Em uma canetada, Guedes reduziu os recursos
destinados ao ministério da Ciência e Tecnologia em 12,5 vezes – para míseros
R$ 55,2 milhões. Afetará principalmente pesquisas e laboratórios. Renato Janine
Ribeiro analisa o desmonte
Por Nádia Pontes, no DW
Para Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), corte de mais de R$ 600 milhões
que iriam para a ciência é uma escolha política com consequências devastadoras.
Sem ciência, o Brasil está fadado ao atraso, diz.
Em uma manobra que pegou a comunidade científica de
surpresa, o Ministério da Economia provocou um corte drástico em recursos
aguardados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Dos R$
690 milhões previstos por meio de um projeto de lei, apenas R$ 55,2 milhões
foram direcionados para a pasta. A redução foi feita pela comissão mista de
orçamento do Congresso Nacional a pedido do ministério comandado por Paulo
Guedes.
O montante inicial abasteceria principalmente o
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que
contava com a verba para viabilizar uma nova chamada de projetos – que tinha
sido suspensa em 2018 por falta de recursos.
Para Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação
e atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC),
a decisão do governo ameaça a continuidade da pesquisa no país. “É uma situação
inacreditável”, afirma em entrevista à DW Brasil, apontando que o Brasil pode
estar diante de um “apagão científico”.
Numa carta voltada aos parlamentares, a SBPC e as
demais entidades que compõem a Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no
Parlamento (ICTP.br) – Academia Brasileira de Ciências, Andifes, Confap, Conif,
Confies, Consecti e IBCHIS – classificam o corte de uma afronta e fazem um
apelo para que os políticos revertam a decisão. “Está em questão a
sobrevivência da ciência e da inovação no país”, alertam.
Sem ciência, o país está fadado ao atraso,
considera Janine Ribeiro. “O Brasil está perdendo chances gigantescas de se
projetar”, diz.
DW Brasil: O corte nos recursos pegou a
comunidade científica de surpresa?
Renato Janine Ribeiro: Foi uma surpresa total. Imagine o projeto de
lei (PLN 16/2021) estar para ser votado, na hora chega uma carta do ministro
que desautoriza tudo o que estava sendo feito, e que muda todas as coisas… Isso
não existe. É uma situação inacreditável o que aconteceu, um choque muito
grande para a comunidade científica. As pessoas ficaram sem saber o que fazer
diante disso.
É o choque e a preocupação. O ministro da Economia
nem avisou o colega da Ciência, o Marcos Pontes, do que estava acontecendo,
segundo o que sabemos. Isso também é uma atitude que não é usual, tratar um
colega do ministério dessa maneira.
Quais são as consequências imediatas desse corte
que vocês já conseguem vislumbrar?
São devastadoras. Ficamos praticamente sem
financiamento para fazer pesquisa. Fica muito limitado. Desse valor total (R$
690 milhões), R$ 200 milhões iriam para o chamado Edital Universal do CNPq
(Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Ele lança editais específicos e, de vez em quando,
um edital universal. O específico pode ser, por exemplo, para pesquisar uma
vacina, para tratar de um problema específico, para desenvolver uma área que
está precisando de aportes novos, etc. Já o edital universal está aberto para
todas as áreas do conhecimento e tem finalidade de atender todas as áreas que
se qualifiquem. Esse edital tinha R$ 250 milhões, dos quais R$ 200 milhões
viriam desse dinheiro novo. E agora não virá, foi cortado.
Foram 30 mil pedidos de investimentos que entraram
para esse edital até o dia 30 de setembro, que seriam analisados agora e que
não terão mais como seguir.
Bolsas também serão afetadas?
Pelo o que sabemos até agora, foram afetados alguns
auxílios, como as bolsas RHAE, que são bolsas de recursos humanos para atender
empresas. Elas servem para financiar um aluno, um mestrando ou doutorando, para
melhorar o desempenho econômico de uma empresa. Essas bolsas foram cortadas
também na faixa de centenas de milhões de reais.
O que é possível fazer para minimizar esse impacto
que o senhor classifica como devastador?
Temos que fazer uma grande mobilização. Já
convocamos para o dia 15 próximo uma jornada de defesa da ciência. Nossa ideia
é mostrar para a sociedade brasileira a importância da ciência, mostrar como a
ciência se traduz numa melhor vida para as pessoas, como isso pode ser
decisivo.
Tem que ficar claro que nós não estamos pedindo
coisas para nós, que somos da área da ciência. Nós estamos querendo mostrar o
papel decisivo que a ciência tem para o desenvolvimento econômico e social do
país.
Na visão do senhor, a busca por soluções para frear
a pandemia deveria ter mostrado isso aos governantes e à sociedade?
Nós fomos capazes de muito. Nós temos Jaqueline
Goes de Jesus, a biomédica negra que fez o sequenciamento do genoma do vírus
SARS-CoV-2 em apenas 48 horas após a confirmação do primeiro caso de covid-19
no Brasil.
Se o governo tivesse canalizado recursos para
vacina, nós já teríamos tido uma vacina brasileira. Cuba tem sua própria
vacina, e o Brasil tem mais cientistas e PIB (Produto Interno Bruto) que Cuba.
Mas, em vez disso, o governo colocou dinheiro na cloroquina. É muito complicado
isso.
O que pode acontecer com as universidades públicas,
que já vêm sofrendo com cortes e falta de verbas?
Corremos risco de ver laboratórios fechando. É como
ter uma Ferrari e deixar o motor fundir porque não se coloca óleo. Temos
laboratórios que receberam investimento, construíram muitos resultados, com
muita dedicação e, de repente, param de funcionar. Eles não se atualizam, os
equipamentos não são mais reparados, não se recebem mais pesquisadores,
estudantes não são mais enviados ao exterior para conhecer novas tecnologias e
novas descobertas científicas. É algo tenebroso. Não consigo entender a lógica
disso.
Como o senhor enxerga o futuro de um país que não
investe em ciência?
O futuro é contrário, por exemplo, ao futuro
alemão. A Alemanha é a atual potência que é devido à ciência. O país conseguiu
chegar aonde chegou porque usou muito o resultado de pesquisas científicas.
Laboratórios como os do Instituto Max Planck são fundamentais.
Se o Brasil não for capaz de fazer isso, nós vamos
ficar um país atrasado. É como exportar o pó de café para importar as cápsulas
feitas para as máquinas da bebida. É uma linha divisória que a industrialização
pretendia romper na década de 1960, mas não basta ter indústria, é preciso ter
conhecimento científico aprimorado.
O Brasil está perdendo chances gigantescas de se
projetar. Assim como a mudança na diplomacia ambiental brasileira significou a
perda de protagonismo internacional, já que o Brasil sempre foi um país
respeitado por suas políticas de meio ambiente e serenidade na diplomacia, nós
estamos tendo agora o risco de ter um apagão científico. E um apagão desse é
algo que acontece depressa, e, depois, para reaver é muito demorado.
É possível reverter de imediato parte desse dano?
Existe dinheiro. Tanto que estão sendo perdoadas
multas ambientais em grande valor. O governo está abrindo mão de recursos para
outras áreas. Por que ele abre mão de multas de crimes ambientais e não
canaliza esses recursos para a ciência? É uma escolha política.
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