quarta-feira, 24 de março de 2021
domingo, 14 de março de 2021
É melhor “morrer na luta do que morrer de fome”
Por Raquel G. Rizzi
Margarida Alves, mulher, nordestina, trabalhadora rural, em plena ditadura militar denunciou todas as violações que encontrou pela frente, mas sua história é pouco conhecida
A Marcha das Margaridas concretiza o legado de Margarida Alves como mulher, camponesa, sindicalista, entre outras dimensões de sua vida. Foto: Roberto Parizotti |
Margarida Maria Alves, autora da frase do título1, tinha acabado de completar 50 anos, estava em casa naquele final de tarde. Era 12 de agosto de 1983: a presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande foi assassinada por um pistoleiro encapuzado.
Até
recentemente eu não sabia quem era Margarida Alves. Fui apresentada à sua
história em 2013, quando passei a trabalhar na Diretoria de Políticas para
Mulheres Rurais e Quilombolas do Ministério do Desenvolvimento Agrário
(DPMR/MDA).
Até
entrar no MDA eu acreditava que o Brasil era um país urbanizado. Não. Somos um
país essencialmente rural. E, ao acreditar neste país urbano, os conflitos
agrários, as lutas camponesas e a própria produção de alimentos aparecem como
algo alienado, cindido. Não sabemos quem produz nossos alimentos, não sabemos o
conteúdo de nossos alimentos e não sabemos as mortes que estão envolvidas ao
consumir esses alimentos. Eu não sabia, ou sabia muito pouco.
Então,
me pergunto, o que Margarida Alves falaria se estivesse aqui, do meu lado?
Primeiro,
acho que falaria para lembrarmos que ela foi assassinada, e olharia com
tristeza os nossos números crescentes de conflitos agrários2. Provavelmente ela esperaria que
estivéssemos numa situação melhor depois de 37 anos de sua morte. Mas olha,
Margarida, avançamos, a luta se estruturou, tivemos um presidente e uma
presidenta que conseguiram, se não mudar a realidade, pelo menos dar voz para
as causas que mobilizaram sua vida. Porém, os donos do poder estão aí e, no
momento que escrevo este texto acabamos de completar mais de 100 mil mortes por
um vírus sobre o qual pouco sabemos.
O
que sabemos é que este é um país extremamente desigual, o Censo Agropecuário de
20173 mostrou que a concentração de terras
segue crescendo e são nossas populações mais vulneráveis que estão morrendo,
são os povos indígenas, são mulheres, são negros, são lutadoras e lutadores do
campo e da cidade.
E,
como se não bastasse, a polícia mata cada dia mais, a agricultura familiar está
abandonada enquanto a fome cresce nas cidades, desapropriações são realizadas
em plena pandemia e temos um governo genocida.
Margarida,
queria te contar de outro Brasil.
Mas
conversando com a Margarida que conheci pelas diversas sementes de sua
história, e de outras que me formaram a partir do meu trabalho no MDA, sinto que
as Margaridas não querem falar de morte.
Margaridas
não têm medo da morte, e isso não quer dizer que não devamos nos cuidar e
denunciar. Mas devemos, sobretudo, honrar essas vidas à altura de como elas
foram vividas. Margarida Alves disse: “Não fujo da luta!”4
Naquele
período, a sindicalista havia conquistado na Justiça a readmissão de
trabalhadores em usinas. O enfrentamento dos senhores de engenho que exploravam
a mão de obra dos trabalhadores do campo tornou-se uma das marcas de sua
atuação como sindicalista. A exigência de carteira assinada, 13° salário,
redução de jornada de trabalho e férias, entre outros direitos, levou-a a dar
entrada em 73 ações trabalhistas contra os latifundiários da região.5
Margarida
Alves foi presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande na
Paraíba por 12 anos, uma das primeiras mulheres a ocupar este lugar e
provavelmente, naquela época, uma das poucas a ocupá-lo por tanto tempo. Quando
foi assassinada, havia 73 ações trabalhistas abertas, mas durante seus mandatos
foram mais de seiscentas ações.6
Mulher,
nordestina, trabalhadora rural, em plena ditadura militar denunciou de forma
constante todas as violações que encontrou a sua frente e, ainda assim, sua
história é largamente desconhecida. Aprendemos e reproduzimos a história
daqueles que se autointitulam vencedores. Precisamos escolher quais são as
histórias e vitórias que cantaremos.
O
latifúndio interrompeu o seu corpo, mas não seu legado e sua luta. Neste ano,
completam-se 20 anos da primeira Marcha das Margaridas. Margarida Alves foi
semente: seguimos vendo as Margaridas que brotam da sua luta.
A
Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais (DPMR), onde trabalhei, foi fruto
da Marcha das Margaridas. Eu ter conhecido sua história e ter o privilégio de
contá-la aqui é fruto das Margaridas espalhadas por este Brasil. Lá foram
desenvolvidas ao longo dos anos diversas políticas, sempre em contato direto
com os movimentos, com as Margaridas. Se na disputa pelo recurso público, a
agricultura familiar, a reforma agrária, os quilombos e povos indígenas eram
escanteados, as mulheres não eram nem vistas.
Na
mesma perspectiva da invisibilidade do trabalho de doméstico e de cuidados, a
participação das mulheres rurais na atividade de produção de alimentos, foi
tratada, e em parte ainda é, como ajuda. O homem era caracterizado como o
trabalhador rural, foco das políticas.
Porém,
a Marcha das Margaridas acontece em 2000, 2003, 2007, 2011, 2015 e 2019 para
mostrar que o campo não é composto apenas pelo trabalhador rural, mas que as
trabalhadoras rurais existem, são muitas, são diversas e comprometidas com um
desenvolvimento rural sustentável e solidário.
Na
DPMR, considerávamos que havia um ciclo de inclusão produtiva das mulheres
rurais. Nesse ciclo, o primeiro passo era dado pelo Programa Nacional de
Documentação da Trabalhadora Rural, no qual por meio de mutirões se promovia o
acesso para as mulheres rurais a diversas documentações. Parte do seu não
acesso às políticas públicas se dava por não ter documentos, ou seja, nem
reconhecida como cidadã elas eram. Foram quase 3 milhões de documentos emitidos
no período de 2006 a 2016.7
Outras
etapas dessa inclusão produtiva passavam pelo Acesso à Terra, pela Assistência
Técnica e Extensão Rural direcionada para mulheres, pelo crédito, por
estratégias de organização produtiva, pelo acesso à infraestrutura produtiva,
pela comercialização de seus produtos (Programa Nacional de Alimentação Escolar
e Programa de Aquisição de Alimentos) e por sua participação em espaços de
decisão (Comitê Permanente de Políticas para Mulheres Rurais do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável - Condraf, Comitês de Mulheres
nos Territórios da Cidadania, Colegiados Territoriais, Grupo de Trabalho de
Gênero da Reunião Especializada de Agricultura Familiar – REAF/Mercosul,
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM, entre tantos outros).
Margarida,
suas sementes geraram frutos e não foram poucos. Parte dessas frentes acabou em
2016, junto com a extinção da DPMR e do MDA, parte resiste a duras penas, mas
esse lugar construído das mulheres rurais pode se perder no Estado mas
permanece em quem o viveu.
Em
2019 ocorreu 6° Marcha das Margaridas, coordenada pelo Movimento Sindical de
Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais (Contag, Federações e Sindicatos) e mais
dezesseis outras organizações e movimentos, em sua Plataforma Política as
Margaridas se apresentam:
Nós,
Margaridas, somos muitas em uma: mulheres da classe trabalhadora, mulheres
rurais, urbanas, agricultoras familiares, camponesas, indígenas, quilombolas,
assentadas, acampadas, sem-terra, assalariadas rurais, extrativistas,
quebradeiras de coco, catadoras de mangaba, ribeirinhas, pescadores,
marisqueiras, caiçaras, faxinalenses, sertanejas, vazanteiras, caatingueiras,
criadoras em fundos de pasto, raizeiras, benzedeiras, geraizeiras, e tantas
outras, negras em sua grande maioria. Exploradas e marginalizadas ao longo da
história, habitamos os mais diversos territórios, que por sua vez abrigam
diferentes biomas, mosaicos de vida e diversidade. Nós fazemos a agricultura
familiar! Produzimos alimentos saudáveis para nossas cidades e para a nossa
população, garantindo a soberania alimentar e preservação das nossas sementes
crioulas, de nossos ecossistemas e da nossa sociobiodiversidade. Somos guardiãs
dos saberes populares que herdamos de nossa ancestralidade!”8
Essas
Margaridas marcharam em 2019 tendo como lema “Por um Brasil com soberania
popular, justiça e livre de violência”, descrevem a sociedade almejada:
Queremos
uma sociedade que garanta a soberania dos povos sobre suas terras e
territórios, que promova a produção e o consumo de alimentos saudáveis, a
partir do uso e manejo sustentável dos agroecossistemas, que reconheça o trabalho
e a contribuição econômica das mulheres para a sustentabilidade da vida. Que
promova autonomia, igualdade e liberdade. Queremos construir uma sociedade sem
violência, governada por valores de justiça social, solidariedade e da paz.
Queremos uma sociedade onde possamos ser ouvidas, onde nossas realidades,
anseios, desejos e decisões sejam considerados. Queremos uma sociedade em que
nossos direitos sejam reconhecidos, respeitados e garantidos.9
A
Marcha das Margaridas concretiza o legado de Margarida Alves como mulher rural,
camponesa, sindicalista, entre tantas outras dimensões de sua vida. Em 2019, a
Marcha das Margaridas reuniu mais de 100 mil mulheres rurais em Brasília e
denunciou o governo genocida, ao mesmo tempo em que apontou o mundo que se
deseja construir.
As
lutas das mulheres rurais se organizaram e ocorreram de diferentes formas, em
diferentes lugares e tempos. Não cabe aqui mapear essas organizações, mas
ressaltar que sim, Margarida Alves tem papel chave nesta história.
Tornamo-nos
uma força coletiva e solidária, capaz de barrar o abuso de poder daqueles que
desejam manter as desigualdades sociais. Acreditamos na nossa força.10
Margarida,
te imagino idosa aqui do meu lado. Idosa, mas não cansada. Tudo o que já ouvi e
li sobre você passa uma imagem bem longe do cansaço. Talvez o que nos canse
seja o medo, não a luta. A luta nos traz vida e talvez você seja uma das
melhores expressões disso.
Neste
artigo poderia falar dos conflitos agrários e dos assassinatos no campo que se
perpetuam, a questão da terra, dos territórios e das desigualdades que estão
longe de terminar. Poderia escrever sobre o patriarcado, sobre como as mulheres
lutadoras do campo e da cidade são exemplarmente punidas. Poderia falar da luta
camponesa e da volta do Brasil ao Mapa da Fome. Poderia escrever sobre como
vivemos um governo que promove a necropolítica, sobre como a Previdência, os
direitos trabalhistas nos foram saqueados nos últimos anos.
Nada
disso pode ser naturalizado. Tudo isso tem que ser dito e tem sido dito. Nem
bala, nem fome, nem Covid-19. Nos queremos vivas e vivos.
Aqui
não se dará espaço aos seus algozes e às mazelas que a desigualdade e a
injustiça provocam. O assassinato de Margarida Alves é o próprio luto que se
transforma em luta. Sabemos quem são eles, estão aí, desenvolvendo sua política
de morte. Mas aqui celebramos Margarida e sua vida vivida, interrompida, como
tantas continuam sendo.
No
fim desta conversa com essa Margarida que mora em mim, que recebi como semente
de outras Margaridas, me vem a Marcha das Margaridas do ano passado, me vem a
convicção de que sociedade desejamos. O canto das Margaridas diz tudo que é
preciso ser dito, recorto aqui um trecho:
“Nós
que vem sempre suando
Este
país alimentando
Tamo
aqui para relembrar
Este
país tem que mudar!
(...)
Canja
na mesa no jantar
Um
mínimo para se ter,
Um
mínimo para se ter
Direito
à paz e ao prazer
É
o querer, é o querer das Margaridas”
Que
o querer das Margaridas se multiplique, chegue aonde ainda não chegou. Que sua
história, luta, voz e coragem possam ecoar neste momento tão difícil. Que a sua
morte nos lembre que a vida só vale se a vivermos por inteiro: “não fujo da
luta!”.
NOTAS
1.Carneiro, A., Cioccari, M. Retrato da Repressão Política no Campo - Brasil 1962 - 1986 - Camponeses Torturados, Mortos e Desaparecidos. 2° Edição. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário. 2011. (p. 101)
2.Comissão Pastoral da Terra. Conflitos no Campo: Brasil 2019. Goiânia: CPT Nacional, 2020. Disponível em: https://www.cptnacional.org.br/component/jdownloads/send/41-conflitos-no-campo-brasil-publicacao/14195-conflitos-no-campo-brasil-2019-web?Itemid=0
3.IBGE. Censo Agropecuário 2017. Disponível em: https://censos.ibge.gov.br/agro/2017/
4.Carneiro, A., Cioccari, M. Retrato da Repressão Política no Campo - Brasil 1962 - 1986 - Camponeses Torturados, Mortos e Desaparecidos. 2° Edição. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário. 2011. (p. 101)
5.Carneiro, A., Cioccari, M. Retrato da Repressão Política no Campo - Brasil 1962 - 1986 - Camponeses Torturados, Mortos e Desaparecidos. 2° Edição. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário. 2011. (p. 100-101)
6.Carneiro, A., Cioccari, M. Retrato da Repressão Política no Campo - Brasil 1962 - 1986 – Camponeses Torturados, Mortos e Desaparecidos. 2° Edição. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário. 2011. (p. 101)
7.Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário. Painel de Políticas da SEAD. Dado extraído em 11/08/2020. Disponível em: http://nead.mda.gov.br/politicas
8.Marcha das Margaridas. Plataforma Política Marcha das Margaridas 2019. Disponível em: http://www.contag.org.br/imagens/ctg_file_1236339083_14082019151003.pdf (p.4)
9.Marcha das Margaridas. Plataforma Política Marcha das Margaridas 2019. Disponível em: http://www.contag.org.br/imagens/ctg_file_1236339083_14082019151003.pdf (p. 12-13)
10.Marcha das Margaridas. Plataforma Política Marcha das Margaridas 2019. Disponível em: http://www.contag.org.br/imagens/ctg_file_1236339083_14082019151003.pdf (p. 13)
segunda-feira, 8 de março de 2021
8 de março: Dia Internacional da Mulher
Por Aluizio Moreira
Comumente o dia 8 de março é reconhecido internacionalmente como Dia
Internacional da Mulher, em homenagem às 129 mulheres assassinadas por seus
patrões, em 8 de março de 1857 no interior de uma fábrica têxtil em Nova
York , nos Estados Unidos. O fato foi o epílogo de um movimento grevista
deflagrado pelas mulheres operárias das fábricas de vestuário, que
reivindicavam redução da jornada de trabalho, licença maternidade e melhores
condições de trabalho.
Em agosto de 1910, mês da realização da Segunda Internacional que aconteceu em Copenhague (Dinamarca), ocorreu também a IIª Conferencia Internacional das Mulheres Socialistas, na qual Clara Zetkin, representante comunista alemã na Conferencia, apresentando proposta da delegação das Mulheres Socialistas dos Estados Unidos, sugeriu que se incluísse no calendário de comemorações do movimento operário internacional, um dia em que se homenagearia a mulher operária socialista.
Isto é como costuma ser lembrado dia o dia 8 de março. Esses são os acontecimentos que geralmente teriam dado origem ao Dia Internacional da Mulher.
O que causa estranheza, é que não há nenhum documento publicado na época, nem em épocas posteriores, que confirmem os acontecimentos de Nova York no ano de 1857. Nem mesmo o jornal de grande circulação como era o Tribuna de Nova York, para o qual Karl Marx escreveu como colaborador até 1862, fez qualquer referencia aos assassinatos de 1857.
As obras que resgatam a História do Socialismo, do Movimento Operário e Comunismo Internacional, sobretudo nos capítulos reservados á Segunda Internacional que aconteceu de 1889 a 1914, nada apresentam acerca daqueles fatos de 1857.
No entanto há noticias de duas outras greves envolvendo o movimento de mulheres operárias que teriam acontecido nos Estados Unidos, também em Nova Iorque, em outras datas: a primeira em 1909 uma greve geral das costureiras, que durou de 22 de novembro de 1909 a 15 de fevereiro de 1910. A segunda ocorrida em 29 de março de 1911, na fábrica Triangle Shirtwaist, na qual noticiou-se a morte de 146 mulheres vitimas de um incêndio em uma fábrica têxtil, na sua maioria operárias imigrantes judias e italianas.
Considerando que somente em 1910, na IIª Conferencia das Mulheres Socialistas por intervenção de Clara Zetkin tenha-se definido um dia, não especificado, por sinal, como data a ser comemorada em homenagem às mulheres operárias, tudo leva a crer que o acontecimento que marcaria aquela data, tenha sido a greve das costureiras de 1909/1910.
Em 1914, Clara Zetkin, à frente da Secretaria Internacional da Mulher Socialista, órgão da Internacional Socialista,sugeriu uma data única para celebração do Dia Internacional da Mulher: 8 de março. O que foi aprovado. (2)
Só em 1975, a Organização das Nações Unidas (ONU) oficializou a data e em 1977 a Unesco a reconheceu.
Uma conclusão transparece disso tudo: o Dia Internacional da Mulher, teve sua origem no movimento socialista, e particularmente na luta das operárias socialistas dos fins do século XIX inicio do século XX.
Um grande equívoco (?) histórico é realimentado até hoje: o fato das operárias queimadas vivas no interior de uma fábrica de Nova Iorque em 8 de março 1857, ao que tudo indica, nunca existiu. (3)
Notas
(1)
Qual teria sido a fonte do L’Humanité?
(2)
Por que Clara Zetkin na Conferencia de 1910 tendo sugerido inicialmente o dia
1º de maio, em 1914 definiu-se por 8 de março?
(3) Existem estudiosos brasileiros e estrangeiros que dedicam-se à pesquisa sobre o movimento operário e socialista, e põem em dúvida as ocorrências de 1857. Entre esses estudiosos citamos Dolores Farias (UFCE), Naumi Vasconcelos (UFRJ), Renée Côté, Eva A. Blay, Liliane Kandel. Por sua vez, de março a dezembro de 1857, não localizamos quaisquer artigos sobre greve das operárias publicados por Marx ou Engels, no jornal New York Daily Tribune para o qual ambos colaboravam.
<<<<<<<<<<<<<<<>>>>>>>>>>>>>>>
Manifesto 8 de Março Nacional – 2021
Neste 8 de março de 2021, nós, mulheres de todo o Brasil, de todas as
raças, etnias, idades, identidades, orientações sexuais, territórios, de tantas
nacionalidades que aqui vivemos, quilombolas, indígenas, no campo, nas águas,
florestas e cidades, nos mobilizamos no Dia Internacional de Luta das Mulheres
para gritar com indignação e fúria feminista FORA BOLSONARO! VACINA PARA TODA A
POPULAÇÃO! AUXÍLIO EMERGENCIAL JÁ! PELO FIM DAS VIOLÊNCIAS CONTRA AS MULHERES!
Nossas vidas estão ameaçadas por um projeto de morte, comandado por
Bolsonaro e que conta com a cumplicidade e apoio de fundamentalistas e setores
conservadores dos poderes jurídico, parlamentar e da grande mídia à serviço do
capital nacional e internacional.
Na pandemia as desigualdades de classe, raça e de gênero se aprofundaram
ainda mais. A tragédia humanitária foi muito além do vírus e das mortes: com o
aumento da pobreza e o crescimento da população em situação de rua. Também
sentimos na pele o aumento das jornadas de trabalho e da dependência econômica
das mulheres.
A violência doméstica, política, institucional e obstétrica seguem nos
matando. Assistimos diariamente a morte de mulheres, dentro de suas casas e
carregamos o vergonhoso lugar de 5º país no mundo em feminicídio, mas a Lei
Maria da Penha vem sendo anulada, por exemplo, por acusações de Alienação
Parental contra as vítimas de violência doméstica.
Somos o primeiro no mundo em assassinatos de mulheres trans e travestis,
com aumento dos crimes de ódios contra a população LGBTQIA+, assim como o
aumento da violência policial e encarceramento da população negra. Na política
genocida desse governo, os povos indígenas e quilombolas seguem sofrendo extermínio,
com a expulsão de seus territórios, o homicídio de suas lideranças e o aumento
da fome e da miséria.
A crise da saúde colocou no centro do debate a importância da ação do
Estado e dos serviços públicos, que foram precarizados pela Emenda Constitucional
(EC) 95 ao congelar por 20 anos o investimento em políticas sociais, de saúde e
educação. O desmonte da saúde é parte da ofensiva ultraneoliberal do governo
Bolsonaro que tem como objetivo a privatização e a venda das empresas públicas
em nome do capital financeiro internacional. A reforma administrativa é parte
dessa estratégia.
Durante a pandemia, ficou ainda mais explícita a importância do Sistema
Único de Saúde (SUS) para a garantia da vida do povo brasileiro. Somos nós,
mulheres, que estamos na linha de frente do combate à Covid. Ao mesmo tempo,
seguimos carregando nas costas a responsabilidade pelo trabalho de cuidados e
pela saúde de todas as pessoas, também dentro de casa.
Exigimos a vacina urgente e imediata para toda a população de forma gratuita
e universal, com a quebra das patentes e a garantia dos investimentos no SUS e
na política de ciência, pesquisa e tecnologia. Não aceitamos que a vacina seja
usada para fins eleitoreiros nem sirva para beneficiar as indústrias
farmacêuticas.
A política econômica ultra neoliberal de Bolsonaro e Paulo Guedes,
coloca o lucro acima da vida: bancos e empresários lucram enquanto as mulheres,
o povo pobre, negro e periférico são quem mais morre! As ações do governo
contribuíram para a disseminação do vírus, ao não priorizar recursos ao
enfrentamento à Covid, desconsiderar a importância e a necessidade urgente da
vacina.
O auxílio emergencial foi uma conquista, resultado de muita pressão
popular, porém deixou de fora trabalhadoras da agricultura familiar e camponesa,
pescadoras, artistas, entre outras. Ainda assim, o auxílio foi fundamental para
a sobrevivência de cerca de 55 milhões de pessoas no país. Em um país de 14
milhões de desempregadas e desempregados, sendo 65% mulheres, com a inflação
dos alimentos e frente ao aprofundamento da miséria com o Brasil de volta ao
Mapa da Fome (ONU), exigimos a manutenção do valor de R$600,00 e ampliação da
cobertura do auxílio emergencial até o final da pandemia.
Assim como seus aliados da extrema direita internacional e de
organizações fundamentalistas religiosas, Bolsonaro aproveitou a pandemia para
desmontar políticas públicas para as mulheres, impondo uma visão reacionária e
conservadora de família e atacando os direitos sexuais e reprodutivos das
mulheres ao editar uma portaria que dificulta o acesso ao abortamento mesmo nos
casos já garantidos por lei. Repudiamos a ação da Ministra Damares ao tentar
impedir de forma criminosa o direito ao abortamento legal, mesmo em situação de
violência sexual contra crianças e adolescentes. A maternidade deve ser uma
decisão ou não será! Educação sexual para prevenir, anticoncepcionais para não
engravidar e aborto legal para não morrer! Legalização já!
O grito de milhões de mulheres em todo o Brasil segue com força:
precisamos tirar Bolsonaro e seu governo genocida do poder, para construir
alternativas de vida, recuperar a democracia, colocar o cuidado e a vida digna
no centro da política! Não existe democracia com racismo, e a democracia não é
real para todas enquanto não pudermos decidir com autonomia sobre nossos
corpos, territórios e vidas!
Basta de machismo, racismo, LGBTfobia e todas as formas de violência!
Justiça à Marielle!
Pela derrubada dos vetos ao PL 735 – Por apoio à produção de alimentos
saudáveis, fomento e crédito emergencial para a Agricultura Familiar
Em defesa do SUS! Pela quebra imediata da patente! Vacinação para toda a
população pelo SUS!
Pela legalização do aborto!
Pela revogação da Lei da Alienação Parental já!
Pela revogação da EC 95!
Auxílio emergencial até o fim da pandemia!
Fora Bolsonaro e todo o seu governo! Impeachment JÁ!
quinta-feira, 4 de março de 2021
Dois anos de desgoverno – farsa democrática e disfarce de legalidade
Tudo o que foi criado nos governos Lula-Dilma que tivesse sabor popular ou inserção dos empobrecidos na sociedade foi literalmente desmontado de forma criminosa.
É fato confessado pelo ex-chefe supremo das Forças Armadas (FFAA), general Eduardo Villas Boâs que o Alto Comando em 2018 deu um golpe na democracia brasileira, ferindo o inciso XILV do artigo 5º da Constituição que diz, tal fato: “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. O sentido era, pressionando o STF para manter-se distante, utilizar o juiz Sérgio Moro (exímio na aplicação do lawfare) para alijar Lula do pleito presidencial, condenando-o por qualquer crime que fosse, no caso, “por crime indeterminado”e pô-lo na prisão onde ficou por mais de 500 dias. Desta forma abrir-se-ia o caminho para eleição ex-capitão compulsoriamente reformado por mau comportamento, Jair M. Bolsonaro. O que de fato ocorreu.
Conhecemos a bíblica “desolação da tribulação” que sobreveio ao nosso país com o presidente eleito. Ocupou militarmente o Estado com 11 mil militares em distintas funções de comando ou de administração. Não soube guardar a dignidade que o mais alto cargo da nação exige e entregou-se às difamações, às mentiras diretas, aos fake news, ao uso vergonhoso de palavrões com soberano desprezo da imprensa. Mente assassina, ele preferiu incentivar a compra de mais armas por civis do que elaborar um plano de enfrentamento do Covid-19 que já fez mais de 220 mil vítimas e nos aproximando de 10 milhões de infectados. Na avaliação mundial, o Brasil ficou em último lugar nas políticas sanitárias contra o Covid-19 e na aplicação da vacinação à população.
A nossa democracia que historicamente sempre foi de baixa intensidade, agora, sob Bolsonaro e comparsas, foi estraçalhada nem chegando a ser de baixíssima intensidade. Ela virou uma farsa e suas principais instituições um disfarce de legalidade, por mais que se diga que “as instituições funcionam”. Cabe perguntar a quem? Não à política sanitária mínima, não à justiça necessária aos milhões de desempregados, aos indígenas e quilombolas, não ao cuidado da natureza em devastação, não à defesa contra ameaças diretas ao STF, nem contra um propósito declarado de golpe militar. Sob o disfarce da legalidade se blindam notórios corruptos, concede-se facilmente habeas corpus a políticos indiciados por ilegalidades e até crimes e permanecem impunes centenas de feminicídios e discriminações e até assassinatos dos membros do LGBTI.
Vou me permitir usar as palavras de dois sociólogos porque encontrei neles as melhores expressões para qualificar o que sinto e penso acerca de nossa presumida democracia: Thiago Antônio de Oliveira Sá, sociólogo e professor universitário (cf. O sequestro das instituições brasileiras, no portal Carta Maior) e de Pedro Demo, colega de estudos no Brasil e na Alemanha, professor na Universidade de Brasília, uma das inteligências mais brilhantes que conheço com vasta obra de pesquisa científica. Delas sirvo-me apenas de tópicos significativos do livro Introdução à sociologia: complexidade, interdisciplinaridade e desigualdade social (Atlas, p. 329-333), onde diretamente aborda o tema da democracia no Brasil.
Começo com Oliveira Sá no referido artigo em Carta Maior: “O público é um anexo do privado. A perícia cede lugar à malícia. A corrosão institucional se visualiza facilmente: obscurantistas e mal educados como ministros da Educação; um ecocida que passa sua boiada sobre o meio ambiente; uma ruralista à frente da agricultura nos envenena com seus mais de 500 agrotóxicos legalizados; uma evangélica fundamentalista cuida das mulheres e demais minorias com seu machismo e sua obsessão com a sexualidade alheia. Não nos esqueçamos do primeiro ministro da Saúde, lobista dos planos privados, a estender sua mão visível sobre o SUS. Um emissário do mercado financeiro dirige o ministério da economia. Um maluco, pária orgulhoso e antiglobalista (seja lá o que isso for), faz do Brasil vexame internacional nas relações exteriores. Um racista à frente da Fundação Palmares. Polícia federal convertida em guarda-costas particular da presidência e de seus filhos. A Procuradoria Geral da República a livrar a cara do empreendedor das rachadinhas. Um militar na Saúde dispensa maiores explicações…. juízes que têm lado, vejam-se os novos vazamentos das tramoias nada republicanas de Moro, Dallagnol e seus comparsas. Absurdo, mas não surpreendente: a velha conversão das instâncias judiciais em arma de grupos dominantes. Para perseguição de adversários, para inviabilizar suas candidaturas em favor de outros”.
Não perde em contundência Pedro Demo. O que escreveu em 2002 vale muito mais para 2021: “Nossa democracia é encenação nacional de hipocrisia refinada, repleta de leis “bonitas”, mas feita sempre, em última instância, pela elite dominante para que sirva a ela do começo até o fim. Nossa democracia espelha, cruamente, a ‘luta pelo poder’ no sentido mais maquiavélico da luta por privilégios. Político sem privilégios é figura espúria em nosso cenário – desde logo é gente que se caracteriza por ganhar bem, trabalhar pouco [comentário meu: vide o ex-deputado Jair Bolsonaro por sucessivos mandatos], fazer negociatas, empregar parentes e apaniguados, enriquecer-se à custa dos cofres públicos; entrar no mercado por cima. Mas há exceções que confirmam a regra… A própria Constituição de 1988 não abriga propriamente projeto nacional coletivo, afinado sob a batuta da justiça e da equalização de oportunidades, mas proposta corporativista retalhada por meio da pressão particularizada: os magistrados fizeram o seu capítulo, bem como a polícia, as universidades, o legislativo, o judiciário, o Executivo e a iniciativa privada… É a tão decantada por Ulysses Guimarães de “Constituição Cidadã”, mas que detém concepção corporativista extrema, muito distante dos interesses das maiorias… Fazem-se muitas propostas mas sem qualquer ligação com embasamento financeiro e institucional…No final fizemos outra vez imitação barata do Welfare State. Mas há coisas boas como a lei de responsabilidade fiscal para evitar que se gaste o que não se arrecada… O Legislativo longe de defender ideias, propostas, equidade, defende verbas, fatias de poder, privilégios exclusivos. É o lugar principal da negociata, do cá e o da lá…Não é pois difícil de mostrar que nossa democracia é apenas formal, farsante, que convive solenemente com a miséria das grandes maiorias. Se ligássemos democracia com justiça social, nossa democracia seria sua própria negação. Não se nota na classe política dominante em geral qualquer gesto dirigido a superar mazelas históricas plantadas em privilégios absurdos para poucos… Nossa pobre política lancinante se traduz na miséria de nossa democracia. Por isso é tão importante manter a ignorância política das massas” (p. 333).
A realidade política sob Bolsonaro é muito pior do que a desenhada acima. Visa reconduzir o país à fase pré-iluminista, da universalização do saber, dos direitos e da democracia na direção regressiva a tempos obscuros do pior da Idade Média tardia, não da Idade Média áurea com suas imensas catedrais, com a criação de universidades, com suas sumas teológicas, com seus sábios, místicos e santos. Tudo o que foi criado nos governos Lula-Dilma que tivesse sabor popular ou inserção dos empobrecidos na sociedade foi literalmente desmontado de forma criminosa, pois implicou sofrimento aos que já sempre sofreram historicamente.
Causa-nos espanto que aquelas autoridades judiciais e políticas que poderiam mover ações juridicamente fundadas contra a irresponsabilidade e crimes sociais do presidente não se movam seja por se sentirem cúmplices ou por ausência de espírito patriótico e mesmo faltos de sentido de justiça social. Como vivem a quilômetros luz do drama do povo e veem seus direitos adquiridos e privilégios garantidos não os move a nobre compaixão para usar os instrumentos jurídicos de que dispõem para livrar a nação daquele que a está destruindo e segue mais aferrado ainda nesse mesmo intento perverso.
Razão tem o Papa Francisco ao falar várias vezes aos movimentos sociais mundiais, aqueles que querem outro mundo porque este lhes é um inferno ou um purgatório: “não esperem nada de cima, pois vem sempre mais do mesmo ou pior. Comecem por vocês mesmos, vale dizer, as multidões devem ocupar ruas e praças e botar para correr aqueles que lhes sequestraram as oportunidades de serem gente, de sentirem-se sujeitos um mínimo de dignidade e de alegria de viver. Esperamos isso aconteça. Só depois que se sentirem ameaçados, os dominantes aderem. Se não cuidarmos se apropriam da energia emergente para seus próprios fins privados. Mas o que deve ser tem força: o afastamento o mais rápido possível de quem conduz uma política necrófila contra o seu próprio povo”.
Diante da obscuridade do horizonte e, a muito custo, mantendo a esperança contra a esperança, faço minhas as palavras do Mestre, também tomado de profundo pesar: “tristis est anima mea usque ad mortem”.
*Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros de O covid-19: um contra-ataque da Terra contra a humanidade (Vozes).
FONTE: A Terra é Redonda
Como desmontar a Ciência e Tecnologia brasileiras
CNPq, entidade essencial ao desenvolvimento nacional, é o alvo da vez. Série de cortes brutais em Educação e Ciência escancara um Brasil q...
-
Por Aluizio Moreira Repetidamente alguns alunos da graduação ou mesmo de pós-graduação, durante a elaboração da monografia, indag...
-
Não vejo cenário social e político tão positivo. Apesar de sua indiscutível importância para a consciência de enormes parcelas da populaç...