sábado, 2 de junho de 2018

A democracia republicana morreu


Não é novidade, mas, pelo menos, desde a década de 1980 que as democracias ocidentais foram completamente sequestradas pelo sistema financeiro. E no Brasil esse processo se aprofundou com a deposição da ex-presidenta Dilma Rousseff


                                                     Foto: Arquivo/Agência Brasil



Por Marcelo Hailer  


Não é novidade, mas, pelo menos, desde a década de 1980 que as democracias ocidentais foram completamente sequestradas pelo sistema financeiro. É certo que em cada país tal processo se deu de maneira mais ou menos acelerada. No Brasil, este processo se aprofundou com a deposição da presidenta Dilma.

Durante as semanas que antecederam a votação que tiraria Dilma Rousseff da presidência da República era comum matérias na imprensa tradicional atentarem para o fato de que o mercado financeiro viveria dias de glória com a saída do PT. Ainda que uma série de denúncias apontavam para o caminho oposto.

Mas não teve jeito. A direita, que antes fazia parte da base do governo Dilma, se aliou ao mercado financeiro e fritou a democracia. De lá pra cá o país foi ladeira abaixo, pois, não existe acordo possível entre os setores progressistas e os conservadores com a ruptura democrática na qual o Brasil está mergulhado. Mas, a questão é que o modelo aplicado em nosso país é tipo exportação, isto porque, este sistema que derruba governos e ou impõe sanções econômicas na América Latina, na Ásia, África e em alguns países europeus é o mesmo que pratica saques e genocídios há, pelo menos, 500 anos.

É a partir deste contexto que devemos refletir sobre a deposição da presidenta Dilma Rousseff. O Partido dos Trabalhadores foi a primeira oportunidade, em 500 anos, de trabalhadores ascenderem ao poder – em várias esferas e não apenas palaciana. Com a série de incentivos econômicos à classe trabalhadora, sempre alijada das decisões dos governos anteriores, e com as inúmeras políticas inclusivas (mulheres, negr@s e LGBT), o sistema colonialista, que ainda rege o andar de cima, não permitiria, de maneira alguma, que o projeto petista completasse 16 anos no comando do Brasil.

E olha que os bancos – público e privado – e o tal do sistema financeiro faturaram como nunca. Mas aqui, talvez, esteja um dos principais equívocos da gestão federal do PT: a crença absoluta na conciliação de classes. Esta é uma conta que jamais fechará. No sistema liberal não existe conciliação entre os andares da pirâmide, visto que este regime se utiliza do Estado e de seus aparatos militares e financeiros para justamente deixar os ricos mais ricos e os pobres ainda mais pobres.

Não contente em decidir qual governo deve permanecer no poder, o sistema financeiro – nacional e estrangeiro – privatizou por completo a eleição para o legislativo. Basta analisarmos as duas últimas legislaturas eleitas para o Congresso Nacional: representações populares reduzidas em mais de 50% e setores oligarcas praticamente dominando as cadeiras.

Daí é que vem a pergunta: o sistema democrático republicano pluripartidário tem futuro?

É fato que uma ruptura sistêmica, ainda que eleita pelo voto direto, necessita de plano de transição mas, quando analisamos as candidaturas à esquerda, nenhuma delas sinaliza para tal caminho: seja pela ruptura direta ou por meio de um plano de transição. No limite, as propostas apresentadas desejam uma regulação mais forte do sistema financeiro – o que é bom e desejável -, porém, ainda que o controle sobre o mercado tenda a ficar mais forte, ele continuará a ser uma sombra e, se não domina a gestão central, tende a controlar o sistema legislativo.

Há um pixo que diz “Reformar o capitalismo é igual perfumar merda”. Fato. Não apenas as regiões reféns dos antigos senhores coloniais, mas também regiões do sistema colonialista estão com os seus respectivos regimes democrático republicano em colapso. E, ainda que haja uma crise financeira em nível global, o mercado continua a faturar como nunca. Eis um paradoxo que só se explica pela miséria que se alastra e que retorna em determinados países.

Não espanta que projetos com soluções fáceis – obviamente fascistas – ganhem forte adesão no Ocidente – colonizado e colonialista. O liberalismo civilizado e o socialismo não apresentam saídas: o primeiro trabalha para manter o status quo e o segundo labuta para reformar o primeiro. É neste sentido que um e outro se confundem. É dentro desta conta que os parlamentos já não servem para nada, ou pior, quando resolvem trabalhar é para retirar direitos sociais e trabalhistas.

Portanto, pouco ou quase nada vai mudar nesta e nas próximas eleições do Brasil. Tem sido comum escutar amigos dizerem “eleger fulano para estancar a sangria de direitos usurpados”. Esta frase é o resumo da falência sistêmica do Brasil. Se faz necessário projetos de rupturas (com transição, não acredito em transformações da noite para o dia) para que deixemos para trás o atual sistema, que já cumpriu o seu papel e não vai além. A democracia republicana, tal como a conhecemos, morreu.

Que tipo de projeto? Este assunto fica para o próximo texto.



Marcelo Hailer Jornalista (USJ), mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) e doutorando em Ciências Socais (PUC-SP). Professor convidado do Cogeae/PUC e pesquisador do Núcleo Inanna de Pesquisas sobre Sexualidades, Feminismos, Gêneros e Diferenças (NIP-PUC-SP). É autor do livro “A construção da heternormatividade em personagens gays na televenovela” (Novas Edições Acadêmicas) e um dos autores de “O rosa, o azul e as mil cores do arco-íris: Gêneros, corpos e sexualidades na formação docente” (AnnaBlume).


FONTE: Revista Forum

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