sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Os limites da democracia brasileira



por Cândido Grzybowski

                                                                 
Com o golpe da cleptocracia e a tal “agenda de reformas”, o impasse entre direitos e mercado está sendo de algum modo resolvido, mudando a Constituição para bem pior. Ou seja, estamos num momento em que está sendo mandado às favas aquele pacto democrático capenga que, bem ou mal, nos dava alegrias cidadãs Cândido Grzybowski



O golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff, legitimamente eleita em 2014, revelou as contradições e os limites da Constituição de 1988 e do processo de democratização no Brasil. O golpe é, de certo modo, o desfecho de uma democracia que vinha perdendo intensidade ou, de outro modo, que não havia conseguido superar suas contradições de origem. Ao mesmo tempo, o golpe, ao inaugurar um novo período político, aguçou as contradições anteriores e criou novas, que passaram a corroer o que ainda resta de democracia.

Estamos diante de uma questão de disputa de hegemonia política – de coalizão de forças capaz de gerar poder político e imprimir direção – na sociedade brasileira. Como ponto de partida de minha análise, é fundamental identificar e qualificar o que estava e ainda está em disputa de forma capaz de aglutinar a sociedade em blocos. Considero que se trata de disputa de hegemonia por ter tal capacidade aglutinadora no seio da sociedade, nos imaginários sociais, na mídia, nas organizações e movimentos, nos partidos. Claro, as disputas políticas na sociedade são muitas e diversas, não podendo ser reduzidas a uma disputa de hegemonia do poder político em dado momento histórico. Considero estratégicas as muitas lutas e debates emergentes, mas por questão de espaço de análise neste artigo limito-me à luta por hegemonia política no contexto democrático, sabendo que ela é apenas um elemento indispensável, mas longe de responder a tudo.

Em termos simples, qualifico a conquista da democracia nos anos 1980 como alternativa à ditadura na promoção do desenvolvimento capitalista no Brasil, e não como alternativa ao próprio capitalismo. Ou seja, gestou-se um poderoso movimento de cidadania que contribuiu decisivamente para o fim da ditadura e para instaurar uma regulação democrática do capitalismo e seu desenvolvimento entre nós. O mal maior a superar, naquele momento, era o capitalismo selvagem identificado com a própria ditadura militar e seu projeto de Brasil potência a pau e fogo. Com a democratização, a disputa de hegemonia se deslocou e passou a se configurar de outro modo: de um lado, o conjunto de sujeitos coletivos que busca a radicalização da democracia com mais e mais direitos de cidadania, com enfrentamento das exclusões sociais, injustiças, racismo, patriarcalismo e a enorme desigualdade social, com um Estado mais republicano e indutor de um desenvolvimento capitalista inclusivo, com geração de empregos e distribuição de renda; e, de outro, o conjunto dos sujeitos coletivos que pensam e desejam uma democracia mais formal e uma cidadania sobretudo eleitoral, com um Estado a serviço do desenvolvimento, mas não seu indutor, com menos interferência na economia e mais liberdade ao mercado, tudo visto como condições para o investimento capitalista e a acumulação privada, capaz de gerar empregos e, consequentemente, com o possível crescimento do bolo, aumentar o consumo e o bem-estar de todos.

Apesar de a questão da hegemonia estar apenas esboçada, identifico alguns momentos fortes de tal disputa desde o fim da ditadura militar no Brasil. No entanto, como não pretendo fazer a história da democratização, limito-me a chamar atenção para alguns elementos, sem pretensão de esgotar a análise. Partindo do momento que estamos vivendo, com o aguçamento das contradições nele presentes, vou “escavar” o que está por trás e o que já passou, para melhor avaliar o que precisamos fazer hoje para revitalizar e radicalizar a democracia, desta vez como alternativa ao capitalismo globalizado, forte em nosso seio, que nos está levando à barbárie.

Golpe da cleptocracia

Creio que não preciso aqui, em nosso Le Monde Diplomatique Brasil, explicar por que o governo Temer nasceu praticando um golpe na institucionalidade democrática, com a conivência do Judiciário. Basta dizer que o golpe contra o governo Dilma se situa no limite de uma ruptura perigosa no que defini anteriormente como a disputa hegemônica no processo de democratização. Do golpe à volta ao autoritarismo é um passo. Não é de ficar surpreendido com a legitimação de atores e vozes autoritárias neste momento que, aliás, apoiaram desde a primeira hora o golpe e a volta do autoritarismo militar, inclusive com bandeiras nas grandes mobilizações ocorridas em 2015 e começo de 2016.

Deixo de lado tal questão e vou direto ao que o golpe significa. Talvez a melhor definição para o governo Temer seja que estamos diante de uma cleptocracia escrachada – segundo o Houaiss, trata-se de regime político-social em que práticas corruptas são admitidas e consagradas. O presidente lidera a lista dos fortemente envolvidos em corrupção. Oito ministros acusados de corrupção o secundam. Sua base parlamentar é liderada e composta por um bando de corruptos. Os partidos da base do governo no Congresso Nacional têm em comum, como liga que os une, a prática da corrupção e a busca de medidas legais para se livrar de possíveis investigações e condenações. Não vale a pena seguir a lista de escândalos e da pequenez política dos cleptocratas, pois isso é de conhecimento público.

Como foi que corruptos de tal quilate armaram o golpe… e, o que é mais incrível, em nome do combate à corrupção dos governos petistas? Aí é que entra a disputa de hegemonia. A Lava Jato e a percepção criada na sociedade sobre ela foram muito importantes. Para o golpe, porém, fundamental foi o papel da grande mídia, negócio privado e monopolista. Aí começamos a identificar o primeiro déficit – melhor, talvez, contradição – da democratização ocorrida. Não enfrentamos o poder privado e a mercantilização da comunicação, que afeta de morte a informação, a imaginação e a cultura, bens comuns fundamentais para a radicalização da democracia. O outro déficit fundamental foi não ter criado uma blindagem da política, outro bem comum essencial na democracia, de sua mercantilização ou, de outro modo, dos negócios empresariais que, para prosperar, corrompem a política em busca de favores. Ampliamos a cidadania política de forma abrangente – acabamos, por exemplo, com a vergonhosa exclusão do direito de votar e ser representados dos analfabetos e estendemos o direito de votar à faixa dos 16 aos 18 anos –, mas não livramos a cidadania da manipulação de partidos e campanhas eleitorais pelos donos de capital.

O golpe do impeachment se fez à base de corrupção e traições, numa negociata envolvendo financiamentos e partilhas com partidos e deputados migrando da coalizão com a presidenta Dilma para uma outra, sob liderança do vice Temer, do PMDB. Aqui está o terceiro déficit fundador de nossa democracia: a conciliação como estratégia de conquista do poder político e da governabilidade, formando maiorias nada programáticas e ideologicamente articuladas. No Executivo e nos parlamentos forjam-se maiorias com compra de lealdades momentâneas e loteamento do Estado. A negociata foi a tal “agenda de reformas”, com garantia de limitar as investigações de corrupção. As reformas são, na verdade, um desmonte da Constituição de 1988 e de direitos conquistados e consagrados. Ela já avançou perigosamente e talvez já destruiu o essencial em termos de uma democracia que mereça tal nome. Tudo vem sendo feito em nome de um projeto de futuro que nos remete ao capitalismo selvagem. Não se trata somente de menos Estado, mas de um Estado forte para favorecer as forças brutas do mercado, contra direitos. Sei que a afirmação é forte, mas precisamos encarar as mudanças em curso como estratégias que podem levar a uma instauração do fascismo… por via democrática, como foi na Alemanha com Hitler e na Itália com Mussolini.

No momento em que escrevo este texto, o governo Temer resiste na corda bamba, por causa das graves denúncias contra o presidente e seus mais próximos apoios no Palácio e no Congresso. A grande mídia já está caindo fora, especialmente a Globo. A tal base no Congresso é muito gelatinosa e pouco confiável, sem consistência programática, como o próprio governo, só oportunismo político e preocupação em preservar os mandatos conquistados, nada representativos da sociedade, mas fiéis aos financiadores eleitorais. Ou seja, estamos diante de algo de fachada, de institucionalidade legal, mas sem legitimidade democrática ou poder real. São outros, nada ou pouco visíveis, que impuseram a “agenda de reformas”, utilizando-se do governo fantoche que temos. O pós-Temer poderá ser uma inversão de tendência ou algo pior ainda.

Limito-me a sinalizar estes pontos e vou para o outro momento ou nível de análise. Não é um bando de corruptos que tem projeto, ele é somente pago para executá-lo. Quem está por trás? Qual é sua capacidade em impor a tal a agenda ao país, base para nos levar a um gigantesco retrocesso e até ao fascismo, ou, como afirma Boaventura de Sousa Santos, a uma democracia fascista, se é que tal híbrido é possível inventar?

As forças e os interesses que sustentam a volta de um capitalismo selvagem e a inserção submissa na globalização

Volto ao que já escrevi há pouco. O golpe do impeachment não só revelou uma conjuntura de grande mudança na correlação de forças políticas no Brasil, mas também trouxe com ele um projeto de arquitetura do poder de Estado que restringe seu poder garantidor de direitos democráticos de cidadania para todas e todos, amplia seu poder repressivo em nome da “ordem e progresso”, renuncia ao seu poder de regular o desenvolvimento e abre espaço à expansão das forças brutas do mercado. Trata-se de um “Estado mínimo” do ponto de vista democrático e de um “Estado fortaleza”, beirando o fascismo, para garantir privilégios de classe da nossa velha oligarquia capitalista. O projeto visa a uma mudança mais duradoura para que a assimetria do poder em favor das classes abastadas não seja ameaçada novamente, por isso o esforço de fazer o mais rápido possível as tais reformas constitucionais ou, se Temer cair, zelar por um substituto que leve a tarefa a cabo.

O poder formal está, por enquanto, nas mãos da cleptocracia. No entanto, o poder real está sendo exercido pelo “senhor mercado”. Mas quem é esse tal senhor? De maneira simples, podemos defini-lo como aquele 1% de privilegiados porque donos de vultosos capitais, empresas e conglomerados, proprietários de terras e de bens, banqueiros e especuladores. O “senhor mercado” tem seus analistas e ideólogos, estrategistas e gestores fiéis, além da grande mídia para o trabalho de convencimento e criação do senso comum sobre o bem e o mal. É incrível que tal sujeito abstrato – “o mercado” –, um verdadeiro feitiço que se mede por valores monetários milionários e até bilionários, com consumo suntuoso em ilhas fortalezas em nossas cidades, tenha tanto poder de sedução e indução, sem outra motivação que não sua própria acumulação. Para crescer e acumular, todos os meios são possíveis, legítimos e ilegítimos. Em sua visão, o poder estatal e as leis devem estar a seu serviço, caso contrário tudo se faz para mudá-los ou, então, contorná-los pela fraude, corrupção e paraísos fiscais.

A “agenda de reformas” formulada pelo gerentão de banco, ministro Meirelles, tem em seu DNA o sentido único e certeiro de adequar o país, especialmente o principal instrumento de fazer política do Estado, que é o orçamento, para limitar gastos com direitos sociais (em seu sentido amplo), vistos como desperdício, para assim priorizar o mercado e a acumulação – na verdade, favorecer os lucros de banqueiros e especuladores sanguessugas da dívida pública, alimentada por uma política de juros beirando a agiotagem oficial.

Um elemento adicional do projeto de Estado dos donos reais do poder é a volta de uma inserção submissa no capital globalizado. Nada de veleidades como Mercosul, Unasul, Brics, relações Sul-Sul. Querem mostrar que são amigos fiéis e subservientes da potência maior, os Estados Unidos. Será que o nacionalismo conservador de Trump quer isso? Na realidade, a globalização capitalista parece caminhar no sentido de desenhar uma espécie de geopolítica regional. Logo agora que os donos do poder por trás do golpe renunciam a ser potência regional? Por quê? Nossa sorte é que eles também têm um calcanhar de aquiles com seu capitalismo selvagem, extremamente dependente de extrativismo mineral e do agronegócio.

A favor dos donos reais do poder no Brasil é a conjuntura mundial de perda de vitalidade da democracia por toda parte e a volta de uma agenda reacionária e conservadora. Ou seja, eles não são uma exceção; embarcam numa onda maior de encurralamento das democracias reais e de redução de direitos. A onda do conservadorismo está associada ao aumento de visões nacionalistas estreitas e controle de migrações, de mais intolerância, de fundamentalismos e de racismo pelo mundo. Enfim, nosso golpe tupiniquim se dá numa conjuntura em que muitos golpes contra a democracia estão acontecendo pelo mundo. Será que a globalização capitalista, hoje radicalmente financeirizada, portanto não produtiva, saberá se reinventar sem levar o planeta Terra a uma desastrosa crise que escapa ao controle e dá lugar à mais pura barbárie? O incrível é que isso já está ocorrendo de forma radical no Brasil.

Rupturas do pacto democrático ou limites da própria democracia conquistada nos anos 1980?

Saímos da ditadura por meio de muitas trincheiras abertas pelo novo sindicalismo e pela CUT, pelos novos movimentos sociais, pelas comunidades de base, pela OAB liderada por Faoro e pela frente democrática, entre outros, que desembocaram no movimento da Anistia e, depois, no Diretas Já. O pacto democrático se esboçou naquele acórdão da Aliança Democrática, liderado por Tancredo e Sarney para ganhar a eleição indireta de presidente no Congresso Nacional, ainda no contexto da ditadura militar. Foi como juntar o lado menos radical dos democratas com o lado menos radical dos autoritários. Deu na Nova República, quase natimorta, pois o representante mais democrata, Tancredo, não tomou posse e veio a falecer. Seu vice, Sarney, saído do seio da ditadura e tornado democrata de ocasião, virou nosso presidente. Vicissitudes da vida, mas bota azar nisso! O fato é que essa se tornou a pedra fundamental do edifício democrático que acabamos construindo. Pedras fundamentais são apenas pedras, sinais de algo por fazer, que muitas vezes nunca acontece. Mas, no caso da Nova República…

A convocação de uma Constituinte fazia parte do tal acórdão. Ela foi feita, mas não na forma demandada pela cidadania de uma Assembleia Constituinte exclusiva, e sim de uma Assembleia formada pelos deputados e senadores eleitos em 1986, somados aos senadores eleitos em 1982, ainda em plena ditadura. Como a Nova República nasceu como transição e não como ruptura, a Constituinte acabou tendo uma hegemonia do pensamento conservador, já que as mesmas regras de eleição da ditadura determinaram a conformação do Congresso virado Constituinte. Isso deu origem ao “Centrão”, em que tudo cabia, mas a liga era a linha extremamente conservadora e a favor do “mercado”, muito semelhante à tal base do Temer no Congresso hoje.

A contradição de origem acabou moldando uma Constituição híbrida, extremamente contraditória em seu âmago. Graças à pressão popular, de uma sociedade organizada e participante, a Constituição aprovada em 1988 incorporou o essencial das emendas populares em termos de direitos sociais e do valor da dignidade humana – especialmente seguridade social, saúde e educação – mais Código do Consumidor, erradicação da pobreza e meio ambiente. Porém, deixou de fora tudo o que diz respeito à economia e ao desenvolvimento, tributação mais justa, reforma agrária e imobiliária urbana. Um aspecto fundamental, hoje pouco lembrado, é que a Constituição de 1988 não reformou a política elegendo-a como bem comum democrático essencial. Destaco aqui a falta de uma blindagem da política aos interesses patrimonialistas e à mercantilização, deixando-a mais dependente de negócios do que de cidadania, em sua diversidade. Já sinalizei anteriormente os grandes déficits de nossa Constituição, pacto democrático importante naquele momento histórico, mas não renovado e radicalizado nos trinta anos que nos separam dele.

O espaço aqui não me permite aprofundar a questão. O fato é que deixar a economia de fora de uma leitura e regulação democrática sobre ela deixou nossa Constituição de 1988 com uma contradição monumental para o futuro democrático do Brasil: direitos sociais de cidadania de feição mais para a radicalização da democracia e falta de regulação radical da economia como condição para o Estado democrático garantir tais direitos sociais. Os momentos de democratização que se seguiram à Constituição de 1988 se configuraram como formas em que tal contradição foi vivida. Nos termos em que aqui estou analisando, isso conformou a disputa de hegemonia dos últimos trinta anos no Brasil. Em meu modo de ver, gestamos uma democracia limitada nela mesma, sem condições constitucionais para rupturas de fundo com um capitalismo patrimonialista, destruidor e excludente, machista e racista, gerador de muita desigualdade.

Seria necessário analisar os momentos, diversos e muito contraditórios, que fizeram a história real e ligam a Constituinte de 1988 ao que acontece hoje. Tivemos o ajuste estrutural e seu impacto interno, antidemocrático em sua essência, passando por Sarney e seus planos econômicos, o aventureiro Collor, o interino Itamar, o Plano Real e a doma da inflação com FHC – aquele que pediu que se esquecesse seu passado de pensador da teoria da dependência –, que apostou no neoliberalismo e, a bem da verdade, na submissão à nascente globalização. Tivemos os treze anos de Lula-Dilma, com suas políticas distributivas e avanços em direitos sociais, mas sem enfrentar e transformar os tais fundamentos da economia. Foram anos importantes em termos de distribuição de renda – sem tocar na riqueza e acumulação – e inserção no consumo de amplas camadas excluídas e pobres, sem mudanças estruturais para dar sustentabilidade e mais democracia. Estimulou-se a participação democrática, sem transformar a cidadania ativa em força de mudança da própria política como desenhada pela Constituição de 1988. Com um “reformismo fraco” (André Singer), avançamos sem mudar o essencial. O resultado está aí: numa penada as conquistas estão indo para o ralo.

Estou somente esboçando os pontos e sei que tal análise é insuficiente, mas precisamos fazê-la para que nas trincheiras de resistência de hoje possamos reinventar a democracia em novas bases. O fato é que ninguém, nos vários momentos políticos que vivemos, enfrentou a contradição original do pacto democrático conciliador e propício a ser corrompido. Os governos petistas renunciaram a ser isso, mesmo que a cidadania esperasse tal vontade política de Lula, em particular na questão da disputa de hegemonia. Os outros nem mesmo se propuseram a enfrentar o dilema de base da Constituição. Agora, porém, com o golpe da cleptocracia e a tal “agenda de reformas”, o impasse está sendo de algum modo resolvido, mudando a Constituição para bem pior. Ou seja, estamos num momento em que está sendo mandado às favas aquele pacto democrático capenga que, bem ou mal, nos dava alegrias cidadãs.

No entanto, as possibilidades sempre continuam abertas

É assim que vejo os limites da democracia entre nós. Mas a história não acabou. Analiticamente, parece difícil sairmos da atual encrenca e voltar a sonhar com democracia. No entanto, o pessimismo da racionalidade não deve subjugar o otimismo da vontade, como nos ensinou Gramsci. Devemos apostar no que nossa cidadania sonha e deseja, uma sociedade democrática, justa, vibrante, boa para todo mundo, dançante de alegria, como é próprio de nossa cultura comum. A possibilidade não virá por si só, pois ela nunca é uma espécie de inevitável histórico. Ela se forja no devir, ela se faz na história, na resistência e na ousadia da ação, enfrentando as relações contraditórias para nós e, não esqueçamos, para os que combatemos. Acreditar na experiência e na força que adquirimos no processo de democratização, em nossas ideias e, sobretudo, em nossa capacidade. O que mais ganhamos em trinta anos de Constituição foi aperfeiçoar nosso ativismo cidadão. Claro, no momento estamos perdendo com o descrédito na política, que se alastra perigosamente. Afinal, somos uma potencial maioria. Temos de extrair o bom senso do senso comum que está aí a nos emparedar, como nos ensinou Gramsci. Outro Brasil e outro mundo sempre são possíveis. Saídas existem, precisamos achá-las e construir o caminho.


Cândido Grzybowski é sociólogo e assessor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).



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