segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Carta do Cacique Seattle


No ano de 1854, o presidente dos Estados Unidos [Franklin Pierce]  fez a uma tribo indígena a proposta de comprar grande parte das suas terras, oferecendo, em contrapartida, a concessão de uma outra “reserva”.

O texto da resposta do Chefe Seattle, distribuído pela ONU (Programa para o Meio Ambiente), tem sido considerado através dos tempos, um dos mais belos e profundos pronunciamentos já feitos a respeito da defesa do meio ambiente.

É aqui inserido na íntegra, pois acreditamos que, apesar de ter sido escrita há mais de 100 anos, é cada vez mais atual.     



Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa ideia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los? Cada pedaço desta terra é sagrado para o meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra da floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência do meu povo.

A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho. Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a águia, são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do potro, e o homem – todos pertencem à mesma família.

Portanto quando o grande chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós. O Grande chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar a sua oferta de comprar a nossa terra. Mas isso não será fácil. Essa terra é sagrada para nós.

Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhe vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar as suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais.

Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhe vendermos a terra, vocês devem lembrar e ensinar seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também.

E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão.

Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção da terra para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue o seu caminho.

Deixa para traz os túmulos de seus antepassados e não se incomoda.

Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe terra, e seu irmão, o céu, como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou enfeites coloridos. Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.

Eu não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é selvagem e não compreenda.

Não há um lugar nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto.

Mas talvez porque eu sou um selvagem e não compreendo. O ruído parece somente insultar os ouvidos. E o que resta da vida não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, a noite.

Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, e o próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.

O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira.

Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda a vida que mantém.

O vento que deu a nosso avô seu primeiro inspirar também recebe seu último suspiro.

Se lhe vendermos nossa terra vocês devem mantê-la intacta e sagrada, como um lugar onde até mesmo o homem branco possa saborear o vento adoçado das flores dos prados. Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, peço uma condição: o homem branco deve tratar os animais dessa terra como seus irmãos.

Sou um selvagem e não compreendo qualquer outra forma de agir. Vi um milhar de búfalos apodrecendo na planície, abandonados pelo homem branco que os alvejou de um trem ao passar. Eu sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos apenas para permanecermos vivos.

O que é o homem sem os animais? Se todos os animais se fossem o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontece com seus irmãos.

Vocês devem ensinar as suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem as suas crianças o que ensinamos as nossas, que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos.

Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence a terra.

Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas, como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo.

O que ocorrer com a terra recaíra sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.

Mesmo que o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos, e o homem branco poderá vir a descobrir um dia: nosso deus é o mesmo Deus. Vocês devem pensar que o possuem, como desejam possuir nossa terra, mas não é possível.

Ele é o Deus do homem, e Sua compaixão é igual para o homem vermelho e para o homem branco. A terra lhe é preciosa, e feri-la é desprezar seu criador.

Os brancos também passarão, talvez mais cedo que todas as outras tribos. Contaminem suas camas e, uma noite, serão sufocados pelos próprios dejetos.

Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente, iluminados pela força de Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão especial lhes deu domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios sejam todos domados, os recantos secretos da floresta densa impregnada do cheiro de muitos homens, e a visão dos morros obstruída por fios que falam.

Onde está o arvoredo? Desapareceu.

Onde esta a águia? Desapareceu.

E este é o final da vida e o início da sobrevivência.


FONTE: Ensino Propulsor


segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Nas garras da autocracia: interferência governamental na escolha de reitores e liberdade de cátedra


Por Roberto Leher 


                                                         Créditos da foto: (Reprodução/Change.org)

Mais um grande passo foi dado para efetivar o objetivo de silenciar a polifonia de vozes nas universidades públicas e de criar um ambiente de medo, insegurança e de desmoronamento de todo arcabouço da autonomia universitária que, afinal, objetiva a assegurar o que Jürgen Habermas denominou, apropriadamente, um ambiente de liberdade ilimitada. Inexiste liberdade de cátedra sem autonomia universitária.

Conforme antecipado pelo deputado bolsonarista Bibo Nunes (PSL-RS), a nomeação do novo reitor da UFRGS, o terceiro colocado da lista tríplice em detrimento do inequívoco escolhido pela comunidade, o Prof. Rui Oppermann, reafirma a existência de uma política governamental deliberada para introduzir, no sistema das instituições federais, dirigentes que possam estar afinados com o projeto governamental para a área. No colégio eleitoral da UFRGS Rui Oppermann obteve 45 votos, o nomeado, ínfimos 3 votos[1]. O caso da UFRGS é muito emblemático e relevante. A exemplo dos demais reitores e reitoras preteridos, os escolhidos eram candidatos reconhecidamente qualificados, com vivo engajamento na vida acadêmica e no espaço público em prol dos valores democráticos, dos direitos humanos, do uso autônomo e crítico da razão. E o mais importante: foram os candidatos que suas comunidades escolheram como os melhores representantes dos anseios por ela compartilhados.

A nomeação do novo dirigente da UFRGS era aguardada não apenas pelo fato de ser uma universidade de grande porte, de elevado reconhecimento acadêmico. O que efetivamente estava atraindo a atenção de toda comunidade universitária brasileira, e não apenas do país, seria a atuação do novo ministro da Educação: se, de fato, seria um ministro “técnico”, voltado para a educação e os valores acadêmicos ou se, alternativamente, seria um soldado da “guerra cultural”[2]. A nomeação do novo reitor foi o début do novo ministro. Se alguém tinha dúvidas é certo que estas foram dissipadas.

A UFRGS não é uma situação isolada[3]. Evidencia um movimento com metas, focos, propósitos. A MP 914/2019[4] e a MP 979/2020 objetivaram ampliar a influência do governo Federal no governo das instituições: o fato de terem encontrado resistência no Congresso não eclipsa o intento político. Os fatos são claros. Desde que Bolsonaro assumiu a presidência da República, em 2019, recebeu 38 listas tríplices. Destas, apenas 26 resultaram em nomeação de um novo dirigente, sendo que dez (38,5%) não foram os indicados por suas comunidades e um sequer estava na lista. Preocupa o fato de que 12 aguardam decisão do presidente e, ainda, que parte relevante dos pro-tempore, a rigor é de mal disfarçados reitores nomeados à revelia do princípio da gestão democrática. Se acrescentarmos o processo de nomeação dos reitores dos IFET que possuem legislação específica estabelecendo que a eleição é direta e o vencedor deve ser nomeado (Lei 11.892/2008[5]), o quadro torna-se ainda mais difícil, como é possível depreender pela nomeação dos dirigentes do CEFET-RJ, IFSC e IFRN.

                                          Nomeação de reitores/as das universidades federais 2019-2020 (17-09)

                                        Fonte[6]

É necessário ressaltar que entre os nomeados que não venceram a lista tríplice, dois dirigentes compunham a chapa vencedora (UFES, UFRB); entretanto, a grande maioria é de candidatos que perderam a consulta e, sob o ponto de vista formal, a eleição nos colegiados superiores. Tratam-se, por conseguinte, de dirigentes desprovidos de real legitimidade junto às suas comunidades.

A autocracia é um projeto de longa duração e de perigosas ambições, como a história permite constatar. Em artigo anterior sobre o tema[7] destaquei que o ambiente de “guerra cultural” confere outro sentido às ações governamentais contra a autonomia universitária. De fato, instalou apreensão, temor e “pragmatismo” político nos processos sucessórios das Federais. No lugar da reflexão sobre os desafios acadêmicos, institucionais, organizacionais e sobre a função social e a pertinência da instituição com os problemas dos povos, seria desastroso a prevalência de cálculos sobre que tipo de candidato poderia ser palatável ideologicamente ao bolsonarismo. O problema é que, na doutrina da “guerra cultural”, todos os candidatos que não sejam militantes ou simpatizantes do ideário da extrema direita são, a priori, inimigos a serem batidos. Parte da comunidade acadêmica já se deu conta do significado de estar no teatro de operações da referida estratégia da extrema direita.

O problema da ruptura do princípio da legitimidade é complexo. Uma óbvia dificuldade é que parcialmente as nomeações responderam aos preceitos da Lei 9.192/1995. É igualmente evidente que essa lei é uma herança nefasta da ditadura e que, no período dos governos democráticos deveria ter sido revogada, em harmonia com o teor da Constituição Federal. A exortação sábia de Florestan Fernandes que seria preciso remover a herança da ditadura nos domínios da educação e da ciência e tecnologia infelizmente não foi levada adiante, nem por seu antigo assistente na Cátedra de Sociologia, nem no governo de seu partido. Está evidente que as escolhas atuais nada têm a ver com a qualificação dos dirigentes ao cargo: é uma decisão politicamente motivada e esse é o problema de fundo.

Muitos dos que não foram escolhidos como legítimos por suas comunidades buscaram apoio justamente em representantes e prepostos do bolsonarismo. Mesmo candidatos que foram eleitos por suas comunidades beijaram a mão do bolsonarismo, precedentes gravíssimos, pois naturalizam que cabe ao governo escolher o candidato conveniente. Desse modo, a condição para ser reitor/a deixa de ser o debate público e esclarecido de suas comunidades. Qual é a fonte da suposta legitimidade dos nomeados que foram derrotados nos processos de consulta? Essencialmente, ser ungido por uma autoridade vinculada ao governo. O corolário provável desse movimento é que existe uma relação de subordinação do reitor/a em relação aos anseios governamentais, justo o que o estatuto da autonomia tenta impedir.

Tal como na ditadura, a guerra cultural é também uma oportunidade para os novos mandarins se livrarem de seus desafetos, em geral docentes que possuem carreira acadêmica reconhecida e que, na percepção dos dirigentes ilegítimos, eclipsam suas próprias carreiras e vida acadêmica. O ressentimento é um elemento central da guerra cultural.

Desde logo, é preciso afastar a crença de que o confronto ideológico está circunscrito ao terreno do imaginário. Como nos mostra Gramsci – aliás, um dos autores mais atacados pela referida guerra cultural – a ideologia tem materialidade. Vamos pensar na seguinte sequência de situações:

O governo interrompe concursos no RJU, abrindo caminho para os contratos sem estabilidade.

Encaminha uma reforma administrativa que suprime a estabilidade dos servidores.

"Uma das metas para tirarmos o Brasil das piores posições nos rankings de educação do mundo é combater o lixo marxista que se instalou nas instituições de ensino" (Jair Bolsonaro)

A CGU[8] difunde nota técnica que permite punição ao servidor que “realizar manifestações críticas ao órgão ao qual pertença” em suas redes sociais.

O Ministério da Justiça elabora listas de professores antifascistas, a serem observados e monitorados de perto.

Nomeia reitores que não foram vitoriosos em suas comunidades e que estabelecem laços de lealdade com determinado projeto de governo.

Não é necessário muito esforço para compor o quadro de autocracia que se aprofunda no país. Os Processos Administrativos Disciplinares - PAD (sem prévia sindicância) para apurar ‘prática de insubordinação’ e ‘descumprimento de deveres funcionais’, passíveis de demissão de docentes da UFC[9], motivados pelo fato de que os docentes efetivos da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), Professores Doutores Beatriz Rego Xavier, Cynara Monteiro Mariano (Vice-Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Direito), Felipe Braga Albuquerque, Gustavo César Machado Cabral (Coordenador do Programa de Pós graduação em Direito) e Newton de Menezes Albuquerque expressaram divergência sobre a política institucional, por seu pertencimento ao campo crítico do Direito e pelo fato de que discordaram de ato administrativo de sua unidade em desacordo com uma Resolução do Consuni, são um perigoso precedente para a liberdade de cátedra. O atual reitor da instituição, escolhido pelo Presidente da República, obteve menos de 5% dos votos da comunidade da UFC. Não é exagero identificar nesse processo o prenúncio de situações que nos remetem ao AI-5/1968, medida desejada e festejada pelo Ministro Guedes. A liberdade de cátedra pode estar sendo concebida como uma ameaça à segurança nacional.

A defesa da autonomia universitária e da liberdade de cátedra exigem ações coordenadas de todas as universidades públicas do país. Em conformidade com o posicionamento do STF sobre o tema, o Congresso Nacional deve aprovar imediatamente uma lei que estabeleça o autogoverno das universidades: a/o vencedor/a do processo de deliberação estabelecido pelo Estatuto da instituição deve ser homologado como o reitor ou reitora. Os setores políticos que afirmam a condição de liberais desvinculados da escalada autocrática têm o dever de garantir uma das mais básicas prerrogativas do Artigo 207 da Constituição.

No âmbito interno, os Conselhos Universitários estão desafiados a assumir plenamente suas prerrogativas. A consulta à comunidade, por hora, é desvinculada da eleição da lista tríplice. É preciso garantir, por um acordo nacional, que a famigerada lista, enquanto existir, é composta pelos que possuem a legitimidade de suas comunidades.

Enquanto persistir o desrespeito à autonomia universitária – expresso por afrontas de dirigentes à liberdade de cátedra – os Conselhos Superiores devem rejeitar, liminarmente, todo intento de romper com a essência da autonomia – a irrestrita liberdade de cátedra e de expressão.


“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”

“No caminho com Maiakóvski” (1968)

Por  Eduardo Alves da Costa


Roberto Leher Universidade Federal do Rio de Janeiro -UFRJ

***

[1] Lucas Rivas, especial para o Estadão, 

17/09/2020https://educacao.uol.com.br/noticias/agencia-estado/2020/09/17/bolsonaro-escolhe-3-de-lista-triplice-como-reitor-da-ufrgs.htm

[2] Como é conhecido, na ótica de Steve Bannon, um dos ideólogos da atual doutrina da guerra cultural, é preciso destruir a herança do Iluminismo (do uso autônomo e esclarecido da razão, a secularização e a laicidade da vida social) e os valores da revolução francesa, notadamente a associação entre liberdade e igualdade social, um anátema para os ultraneoliberais, e, no plano da educação, impedir concepção de Condorcet de a escola deve formar cidadãos insubmissos. E a experiência está a nos mostrar que muitos dos nomeados de modo ilegítimo assumiram a doutrina da “guerra cultural”, na forma bruta como é travada no Brasil, objetivando destruir o chamado marxismo cultural, o socioambientalismo, o climatismo, a dita ideologia de gênero, um misto de fundamentalismos que agrega as palavras de ordem das Fundações Heritage, Atlas, tudo isso recontextualizado por um dito filósofo que anima as redes sociais.

[3] Andifes diz que escolhas de Bolsonaro nas federais são "ataques à autonomia constitucional",CorreiodoPovo,20/09/20, https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/ensino/andifes-diz-que-escolhas-de-bolsonaro-nas-federais-s%C3%A3o-ataques-%C3%A0-autonomia-constitucional-1.483237

[4] Medida Provisória n.914 https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/140379

[5] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11892.htm

[6] Rafaela Lima. Bolsonaro desconsiderou 1 colocando para Reitoria de 38% das universidades. Metrópoles, 17/09/2020, https://www.metropoles.com/brasil/bolsonaro-desconsiderou-1o-colocado-para-reitoria-de-38-das-universidades

[7] Roberto Leher, DEMOCRACIA E AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA - Medida Provisória da escolha de reitores é parte da guerra cultural em curso O Globo, Ciência & Matemática Claudio Landim, 27/01/2020, https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/post/democracia-e-autonomia-universitaria.html

[8] https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/servidor-que-criticar-orgao-em-que-atua-nas-redes-sociais-deve-ser-punido-diz-cgu/

[9] SBPC-CE divulga nota de repúdio sobre perseguição política contra professores da Faculdade de Direito da UFC, Jornal da Ciência, 18/09/2020, http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/sbpc-ce-divulga-nota-de-repudio-sobre-perseguicao-politica-contra-professores-da-faculdade-de-direito-da-ufc/


FONTE: Carta Maior 




quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Devastação da Amazônia aumenta durante Operação ‘Verde Brasil 2’


Por Taís Souza 

Durante a Operação “Verde Brasil 2”, que foi lançada para “prevenir incêndios” na Amazônia, o número de queimadas e de desmatamento aumentou em 19,5% no mês de junho de 2020, em comparação com o mesmo período de 2019. Além disso, fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) denunciam atuação negligente dos militares. A operação, segundo denuncia o movimento camponês, é na verdade uma operação de guerra contra a luta pela terra disfarçada de “combate à devastação”.

Os agentes do Ibama, em entrevista ao portal de notícias UOL, descrevem as ações dos militares como “ineficientes”, “mal-intencionadas” e afirmam que eles vêm atrapalhando a fiscalização que ocorria anteriormente, contrariando o que pronunciaram os militares.
Militares na Amazonia.



Relatam que, desde a chegada dos militares, as ações de fiscalização planejadas pelo órgão têm sido suprimidas, como ocorreu logo no início de maio, quando uma operação para apreensão de maquinário de madeireiras em terra indígena foi suspensa e redirecionada a outra área onde nada foi encontrado.

Outra ação surpresa do Ibama para apreensão de material e destruição de maquinário de madeireira foi convertida em barreira do exército na saída da cidade para confiscar suas  madeiras. Os agentes do Ibama alegam que “apreender madeira já cortada não trará resultado algum” e que ´é preciso impossibilitar a atividade do madeireiro”.

Eles denunciam ainda que os helicópteros de grande porte e a maneira que os militares os utilizam possibilitam retirada antecipada das madeireiras. “Os militares sobrevoam alto e não descem. Eles só chamam a atenção dos madeireiros, que retiram seus maquinários e somem”, afirmam os agentes.

PRESENÇA DO EXÉRCITO AUMENTA DEVASTAÇÃO

No dia 9 de junho, durante o anúncio do balanço das ações de “Garantia da Lei e da Ordem” (GLO), o ultrarreacionário vice-presidente e general, Hamilton Mourão, afirmou que houve resultados positivos e que a taxa de desmatamento caiu em maio.

Porém, a verdade é que desde o início da Operação, foi constatado o maior aumento de desmatamento desde que iniciou-se os levantamentos do Deter. Apenas em maio, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inep) foram 829,9 km² devastados. No mês de junho, 609,89 km² de mata foram derrubados, entretanto o número parou de ser atualizado no dia 18/06.

O balanço mensal também indica aumento de queimadas no mês de junho de 19,5% em relação ao mesmo período em 2019, o maior número desde 2007. O período de pico das queimadas foi antecipado com relação aos anos anteriores, que ocorria entre julho e outubro.

Apesar da ineficiência em seu suposto propósito (combate aos crimes ambientais), a GLO foi prorrogada por mais 30 dias, seguindo até 10 de julho de 2020 e segundo o ultrarreacionário general Mourão as “ações prioritárias para enfrentamento de ações ilegais” estão previstas até 2022. A soma dos gastos com a operação, caso ela seja mantida até a data indicada, poderá totalizar R$ 1,74 bilhões.

AVANÇO DA MILITARIZAÇÃO DA AMAZÔNIA

A militarização da Amazônia prossegue, segundo o movimento camponês, não para prevenir queimadas, mas sim com o objetivo de intensificar a guerra contra o povo, particularmente os camponeses pobres, pequenos e médios proprietários ou sem terra, em favor do latifúndio. A justificativa de evitar queimadas é, como pode-se constatar a partir da denúncia, apenas fachada para não gerar solidariedade à luta dos camponeses.

No dia 19 de maio, logo no início da nova GLO, nos arredores de Jacinópolis, distrito de Nova Mamoré, em Rondônia, terras foram invadidas pelas forças da Polícia Militar (PM), que levaram uma família inteira presa (um homem, mulher e uma criança) e apreenderam motocicletas dos moradores.

Como resposta a essas agressões, os moradores da região se mobilizaram: uma estrada foi bloqueada em diferentes pontos com árvores e pontes foram destruídas, obrigando os policiais a se refugiarem e passarem a noite na mata. No dia seguinte, após envio de reforços policiais, dezenas de moradores a pé e em motos fizeram um novo bloqueio. A polícia usou spray de pimenta, bombas e realizou disparos, ao que os moradores reagiram com pedras. Depois de muitas tentativas fracassadas, os policiais fugiram, sendo perseguidos pelos moradores revoltados. Tropas do Exército reacionário continuam acampadas na região.

Anteriormente, em abril, dois acampamentos localizados na área da fazenda Jatobá, no município de Machadinho D’Oeste (RO), já haviam sido invadidos por soldados do Exército reacionário e agentes da PM, Polícia Civil (PC) e Força Tática. Na ação duas camponesas foram presas.

Em novembro de 2019, o AND repercutiu a denúncia emitida pela Comissão Nacional das Ligas de Camponeses Pobres (LCP) de que o Exército reacionário havia invadido cercado áreas camponesas em Rondônia. “Os camponeses da área relataram que durante uma semana os militares das Forças Armadas reacionárias cometeram todo tipo de intimidação, ameaça, abuso e humilhações”, denunciaram. Na época, estava em vigor a Operação “Verde Brasil 1”.

QUEM SE BENEFICIA COM O DESCASO

Um estudo realizado em maio de 2020 pela Chain Reaction Research (CRR) apontou que os principais responsáveis pelos incêndios de 2019 que tiveram início com o “dia do fogo” (como ficou conhecido) foram corporações monopolistas ligada ao latifúndio e ao imperialismo.

A pesquisa cruzou imagens dos incêndios, feitas por satélites da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa), com a localização dos maiores frigoríficos do país, como a JBS e a Marfrig, e grandes silos de soja controlados por empresas como a holandesa Bunge e a Cargill, ianque.

De acordo com o estudo, foram detectados 417 mil focos de fogo nas zonas potenciais de compra da JBS e da Marfrig de julho a outubro do ano passado, número que representa 42% de todos os incêndios ocorridos no Brasil no período. Já as queimadas ocorridas dentro de um raio de  25 quilômetros ao redor dos silos da Bunge e da Cargill somam cerca de 39,9 mil focos de incêndio.

Os incêndios são provocados, geralmente, para realizar uma “limpeza” e ampliar as áreas de pasto ou para o cultivo, formando novas áreas conhecidas como “áreas agrícolas”.


terça-feira, 1 de setembro de 2020

Povos indígenas e a escolha pela existência



Por Maria Augusta Assirati



Governo libera a prática de atividades econômicas ilegais, constitucionalmente vedadas, como o garimpo e a reativação de projetos que flexibilizam o licenciamento ambiental de empreendimentos que impactam os territórios indígenas


Povos indígenas cantam em bom som a sua resistência: O presidente vai passar. Nós permaneceremos
Midia Ninja/Facebook

Antes mesmo de eleito, o atual presidente já afirmava que em sua eventual gestão não haveria mais um centímetro de terra para indígena, e que a política de demarcar terras deixaria de existir. Política que jamais fora efetivamente implementada de forma séria, impondo aos povos indígenas a perpetuação da condição de guerra permanente pela garantia de seus territórios. Desde a promulgação da Constituição Federal, que garante expressamente aos povos indígenas o direito ao usufruto exclusivo de seus territórios, e impõe ao Estado o dever de demarcá-los, há processos administrativos e judiciais que submetem esses povos a uma espera que pode durar dez, vinte ou trinta anos até que se reconheça e se garanta seu direito.

Desde sua posse, o atual presidente segue proferindo violações que vão dando concretude a seu projeto antidemocrático e plenamente conflitante com a ordem vigente. Suas manifestações públicas passam por afirmações como “vamos desmarcar” terras já homologadas, “vamos dar fuzil e armas a todos os fazendeiros”, “vamos integrá-los à sociedade. Como o Exército faz um trabalho maravilhoso tocante a isso, incorporando índios, tá certo, às Forças Armadas”.

A prioridade do governo hoje, em relação ao assunto, é a liberação da prática de atividades econômicas ilegais em territórios indígenas. Práticas constitucionalmente vedadas, como o garimpo em terras indígenas. Para tanto, seu plano envolve, por exemplo, a autorização da mineração em territórios indígenas e a reativação de projetos que flexibilizam o licenciamento ambiental de empreendimentos que impactam esses povos. Os temas já foram objeto de confronto em momentos anteriores. No caso da mineração, a maioria da população assume posição contrária à flexibilização da proibição constitucional; favorável, portanto, à manutenção da proteção das comunidades e terras indígenas. Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha em junho deste ano, a mineração em terras indígenas é reprovada por 86% dos brasileiros, e a rejeição à entrada de empresas de exploração nessas reservas é de, no mínimo, 80% da população de todas as diversas regiões do Brasil, escolaridades, idades, sexos, faixas de renda e ocupações.

O governo contesta, e o atual presidente diz que há uma incompreensão da população sobre o que é garimpo. “Quando se fala em garimpo, vem a imagem do cara com jato d’água, desbarrancando tudo. De vez em quando vem com escafandro no fundo do rio. Não é assim. Esse garimpo é industrial, geralmente”.

A taxa de desmatamento no Brasil sofreu um aumento de cerca de 88% em relação ao ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O aumento do desmatamento, conforme comprovam os números do Inpe, vem sendo sentido e anunciado pelas comunidades indígenas, que sofrem diretamente os impactos dessas atividades. As invasões madeireiras provocam mudanças e dificuldades, não só no desempenho de funções cotidianas básicas à sobrevivência das comunidades indígenas, tais como estabelecer locais de moradia, transitar por rotas de hábito, acessar alimentos e água, como também são comumente acompanhadas por conflitos e prática de uma série de violências que atentam contra suas vidas.

No Acre, estado vanguardista na implementação de ações de conservação ambiental e de gestão territorial em terras indígenas, o desmatamento aumentou mais de 400% no acumulado entre julho de 2018 e julho de 2019, segundo dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Para o atual governo, contudo, as informações baseadas em pesquisas científicas não merecem consideração. Foi o recado dado pelo presidente que contestou a ação do Inpe, órgão público federal que, há mais de trinta anos, realiza mapeamentos por satélites de áreas desmatadas no Brasil. Ao negar a confiabilidade das informações geradas pelo instituto, o presidente provocou uma crise institucional de repercussão mundial, que levou à exoneração do diretor do órgão.

Não foi um caso isolado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também foi alvo das contestações do mesmo presidente, que colocou em dúvida dados divulgados sobre a fome e o desemprego. As universidades vêm passando por um processo de desqualificação, enfraquecimento e supressão de autonomia. Assim vai se concretizando a intenção previamente anunciada de impedir a produção e circulação de informações e de conhecimento científico, o compartilhamento de saberes e o exercício de epistemologias críticas e de debates sobre problemas fundamentais que atravessam nossa sociedade. Vão se estrangulando as já tímidas iniciativas de preservação e valorização da memória, sempre que qualquer dessas atividades contrarie a orientação ideológica desse governo.

Enquanto isso, sua política segue privilegiando o setor do agronegócio e favorecendo o atual modelo econômico, que exige a ampliação contínua da escala de propriedade de terras para viabilizar o pagamento do preço cobrado por bancos e empresas estrangeiras que o financiam e dele se beneficiam. Política baseada em medidas que radicalizam a concentração de renda, o desemprego, o esgotamento da biodiversidade e a intoxicação da população por ingestão de venenos químicos. Desde o início do atual governo, houve uma exponencial potencialização do uso de agrotóxicos, 290 substâncias desse tipo já foram liberadas para utilização pelo mercado do agronegócio no Brasil, levando ao topo o ritmo de liberação de pesticidas, classificado como o mais alto já registrado para o período.

As áreas protegidas, dentre as quais se inserem os territórios indígenas e as unidades de conservação, seguem como principal entrave à consolidação desse projeto. O governo, então, age rápido para desobstruir o trânsito para o agronegócio e para a exploração ilegal e predatória de quaisquer recursos naturais presentes nessas áreas.

As declarações do atual presidente, por si só, têm estimulado desde o início de 2019 um aumento no número de invasões de terras indígenas por grileiros, garimpeiros e madeireiros. Casos desse tipo foram constatados nas terras indígenas Munduruku, Apyterewa, Cachoeira Seca e Waiãpi, onde uma liderança foi assassinada em decorrência de conflitos com garimpeiros. O laudo da perícia realizada nesse último caso, no entanto, questionado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), aponta um afogamento como causa da morte, negando indícios de assassinato.

A Fundação Nacional do Índio (Funai), sucateada, paralisada e sob o comando de um delegado da Polícia Federal indicado e apoiado pela bancada ruralista do Congresso, nada tem a dizer a respeito.

Acirra-se a condição de guerra contra os povos indígenas. Condição agravada no contexto atual, em que os representantes das mais altas instâncias do poder do Estado incitam pública e deliberadamente a prática de ilícitos que atentam contra territórios e vidas desses grupos.

No Mato Grosso do Sul, esse tipo de situação não é novidade. Mas a orientação do atual presidente da República, na busca da legitimação da violência contra os povos indígenas, tem contribuído para intensificar esse quadro. No início de agosto, policiais militares promoveram uma violenta ação no território reivindicado pelo Povo Kinikinau, a fim de coibir uma retomada promovida pelos indígenas. Bombas de gás lacrimogênio foram lançadas enquanto pessoas velhas descansavam e crianças brincavam. A ação feriu gravemente diversas pessoas, deixando a comunidade em estado de pavor. Nas redes sociais, circulou um áudio atribuído ao prefeito de Aquidauana, Odilon Ribeiro (PSDB), no qual se afirmava haver ordem de Brasília para o uso de violência. A mensagem falava em ordem de Brasília e em tirar por bem ou por mal. O prefeito não nega a manifestação, mas esclarece que suas palavras foram mal interpretadas, gerando mal-estar junto à comunidade indígena a quem trata com respeito e admiração.

Estamos mergulhados em um novo tempo de guerra. E a face que nos querem decretar é de morte. O Estado brasileiro silencia. Mas essa guerra não é silenciosa. As mortes provocam estrondos ensurdecedores. As vítimas gritam cada vez mais alto. Povos indígenas cantam em bom som a sua resistência. O presidente vai passar. Nós permaneceremos. Bolsonaro são quatro anos, ou mais, ou menos. Nós estamos há 519 anos em luta. Sobrevivemos e vamos seguir assim, eles dizem. Os governos se alternam. Começam e terminam sem voltar muita atenção a esses povos e suas especificidades. Abraçam ou rejeitam as democracias, de modos mais ou menos explícitos. E os povos indígenas resistem. Resistem a todos os ciclos de barbáries desde o início da invasão europeia. Subsistem. Existem. Perpetuam sementes fincadas no solo dessa terra, que é regada com sangue indígena e com sangue negro.

Nossa sociedade, colonizada ainda hoje, não diz muito sobre o assunto. Talvez nem se lembre bem do início do processo de sua própria formação, originada a partir do estupro de mulheres indígenas. E depois de mulheres negras... Talvez nem se acredite afetada por essa violenta mutilação do nosso tecido sociocultural. Falta memória. E sem memória não há identidade. Nossa crise é civilizatória.

Na última semana, Sônia Guajajara, uma das lideranças da mobilização que reuniu mais de 2 mil mulheres indígenas que marcharam até o Congresso Nacional, falou sobre a importância da presença indígena em Brasília para ensinar como se faz democracia. A marcha, que viveu sua primeira edição nesse mês de agosto, foi antecedida por um fórum, no qual diversos direitos e respectivas estratégias de implementação foram discutidos em um acampamento que contou com a presença de mais de 100 povos. O evento teve a participação de lideranças e parlamentares indígenas de outros países latino-americanos, demonstrando uma enorme capacidade de mobilização e articulação em torno da defesa de pautas indígenas, que, em última análise, coincidem com a defesa da vida na Terra.

Juntas, essas mulheres exerceram a força dos povos presentes e dos ancestrais encantados que, de muitas maneiras, também estavam presentes. Elas manifestaram ao Brasil e ao mundo sua disposição para seguir existindo. Para seguir em permanente luta em defesa do Território: nosso corpo, nosso espírito. Reafirmaram a ocupação de espaços de participação política, institucionais ou não, em defesa de seus territórios e povos.

Essas mulheres evidenciaram seu papel na defesa do que há de fundamental à sobrevivência da espécie humana, como a terra, o ar, a água e as florestas. Essas mulheres nos chamaram ao resgate de nossa identidade, intimamente ligada à vida e à terra. E nos conclamaram a não aceitar a face de morte que nos querem decretar.

A resistência desses povos, trazidos ao mundo por mulheres como essas, é milenar. Seus saberes oferecem um subsídio fundamental para que possamos enfrentar a colonialidade violenta e opressora que nos aprisiona ainda hoje. Nossa crise é civilizatória, e o reencontro com nossa memória e identidade é o caminho para que possamos começar a superá-la.


Maria Augusta Assirati presidiu a Funai (2013, 2014). É advogada, mestre em políticas públicas, e atua como consultora indigenista, e nas áreas de políticas sociais, participação social e direitos humanos

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