domingo, 2 de novembro de 2014

O Brasil e as expectativas de mudanças ou de recuos


Por Aluizio Moreira


A partir do primeiro governo Lula em 2003, até o primeiro governo Dilma em 2014, algumas medidas chamadas “progressistas” ou “populares”, foram instituídas no Brasil. Não se tratava, aliás, como muitos “otimistas da esquerda” e “pessimistas de direita” pensavam, de uma caminhada em direção a uma transformação paulatina rumo ao socialismo, ou seja, da criação de uma base, para que a opção não capitalista no Brasil fosse possível. Embora fosse o que defendia  Lula da Silva, no discurso proferido em 1981, durante a 1ª Convenção Nacional do Partido dos Trabalhadores, quando admite que o PT  não poderia “jamais representar os interesses do capital” e afirmaria no mesmo discurso:  
“Nós, do PT, sabemos que o mundo caminha para o socialismo. Os trabalhadores que tomaram a iniciativa histórica de propor a criação do PT já sabiam disso muito antes de terem sequer a ideia da necessidade de um partido (…) Por isso sentimos na própria carne e queremos, com todas as forças, uma sociedade (…) sem exploradores. Que sociedade é esta senão uma sociedade socialista.” 
De 1981 para 2002, o discurso seria outro.

Na “Carta ao povo brasileiro” divulgada em 2002 e citada no artigo anterior, podemos colher algumas expressões que pontualmente apontavam na direção que o futuro governo Lula propunha: crescimento econômico conjugado às politicas sociais “consistentes e criativas”, que ía desde o incentivo às exportações tornando o pais mais competitivo no mercado internacional, ao agronegócio, à ampliação do mercado consumidor de massas, passando pelas reformas agrária e tributária. A proposta socialista não tinha mais espaço.

Na verdade era um leque de medidas bastante amplo que poderia  ser posta em prática, dependendo das negociações com os parlamentares, dentro dos limites do possível, e que não ferissem os interesses da burguesia, o que deveria acontecer se o Governo insistisse na Reforma Agrária, e outras reivindicações como as relacionadas à questão indígena e afrodescendentes, que por sinal nem sequer fizeram parte da “Carta ao povo brasileiro”, como de forma idêntica, nem uma palavra à saúde e à educação. 

No mesmo ano de sua posse, em novembro de 2003, o Governo Federal lançava o Programa LUZ PARA TODOS, criado pela então Ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff, que visava levar energia elétrica para a população do meio rural.  E para demonstrar como Luiz Inácio tinha uma visão clara da interdependência de muitas medidas propostas para consolidar o capitalismo, numa entrevista concedida à Revista Carta Capital, nº 821, de 15 de outubro de 2014, ao ser perguntado sobre os benefícios do Bolsa Família e do crédito consignado, o ex-presidente se refere ao Programa Luz Para Todos da seguinte forma: 

[...] quando a gente levava o Luz para Todos, o beneficiado ligava três lâmpadas, comprava uma geladeira, 80% deles compravam um televisor. Ou seja, um simples programa chamado Luz para Todos, que levou energia para 15 milhões de brasileiros, resultou na venda de quase 4 milhões de mercadorias. Até empresas multinacionais ganharam muito com esse programa social.

É a logica do capital!. Como tal, a reprodução do sistema capitalista se dá em beneficio dos donos do capital, num processo constante de acumulação.  Não há como humanizar o capitalismo.

Mas como o capitalismo é um sistema cíclico, em que momentos de expansão são intermediados por momentos de crise, desde o final do século passado aos inicios desde século, o capitalismo internacional entrou numa fase de depressão, cujos sintomas estouraram em várias partes o mundo: a Primavera Árabe, Occupy Wall Street, os Indignados na Espanha, os movimentos rebeldes na Turquia, Grécia, Islândia. . . atingindo o Brasil em junho de 2013. Nosso país começava a dar indícios de esgotamento. Afinal, numa economia globalizada, os efeitos das crises também são globalizadas, “para mais ou para menos”.

Lá fora, como aqui, os movimentos de massas se direcionam contra os efeitos do capitalismo (não contra suas causas), que termina por provocar uma crise de representatividade parlamentar (ver o caso da  Islândia), a favor de mudanças. Ai está o tom da politica eleitoral no Brasil: mudanças.

A bandeira das mudanças no processo eleitoral no nosso país, mobilizou muito mais pelo chamamento, do que pelo conteúdo dessas mudanças. A tônica do discurso da mudança propunha um país solidário, um país de todos, um país honesto, um  pais respeitoso, um país generoso, sem definir o solidário, o de todos, o honesto, o respeitoso, o generoso.

Junto a esses slogans de campanha que não diziam muita coisa, outras questões mobilizadoras foram criadas caindo como uma luva na “cabeça” dos eleitores, e até certo ponto, com sua logicidade: se o sentimento era de mudança, não tinha sentido votar pela permanência do PT no poder.
   
Resultado que refletiu na bipolaridade: reeleição de Dilma e o crescimento de uma onda conservadora e de direita. A mídia, as redes sociais, são termômetros dessa realidade: a campanha contra a Venezuela, contra os cubanos do Programa Mais Médicos, contra a Rússia, contra o que chamaram avanço do comunismo no Brasil (Já vivenciamos clima idêntico em 1963/1964).

As coisas beiram as raias do absurdo, em direção à intransigência por total falta de informação (ou manipulação das informações?). Por exemplo o Programa Mais Médicos quando implantado, ofereceu prioritariamente vagas para médicos brasileiros para atuar em regiões onde havia falta de profissionais. O não preenchimento das vagas abriu espaço para a candidatura de médicos estrangeiros (não especificamente para médicos cubanos). Outro exemplo: não existe a mínima possibilidade de um país transferir para outro sua experiência politica, digamos, o “bolivarianismo” venezuelano ou o “sovietismo” russo. 

Neste fim de outubro, antes mesmo da posse dos parlamentares eleitos, a politica já sinalizava para o que será a convivência executivo/legislativo pelos próximos 4 anos. 

A questão do plebiscito proposto pela presidenta para a Reforma Politica, foi de imediato descartada por nossos parlamentares, antes mesmo que chegasse na Câmara para discussão. O Renan Calheiros por sua vez, já antecipou a posição do Senado: “por ali não passará”. Por dedução, nem pensar numa Assembleia Constituinte exclusiva, pois tiraria do parlamentar em exercício, a possibilidade de legislar em causa própria. Sobrou o referendo (?). 

Na terça feira 29 de outubro, a Câmara rejeitou o Decreto 8.243/2014, que criava a Politica Nacional de Participação Social (PNPS), disciplinando a atuação dos Conselhos e Comissões existentes na sociedade civil, que ampliaria o diálogo com os movimentos sociais, e que muito embora a PNPS não crie mecanismos que rivalize com os poderes constituídos, foi sutilmente identificado com os conselhos “bolivarianos” e até com os “sovietes”.

Diante deste quadro, a se consolidar a politica de estreitamento politico liderado pelos conservadores e direitistas no Congresso e fora dele, as propostas do Governo voltadas para o atendimento das principais reivindicações dos movimentos sociais e da sociedade civil e no sentido de uma democracia participativa, podem não acontecer.

O que já temos percebido, é que o clima de antipetismo tente a perdurar para além das eleições. Paira no ar (e na mídia e nas redes online), uma atmosfera de tentativa de desestabilizar e desacreditar o Governo reeleito, dificultando ou impedindo aprovações de propostas de iniciativa da Presidência, e de apelação indisfarçada ao golpismo. 

Quais as opções politicas oferecidas ao Governo e à sociedade civil? Vejamos: o Governo tender para uma guinada mais à esquerda, nos parece ser uma possibilidade bastante remota. Segunda opção: o Governo Dilma poderá ceder às pressões das forças politicas de oposição criminalizando os movimentos sociais ou se omitindo, em troca da chamada governabilidade. Por fim, aos movimentos sociais organizados (urbanos e rurais, incluindo indígenas, afrodescendentes, LGBT) e à sociedade civil, restaria a ocupação do espaço público nas cidades e no campo, como forma de pressionar a sociedade politica, na busca de uma solução negociada para suas reivindicações.

Esperamos que as contradições, mais que os antagonismos, sejam superadas a favor da maioria da sociedade. Afinal de contas, não está em jogo a transformação da estrutura socioeconômica do país como muitos infundadamente temem, mas de viabilizar o capital.

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