Por Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação
Terminaram as eleições gerais, restando apenas algumas disputas de segundo turno para cargos executivos, como o federal. Como se previa largamente, candidaturas conservadoras foram bem sucedidas, enquanto aquelas que carregavam anseios populares demonstrados nas ruas tiveram pouquíssimas vitórias. É assim que a socióloga e professora da UNESP Maria Orlanda Pinassi analisa o pleito, em entrevista ao Correio da Cidadania.
“Parece que vivemos num sistema unipartidário com duas alas de direita se alternando. No Planalto, com hegemonia do PT; em São Paulo, do PSDB. Isso demonstra que os dois partidos acabam se complementando num projeto de desenvolvimento para o país”, afirma Pinassi, que, no decorrer da conversa, mostrou muito mais preocupação com as novas configurações dos parlamentos, tanto estaduais como federais, do que com o segundo turno.
“Nas três esferas, deputados estaduais, federais e senadores, houve uma guinada impressionante para a direita. Em termos políticos, é uma crise estrutural muito grande, um quadro preocupante. Vi uma clara fascistização nesse processo eleitoral”, pontuou. “Tenho um sentimento de que, até para acompanhar a direitização de todas as esferas parlamentares, veremos também uma direitização do Executivo”, diz ela, que dessa forma minimiza a importância, ao menos para os setores progressistas, de tomar lado em 26 de outubro.
Sobre a impressionante queda de Marina, Pinassi foi sucinta. “Ela não conseguiu aproveitar a oportunidade e sustentar, de fato, um projeto de mudança. E sua Rede da Sustentabilidade está fadada a reproduzir um discurso vazio de sentido político, já que existem dois partidos que oferecem condições melhores ao capital”, explicou a professora, que encerrou a entrevista com uma análise dos reflexos de junho de 2013 no processo eleitoral de 2014.
A entrevista completa pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Primeiramente, o que pensa do fato de que, desinflada a ‘bolha’ Marina, PT e PSDB novamente estarão no duelo final pelo Planalto?
Maria Orlanda Pinassi: De certa forma, aconteceu o que eu previa em um artigo escrito antes da morte do Eduardo Campos, portanto, antes da bolha Marina. Até fiz uma nota de que, independentemente de Marina concorrer ou não como cabeça de chapa, não mudaria, de jeito nenhum, a regra do jogo que se repete há mais de 20 anos. Parece que vivemos num sistema unipartidário com duas alas de direita, PT e PSDB, se alternando. E repetindo a fórmula em São Paulo. É uma espécie de reflexo de nível nacional do que acontece no maior estado do país. No Planalto, com hegemonia do PT; em São Paulo, do PSDB.
Isso demonstra que os dois partidos acabam se complementando num projeto de desenvolvimento para o país, no sentido de que quem oferecer as melhores condições ao capital levará vantagem.
Correio da Cidadania: Em sua visão, o que proporcionou a queda de Marina Silva na reta final da eleição e a votação inesperada em Aécio Neves?
Maria Orlanda Pinassi: A Marina entrou nesse processo, num primeiro momento, porque ela vinha apresentando uma proposta de mudança política. A comoção da morte de Campos impactou, mas não foi o único ponto de sua ascensão.
A mudança política propalada por ela caiu num vazio, pois não conseguiu sustentar como se daria tal mudança. Como ela falava o tempo todo de “utilizar os melhores quadros de todos os partidos”, não parecia uma mudança efetiva. Ela não conseguiu aproveitar a oportunidade e sustentar, de fato, um projeto de mudança. E sua Rede da Sustentabilidade está fadada a reproduzir um discurso vazio de sentido político, já que existem dois partidos que oferecem condições melhores ao capital.
Correio da Cidadania: De modo geral, como enxerga os resultados eleitorais verificados Brasil afora? Quais forças sobem e descem no jogo político-institucional?
Maria Orlanda Pinassi: Mais do que forças subindo ou descendo, vejo uma guinada radical para a direita. Forças que representam o pior conservadorismo no jogo político-institucional. É um quadro assustador, independentemente de quem vai assumir a presidência. Se a Dilma ganhar, será extremamente difícil conseguir governar com um parlamento tão à direita. Assim como imagino que será difícil a convivência para os partidos de esquerda – fundamentalmente o PSOL, que teve desempenho muito interessante nas eleições –, no sentido de emplacar algum projeto socialmente relevante. Mais do que conservador, trata-se de um parlamento reacionário, no sentido mais profundo da palavra.
Correio da Cidadania: Desse modo, a nova composição do Congresso talvez seja o produto mais preocupante das eleições?
Maria Orlanda Pinassi: Não tenha dúvida. Nas três esferas, deputados estaduais, federais e senadores. Houve uma guinada impressionante. Não sei se isso revela um descontentamento da população, até por haver uma ignorância política historicamente forte no país, que acaba carreando votos para um projeto quase fascista. Vi uma clara fascistização nesse processo eleitoral.
De outro lado, temos uma quantidade expressiva de votos nulos e brancos, que não podem ser desprezados. As duas dimensões, o “voto de protesto” nos Tiriricas da vida, personagens que servem muito bem a um projeto complicado de país, e tal quantidade de votos nulos e brancos, demonstram uma insatisfação muito grande.
Não podemos deixar de considerar tais dimensões do eleitorado brasileiro. Trata-se de um desafio para a esquerda, em todos os sentidos. Tanto a esquerda organizada em partidos políticos, como aquela fora dos partidos, mas que também está pensando o Brasil e todo o processo que vivemos.
Em termos políticos, a crise estrutural é muito grande, um quadro preocupante. Temos de pensar profundamente a respeito do que aconteceu, ao invés de nos centrarmos numa preocupação excessiva com o segundo turno, que é o que já percebo.
Não estou tão preocupada com o segundo turno.
Correio da Cidadania: O que espera, de todo modo, da disputa pelo segundo turno presidencial, entre Dilma e Aécio, a quarta consecutivo entre PT e PSDB?
Maria Orlanda Pinassi: Eu vejo uma grande possibilidade de o Aécio Neves ser a bola da vez do capital. Mas é bom ter claro que o PT e as forças que apostam no PT oferecem também grandes vantagens para o capital.
Basta ver o discurso da Dilma no recente encontro sobre o clima da ONU recentemente, quando perguntada sobre a questão do desmatamento. O PT, em fóruns internacionais, em geral, se posiciona de uma forma relativamente progressista sobre a questão ambiental. Mas, dessa vez, ela foi muito clara e falou: “o desmatamento é necessário para continuar em curso o processo do desenvolvimento”. Assim, conclui-se que Dilma é contra medidas que venham a barrar o desmatamento e a destruição ambiental. Ela acenou para os grandes grupos capitalistas, que estão aqui no Brasil, e suas grandes transacionais: “olha, eu não vou opor nenhum obstáculo para vocês”.
Dilma não é uma carta fora do baralho, mas me parece que – estou falando três dias depois das eleições – não tem definição alguma do quadro, dos apoios que vão ser dados, seja para um candidato, seja para o outro. No entanto, tenho um sentimento de que, para acompanhar a direitização de todas as esferas parlamentares, veremos também uma direitização do Executivo.
Posso errar completamente, mas parece haver uma tendência de as forças da ordem e do capital jogarem pesado no Aécio, porque as alianças do PSDB oferecem mais vantagens, neste momento histórico, para o tipo de desenvolvimento que o Brasil vem instalando desde os anos 90, alternando PSDB e PT. Temos um projeto de desenvolvimento profundamente destrutivo e avassalador, e o capital exige uma política de desregulamentações cada vez mais agressiva, para que se dê o livre curso dos processos da mineração, do agronegócio etc. Processos que implicam em lógicas que têm acabado com a questão ambiental no Brasil, com as comunidades indígenas, camponesas, quilombolas. E têm acabado com a periferia das grandes cidades. Um projeto avassalador para o país e a América Latina.
Aécio e o PSDB oferecem, portanto, condições melhores para que essa agressividade capitalista se instale no país ainda mais. Por fim, uma conjectura pura: quem sabe o PT, tão competente na despolitização das classes trabalhadoras e na oferta de políticas de “alívio social”, volte daqui a uns 8 anos, para minimizar os estragos que o eventual período de PSDB e aliados no governo federal venham a causar?
Correio da Cidadania: Diante disso, acredita que as correntes de esquerda, o PSOL entre elas, devam declarar apoio em Dilma, como se fez majoritariamente em 2010?
Maria Orlanda Pinassi: Particularmente, para ter coerência com o que tenho defendido, penso que não se deve declarar apoio. Individualmente, tudo bem, como no caso do Marcelo Freixo. O próprio PCB indica um apoio crítico, naquela linha de “derrotar Aécio nas urnas e Dilma nas ruas”. Enfim, são opções. Esta não é a minha opção no momento. Penso que as esquerdas não deveriam se posicionar por um ou outro partido, porque não vejo diferença efetiva entre eles.
Correio da Cidadania: Como viu os resultados dos partidos mais à esquerda do espectro político nesse primeiro turno?
Maria Orlanda Pinassi: O PSOL, como disse, foi o partido de esquerda de melhor resultado, obviamente em função do fato de a Luciana Genro ter participado dos debates na televisão e, também, pelo seu ótimo desempenho, que achei brilhante. Teve posições muito firmes e claras e diria que, entre todos estes candidatos, ela foi a única que parecia ter um projeto social para o país. Isso acabou se refletindo na votação, digamos, expressiva em todos os setores do PSOL que disputaram as eleições.
Já os demais partidos foram prejudicados, porque não apareceram nos debates. E, quando apareciam, era de forma meio acachapante, humilhante, com tempos curtíssimos para falar... Me senti mal de ver pessoas muito respeitáveis no âmbito da esquerda tendo de se submeter a esse tipo de campanha, como se em um minuto se pudesse esclarecer algo ao público.
É claro que o atual sistema político e eleitoral prejudica profundamente a esquerda. A estrutura do debate impede qualquer participação efetivamente democrática. É um pluripartidarismo quimérico, pois não reflete todos os partidos. O desempenho foi, em consequência, condizente com a participação pífia que as esquerdas tiveram.
Algo a se repensar é se vale a pena continuar participando desse “jogo democrático”. Eu tenho sérias dúvidas sobre a efetividade dessa participação, que acredito expor a fragilidade de parte da esquerda organizada em partidos e que disputa o pleito. Uma parte que não reflete toda a esquerda, e que se mostra muito fragilizada quando aparece em meio a esse jogo.
Correio da Cidadania: Finalmente, é possível dizer que junho esteve em algum momento representado nas campanhas eleitorais?
Maria Orlanda Pinassi: Vi junho, sim. Ao contrário de algumas pessoas que dizem que não. Principalmente aquela segunda-feira, 17 de junho, em que as forças de direita foram para as ruas gritar “contra a corrupção” e exigir uma limpeza política no país. Ali houve uma mudança brutal de foco das reivindicações, que eram populares e legítimas, pelo transporte público gratuito, para uma “politicização” (conceito de inserção política alienada das decisões econômicas) do processo. Claro que não de forma geral, mas aquelas grandes manifestações acabaram refletindo muito isso, sobretudo, pelo papel da grande imprensa.
As palavras de ordem dos jovens da classe média reacionária – os coxinhas - que foram para as ruas no segundo momento dos protestos acabaram exitosas na eleição. Antes disso, foram responsáveis pela reforma política demandada por Dilma na ocasião, o que acabou refletindo no recente pedido de plebiscito. É incrível como aquela classe média teve força no processo. Esse é outro aspecto para reflexão.
Assim, as eleições, de maneira alguma, refletiram qualquer interesse pelas necessidades efetivas da população brasileira, da população mais pobre. Em nenhum momento, os candidatos que irão disputar o segundo turno discutiram ou apresentaram projeto interessado em solucionar qualquer problema social. E são muitas coisas acontecendo, greves explodindo no país, manifestações de indígenas, quilombolas, populações urbanas removidas para dar espaço para o “progresso”. Na maior parte delas, são manifestações muito críticas e descrentes da institucionalidade brasileira... Essas, de jeito nenhum e em momento algum, apareceram nos debates.
Portanto, as manifestações populares de junho não apareceram no debate. O que apareceu foi um anseio de uma classe média reacionária “anticorrupção”. Essa, sim, a maior protagonista dos debates e bastante bem sucedida nas eleições.
FONTE: Correio da Cidadania
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