quinta-feira, 11 de junho de 2015

Quais os limites de uso da tecnologia, dentro e fora das escolas?



Por Eduardo Guedes*


No intervalo da aula, o menino comemorava o seu recorde para a amiga: "Olha a foto que postei agora no Facebook, mais de 150 likes!". A menina desolada respondeu baixinho: "É... muito bom mesmo. Minha melhor foto não passou de 80 likes". Curioso como o indicador de felicidade ou sucesso se resumiu a uma simples curtida. Tempos modernos.

CyberBulling, selfiesa qualquer hora, viciados em games, escrever ou ler mensagem de texto enquanto dirige, pessoas que não desgrudam do celular nas refeições, exposição da vida privada nas redes sociais, usar o whatsApp durante as aulas, pedofilia virtual, proteção de dados na internet, entre outros.

Estudos internacionais já apontam os efeitos colaterais dessa realidade: maior nível de ansiedade entre as crianças, síndrome do pensamento acelerado e menor concentração dentro e fora da sala de aula, conflitos de relacionamento, maior individualismo e isolamento infantil, baixa performance escolar. Médicos e fisioterapeutas também destacam as consequências do sedentarismo infantil como maior incidência de hérnia de disco e L-E-R entre crianças, resultado de muitas horas de digitação e postura inadequada frente a computadores, tablets ou smartphones.

Ao longo da história, a sociedade sempre se organizou a partir do desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação (TICs). A adoção de novas tecnologias digitais e a massificação do acesso da população a internet, smartphones e redes sociais estão mudando o modo de vida das pessoas e criando uma nova dinâmica social.

Não podemos, nem devemos negar ou proibir a tecnologia. Ela faz parte da nossa realidade e surgiu como forma de otimizar o tempo e nutrir as relações humanas. Entretanto, por vezes, a mesma internet e celular que aproximam pessoas distantes, se mal utilizados também distanciam pessoas próximas.

O impacto de transformação social das redes sociais é comparado por estudiosos aos efeitos da revolução industrial. A possibilidade de comunicação instantânea, bem como o alcance e velocidade de mensagens, vídeos ou imagens transmitidos a partir de redes sociais cria uma arma poderosa com apenas um clique.

Para entender, é preciso relativizar e mergulhar no comportamento atual. Quase sem perceber, passamos da geração Coca-Cola para a nova geração MMM. Somos Multimídia, Multiconectados e Multitarefas. Multimídia porque acessamos diferentes tipos de dispositivos (tablets, smartphones, desktop, notebook). Multiconectados porque precisamos de acesso à internet em todo lugar e a qualquer hora. Multitarefa porque realizamos inúmeras atividades ao mesmo tempo, como por exemplo, trocar mensagens no celular enquanto assistimos TV. Estudos indicam que se colocarmos todas as atividades que realizamos em 1 dia de forma sequencial (uma depois da outra), teríamos mais de 48 horas de atividades realizadas no mesmo dia.

Afinal, como lidar com tudo isso? Qual limite do uso saudável para o uso abusivo das tecnologias? Como prevenir e como tratar?

Recentemente, uma amiga me telefonou preocupada com o comportamento do seu sobrinho. Ele não desgruda do celular e dedica muitas horas no dispositivo, mesmo durante a madrugada. David está com 14 anos e tem uma namorada que mora em outra cidade. Sua única opção de comunicação é usar o celular à noite. Seria David um viciado digital?

A dependência digital não está associada diretamente ao tempo dedicado aos seus dispositivos eletrônicos, mas sim à perda de controle na vida real, trazendo prejuízos nos campos pessoal, profissional, familiar, afetiva ou social. Ou seja, usar muito a internet, celular ou games não configura necessariamente dependência. Nem todo uso abusivo pode ser considerado uma dependência, mas toda dependência está associada a um uso abusivo (vide gráfico 1). A dependência ou perda de controle na vida real pode ser avaliada a partir de 5 pilares (vide gráfico 2): Excitação e Segurança, Relevância, Tolerância, Abstinência e Conflitos na Vida Real.

Outro exemplo bastante comum é o relato de pessoas tímidas que conseguem se expor com mais facilidade através das redes sociais. Até aí tudo bem. O problema começa quando o uso exagerado aumenta o isolamento na vida real, trazendo paradoxalmente maior prejuízo nos relacionamentos. O Facebook, WhatsApp e outras redes sociais ajudam a reencontrar velhos amigos e manter contato com pessoas distantes. Entretanto, quando mal utilizados, alteram a percepção de tempo e espaço, gerando ansiedade e depressão.

Curioso também é a necessidade de autopromoção no Facebook que já foi objeto de pesquisa em Harvard. Segundo o estudo, falar de si próprio gera um prazer equivalente a se alimentar, ganhar dinheiro, dormir ou fazer sexo. Numa conversa normal, as pessoas falam de si cerca de 30% do tempo, enquanto nas redes sociais este índice sobe para 90%, com possibilidade de um feedback imediato. Isso gera inconscientemente uma sensação de prazer instantâneo, mas que não é sustentável. Mais da metade dos usuários ativos de Facebook também se consideram mais infelizes do que os seus amigos virtuais, pois enxergam uma vida editada onde só existe casamento perfeito, viagens maravilhosas e o emprego dos sonhos.

Nas redes sociais, não importa quem você é, o que você faz ou o que você tem, mas principalmente o que você representa ao mundo a partir das suas postagens. Como o exemplo do marido que trai e reclama da mulher, mas posta ao mundo um casamento feliz. Ou a menina que reclama da viagem no meio do mato, mas prefere postar #contatocomnaturezamomuito. Perigoso. É quando se deixa de reconhecer o que genuinamente te faz bem com a preocupação essencial de agradar aos outros. Desejo inconsciente de pertencimento para saciar a própria insegurança ou alimentar o narcisismo.

Definitivamente, é preciso educar e usar a tecnologia a nosso favor. O problema não é a tecnologia em si, mas o uso que se faz dela. A direção das escolas, corpo docente-pedagógico e a família têm papel fundamental neste contexto. É preciso promover e ampliar o debate de forma profissional. Por vezes, alguns pais também me questionam se devem utilizar tablet ou celular como fonte de distração aos seus filhos. O problema não é o uso em si. Mas é preciso supervisionar e observar se o dispositivo está servindo como forma de transferência da responsabilidade da educação pelos próprios pais ou ainda substituindo a possibilidade de contato com outras crianças, fundamental para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e motoras. Existem aspectos fundamentais na interação entre crianças que jamais serão substituídos por nenhuma máquina como a construção de valores de cooperação, solidariedade, e respeito mútuo.

Internet e celular não podem ser tratados como brinquedos. A Internet é como a estrada da sociedade digital e o celular é o veículo para trafegar nesta rua, sem fronteiras internacionais ou culturais. É fundamental orientar e supervisionar crianças e adolescentes para usar a internet ou celular de forma consciente e segura.


* Pesquisador do Instituto de Psiquiatria da UFRJ e fundador do Instituto Delete voltado para educação do uso consciente de tecnologias através de orientação profissional com conteúdos de capacitação e programas de conscientização junto a creches, escolas e faculdades.


FONTE: Adital

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