sexta-feira, 16 de junho de 2017

Socialismo ou igualitarismo?



Por Aluizio Moreira




Diante de um mundo marcado por tantas organizações e indivíduos que se autodenominam socialistas, julgamos necessário tecermos alguns comentários iniciais com o objetivo de procurar guiar nosso trabalho. 

Os estudos de síntese histórica do movimento socialista, geralmente retroagem à antiguidade como marco inicial do pensamento e prática socialistas. Nos pensamentos e práticas dos cínicos, discípulos de Antístenes, dos estóicos seguidores de Zenão, nas comunidades heréticas e anabatistas da Idade Média, passando por Thomas Morus, Campanella e os utopistas da primeira metade do século XIX, de uma ou de outra forma, teriam sido os antecessores do moderno socialismo.

Os mais ortodoxos refutam que o socialismo tenha surgido tão cedo, e vinculam-no à sociedade capitalista, admitindo que as relações sociais de produção que engendraram a burguesia, criara seu “coveiro” e forjara os instrumentos dos parricidas: a teoria e práticas revolucionárias, o socialismo científico, em outras palavras. É bom que se frise isto: o socialismo seria fruto da sociedade capitalista, teria nascido com o proletariado, portanto um não existiria sem o outro.

Diante disso, uma questão se impõe; o que distinguiria um socialista de hoje de um “pretenso” socialista de ontem?

Nos parece que o problema giraria em torno de duas questões fundamentais: a propriedade e a prática política, o que nos ajudaria a distinguir um socialista de um igualitarista.

No que se refere à propriedade, dir-se-ia que para o socialista “autêntico”, a abolição da propriedade privada dos meios de produção, é condição sine qua non para a construção de uma sociedade socialista. Portanto, defender socialismo sem tocar na propriedade privada daqueles meios, seria mero “igualitarismo jurídico”, no máximo igualitarismo econômico e/ou igualitarismo social. Mas segundo Max Beer em “História do Socialismo e das Lutas Sociais”, os carpocráticos já condenavam a propriedade privada; os anabatistas defendiam sua abolição. Para Petitfils  no seu “Os socialistas Utópicos”, os cínicos condenavam-na; Thomas Morus se refere em “abolir a ideia de propriedade individual e absoluta” em sua “Utopia” e no mesmo sentido, em "Socialismo", Paul Sweezy cita Winstanley.

Como vimos, desde cedo organizações e pensadores já condenavam a propriedade privada.

E quanto à prática política para o estabelecimento de uma sociedade de novo tipo? Babeuf crê no golpe armado; Saint-Simon confia a tarefa aos esclarecidos (fosse da classe explorada ou exploradora)  e a velha sociedade se extinguiria por si mesma; Louis Blanc aposta na democracia parlamentar  na República como iniciadores do processo de transição para o socialismo; August Blanqui reserva esse encargo a um partido de elite, ainda não operário, que faria a revolução; Winstanley acreditava nos pobres, os únicos interessados em abolir a velha ordem; Weitling depositava suas esperanças nas massas exploradas; Marx atribui esse papel à classe operária: Lenin acreditava na aliança Operário-Camponesa.

Bem, neste ponto parece que o impasse estaria criado: o socialismo como negação da propriedade privada remontaria à antiguidade e à Idade Média, já como prática só seria possível numa sociedade industrializada, na medida em que a transformação seria uma tarefa do proletariado. No entanto cumpre-nos destacar que as críticas à propriedade privada nos antigos e medievais funcionavam como um retorno ao estado natural, ou à posse irrestrita e individual dos bens, ou à posse restrita da propriedade por cada membro da sociedade, ou ainda a um processo de estabelecimento da propriedade comum para um determinado grupo social, não para a sociedade como um todo. E para Morus, na sua “Utopia” nem mesmo os bens pessoais deveriam existir. Para Sweezy no entanto, o socialismo não defende a abolição de toda e qualquer propriedade, mas a propriedade privada dos meios de produção, restringindo a propriedade desses meios de produção ao poder público.

Quanto à prática que estabeleceria a sociedade socialista, as discussões permanecem até hoje desde a eficácia de um golpe armado por um grupo de “vanguarda” revolucionária, à possibilidade da via parlamentar, ao caráter inelutável do papel histórico do operariado como classe revolucionária.  Sobre a especificidade da implantação do socialismo na América Latina, admite-se que dada sua singularidade, o socialismo será heterodoxo diante de outras experiências, pois se orientará na busca de novos personagens como nas   comunidades eclesiais de base e no movimento social do campo.

Nesta altura será esclarecedor nos lembrarmos de um trecho da mensagem de Marx e Engels dirigida ao Comitê Central da Liga dos Comunistas em 1850: “Para nós não se trata de reformar a propriedade privada, mas de aboli-la; não se trata de atenuar os antagonismos de classe, mas de abolir as classes; não se trata de melhorar a sociedade existente, mas de estabelecer uma nova”.

Nesta afirmativa de Marx está o divisor de águas entre um socialista revolucionário, um comunista, de um lado, e um socialdemocrata, um igualitarista, de outro.

REFERENCIAS

BEER, Max. História  do Socialismo e das Lutas Sociais. Lisboa: Centro do Livro Brasileiro, s/d
MORUS, Thomas. A Utopia. Rio de Janeiro: Ediouro, 1983.
PETITFILS, J. Os socialistas utópicos. São Paulo: Círculo do Livro, s/d.
SWEEZY, Paul. Socialismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1963.


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