Reproduzimos a seguir carta aberta elaborada por professores universitários, em defesa da Universidade Pública, que tem tido apoio de estudantes, democratas, ativistas e entidades democráticas. A principal luta desses professores é contra o Ensino a Distância (EaD), que sinaliza a privatização pouco a pouco das universidades públicas, aos moldes do "Future-se". A carta também foi transformada em abaixo-assinado que pode ser acessado pelo link:
http://chng.it/hRjDpBOkvg [Em 29.06.2020]
Carta em defesa da
Universidade pública, gratuita e de qualidade para todos e todas, mesmo em
tempo de pandemia.
Caros
professores e professoras, estudantes, técnicos administrativos e educacionais,
pais, mães, interessados em geral.
Frente
à necessidade emergencial de enfrentar o problema que a pandemia traz à
educação pública, notamos que o encaminhamento dado de forma quase que
hegemônica pelas instituições, quer da educação básica, quer no ensino
superior, repousa em propostas de ensino remoto por meio da internet. Esta
solução tem sido apresentada, via de regra, como a única possível e a mais
correta.
No
entanto, estamos todos cientes de que, o que se afigura, não pode ser
legitimamente chamado de “retomada dos processos escolares”, porque se trata,
sobretudo, de algo radicalmente diverso do que, como docentes, fazíamos
presencialmente.
Além
do problema mais evidente, imediato e sem solução das dificuldades de todos os
estudantes acompanharem as atividades em meio aos riscos de adoecimento e
morte, do aumento exponencial da contaminação registrados em números alarmantes
no país, estão sendo sistematicamente ignoradas questões decisivas como a
natureza do trabalho dos professores e do que está em jogo no processo de
ensino e aprendizagem.
Deflagrada
a condição de excepcionalidade que gradativamente foi se tornando cotidiana, a
máquina administrativa passou a emitir pareceres, resoluções e regulações
oficiais em que se supõe perdurar uma certa “normalidade”, na qual estaríamos
suficientemente saudáveis, esclarecidos, convencidos, equipados e preparados
para retomar as atividades letivas de forma remota com força total para o
cumprimento das cargas horárias, haja o que houver. E não é bem assim, sabemos.
Os
debates das grandes corporações especializadas em plataformas e tecnologias de
ensino reforçam a ideia de que a adaptação ao novo ambiente tecnológico tornará
o ensino mais eficaz e veloz e que a sala de aula presencial perderá sua
importância histórica, uma vez que a educação, reduzida à aprendizagem, depende
apenas de engajamento. De outra parte, educadores e estudantes estão entre
paralisados e surpreendidos com a resposta única, a saber, o ensino remoto que
tal cenário impôs e que parece revelar nossa dificuldade em articularmos
coletivamente uma resposta à altura.
Ainda
que haja discussão nas instâncias decisórias, ela está centralmente direcionada
ao debate sobre o cumprimento do ano letivo, desconsiderando o fato de que a
pandemia tem agravado a condição socioeconômica e de saúde mental de grande
parte das nossas comunidades. Outras possibilidades poderiam/deveriam ser
consideradas, propiciando um debate para além das perspectivas em que se avalia
individualmente a condição ou não de ter atividades não presenciais, em uma
reflexão coletiva pautada no questionamento de medidas que excluem aqueles que
não têm, por motivos diversos, condições para seguir o calendário letivo, neste
momento de crise sanitária.
Qualquer
exame, mesmo que superficial, sobre o histórico das políticas públicas revela o
avanço persistente de projetos tecnocráticos de negligência, de desmonte e de
privatização dos bens públicos, que se acelera em meio a pandemia causada pelo
coronavírus. As determinações de retomada do calendário letivo ocultam razões
muito pouco educativas evidenciadas nas alegações e justificativas oficiais e
institucionais. Haja vista que não há nenhum fundamento educacional para a
adoção das atividades remotas como substitutas das presenciais, trata-se mais
de cumprir calendários predeterminados, mesmo que isso signifique grandes
perdas do ponto de vista formativo, com o que quase todos concordam.
A
materialidade tecnológica interfere e condiciona os aproveitamentos, na medida
em que modifica a relação com o tempo, com o espaço instaurando outra ordem na
percepção dos ambientes e das circunstâncias. A adoção de meios educacionais
está diretamente ligada aos objetivos e processos educativos e, assim,
atividades corriqueiras como assistir a uma aula, apresentar um seminário,
pesquisar, escrever e ler livros e artigos ficam submetidos ao mesmo plano de
experimentação, como se se tratasse apenas de variações de formas de apreensão
de conteúdos acadêmicos.
Sabemos
que a experiência presencial que a aula comporta é insubstituível e ocupa um
lugar fundamental no processo de formação; implica na apreensão em ato de uma
reflexão que se constitui conjuntamente e cuja depuração e incorporação
reorganizam o pensamento nascente do estudante. A natureza hesitante baseada na
experimentação da reflexão proposta pelo professor no momento da aula revela os
traços propriamente humanos da composição das ideias, ao contrário do texto
acabado, seja para ser lido ou apresentado em forma de conferência que
transmite uma ideia artificial do processo no qual o estudante está sendo
iniciado. A aula instaura um ritmo e uma temporalidade próprios que convidam o
estudante a participar de uma nova condição, distinta essencialmente das
conversas, dos noticiários e das formas usuais de contato com os meios de
comunicação. O modo de encadeamento e elaboração argumentativa solicitam um
reordenamento da atenção, pedem engajamento de um modo que nenhum meio técnico
poderia fazê-lo. Por isso, perdemos todos ao considerar que essa experiência
tenha equivalente à altura em qualquer outro tipo de atividade.
O
tempo da educação, do ensino e do aprendizado é, radicalmente, contrário a
qualquer tempo de emergência, de exceção. Escolas e universidades não sabem
lidar com emergências sociais, sabem, quando muito, apropriar-se e transformar
os dramas sociais em temas de estudo e de elaboração intelectual. Quando a
orientação e concepção de políticas públicas esteve baseada em estudos
acadêmicos? Isso não significa que esses estudos não tenham valor e alcance. Ao
contrário, significa que são sistematicamente desprezados pelas autoridades.
Por isso, pretender justificar que a volta às atividades letivas sejam fator de
combate aos “danos estruturais e sociais para estudantes e famílias de baixa
renda, como estresse familiar e aumento da violência doméstica” conforme consta
no parecer do CNE 5/2020 representa desvio das funções sociais da educação e
das instâncias que, verdadeiramente, deveriam ser responsabilizadas.
Concordamos
que não podemos nos afastar dos estudantes, que precisamos acompanhá-los,
orientá-los, voltar a engajá-los nos processos formativos, e justamente pela
responsabilidade que isso convoca precisamos ser cuidadosos nas decisões,
inclusivos na formulação de propostas, democráticos nas discussões e flexíveis
nos desenvolvimentos. Mas o modo como tem sido encaminhada a discussão faz parecer
que só há duas escolhas: a adesão à educação por internet como correspondente
às atividades acadêmicas regulares ou a simples recusa. Contudo, estão ausentes
outras perguntas, para além da simples divisão entre os pró e contra ensino a
distância: Como garantir o direito à educação sem exclusão? Qual passa a ser a
função social da escola, da universidade e dos professores durante e após a
pandemia?
Se
continuamos a reivindicar que trabalhamos por uma educação no sentido de
garantir formação de qualidade para a cidadania, para a participação ativa na
sociedade, para o desenvolvimento humano, para o exercício profissional com
dignidade, para a defesa inegociável e democrática dos direitos humanos, para
combater as desigualdades e as discriminações, não podemos ceder – muito menos
sem crítica e oposição – aos imperativos imediatistas de medidas que nos
parecem, sob muitos aspectos, criadas apenas para atingir critérios de
desempenho e que impelem a um automatismo que nos distancia daquilo que
propicia de fato uma oportunidade fecunda para a educação.
A
suspensão do calendário acadêmico poderia ser a oportunidade para refundarmos a
relação entre ensino, pesquisa e extensão na universidade e inaugurarmos um
espaço de ampla escuta, acolhimento e ação coletivos no sentido de
aprofundarmos nosso conhecimento, análise e imaginação para um mundo pós
pandemia. Ou será que tudo funcionava de forma excelente, antes da pandemia,
restando-nos apenas garantir que tudo continue, em ritmo e frequência?
Com
as energias utópicas leigas tão em baixa, a esperança residual sobrevive
somente pela determinação intelectual de manter-se na luta, um pouco por
princípio, outro por responsabilidade, um tanto por honra, outro por costume,
estudando, debatendo, intervindo, ainda que a derrota seja diariamente
reeditada. Crer no processo que a luta instaura, manter-se engajado no que
desencadeia, orientar-se pelos êxitos que a história registra, precaver-se
contra as armadilhas do sistema, examinar criticamente as conformações que
chamam presente, aprender a pensar duas vezes antes de ceder aos voluntarismos
emergenciais, manter-se fiel aos princípios nos quais as pessoas são sempre mais
importantes do que as coisas e os procedimentos.
De
algum modo, as utopias, mesmo aquelas que justificaram nossas escolhas
profissionais pela educação, poderiam renascer, ainda que discretamente, desses
apelos, e é o que parece nos restar como esperança residual no momento. Assim,
estaríamos trabalhando na defesa e fortalecimento dos que mais precisam, de
introduzir a juventude na tradição e, assim, de zelar pelo futuro. É o que
defendemos, no que acreditamos e do que estamos convencidos.
Adriana
Santiago Silva - Diretora Escolar SBC/SP – mestranda UnifespAlexandre Filordi
de Carvalho –Unifesp
Alessandra
Alexandre Freixo - UEFS
Ana
Luiza Jesus da Costa –FEUSP
Anderson
Ferreira de Brito SME Guarulhos/ docente
SMESP / Mestrando Unifesp
André
Almeida Uzêda – UEFS
Andrea
de Faria Souza - SME - SP / mestranda Unifesp
Antonia
Almeida Silva – UEFS
Ariana
Rocha Caldeira - mestrado UEFS
Branca
Maria de Meneses – UFMS
Carlos
Roberto Medeiros Cardoso –EMEF Dep. Caio Sergio Pompeu de Toledo
Carmen
Sylvia Vidigal Moraes –FEUSP
Carolina
Cunha da Silva – docente da Prefeitura Municipal de São Paulo
Centro
Acadêmico de Pedagogia Cecília Meireles - Unifesp
Cesar
Augusto Minto – FEUSP
Clarissa
Silva de Castilho – Unip
Claudiano
da Hora de Cristo - docente da Rede Estadual da Bahia
Cláudio
Marques da Silva Neto – diretor da EMEF Infante Dom Henrique, SME-SP
Cleide
Mércia Soares da Silva Pereira – UEFS
Clóvis
Frederico Ramaiana Moraes Oliveira – UEFS
Dalva
Valente Guimarães Gutierres – UFPA
Danielle
do Nascimento Rezera – doutoranda Unifesp
Débora
Cristina Goulart –Unifesp
Deise
Lopes de Souza - Professora SME- SP/ doutoranda Unifesp
Denilson
Soares Cordeiro –Unifesp
Denise
Helena Pereira Laranjeira - UEFS
Edna
Laize Matos da Silva- discente UEFS
Edson
do Espírito Santo Filho - Professor UEFS / Rede Mun. Ens. Feira de Santana
Eduardo
Oliveira Miranda - UEFS
Elizabete
Pereira Barbosa - UEFS
Elisete
Teixeira de Araújo / Professora SEDUC-SP e SME-SP
Emmanuel
Oguri Freitas- UEFS
Estela
Pereira – IFSP
Eurelino
Teixeira Coelho Neto - UEFS
Evodio
Maurício Oliveira Ramos – UEFS
Executiva
Nacional dos Estudantes de Pedagogia - ExNEPe
Fábio
Dantas de Souza Silva - UEFS
Faní
Quitéria Nascimento Rehem - docente UEFS
Fabio
Oliveira de Castro - Professor SEDUC-SP/ mestrando Unifesp
Fabrício
Oliveira da Silva - docente UEFS
Francico
Miraglia – IME-USP
Gilberto
Tedeia –UnB
Gláucia
Maria Costa Trinchão - UEFS
Gregório
Luís de Jesus – docente da rede municipal de Tucano- Ba
Helder
Garmes – FFLCH/USP
Horacio
Martin Ferber – UBA –Argentina
Ingrid
Aparecida Peixoto de Borba – discente Unifesp
Ivan
Luis dos Santos – IFSP/Itaquaquecetuba
Jacqueline
Nunes Araújo - UEFS
Jadilson
Lourenço da Silva - Supervisor SEDUC-SP/doutorando Unifesp
Joaci
Pereira Furtado –UFF
José
Alves – Unifesp
José
Conceição Silva Araújo – IF Bahia
José
Marcelino de Rezende Pinto – USP Ribeirão Preto
Juracy
Santana Rodrigues- UNEB
Kelma
de Freitas – IFSP/Itaquaquecetuba
Leomárcia
Caffé Uzêda - docente UEFS
Ludmila
Oliveira Holanda Cavalcante - docente UEFS
Luís
Antonio Cajazeira Ramos – poeta
Luciene
Maria da Silva- UNEB
Lucilia
Borsari - IME-USP
Lucimêre
Rodrigues de Souza- UEFS
Luiz
Carlos Gonçalves de Almeida –APEOESP
Manoel
Fernandes de Sousa Neto – FFLCH/USP
Márcia
Aparecida Jacomini –Unifesp
Marcos
Natanael Faria Ribeiro – IFSP/SJC doutorando Unifesp
Maria
José Oliveira Duboc - UEFS
Marian
Ávila de Lima Dias –Unifesp
Marieta
Gouvêa Penna –Unifesp
Marilene
Lopes da Rocha - UEFS
Marta
Alencar dos Santos - UEFS
Mellina
Azevedo Verol de Freitas – discente UniRio
Monique
Rufino Silva Pessoa – docente Centro Paula Souza /mestranda Unifesp
Noeli
Aparecida Fernandes - Supervisora aposentada SEDUC-SP/mestranda Unifesp.
Otília
Fiori Arantes –FFLCH/USP
Paulo
Arantes – FFLCH/USP
Pricila
Oliveira de Araújo - UEFS
Raissa
Pinheiro- mestranda Unifesp
Raquel
Gomes D’Alexandre / Professora de Ensino Superior – SP
Reinalda
Souza Oliveira – UEFS
Reinaldo
Ortiz de Sousa - PCNP - SEDUC-SP/ doutorando Unifesp
Ricardo
Casco –Universidade Ibirapuera
Rodolfo
Santos de Miranda - Docente PM Terra Nova/ Rede Estadual da Bahia
Rodrigo
Barros Gewehr –UFAL
Rodrigo
Conceição Ferreira de Moraes- docente SME/SEE-SP /mestrando Unifesp
Rosana
Evangelista Cruz –UFPI
Rosana
Gemaque –ICED-UFPA
Roseli
Giordano –UFPA
Roxana
González – UNDAV - Argentina
Sandy
Lira Ximenes Lima – mestranda Unifesp
Sandra
da Cunha Cirillo – mestranda IPUSP
Sandra
Gomes Dumont Defendi - Supervisora SME/ doutoranda Unifesp
Selma
Soares de Oliveira -UEFS
Selma
Venco – FE Unicamp
Sergio
Stoco –Unifesp
Silvio
Carneiro – UFABC
Simone
Moreira de Moura –UEL
Solange
Mary Moreira Santos - UEFS
Suely
dos Santos Souza - UEFS
Suria
Seixas Neiva Pasini – discente Senac SP
Syomara
Assuite Trindade - UEFS
Tatiane
Damaceno Barreto SME/SP e mestranda Unifesp
Thais
Fernanda Martins Nascimento - mestranda Unifesp
Valdécio
Silvério Bezerra – Unicid
Valdelúcia
Alves da Costa – UFF
Valter
Pedro Batista – Supervisor Seduc/SP e doutorando Unifesp
Vanessa
Batista Mascarenhas - Docente Feira de Santana
Vanessa
do Nascimento Vicentini SME-SP /
mestranda Unifesp
Vanessa
Santana dos Santos – docente UFJF e doutoranda Unifesp
Vânia
Pereira Moraes Lopes – docente da Rede Estadual de Educação Bahia
Verissimo
dos Santos Furtado Filho - Professor Seduc-SP/Doutorando Unifesp
Walson
Lopes - Professor Seduc/SP
FONTE: A Nova Democracia
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