Foto: Paulo Pinto/Agencia PT (CCBY 2.0. https://creativecommons.org/licences/by/2.0
Por Luís Fernandes*
Muitos amigos e amigas simpáticos às ideias de esquerda têm sido sensíveis e tensionados ao discurso da unidade das forças progressistas nas eleições frente à ofensiva reacionária em curso. Não é para menos, pois até então se desenham quatro grandes forças políticas para o pleito eleitoral: a candidatura de Lula, com seus mais de 30% nas intenções de voto e todo injusto arcabouço jurídico e político para inviabilizar a sua candidatura; o “populismo” de extrema direita de Jair Bolsonaro, depois de Lula, o candidato mais conhecido nacionalmente, aparentemente antissistêmico e na prática uma candidatura continuadora do programa econômico e social da agenda golpista; Geraldo Alckmin, como plano A do establishment e também continuador do programa golpista e, por último, mas não menos importante, a tendência a uma grande abstenção nos votos, como uma das consequências do aprofundamento da crise da democracia burguesa no Brasil.
Diga-se de passagem, tal pleito é o mais instável e indefinido desde 1989. O aprofundamento da crise capitalista, em especial na periferia, impõe uma agenda de grandes retrocessos sociais e democráticos. Se a ascensão, no início dos anos 2000, de governos progressistas com graus distintos de radicalização e mobilização, se relaciona com sublevações populares contra os efeitos da crise da dívida dos anos de 1980 e das políticas neoliberais, as eleições de 2018 também poderão expressar o grau, o tipo e a perspectiva de resistência nos anos que virão.
A experiência recente nos ensina que a combinação entre a luta de massas e a política institucional, em países com uma formação social autocrática, é um importante meio de obter avanços sociais e democráticos. Contudo, sem mudanças profundas nas estruturas políticas e econômicas, isto é, sem enfrentar privilégios seculares, combater os interesses do grande capital (financeirizado) e apontar para a transição rumo a uma economia planificada e socializante, sendo o Estado o grande promotor do desenvolvimento das forças produtivas, o progressismo se paralisa, se transforma num movimento de acomodação, rearranjo entre as classes sociais dentro do aparelho do Estado e estabelecendo relações promíscuas com o grande empresariado.
Sendo assim, nestas próximas semanas, ainda marcadas por conversas entre as organizações, convenções partidárias e cálculos eleitorais, será comum a aparição de apelos, gritos ou, utilizando uma expressão da moda, a “construção de uma narrativa” em prol unidade das forças progressistas e de esquerda contra as candidaturas de extrema direita e direita. Uma jogada previsível, mas um tanto curiosa. Tendo em vista que o objetivo de uma chamada desse tipo, sem proposta de programa, nome e ações práticas comuns, soa como mais uma chamada desesperada de quem está olhando para as eleições não como uma tarefa de resistência, unidade e luta para eleger quadros combativos e populares, mas apenas um mero cálculo para se enquadrar na nova cláusula de barreira da era golpista, aprovada pelo indefectível senhor Eduardo Cunha.
Por isso os comunistas do PCB seguem propondo e construindo a mais ampla frente social na prática cotidiana contra a agenda econômica e social da ofensiva reacionária da grande burguesia e do imperialismo. É preciso lutar amplamente pela liberdade dos 23 ativistas de junho de 2013, pela liberdade de Lula e seu direito de ser candidato, contra a reforma trabalhista e da previdência, pela revogação da PEC de congelamento dos gastos públicos, em defesa do pré sal e da Petrobrás, pela valorização do salário mínimo, etc.
No entanto, uma frente política e eleitoral, ainda mais ao se propor a ser um polo para reconstruir o país na direção dos interesses populares e da classe trabalhadora, deve-se nortear ao menos por um programa mínimo, valorizando as experiências passadas e criticando-as na perspectiva de superá-las. Como, por exemplo, será possível garantirmos e avançarmos na conquista de direitos sem enfrentar, controlar e taxar o capital financeiro? Como será possível fazer reforma agrária e priorizar a agricultura familiar conciliando com o agronegócio? Como será possível desenvolver a ciência, educação e novas tecnologias no país conciliando com a dependência ao processo de reprimarização de nossa economia? Como será possível colocar as massas populares no centro programático se aliando às antigas oligarquias políticas? Como será possível governar para os trabalhadores sem canais de democracia direta e ficando refém de um congresso rodeado de corruptos, máfias e reacionários? Será possível defender a liberdade religiosa, os direitos das mulheres, negros e LGBTs conciliando com candidaturas e partidos ligados ao fundamentalismo religioso? Como será possível realizar a democratização dos meios de comunicação mantendo isenções e privilégios dos grandes oligopólios midiáticos? Como será possível combater a seletividade política do poder judiciário conciliando com o populismo penal?
Em suma, é possível polarizar radicalmente contra a agenda econômica e social golpista se aliando aos mesmos em nome da governabilidade? Entendemos que não. Não será um programa nacional de desenvolvimento guiado por uma conciliação rebaixada entre as classes capaz de polarizar radicalmente com o programa político, social e econômico do golpismo. A ofensiva reacionária e a intensificação da dependência brasileira ao centro imperialista reforça ainda mais a principal contradição no Brasil capitalista: a intensificação da exploração da força de trabalho e a expropriação violenta de bens sociais e naturais do nosso povo e de nosso país. As primeiras medidas do governo usurpador, como o assalto ao fundo público em favor de grupos financeiros, a reforma trabalhista e a tentativa da reforma da previdência evidenciam ainda mais este caráter. Contudo, isto parece não estar claro para uma boa parte daqueles que afirmam pertencer à esquerda brasileira, vistas as recentes movimentações eleitorais nos estados e na corrida presidencial. A saída política para a crise está na reorganização e fortalecimento dos trabalhadores, e não em ilusões no sentido de civilizar a reacionária burguesia brasileira.
Infelizmente, ao não se ter um acúmulo político prático comum entre o dito espectro progressista, é comum que se apresentem distintas alternativas no primeiro turno das eleições. A candidatura de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara tem como uma das suas principais diferenças a perspectiva de reconstrução da esquerda brasileira, conseguindo promover importantes pontes entre a tão necessária unidade na resistência frente aos ataques em curso e a ousadia de apontar para um horizonte de fortalecimento da organização popular para muito além da conciliação de classes.
*Membro do Comitê Central do PCB
FONTE: Diário Liberdade
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