de combustíveis fósseis, desenvolvimento de fontes energéticas alternativas e garantia dos direitos dos refugiados climáticos – em oposição à xenofobia hoje crescente no mundo eurocêntrico.
Mas uma nova fase, muito mais densa, teve início no final do ano passado. Foi desencadeada por uma garota sueca – Greta Thumberg – então com 15 anos. Em agosto de 2018, Greta, cuja história e formação mental singulares podem ser conhecidas na Wikipedia, iniciou um protesto pessoal. Durante as três semanas que precederam as eleições legislativas de seu país, ela dirigiu-se todos os dias ao Parlamento, no horário de aulas, portando um cartaz onde se lia “greve estudantil pelo clima”. Passado o pleito, anunciou que manteria a ação todas as sextas-feiras, e denominou-as Fridays for Future.
Num mundo interconectado e intranquilo, também as ações de crítica ao sistema podem espalhar-se rapidamente. Já em novembro, ações semelhantes (porém coletivas) espalharam-se por diversos países europeus – mas também pela Índia, África do Sul, Ruanda e Colômbia. Em dois momentos, neste ano – 15/3 e 24/5 – houve greves estudantis globais. Nelas, os estudantes não se limitam a deixar as aulas: ocupam as ruas, em atos sempre indignados, porém criativos e esperançosos. Em países como a Inglaterra, o movimento adquiriu características próprias e autonomia: surgiu daí a Extinction Rebellion, cuja multiplicidade de ações parou Londres, em abril.
O foco central de tais greves não é o sistema social, e sim o risco de destruição do planeta. Mas o caráter anticapitalista que o movimento rapidamente assume é claro. Basta ver os cartazes das manifestações, que claramente se voltam contra as corporações transnacionais e os governos lenientes a elas. Ou, então, ouvir as falas de Greta. “Nosso futuro foi entregue para que um pequeno número de pessoas possa acumular quantidades inimagináveis de dinheiro (…) Agora, as pessoas estão aos poucos se tornando mais conscientes, mas as emissões [de CO²] continuam a crescer. Não podemos nos contentar com pouco. No essencial, nada mudou (…). Não se trata apenas de gente jovem cansada de políticos. É uma crise existencial. É algo que afetará o futuro de nossa civilização”, disse ela em Londres, durante os protestos da Extinction Rebellion.
Assim como os protestos anteriores, a próxima, em setembro, não tem uma coordenação central. As atividades – que começam no dia 20, mas se estenderão por uma semana – podem ser registradas num site, traduzido em diversos idiomas, inclusive o português. Lá é possível atualizar-se, recolher material de divulgação, obter um interessante guia prático para organização de eventos e registrar atividades programadas. Elas podem ser múltiplas: de grandes manifestações de rua a debates, aulas públicas, pressão sobre os políticos, pequenas intervenções de conscientização local.
O mais interessante, é claro, é organizar de forma coletiva. O texto abaixo é um exemplo disso. Na Espanha, um leque vasto de organizações, articuladas por quatro redes (Juventud por el Clima, Fridays for future Espanha, 2020 Rebelión por el Clima, Alianza por el clima e Emergencia climática ya) juntou-se, organizou uma agenda comum, lançou um manifesto. Está publicado a seguir. Basta sua leitura para compreender a radicalidade possível da luta (A.M.)
27 de Setembro: Greve Mundial pelo Clima
Os relatórios mais recentes sobre a situação da biodiversidade, do IPBES (Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos), e sobre o aquecimento global de 1,5ºC, do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), alertam sobre os rumos que levam ao desgaste de um grande número de ecossistemas — terrestres e marinhos — e à extinção de um milhão de espécies que se encontram gravemente ameaçadas pela atividade humana. Também, estamos quase chegando ao ponto de não retorno das mudanças climáticas.
Uma crise climática que é consequência de um modelo de produção e consumo que já demonstrou que não é o mais adequado para satisfazer as necessidades de muitas pessoas, que põe em risco a nossa sobrevivência e afeta de maneira injusta, principalmente, as populações mais pobres e vulneráveis do mundo. Não responder com rapidez e força suficientes à emergência ecológica e civilizatória, suporia a morte de milhões de pessoas, além da extinção irreversível de espécies imprescindíveis para a vida na Terra, considerando as complexas inter-relações do ecossistema.
A solidez dos dados demonstra como as regiões mediterrâneas são as mais vulneráveis às mudanças climáticas, portanto, não limitar o aquecimento global em 1,5ºC sairá bem caro para as gerações presentes e futuras. A responsabilidade das instituições europeias e do governo espanhol, bem como dos governos das diversas comunidades autônomas e das prefeituras alinhadas com todos os grupos políticos, é de estar à altura das necessidades que o momento exige.
As organizações signatárias pedem que, na nova etapa política, seja declarada de forma imediata a emergência climática e que sejam tomadas as medidas efetivas necessárias para reduzir rapidamente até o ponto zero as emissões dos gases de efeito estufa, alinhados com os critérios estabelecidos pela ciência e pela justiça climática. Evitar que a temperatura aumente mais de 1,5ºC deve ser a prioridade da humanidade. É preciso reduzir urgentemente as emissões de CO²eq, reajustando o rastro ecológico à biocapacidade do planeta.
Para conquistar esses objetivos, eis os requerimentos necessários:
Honestidade: assumir a urgência da situação atual, reconhecendo o diagnóstico, as indicações e os caminhos de redução indicados no último relatório sobre os 1,5ºC, com o aval da comunidade científica. Reconhecer o hiato de carbono existente entre os compromissos espanhóis e as indicações científicas. Os meios de comunicação possuem um papel fundamental para transmitir essa realidade.
Compromisso: declarar a emergência climática, assumindo compromissos políticos reais e efetivos, muito mais ambiciosos do que os atuais, com a conjunta designação de recursos para encarar a crise. Garantir as reduções dos gases de efeito estufa, respeitando o relatório do IPCC, o qual estabelece uma faixa de redução das emissões globais entre 40% e 60% para 2030, em comparação com 2010 — para que o aumento da temperatura global não ultrapasse os 1,5ºC. Além disso, é fundamental deter a perda da biodiversidade para evitar um colapso de todos os sistemas naturais, inclusive o do humano.
Ação: abandonar os combustíveis fósseis, apostar numa energia 100% renovável e reduzir a zero as emissões líquidas de carbono, com urgência e prioridade, o antes possível. Exigimos que os governos analisem formas de cumprir com esse objetivo e que proponham os planos de atuação necessários: impedindo novas infraestruturas fósseis (centrais, escavações, grandes portos, etc); reduzindo os níveis de consumo de materiais, a energia e as necessidades de mobilidade; mudando o modelo energético sem soluções falsas, como a energia nuclear; reorganizando os sistemas de produção; educando e adotando outras medidas eficazes. Tudo isso deve ficar registrado na Lei de Mudança Climática e Transição e no Plano Nacional Integrado de Clima e Energia.
Solidariedade: o desgaste ambiental das condições de vida é sentido de formas desiguais, dependendo da classe social, do sexo, da origem e das capacidades. Defendemos que a transição enfrente essas hierarquias e defenda e reconheça de forma diferenciada a população mais vulnerável.
A degradação do planeta e a crescente desigualdade têm uma origem em comum e se alimentam entre elas. Assim, por exemplo, muitas grandes empresas e bancos obtêm enormes benefícios por meio da especulação imobiliária, dos despejos, da gentrificação e da turistificação que expulsa famílias de suas casas e vizinhos de seus bairros. Embora existam cada vez mais investimentos em tecnologia para realizar a transição energética, continuam existindo muitos fundos que sustentam e financiam as grandes empresas do oligopólio energético que exploram o planeta — cujo resultado acaba num aumento da pobreza, inclusive da energética.
Não podemos deixar que a situação dos coletivos mais desfavorecidos continue a piorar, portanto, a transição deve se dar com justiça social. No caso dos territórios e trabalhadores e trabalhadoras afetados, é preciso adotar medidas para garantir empregos alternativos em setores sustentáveis, enfrentar a crise energética, reduzir a jornada de trabalho, melhorar a distribuição dos empregos e do desenvolvimento de outros mecanismos, em torno de uma Transição Justa que consiga que ninguém fique para trás.
Democracia: a justiça e a democracia devem ser os pilares fundamentais de todas as medidas aplicadas, motivo pelo qual devem ser criados mecanismos adequados de participação e controle, do ponto de vista da cidadania, para abordar as questões sociais mais complexas e ser parte ativa da solução, mediante a democratização dos sistemas energéticos, alimentares, de transporte, etc. Nestes processos deve-se garantir a igualdade de gênero na tomada de decisões.
Dar um giro de 180º nas políticas comerciais internacionais, acabando com os tratados de comércio e investimento que aprofundam o problema do aumento dos gases de efeito estufa, por incrementarem o transporte marítimo interoceânico, bem como o da aviação civil, que dificulta a luta contra as mudanças climáticas através das cláusulas de proteção aos investimentos (ISDS). As medidas do mercado não devem interferir no planejamento adequado da transição ecológica.
Os países pobres são que têm a menor responsabilidade sobre a degradação do planeta. Porém, são os mais vulneráveis às consequências da violação dos limites. Os países mais ricos são os que mais acumulam dívida ambiental, por isso, e atendendo aos critérios da justiça climática, devem ser países como os europeus os que devem adquirir os maiores compromissos. É imperioso reverter o fato de que 20% da população mundial consuma o 80% dos recursos naturais.
Em defesa do futuro, de um planeta vivo e de um mundo justo, as pessoas e coletivos signatários aderimos à convocatória internacional de Greve Mundial pelo Clima, uma mobilização que será greve estudantil, do consumo, de mobilizações nos centros de trabalho e nas ruas, com fechamentos em apoio à luta climática… e convidamos todos os cidadãos, agentes sociais, ambientais e sindicais para apoiarem esta chamada e para se somarem às diversas mobilizações que acontecerão no dia 27 de setembro. (Tradução: Simone Paz)
FONTE: Outras Palavras
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