terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

As ruas voltam a se manifestar


Por Pe. Alfredo J. Gonçalves


O ano de 2014 promete surpresas, algumas inesperadas, outras nem tanto. Já em junho de 2013 manifestantes de vários movimentos sociais, instituições e organizações de base, com boa predominância de jovens, usaram as ruas e praças de todo o território nacional como caixa de ressonância, seja para o descontentamento e mal-estar generalizados, seja para suas reivindicações. Como nos tempos do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, voltaram a pintar a cara com as cores da bandeira nacional, manifestando, entre outras coisas, um nacionalismo nem sempre isento de outros "ismos”, mas inquieto por mudanças nos rumos da política econômica.

Agora, às vésperas do Carnaval e da Copa do Mundo, o fenômeno volta a desfilar por algumas cidades e a preocupar os governos municipal, estadual e nacional. Ontem como hoje, um duplo aspecto caracteriza as manifestações: por uma parte, prevalece uma crítica insistente ao padrão Fifa para estádios de futebol e eventos relacionados à Copa; por outra, a exigência de que o mesmo padrão se estenda aos direitos básicos da população brasileira. Por outro lado, em ambos os casos, a Internet tem servido de meio para a comunicação e a convocação. Trata-se, portanto, de uma geração conectada virtualmente, mas, ao mesmo tempo, conectada aos problemas da sociedade brasileira. O que, de uma forma ou de outra, desmente a cômoda afirmação de que "os jovens hoje não querem nada com nada”. Querem algo, sim, e o querem de forma inclusiva e transparente, aberta e participativa. Em outras palavras, colocam sobre a mesa a própria concepção de democracia.

A verdade é que o desenvolvimento do país, desde longa data (para não dizer desde 1500), sofre estruturalmente de um mal crônico. Em tempos de "vacas magras”, como bem sabemos, os extratos mais pobres devem pagar a conta, através de impostos, taxas, etc; em tempos de "vacas gordas”, os benefícios do progresso e do crescimento se acumulam em poucas mãos. Em termos mais concretos, privatize-se a riqueza, ao mesmo tempo em que, na base da pirâmide, socializa-se a pobreza, a exclusão social e a miséria. Crescimento histórica e estruturalmente viciado que gera, simultaneamente, concentração de renda e aprofundamento da desigualdade social. Resulta que, a democracia, neste país (e em tantos outros) mexe com as águas da política, criando ondas aparentemente fortes, mas superficiais, porém deixa intactas as correntes subterrâneas da estrutura da economia.

Desse estado de coisas, histórico e persistente, resulta o descontentamento e as mobilizações sociais, contemporaneamente causa e efeito de uma consciência crescente em determinados setores da população. Resta sempre a pergunta: até que ponto a onda de euforia relacionada a Copa do Mundo traz benefícios reais e duradouros para a população de baixa renda? Formulada de outra maneira: no apagar das luzes da decisão final, independentemente de quem seja o novo campeão do mundo, sobrarão algumas migalhas para os pobres ou estes "ficarão a ver navios”, como dizem nossos irmãos de língua portuguesa no outro lado do Atlântico? Restaremos somente com a possibilidade de mais uma estrela na camisa da seleção brasileira? Isso para sequer levar em conta uma verdadeira e profunda distribuição de renda!

Essas questões nada têm de mera retórica. Expressam um desejo vivo e consciente de participar na divisão do bolo feito a múltiplas mãos, num país que vem dando sinais de vigor e crescimento econômico. Crescimento para quem? – perguntam com razão os jovens pelas ruas e praças! A verdadeira energia das manifestações se revela inversamente proporcional à capacidade do governo de promover políticas públicas voltadas para as necessidades básicas do país. Não basta desempenhar o papel de bom anfitrião da Copa do Mundo (2014) ou das Olimpíadas (2016), como um país que faz o "dever de casa” diante da comunidade internacional, mas esquece os compromissos assumidos internamente, com os cidadãos brasileiros, no decorrer da campanha eleitoral e em outras ocasiões.

E aqui entra em cena o núcleo do problema, o verdadeiro nó da questão. Do ponto de vista político e econômico, o que está em jogo? Um projeto de governo que leve em conta a grande lacuna das reformas necessárias e urgentes, ou um simples projeto de poder, de olho no processo eleitoral que se seguirá à Copa do Mundo? Como diz o provérbio, privilegiamos as futuras gerações (a médio e longo prazos), ou às próximas eleições (a curto prazo)? Chegamos, assim, a outro entrave da trajetória político-econômico brasileira: enquanto os políticos em geral (salvo raras e boas exceções) trabalham para a reeleição, os partidos a que pertencem trabalham para manter-se no poder. Um planejamento de longo alcance, independentemente de quem ganhe ou perca as eleições, parece estar fora dos programas partidários. Mais importante é conquistar o maior número de cadeiras na Câmara e no Senado, o maior numero de prefeituras ou governos estaduais.

Daí a miopia ou a cegueira da visão político-econômica. Em lugar de levar em conta as necessidades mais urgentes da população, e a partir de tais lacunas desenhar um plano de governo, prevalece os interesses pessoais, partidários ou corporativistas. Os currais eleitorais e as oligarquias se revelam tão vivos e ativos quanto nos tempos obscuros do passado. Se a tudo isso acrescentamos o grau de corrupção, o tráfico de influência e o apadrinhamento nos meios públicos, chegamos a uma política deveras enferma, morbidamente doentia. Somente a voz das ruas, mesmo com todas as suas falhas, incongruências e contradições, será capaz de  mudar esse quadro nada animador. Quando as ruas falam, resta-nos a sabedoria do silêncio, da escuta e do discernimento. O que não se pode é, pura e simplesmente, ignorá-las, sob pena de cavar a própria sepultura!


FONTE: Adital

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