Roberto Amaral*
A unidade das forças de esquerda, não é, por si só, garantia de vitória ou de conquista do poder, mas é conditio sine qua non para nossa sobrevivência e avanço. Ou, no mínimo, para a resistência, que é a etapa atual da luta democrática.
É certo que, mesmo unidos, podemos ser derrotados, como atesta o resultado das eleições presidenciais de 1989, que, no entanto, significaram um grande avanço político cujas consequências eleitorais falariam em 2002. Foi essa a última grande campanha eleitoral da esquerda brasileira, pois a natural e necessária perseguição dos votos, então, não escamoteou os valores que nos distinguem política e idelogicamente. Ademais da unificação em torno da campanha de Lula, a esquerda organizada (refiro-me ainda às eleições de 1989) soube ampliar com setores ponderáveis do centro e conquistar a esquiva classe média.
Se a união não é causa suficiente, a dispersão de nossas forças, ou nossa crassa dificuldade de ampliar ao centro, tem sido decisiva nos reveses, para os quais muito vem contribuindo a desmobilizadora busca de hegemonia, entre nossos partidos.
Apesar de o pleito de 2002 haver lecionado que não há alternativa eleitoral fora da ampliação de nosso campo.
Desunidos na crise de agosto de 1954 – o Partido Comunista de Prestes estava aliado à UDN de Lacerda na oposição a Vargas – assistimos, como expectadores surpresos, ao suicídio do presidente, e à ascensão da coalizão de direita liderada por Eduardo Gomes, Juarez Távora e Carlos Lacerda. Havíamos perdido o apoio da classe média e as massas, varguistas, só sairiam às ruas para prantear o líder dramaticamente perdido. Concluída a catarse, voltaram todos para suas casas e sindicatos, para acompanhar pelo rádio a montagem do novo governo que, em seu viés antinacional, antecipou a ideologia do golpe de 2016, anunciado nas jornadas de 2013, que não soubemos interpretar.
De outra parte, a unidade das forças de esquerda e progressistas, ampliada com significativos segmentos das Forças Armadas, e mesmo setores liberais, nesse então simbolizados na figura icônica de Sobral Pinto, conseguiu assegurar em 1955 a posse de Juscelino e Jango, e, em 1961, fazer face ao golpe que intentava impedir a posse de João Goulart. Mas logo nos dividiríamos, e divididos ensejamos o golpe do parlamentarismo, um passo atrás na História, e um ato de traição às grandes massas que tomaram as ruas na defesa da legalidade. Essa divisão, aliás, acompanhará, aprofundada, todo o governo João Goulart, fragilizando-o, e assim, favorecendo a conspiração de 1964, até aqui a mais profunda e duradoura derrota de quantas tivemos no curso da República.
A desestabilização do governo João Goulart, inclusive na área militar, começara com a rejeição pela esquerda de então – PCB, Brizola, Arraes, UNE, sindicatos, gravemente atacados de esquerdismo infantil — ao projeto de estado de sitio e consequente intervenção no governo do então estado da Guanabara, de onde Lacerda, com aliados civis e militares, conjurava o golpe e a implantação da ditadura, por ele mesmo anunciada em entrevista ao Los Angels Times.
A derrota do presidente, detonada pela sua própria base parlamentar-sindical, valeu como senha para a desestabilização de seu governo, com o desfecho previsto, conhecido e esperado. O resto da história é conhecido.
Nessa crise (outubro de 1963), a esquerda não teve olhos para ver o processo político em gestação. Esperou que o ovo da serpente fosse rompido e a peçonha fizesse da democracia sua vítima preferencial, enquanto Brizola, Arraes e Juscelino, a Frente Parlamentar Nacionalista, os sindicatos, se voltavam (cada um por si) para a expectativa de um processo eleitoral afinal frustrado: ao invés do Palácio do Planalto a colheita foi o exílio e 20 anos de ditadura.
A dificuldade de interpretação histórica persiste e quem não compreende o processo social está fadado a repetir os erros, e perder.
É mais do que evidente que o quadro de nossos dias (como nossos dias refiro-me ao transe que se revelando claramente nas eleições de 2014 nos chega hoje como esfinge a ser decifrada) é diverso, até porque nenhum momento histórico é reprodutor de fatos passados. Mas, novamente, quanto mais necessitamos de unidade, mais nos dispersamos, e, uma vez mais, subestimando a profundidade e a qualidade da crise.
O que podemos chamar de campo das esquerdas divide-se, por deformação intrínseca, na leitura autista do processo eleitoral, e, incapaz de ultrapassar as aparências, se divide na tentativa de interpretação do processo em curso. Quem não entende o presente não pode pesar no futuro.
Antes de nós, e uma vez mais, a direita, unificada no golpe de 2016 (como unificada estava em 1954, em 1961 e em 1964), caminha em marcha batida para o pleito deste ano, que não se resume na troca de Joaquim por Manuel, porque significará, acaso vitorioso seu candidato, a consolidação (para vigência por mais quantos anos?) do regime de exceção jurídica que assegura o império do neoliberalismo, vale dizer, o encontro do antinacional com o antipopular.
Esta é a questão.
Não obstante a clareza desse quadro, nossos partidos – apartando-se da realidade objetiva – ignorando qualquer estratégia de médio prazo — veem no pleito o ensejo tático para promover seu auto-crescimento, como se um partido nosso pudesse crescer e sobreviver isoladamente, ou seja, em meio a eventual debate da esquerda. O outro lado do divisionismo será a consagração de um candidato de direita, o que significaria, não só a continuidade do regime de exceção, como seu aprofundamento, com as consequências que não precisam mais ser lembradas. Desta feita sob o comando de um presidente apoiado no pronunciamento da soberania popular.
O desafio é amplo, pois ele se oferece no plano político e no plano eleitoral. As circunstâncias cobram das forças de esquerda o debate político-ideológico, a explicitação e defesa de nossas teses, o estabelecimento de nossas diferenças em face da prática reacionária e autoritária. Isso nos cobra tanto uma denúncia unificada quanto a formulação unificada de um projeto das esquerdas que possa ser apresentado como a proposta de um Projeto Nacional.
O povo conhece, e conheceu sofrendo na própria carne, o significado de um governo de direita, esta tragédia recorrente em nossa história. Conhece nossa crítica. Precisa conhecer nossa alternativa, nossa proposta de projeto de Brasil.
Será que nem isso podemos formular unificadamente?
A história nos tem mostrado que a política de Frente, frente ampla, é a alternativa que nos fortalece e nos coloca no ringue em condições de disputa e avanço. Para não falar em outras lutas memoráveis, como a defesa do monopólio estatal do petróleo, lembremos que foi a política de frente que ensejou a derrota da ditadura militar.
A Frente Brasil Popular – iniciativa vitoriosa– , poderia ser o espaço da construção da grande Frente, em face de sua extraordinária base social, que compreende, inclusive, o MST, a Consulta Popular, a CUT e a CTB. Mas mesmo essa frente, de natureza e propósito amplo, foi recusada por partidos de esquerda e centro-esquerda, como o PSOL e o PDT, limitando seu espectro.
Perde-se extraordinária oportunidade de unificação de partidos e movimentos sociais, o que em parte pode explicar as presentes dificuldade de mobilização popular.
A proposta de um Projeto Nacional (nada a ver com Programa de Governo) talvez possa ser o traço de união de uma política de Frente Ampla
Ela se coloca, de novo, na ordem do dia, como necessidade histórica.
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*Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia
FONTE: Pátria Latina
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