Por Guilherme da Rocha Zambrano (*)
Os anos 1980 são conhecidos como a década perdida para o Brasil porque nessa época o crescimento do Produto Interno Bruto foi considerado desprezível. Naquela época de hiperinflação, entretanto, os créditos dos trabalhadores eram “corrigidos”, atualizados, por gatilhos salariais e índices de medição da inflação que compensavam a desvalorização da moeda.
Da virada do milênio para cá, entretanto, e apesar do controle da inflação, algo profundamente nefasto para os créditos dos trabalhadores vem sendo progressivamente constatado pelos Juízes do Trabalho, no Rio Grande do Sul e no Brasil: o famigerado Fator de Atualização dos Débitos Trabalhistas – FADT simplesmente não cumpre a sua função de “correção” monetária, de atualização dos créditos.
Isso acontece porque o FADT nada mais é do que a Taxa Referencial – TR divulgada pelo Banco Central do Brasil – BCB, que não é um índice de inflação, mas uma média dos juros pagos em CDBs, que ainda sofre uma redução completamente arbitrária para evitar que a caderneta de poupança seja mais atrativa que os investimentos em CDBs.
Com a progressiva redução dos juros básicos da economia a patamares civilizados (a SELIC), que repercute nos CDBs, a variação da TR (portanto do FADT) vem sendo drasticamente reduzida.
Não por acaso, no último ano o FADT/TR ficou zerado, de modo que simplesmente não houve “correção” ou atualização monetária para os créditos trabalhistas. Mas o problema é bem mais antigo. Desde 1999 a variação da TR vem sendo muito inferior aos demais índices de variação da inflação e esse problema vem sendo acentuado cada vez mais.
Entre 1999 e 2006, por exemplo, a variação da TR foi de aproximadamente um terço da variação do IPC-A e do INPC (ambos medidos pelo IBGE); já de 2007 a 2011, a variação da TR foi menor que um quarto da variação do IPC-A e um quinto da variação do INPC; em 2012, então, a variação da TR foi ridícula, de 0,3%, enquanto a inflação medida pelo IBGE ficou próxima de 7%, ou seja, vinte e poucas vezes maior que o FADT/TR.
Em casos concretos, o efeito acumulado por anos de (des)atualização monetária pelo FADT/TR é assustador, chegando a representar uma diminuição equivalente a cerca de 50% do crédito do trabalhador – ou seja, o trabalhador que recebe R$ 1.000,00 atualizados pelo FADT/TR receberia cerca de R$ 1.500,00 se a atualização tivesse sido feita por um índice oficial de inflação (o IPC-A ou o INPC).
Nesse contexto, é urgente o abandono do FADT/TR, até para que seja aplicado corretamente o art. 389 do Código Civil, que determina a utilização de “índices oficiais” de inflação para a atualização monetária.
O índice a ser adotado pode ser o IPC-A (que mede a inflação para famílias com renda até 40 salários mínimos) ou o INPC (renda até 20 salários mínimos), até porque a diferença entre um e outro é mínima – basta que seja um índice “oficial de inflação”, medido pelo IBGE.
Tampouco seria admissível a manutenção do FADT/TR até determinado momento (no passado ou no futuro) e a substituição por outro índice somente a partir de então, pois isso permitiria que inúmeros créditos de trabalhadores fossem “corroídos” pela inflação, de modo irreversível.
Para evitar a reabertura de discussões já encerradas, são suficientes os institutos da preclusão e da coisa julgada – ou seja, apenas os cálculos de liquidação que já foram feitos sem impugnação das partes quanto à adoção do FADT/TR seriam mantidos. Para os demais, deve urgentemente ser adotado um índice oficial de inflação (o IPC-A ou o INPC).
Com essa medida, a Justiça do Trabalho cumprirá adequadamente a sua função de distribuir justiça, “dando a cada trabalhador o que é seu”, sem que haja um desperdício monumental de trabalho, e ao mesmo tempo evitará que os anos 2000 sejam décadas perdidas para os créditos dos trabalhadores.
(*) Juiz do Trabalho da 4ª Região
FONTE: Granadeiro Guimarães
Publicado originalmente: Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região Rio Grande do Sul
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