domingo, 10 de novembro de 2013

A grande convergência liberal-conservadora


Qual a real diferença de projetos macroeconômicos entre Dilma, Aécio e Eduardo Campos/ Marina Silva? Todos defendem o tripé metas de inflação, juros altos e câmbio flutuante. Todos defendem privatizações. Nenhum se dispõe a enfrentar o mercado como ele é. As diferenças – e elas existem! – são de estilo, ênfase e ritmo.

Por Gilberto Maringoni


Um: surpresa, todos concordam!

Ganha uma compilação dos melhores textos de Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx e John Maynard Keynes sobre superávit primário quem apontar uma diferença de fundo entre as propostas macroeconômicas de Dilma Rousseff, Aécio Neves e a dupla Marina/ Eduardo Campos.

Há diferenças de ênfase, ritmo e estilo, obviamente.

Todos falam publicamente em melhorar, em fazer mais, em gerar mais empregos etc. Mas nenhum se arrisca a criticar as bases da política monetária vigente desde o governo FHC, com juros elevados, metas de inflação e câmbio flutuante. 

As semelhanças não param por aí.

Dois: adeus ao desenvolvimento

Dilma, em seu governo, exacerbou características liberais das gestões de Lula, sem acentuar nenhuma de suas políticas anticíclicas (aumentos reais do salário mínimo, investimentos em infraestrutura e políticas sociais emergenciais). Onde havia um esboço desenvolvimentista agora há uma opção pelo aperto fiscal.

Seguidas elevações da taxa Selic em 2011 – apesar da redução observada em 2012 e logo revertida - se materializaram em crescimentos medíocres do PIB.

Nesse quesito, ela se iguala ao segundo mandato de FHC. Sua agenda guarda fortes semelhanças com a gestão do príncipe dos sociólogos: privatizações, leilão do pré-sal, perdão fiscal bilionário – R$ 680 bilhões – a bancos e monopólios privados, desonerações ao capital, acertos com a grande mídia, favorecimento ao agronegócio, paralisação da reforma agrária, uso do BNDES para favorecer a concentração de capital, câmbio sobrevalorizado e tendência à desindustrialização.

Três: mais é melhor e melhor é mais

O PSB de Eduardo Campos exibiu suas propostas em rede nacional na quinta-feira, 10/10. Que alternativa propõe? “Fazer mais e melhor”.

Que ligação há entre essas idéias e as da Rede, de Marina Silva? Campos esclareceu, em artigo na Folha de S. Paulo do domingo (13/10), que "O desenvolvimento sustentável é a releitura contemporânea mais próxima do socialismo democrático".

Pode ser que faça algum sentido, embora não pareça.

Marina mostrou o que pensa a respeito da economia em encontro com a nata do capital financeiro, em São Paulo, na semana passada. A matéria de Talita Moreira e Daniella Chiaretti, no Valor Econômico da segunda (14/10), diz o seguinte:

“Marina Silva (PSB) fez duras críticas à política econômica do governo Dilma Rousseff e defendeu o retorno do tripé - geração de superávits primários nas contas públicas, câmbio flutuante e metas para inflação - que vigorou nos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula. (...) Para a ex-ministra, o câmbio deve voltar a flutuar livremente sem tantas intervenções do Banco Central. Além disso, é preciso promover uma sinalização firme para que a inflação volte ao centro da meta (4,5%) - na gestão atual, a inflação média anual está girando em torno de 6%”.

Quem diria. A dama da sustentabilidade adora o neoliberalismo punk!

Quatro: sem medo de ser feliz

Quanto a Aécio... Bem, Aécio traz o velho e bom programa tucano, eternizada na máxima dos anos 1990, “O mercado quer sangue”. Trata-se de uma variante black bloc da pauta privatizante petista, sem medo de ser feliz. Ou seja, sem receio de dizer que concessão é privatização e sem freios nos favores ao capital.

Embora existam diferenças de ritmos e ênfases, as idéias-força dos distintos candidatos apresentam mais convergências do que divergências, mas isso nunca é dito claramente.

A esse respeito, a economista Elena Landau, ex-diretora do BNDES no governo FHC e conhecida como “musa das privatizações”, escreveu o que se segue, na Folha de São Paulo (2/10):

“Por que um governo decide privatizar suas empresas e vender ativos?  (...) Não há, como regra, uma opção ideológica. Por isso, não só Lula continuou o processo da gestão anterior, como Dilma o ampliou. Mas, para ficar bem com os eleitores, abusa equivocadamente da ideia de que concessão é diferente de privatização”.

Com a noção de que “não há uma opção ideológica”, busca-se ocultar do distinto público o fato de que existe uma grande convergência liberal-conservadora (doravante, a Grande COLICA), fruto de escolhas conscientes e não um dado da natureza.

Parece que o lema do ex-prefeito Gilberto Kassab, afirmando que o seu PSD não seria “nem de esquerda, nem de direita e nem de centro” pegou para valer.

Cinco: Ideologia? Meu marqueteiro cuida disso

A desideologização, a marquetização e a tecnicização da política nos conduz a um perigoso senso comum, para o qual disputa é mais ou menos embate de torcida.

A expressão cristalina disso foi dada por uma pesquisa do Datafolha, divulgada na segunda (14/10). Na matéria, publicada pela Folha de S. Paulo, é dito o seguinte:

“No Brasil, há uma quantidade bem maior de eleitores identificados com valores de direita do que de esquerda. O primeiro grupo reúne 49% da população, enquanto os esquerdistas são 30%. Isso, porém, produz pouco impacto nos índices de intenção de voto para presidente em 2014. (...) Conforme os dados do instituto, a presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição pelo PT e favorita na disputa, tem praticamente o mesmo padrão de votação entre eleitores identificados com valores de direita, centro-direita, centro e centro-esquerda”.

A sondagem mostra que definições ideológicas pouco contam na hora do voto (embora exista um núcleo mais à esquerda com Dilma e outro no espectro oposto com Aécio).

À direita não interessa marcar nitidez ideológica de nada. Aliás, quando alguém se apresenta como esquerdista, seus representantes se apressam a acusar ali uma tentativa de “ideologizar” as coisas.

Seis: metamorfose perambulante

Lula e Dilma, no governo, nunca autodefiniram ideologicamente. Na prática, se valem de um slogan cunhado pelos marqueteiros do ex-governador paulista Mario Covas, que dizia estar “fazendo o que tem que ser feito”.

Se tem que ser, será, não cabe discutir.

As exceções debitam-se numa das citações preferidas de Lula: “Sou uma metamorfose ambulante”.

Essa indiferença é a base social para a Grande COLICA.

Sete: um pequeno interregno 

O segundo mandato de Lula esboçou trilha diversa, justiça seja feita. Ali se delineou o que poderia vir a ser um Estado desenvolvimentista, de forma muito tímida e contraditória. Havia ventos favoráveis.

Aproveitando-se de um ciclo ascendente do preço internacional das commodities, Lula tomou algumas iniciativas expansionistas.

As medidas principais foram a elevação do valor real do salário mínimo em 70% (!), a expansão do crédito e uma série de medidas sociais focadas. Várias categorias profissionais tiveram aumentos reais e o BNDES abriu o cofre para financiar projetos de variados calibres. Expandiu-se a rede de universidades públicas e a Petrobrás investiu como poucas vezes fizera. A política externa diversificou-se e buscou independência em relação aos parceiros tradicionais.

A situação dos pobres melhorou em termos reais, enquanto havia margem para a distribuição do excedente gerado pelas exportações. Não foi pouco, diante de um mundo em crise, a partir de 2008.

Ao mesmo tempo, Lula atravessou todo o seu mandato com altíssimas taxas de juros e com o real perigosamente valorizado. A Lei Geral de Desestatização, de 1991, renovada seis anos depois, segue em vigor, impávida. Aliás, nenhuma das medidas ultraliberais do mandato de FHC foi revogada.

A gestão dos serviços públicos privatizados segue tal e qual, com as agências reguladoras não fazendo jus ao nome.

Oito: A perigosa comapração com FHC

Dilma nem isso tentou. Seu governo se definiu logo de cara. Preocupada com o crescimento de 7,5% do PIB em 2010 e com possíveis gargalos na infraestrutura, a presidenta atendeu ao lobby do mercado financeiro.

Depois de passar a tesoura em R$ 55 bilhões das contas públicas e elevar cinco vezes – entre janeiro e setembro – a taxa Selic, ela viu o crescimento minguar para 2,7% em 2011, 0,9% em 2012 e algo em torno de 2% neste ano. São números que a aproximam perigosamente dos resultados do segundo – e pior – mandato de FHC: 0,3% em 1999, 4,4% em 2000, 1,4% em 2001 e 2,7% em 2002.

Aliás, quem mostra identidades entre as gestões tucanas e petistas não é nenhum esquerdista ensandecido. É Octávio de Barros, o competente economista-chefe do Brasesco. Em agosto último, em palestra na Universidade Federal do ABC, ele afirmou algo cristalino: “Os governos Fernando Henrique e Lula foram complementares”.

Nove: eu sou você amanhã

Além de Barros, muita gente importante não vê diferenças entre as gestões.

O PMDB – com Sarney, Renan Calheiros, Nelson Jobim e outros -, o PP – de Paulo Maluf -, a bancada ruralista – com a senadora Katia Abreu à frente – e tantos outros se aboletaram nos mandatos tucanos e petistas como se em casa estivessem.

O caso mais significativo é o do Ministro da Pequena e Média Empresa, Guilherme Afif Domigos. Sem fazer muita ginástica, ele consegue ser vice-governador da mais reluzente gestão tucana, a de São Paulo, e compor o primeiro escalão da governança petista.

Certamente estarão com Campos e Marina, caso estes cheguem ao Planalto um dia.

Assim, voltamos à pergunta: qual a diferença estrutural do projeto macroeconômico como ele é de PT, PSDB e PSB?

Atenção: a pergunta é sobre a gestão fiscal e monetária!

Dez: as diferentes diferenças

Há diferença entre as três postulações?

Sim, há. Mas tudo fica no acessório, em uma política focada aqui, outra ali e nada mais.

A candidatura de Dilma Rousseff, obviamente, tem vantagens sobre as outras.

A velha direita perdeu espaço porque o PT soube habilmente incorporar demandas da base social tradicional desses setores – capital financeiro, comercial e agronegócio – às suas práticas de governo. O partido não sabe ainda o que propor ao capital industrial, vitimado pela defasagem cambial. Mas busca compensar as perdas com desonerações e perdões fiscais.

A Grande COLICA precisa de alguns pressupostos para se manter como até aqui.

Um deles é buscar evitar grandes solavancos na economia. Até agora, nada parece indicar algo que não uma desaceleração paulatina até as eleições de 2014.

Se a toada se mantiver, a formidável máquina do Estado e a preferência aberta da grande burguesia darão toda vantagem a atual presidenta. Para o grande capital, mudar seria um risco desnecessário, diante da boa aplicação de suas diretrizes por parte da gestão petista.

Outro é fazer de tudo para que as ruas não saiam do controle, como em junho último. Embora manifestações assim tenham largo grau de imprevisibilidade, distúrbios sociais às vésperas do pleito de 2014 podem ser fatais para quem estiver à frente das pesquisas.

É preciso levar em conta que o PT apresenta uma vantagem inigualável: o enraizamento popular nos setores organizados. Ou seja, uma administração do partido dispõe de maior legitimidade que as demais para aplicar a Grande COLICA, sem grandes faíscas com os de baixo.

Onze: Show de marquetagem

A campanha de 2014 promete ser um show de marquetagem, à falta de diferenças marcantes entre grandes personagens da trama. Quem tiver os melhores efeitos especiais, a melhor trilha sonora e mais dinheiro, leva.

A convergência se consolida.

Mesmo assim, é possível destoar de um coro assim tão afinado.

Uma candidatura de esquerda pode não conseguir alcançar grandes índices de preferência num jogo em que o que conta é o financiamento privado.

Mas pode marcar um contraponto necessário, a depender da conjuntura do ano que vem.

LEMBRETE 1 – Para quem não acha que o PT consolidou seu giro rumo à Grande COLICA, é bom acompanhar o processo de eleições diretas (PED), interno à sigla. As correntes de esquerda – tudo indica – serão literalmente tratoradas pelo que se convencionou chamar de “campo majoritário” nas votações que ocorrerão dentro de um mês.

LEMBRETE 2 – Sobre o prêmio aludido no início desse texto, sentimos informar. Não será possível entregá-lo. Nenhum economista clássico jamais falou em superávit primário. Trata-se de uma pegadinha do mercado financeiro, criada nos anos 1990.


FONTE: ControVérsia

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