quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

"A cabeça bem-feita"


MORIN, Edgar. A cabeça-feita: repensar a reforma e reformar o pensamento. Tradução Eloá  Jacobina, 18.ed. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2010.

Por Aluizio Moreira                                                

Já em sua 18ª edição brasileira, a obra de Edgar Morin, contribui enormemente para elucidar aspectos fundamentais da educação/ensino(1), que embora dirigido ao cidadão, “poderia ajudar particularmente professores e alunos”na compreensão do papel da educação e do ensino na contemporaneidade.

Resultado de suas reflexões sobre questões da reforma do ensino na França, a pedido do então Ministro da Educação em 1997 que o nomeara presidente do “Conselho Cientifico” a fim de implantar aquela reforma, Edgar Morin chegou à conclusão da necessidade de reformar o pensamento sobre educação e sobre o ensino, naquilo que tinham de mais tradicional: a hiperespecialização  e o  acúmulo meramente quantitativo de informações.

É a partir desses dois problemas que o Autor irá estabelecer duas linhas  condutoras  de suas análises.

A  “hiperespecialização”, é considerada como um verdadeiro obstáculo ao claro entendimento dos fatos e fenômenos, pois não permite que se tenha uma visão global das coisas, na medida em que prevalece os particularismos, a fragmentação das realidades e dos problemas. 

Essa forma compartimentada de tratar os fatos e fenômenos
Atrofia as possibilidades de compreensão e de reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento  corretivo ou de uma visão a longo prazo. Sua insuficiência  para tratar nossos problemas mais graves constitui um do mais graves problemas que enfrentamos.  (MORIN, 2010,14)
Decorrente dessa “hiperespecialização”, e como parte dela, privilegia-se a mentalidade  reducionista em que o saber se limita ao saber especializado, contraponto do saber globalizante, tornando o individuo incapaz de relacionar a parte ao todo, ou de apenas considerar as partes. Citando Pascal:
Sendo todas as coisas causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todas elas mantidas por um elo natural e insensível, que interliga as mais distantes e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, assim como conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes. (PASCAL apud  Morin, 2010, p. 25) 
Outro comportamento muito vulgarizado nas escolas e nos cursos superiores, e igualmente criticado por Morin, é a prática da acumulação de informações, do conhecer, ou seja, “a cabeça cheia” (1), sem qualquer método que organize, que sistematize o pensamento, sem quaisquer reflexões críticas.

Evidente que a função da educação, do ensino, não é transformar o estudante num depositário de dados e informações dispostos para serem utilizados a qualquer momento como arquivo à espera de ser acionado.

É fundamental que a construção do saber se constitua na resolução de problemas, no desenvolvimento da reflexão crítica, na reorganização do pensamento, diante das idéias, das teorias, da critica, dos discursos já elaborados por terceiros.

A partir dessas abordagens,  Morin desconstrói todo um conjunto de ideias que durante séculos prevalece nas escolas e cursos superiores. Por exemplo, a aceitação de que a tarefa da escola, e particularmente dos professores é o de simplesmente transmitir conhecimento como se esse conhecimento não necessitasse ser repensado,  como se não fosse possível levantar dúvidas sobre o saber institucionalizado e tido  como incontestável. Pois
A maior contribuição de conhecimento do século XX foi o conhecimento dos limites do conhecimento. A maior certeza que nos foi dada é a de indestrutibilidade das incertezas, não somente na ação, mas também no conhecimento. (Ib. id., p. 55).
Deveríamos desde cedo (2) incentivar a curiosidade, “contribuir eminentemente para o desenvolvimento do espírito problematizador”, fundamental para o uso da inteligência e do pensar bem, condicionados pela dúvida, “fermento de toda atividade critica”. 

Uma outra consideração feita pelo Autor, é a postura que costuma-se ter diante das contradições, das especificidades das coisas. No que se refere à escola, à Universidade, é comum docentes e discentes tratarem as disciplinas como campos estanques, compartimentados, sem muita ou nenhuma ligação uma com as outras. No entanto o caráter multidimensional, sistêmico, nos permite hoje admitir que, sem desconhecermos as suas particularidades, há uma convergência de objetos do conhecimento que os aproximam, constituindo um todo articulado: Geografia, História, Economia, Sociologia, Direito, Ecologia, Economia, Antropologia, Pré-História, Cosmologia, Psicologia. 

A condição humana é natural e metanatural. O homo economicus é também o homo faber. Não se conhece o homem, estudando-o separado do cosmos, do biológico, do social, do cultural, do espiritual.

A grande contradição existente é que enquanto se procura tratar os saberes cada vez mais fragmentados, mais compartimentados, a própria realidade da qual fazemos parte, é, ela própria, multidimensional.

Mas não fomos orientados no sentido de entendermos os objetos e fenômenos nas suas diversidades e contradições; diversidades e contradições que formam uma unidade apesar das diversidades e contradições. Desconhecemos um dos princípios básicos da dialética: a unidade dos contrários.

Todas essas reflexões acerca da educação, do ensino, do conhecimento, das ciências naturais e humanas, da Cosmologia, da Ecologia, são fundamentalmente estudos da condição humana (do aprender viver, da formação  do cidadão). Condição humana cuja reforma do pensamento “é uma necessidade democrática fundamental: formar cidadãos capazes de enfrentar os problemas de sua época”  [...] como “condição sine qua non para sairmos de nossa barbárie.” (Ib. id., p. 103-104)

A Cabeça bem-feita”, não é uma obra indispensável apenas para aqueles que lidam com a educação, com o ensino. Mas contribui, pelo menos, como um desafio para entendermos os limites/infinitudes do conhecimento. É necessário e urgente repensarmos o pensamento. 

Notas
(1) O Autor utiliza-se de uma frase de Montaigne ao tratar da finalidade do ensino “mais vale uma cabeça bem-feita que bem cheia”.
(2) Morin no Prefácio da obra esclarece o significado de ambos os termos.
(3) No ensino primário, ao invés de “destruir as curiosidades naturais” dever-se-ia despertá-las com interrogações (Ver Cap. 7).


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