quinta-feira, 2 de novembro de 2017

CELAM retoma Medellín: congresso convocado para 2018



Por Mauro Lopes

           

Dom Helder Câmara foi um dos líderes de Medellin; agora é a hora de Francisco


A Igreja da América Latina, sob liderança do Papa Francisco, ensaia retomar de maneira decidida o percurso interrompido por João Paulo II. O CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano) acaba de anunciar a convocação do Congresso 50 anos de Medellín que acontecerá de 23 a 28 de agosto de 2018 “na mesma cidade colombiana e nas mesmas instalações do Seminário de formação sacerdotal, que foi a sede dessa histórica Conferência.” O objetivo, segundo o comunicado do CELAM será “comemorar e projetar a mensagem da Conferência de Medellín como um eixo-chave da Igreja no continente, em diálogo com a Igreja universal”.

O encontro já está sendo preparado, informou o comunicado divulgado na tarde desta segunda (30), e  será promovido pelo CELAM, pela a Confederação dos Religiosos e Religiosas, secretaria da Caritas da América Latina e Caribe e pela Arquidiocese de Medellín.

A Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-americano realizou-se em Medellín, na Colômbia entre 24 de agosto a 6 de setembro de 1968, convocada pelo Papa Paulo VI para aplicar as decisões do Concílio Vaticano II à Igreja da região. A abertura da Conferência foi feita pelo próprio Papa que marcou a primeira visita de um pontífice à América Latina. Foi um evento histórico, um “segundo concílio”, que aprofundou as decisões do Vaticano II e afirmou claramente, pela primeira vez, os pobres como protagonistas da Igreja e da sociedade. A delegação brasileira foi composta por 30 pessoas, entre bispos, padres e peritos. Os protagonistas essenciais foram dom Hélder Câmara, dom José Maria Pires, dom Aloísio Lorscheider e dom Cândido Paim.  Pouco mais de dez anos depois, a Conferência de Puebla (México) manteve os traços essenciais de Medellín, mas com recuos marcantes devido à pressão de João Paulo II e da Cúria romana.

O Congresso de 2018, diz o documento básico da organização, “procura reconhecer com gratidão a aplicação de Medellín em nossas igrejas particulares, aprofundar algumas das questões fundamentais que permanecem atuais no presente, examinar novos sinais dos tempos de hoje e projetar uma ação evangelizador que leva em consideração o espírito da Segunda Conferência, enriquecida com o Magistério da Igreja latino-americana, bem como o Pontifício Magistério, especialmente com os ensinamentos do Papa Francisco.”

Segundo o comunicado do CELAM, “para realizar este congresso, é necessário examinar a situação na América Latina hoje, identificando os desafios da transformação exigida pelo continente e as contribuições de Medellín ainda válidas e proféticas no tempo presente. Desta forma, as chaves temáticas, o processo vivido e os efeitos e impactos causados por Medellín podem ser entendidos.”

Acabou o tempo da perseguição à Teologia da Libertação sob a liderança da Cúria romana e dos bispos reacionários da América Latina; o texto reconhece o valor da formulação teológica da região de maneira assertiva: “Na segunda metade da década (de 1960 –nota minha), a Teologia da Libertação não hesitou em afirmar que a pobreza e a exclusão também constituíam uma forma de pecado e chamavam os católicos para lutar para libertar-se de tais males”

A chave de leitura do comunicado para a história da Igreja a partir do Vaticano II vira do avesso a perspectiva conservadora dominante desde Wojtyla e parece indicar que depois dos primeiros anos de vacilação, o CELAM adota explicitamente a perspectiva de Francisco. Eis como o texto aborda a história de Medellín:

“Em um contexto internacional particularmente agitado, com manifestações de todos os tipos pedindo um mundo mais livre e justo, o CELAM decidiu comprometer-se entre outras opções, com a causa dos setores populares da América Latina através da ‘opção preferencial para os pobres’ . 
Líderes importantes do catolicismo, atentos ao que estava acontecendo, consideraram que a Igreja não podia continuar ignorando os ‘sinais dos tempos’, que tinham de se adaptar às demandas do tempo. ‘Os anos sessenta’ foram os anos do Concílio Vaticano II (1962-65), em que a Igreja, liderada por João XXIII, queria renunciar a um cristianismo medieval e assim dar um passo fundamental para uma melhor compreensão do mundo moderno. Em 1967, a Encíclica Populorum Progressio de Paulo VI concluiu que sem um verdadeiro desenvolvimento não poderia haver paz no mundo. Na segunda metade da década, a Teologia da Libertação não hesitou em afirmar que a pobreza e a exclusão também constituíam uma forma de pecado e chamavam os católicos para lutar para libertar-se de tais males.  
As memórias de um estudo posterior realizado e publicado por escritores na América Latina, indicaram, entre outras coisas, que ‘o encontro do episcopado em Medellín foi desenvolvido, como se vê, em um contexto de transformações profundas, que a Igreja não escapou. Os bispos do continente, com certas exceções, concentraram deliberadamente sua atenção na pobreza. Os prelados até passaram a uma forte autocrítica, reconhecendo que a Igreja, aliada à classe dominante da época, não tinha cumprido as suas funções sociais. Por conseguinte, acrescentaram, era urgente realizar as reformas necessárias para pôr fim às várias formas de violência institucionalizada (pobreza, analfabetismo, exclusão política, repressão, etc.). O catolicismo também teve uma promissora primavera nos anos 60.'”

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