Ampla maioria aprova interrupção de gravidez de anencéfalos no STF
Após dois dias de julgamento, por oito votos a dois, Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou a interrupção de gestação em casos de anencefalia. Segundo o ministro Marco Aurélio Mello, cerca de 3 mil autorizações judiciais para interrupção da gravidez de anencéfalos já foram concedidas no Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde, o país é quarto no mundo com mais casos de anencefalia.
Por Vinicius Mansur
Brasília - Após dois dias de exaustivo debate em plenário, o STF concluiu na noite desta quinta-feira (12) o julgamento do mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, considerado pelo presidente do Supremo, Cezar Peluso, como o mais importante da história da Corte. Por oito votos a dois, a interrupção terapêutica da gestação de fetos anencéfalos não é mais crime.
Agora, as gestações de anencéfalos poderão ser interrompidas sem necessidade de autorização judicial, o serviço deverá ser oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e tanto as gestantes quanto os profissionais da saúde não poderão ser processados por executar o procedimento. A decisão não altera em nada o direito das mulheres que quiserem manter sua gestação.
Argumentações
Inúmeros argumentos embasaram os votos dos oito ministros que se colocaram pela procedência da ADPF 54. São eles: Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes e Celso de Mello. A mesma posição também foi manifestada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Segundo o ministro relator da matéria, Marco Aurélio Mello, a interrupção de gravidez de fetos anencéfalos não pode ser considerada aborto. 'O aborto é um crime contra a vida. O Estado tutela uma vida em potencial. No caso do anencéfalo não existe vida possível', disse.
O ministro Carlos Ayres Britto seguiu a mesma linha e considerou inadequado o uso da palavra aborto nestes casos, uma vez que o feto “é padecente de inviabilidade vital”. Contudo, Britto criticou a forma como o aborto é tratado no país ao afirmar que “se o homem engravidasse o aborto já seria lícito há muito tempo". Ele ainda caracterizou como “estranho” o fato do Brasil penalizar o aborto sem que sua Constituição ou Código Penal definam quando se inicia a vida humana. “Sob o início da vida, a Constituição é de um silêncio de morte”, versou.
O ministro Luiz Fux ressaltou a importância de se proteger dois componentes da dignidade humana da mulher: a saúde física e psíquica. Ele afirmou que estas gestantes podem “assistir por nove meses a missa de sétimo dia de seu filho” e questionou se era justo relegar a elas, “que já padecem de uma tragédia humana”, o banco dos réus. “Impedir a interrupção da gravidez nesses casos implica em tortura, o que é vedado pela Constituição”, sentenciou.
A ministra Cármen Lúcia enfatizou que a Corte estava deliberando sobre a possibilidade de um médico ajudar uma gestante de ter a liberdade escolher o melhor caminho, “seja continuando ou não com esta gravidez”.
Julgaram improcedente a ADPF 54 os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso. Lewandowski abriu a divergência afirmando que um tema de tamanha complexidade merece maior debate público e deve ser submetida ao Congresso Nacional. “Não é lícito ao maior órgão judicante do país envergar as vestes de legislador criando normas legais”, opinou. Ele também afirmou que uma decisão favorável à descriminalização em debate “abriria as portas para a interrupção de gestações de inúmeros embriões que sofrem ou viriam sofrer outras doenças genéticas”.
Já Peluso criticou a corrente majoritária no plenário ao afirmar que fetos anencéfalos estavam sendo reduzidos “à condição de lixo”. Segundo o ministro, o feto portador de anencefalia tem vida e, por isso, a interrupção da gestação pode ser considerada crime. Ele destacou que o termo anencefalia induz a erro porque remete a falta cérebro. "Na verdade, a anencefalia corresponde à ausência de uma parte do encéfalo”, disse.
Desfecho
Já no final do julgamento, o plenário rejeitou a proposta de Gilmar Mendes e Celso de Mello que pretendia acrescentar à decisão a condição de que, para realizar a interrupção da gravidez, seriam necessários dois laudos médicos distintos que comprovassem a anencefalia do feto.
Histórico
O Código Penal brasileiro permite o aborto em casos de estupro ou de claro risco à vida da mulher e o criminaliza em outras situações, prevendo pena de um a três anos para a mulher que se submeter ao procedimento e pena de um a quatro anos para o profissional de saúde que realizá-lo.
Em 2004, uma liminar foi concedida pelo ministro Marco Aurélio autorizando a interrupção de gravidez quando a anencefalia fosse detectada por laudo médico. Mas, o plenário do STF cassou a liminar meses depois. Em 11 de abril de 2004, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Saúde (CNTS) entrou com a ADPF 54 no STF pedindo o reconhecimento da constitucionalidade da antecipação terapêutica do parto nos casos de anencefalia.
Segundo o ministro Marco Aurélio Mello, cerca de 3 mil autorizações judiciais para interrupção da gravidez de anencéfalos já foram concedidas no Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde, o país é quarto no mundo com mais casos de anencefalia.
A anencefalia é a má-formação do cérebro e do córtex do bebê, deixando apenas um "resíduo" do tronco encefálico. De acordo com a CNTS, a doença provoca a morte de 65% dos bebês ainda dentro do útero materno e, nos casos de nascimento, sobrevida de algumas horas ou, no máximo, dias.
FONTE: Carta Maior
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