terça-feira, 31 de janeiro de 2012
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
Fórum Social: assembléia de movimentos convoca marcha global
FST: Assembléia de movimentos sociais |
Mobilização contra o capitalismo e por mais justiça ambiental e social está programada para 5 junho. Objetivo é marcar posição sobre a Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Em plenária no Fórum Social Temático, movimentos debatem dificuldade de achar pauta comum e de impor derrotas reais ao capital.
Por Najla Passos
Porto Alegre - Em 5 de junho, Dia Internacional do Meio Ambiente, os movimentos sociais de todo o mundo vão ocupar as ruas em uma grande jornada de mobilização global contra o capitalismo e em defesa da justiça ambiental e social. A agenda foi aprovada neste sábado (28), na Assembléia dos Movimentos Sociais, realizada durante o Fórum Social Temático, em Porto Alegre.
A jornada terá o propósito de demarcar a posição dos movimentos sobre as questões ambientais e sociais que serão discutidas, 15 dias depois, na Rio + 20, pelos chefes de estado dos 192 países que participam da Organização das Nações Unidas (ONU).
“A tentativa de esverdeamento do capitalismo, acompanhada pela imposição de novos instrumentos da ‘economia verde’, é um alerta para que nós, dos movimentos sociais, reforcemos a resistência e assumamos o protagonismo na construção de verdadeiras alternativas à crise”, dizem as entidades, no documento que aprovaram no encontro.
Cerca de 1,5 mil pessoas de 30 países participaram da plenária dispostas a enfrentar dois dos grandes desafios impostos, hoje, à esquerda mundial: construir uma pauta unificada de lutas e mobilizar as populações para garantir a imposição de derrotas reais ao capital.
O primeiro, foi cumprido. Apesar das diversas propostas, os movimentos conseguiram definir eixos comuns para a luta. O segundo desafio dependerá da capacidade de mobilização em cada país.
“Temos que ser mais criativos para envolver as massas. Sem isso, não teremos força para derrotar o capitalismo nesta crise que assola os povos do mundo”, provocou um dos coordenadores da Via Campesina e do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, na abertura da plenária.
De acordo com ele, o mundo vivencia a mais grave e longa crise econômica da história, o poder decisório se desvinculou do poder político para se concentrar nas mãos do capital e a burguesia continua controlando os meios de comunicação, utilizando-os para manipular os trabalhadores, cada vez mais desmobilizados. “As massas de trabalhadores estão apáticas. E esse é um problema nosso, que temos que enfrentar”, afirmou.
Nos discursos dos representantes das entidades nacionais e internacionais, ficou evidenciado o quanto a unificação da agenda e a priorização dos eixos defendidos não é uma tarefa fácil.
O sindicalista cubano José Miguel, representante da Central de Trabalhadores de Cuba (CTC), ressaltou a necessidade de construção de alternativas e propostas dos movimentos sociais para a Cúpula dos Povos, a conferência que os movimentos sociais realizarão paralela à Rio + 20.
O secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores da Argentina (CTA), Carlos Chile Huerta, citou o processo de recessão mundial para ressaltar a importância da rearticulação do campo popular para reposicionar o poder político no continente nas mãos dos trabalhadores.
O presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Daniel Iliescu, criticou a distribuição do orçamento federal. “Temos que acabar com crime de destinar quase 50% do orçamento do governo para o pagamento da dívida pública. Queremos 10% do PIB [Produto Interno Bruto] para a Educação”, afirmou.
Representando a Organização Infanto-Juvenil Sementes da Pátria, da Venezuela, o estudante Luiz Ramirez defendeu prioridade para a luta contra o imperialismo norte-americano. “A América Latina, em especial, vive um momento muito rico, com governos de esquerda, e precisa articular ações de mobilização para avançar rumo ao socialismo.”
Membro da Coordenação Internacional do Comitê Internacional Palestina Livre e líder de uma organização de boicote a Israel, Jamal Juma pediu apoio prioritário à luta histórica pela soberania do país, há 63 anos ocupado por tropas israelenses. Segundo ele, haverá uma grande mobilização mundial em 29 de novembro pela causa palestina.
O argentino Manoel Bertoldi, da Frente Popular Dario Santilhan, lembrou da importância da luta internacionalista e cobrou apoio à luta do povo hondurenho pelos direitos humanos.
Pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, o cacique Uilton Tuxá cobrou o reconhecimento das etnias como povos originários. “Não queremos ser tratados nem como selvagens e nem como mestiços”, afirmou.
Representando a Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, Maria Valéria Costa Correa retomou a defesa dos princípios da reforma sanitária, que propõe saúde pública e universal. “Precisamos defender o maior sistema público de saúde do mundo, que é o brasileiro”, disse ela.
O líder sindical tunisiano Alaa Talbi dividiu com os presentes a experiência que vivenciou durante a Primavera Árabe e destacou a importância da democratização dos demais países árabes, com o fim da corrupção, a garantia de emprego e direitos sociais e emancipação da mulher.
Representando a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Rosane Bertotti explicou que o documento final lista bandeiras comuns aos movimentos, como a defesa do desenvolvimento sustentável e solidário, da reforma agrária, da agricultura familiar, do trabalho decente, da luta pela educação e pela saúde.
“Rejeitamos a forma como o capitalismo se reinventa na proposta de uma economia verde. Entendemos que, para mudar a realidade, não é só pintar de verde, é garantir direitos, liberdade de organização, democracia, proteção social”, disse.
Fotos: Valter Campanato/ABr
FONTE: Carta Maior
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
Entenda a mobilização dos internautas
#StopSOPA: hipóteses sobre a luta pela internet livre
Por Antonio Martins
Protestos virtuais desta semana têm muito em comum com “indignados” ou “Occupy”. Por que alcançaram uma vitória parcial tão rápida? |
Na noite de quarta-feira (18/1), quando alguns dos sites de maior audiência no planeta ainda exibiam os símbolos da campanha contra as leis de censura em debate nos EUA, surgiram os primeiros sinais claros de vitória. Diversos parlamentares, de ambos os partidos, que apoiavam os projetos denominados SOPA [1] (na Câmara de Representantes) e PIPA [2] (no Senado), anunciaram (no Twitter ou Facebook…) que estavam revendo suas posições. No Senado, a mudança de clima teve sabor de um gol nos últimos suspiros do segundo tempo. Há poucas semanas, o Comitê Judiciário (semelhante à Comissão de Constituição e Justiça no Brasil), havia aprovado a PIPA – por unanimidade e sem nenhuma controvérsia. A votação final começaria na semana que vem. Está suspensa. Mesmo os principais defensores do projeto agora se dizem favoráveis a “decidir sem pressa”.
Não foi, evidentemente, um resultado definitivo. Há mais de uma década, a internet está na mira de grandes corporações que não aceitam o compartilhamento livre de bens culturais – porque ganham dinheiro vendendo o que poderia ser de todos. Mesmo a SOPA e a PIPA não morreram: estão “esperando nas sombras”, como alerta a Wikipedia, em nota divulgada quinta-feira para celebrar e agradecer a mobilização dos internautas contra as leis.
Um sinal de que a disputa será longa e bruta deu-se já na quinta-feira. Uma mega-operação conjunta do Departamento de Justiça dos EUA e do FBI fechou, sob acusação de pirataria, o site MegaUpload. Era um espaço muito popular para troca de conteúdo digital entre internautas (72ª maior audiência da internet, segundo o comparador Alexa). Seu bloqueio deu-se com base em legislação já existente. Teve dimensão internacional: quatro pessoas estão presas na Nova Zelândia, por “crimes” (operar os servidores do site) que podem resultar em 55 anos de prisão. Foi consequência de uma ação movida contra o Megaload pelos cartéis da indústria cultural; Tiveram seu prêmio de consolação… [3]
Pelo menos dois grandes motivos convidam a examinar em profundidade a grande jornada de quarta-feira e seu resultado. Há muito em jogo: SOPA e PIPA poderão desencadear, se aprovadas, uma onda de proibições e limites capaz de desfigurar o que o sociólogo Manuel Castells vê como a “cultura de liberdade” na internet.
Além disso, há laços muito fortes entre a resistência às duas leis e as causas que sensibilizam os indignados, os participantes do Occupy, os manifestantes da Praça Tahrir ou os que resistem à militarização da Luz, em São Paulo.
> Em todos estes casos, quem luta são multidões (principalmente jovens) e não uma classe ou grupo social específico. Prevalece a autonomia: as campanhas são organizadas diretamente pelos envolvidos, sem que seja necessária a intermediação de grupos políticos ligados às dinâmicas da representação.
> Deseja-se impedir que o poder econômico capture o comum: riquezas (às vezes imateriais), direitos e bens como a internet livre, os serviços públicos, a possibilidade de encontrar uma ocupação ou almejar uma aposentadoria dignas. Mesmo na Tunísia e Egito, onde a luta assumiu forte conteúdo anti-ditatorial, ela foi deflagrada pelo desemprego e alta do preço dos alimentos, após medidas de “ajuste fiscal”.
> Denuncia-se o declínio da democracia (ou, no mundo árabe, sua ausência). Enfrentam-se decisões que atingem gravemente a sociedade, mas são tomadas sem nenhuma consulta a ela, de forma opaca, por “exigência” da oligarquia financeira.
> Propõem-se, ainda de forma embrionária e tateante, novas formas de organizar a vida social. Os laboratórios podem ser as praças (onde se reorganizam os serviços de alimentação, autoeducação, saúde, limpeza e segurança) ou a internet, grande praça global. Os valores que orientam esta busca têm forte caráter pós-capitalista: compartilhamento, cooperação, solidariedade, desierarquização, democracia direta, busca de consensos. Não se trata de disputar o comando das sociedades industriais, como fazia o socialismo dos séculos passados; mas de realizar a transição para sociedades articuladas segundo outras lógicas. Não são projetos oníricos, mas concretos e às vezes pragmáticos. A multidão já organiza a internet, em grande medida, segundo princípios de compartilhamento. Ao criar “serviços públicos alternativos” nas praças ocupadas do Egito, Espanha, Grécia ou Israel, os jovens sinalizavam que querem construir o novo agora, com suas mãos.
Em meio a tantas semelhanças, o protesto virtual desta semana distingue-se de todos os demais em algo essencial. Ele foi capaz de alcançar uma vitória. Concreta e muito relevante – ainda que parcial e provisória. Estudar as razões desta diferença, buscar o que separa uma mobilização bem-sucedida de outras que ainda amadurecem, é um exercício necessário e sedutor. Desde já, vale adiantar quatro hipóteses, complementares entre si.
A primeira, e mais óbvia, diz respeito às pretensões absurdas da SOPA/PIPA, em suas versões iniciais. Entre muitos outros pontos, as leis incluem uma forma de controle da internet (bloqueio ou desvio de DNS) idêntica à praticada na China, Irã ou Síria. Ferem o direito internacional: são extraterritoriais – ou seja, atingem cidadãos e empresas não submetidos às leis norte-americanas.
Estabelecem penas inteiramente desproporcionais, como prisão para os “culpados” de troca de arquivos. Permitem que os cartéis da indústria cultural façam justiça com as próprias mãos (dispensa-se ordem judicial para medidas como tirar um site do ar). Quem tramou semelhantes bizarrices confiou cedo demais no esvaziamento completo da democracia tradicional.
Mas as demais hipóteses são as mais fascinantes, porque dizem respeito ao debate sobre estratégias, necessário também nos movimentos que reivindicam autonomia. Tudo indica que o #StopSOPA alcançou sua vitória parcial porque: a) definiu muito claramente um foco, um objetivo concreto a ser alcançado. Foi além das fórmulas ambiciosas porém genéricas demais, e portanto inócuas, do tipo no nos representan; b) apoiou-se no tecido pós-capitalista da internet – muito mais desenvolvido que nas demais relações sociais. A rede está povoada por iniciativas contra-hegemônicas de enorme alcance. A Wikipedia e o WordPress, por exemplo, servem centenas de milhões de pessoas todos os dias e articulam comunidades de milhões; c) explorou contradições no campo do capital. Nos protestos de quarta-feira, chamou enorme atenção a adesão do Google, cuja página de entrada exibiu uma tarja negra sobre seu próprio logotipo e a mensagem: “Diga ao Congresso: por favor, não censure a Web” – que remetia a um excelente texto (in)formativo. Que Parlamento ousará adotar uma posição antipopular tendo um adversário como estes?
Como se armou este conjunto de condições muito particulares? Será possível construir, em lutas futuras, cenários igualmente favoráveis? É o que tentaremos examinar, em textos futuros desta série.
_______
[1] Stop Online Piracy Act, ou Lei contra a Pirataria Online.
[2] Protect Intellectual Property Act, ou Lei para a Proteção de Propriedade Intelectual.
[3] Como a ação contra o Megaload foi movida pelos cartéis da indústria cultural, o coletivo Anonymous lançou, em 20/1, uma onda de ataques que derrubou, por algumas horas, os sites do cartel fonográfico (a RIAA), da Universal Music e do próprio Departamento de Justiça.
FONTE: Outras Palavras (http://www.outraspalavras.net)
A Pesquisa em Administração
por Ana Paula Paes de Paula
(CAD/FACE/UFMG)
(CAD/FACE/UFMG)
MÉTODOS DE PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO. Sylvia Constant Vergara. São Paulo: Editora Atlas, 2005. 287p. ISBN 85-2243963-X.
Muito oportuna e bem-vinda a publicação deste livro de Sylvia Constant Vergara, pois apresenta e explora métodos e técnicas de pesquisa qualitativa em um momento em que as avaliações de mérito no campo da administração estão se tornando cada vez mais rigorosas. Os pareceristas de órgãos de fomento científico, congressos e revistas acadêmicas estão sendo taxativos principalmente quanto à questão da metodologia utilizada nas pesquisas. Neste contexto, a maior disponibilidade de material bibliográfico sobre métodos quantitativos e sua clareza de procedimentos em comparação aos métodos qualitativos acaba por beneficiar as investigações do tipo survey. Dessa forma, é possível mesmo afirmar que as pesquisas baseadas em métodos quantitativos têm maior chance de aprovação pelos avaliadores, o que significa uma perda para academia, pois a administração enquanto ciência social aplicada também requer o uso de métodos e técnicas de pesquisa qualitativos, uma vez que estes possibilitam apreciar a complexidade dos fenômenos examinados.
Diante disso, pode-se afirmar que realmente há uma demanda por um material de caráter prático que se dedicasse aos métodos e técnicas qualitativos. O livro de Vergara vem preencher esta lacuna: organizado em 22 capítulos, cada um deles apresentando um método ou técnica de pesquisa diferente, o livro apresenta um panorama rico e diversificado das opções disponíveis para a pesquisa qualitativa. Cada capítulo é estruturado de forma a apresentar a definição do método ou técnica, as palavras-chaves a ele associadas, suas características principais, um roteiro de procedimentos para sua utilização, exemplos de utilização por pesquisadores da área de administração e uma lista com sugestões bibliográficas para aprofundar o estudo do método ou técnica em questão. Esta estrutura permite não apenas apresentar o método ou técnica de pesquisa ao interessado, mas também apontar caminhos para sua aplicação imediata e para a realização de estudos complementares que se fizerem necessários para viabilizar seu uso.
Outra virtude do livro é que ele não se restringe a apresentar os métodos e técnicas qualitativos que são mais conhecidos pelos pesquisadores como a análise de conteúdo, a análise de discurso, as analogias e metáforas, a etnografia, a fenomenologia, os grupos de foco, a história oral, a historiografia, as técnicas de complemento, as técnicas de construção, o teste de evocação de palavras, a pesquisa-ação e a triangulação. Na realidade, Vergara vai além e traz opções desafiadoras como a construção de desenhos, a desconstrução, a grounded theory, os mapas cognitivos e a metodologia reflexiva. A autora também nos contempla com métodos menos explorados pelos pesquisadores como a fotoetnografia, os mapas de associação de idéias, o método Delphi e a netnografia.
Vale destacar a clareza e o detalhamento com que são apresentadas as técnicas de complemento, as técnicas de construção e o teste de evocação de palavras, que são técnicas valiosas para apreender questões subjetivas como o poder, a resistência e o comprometimento, mas que costumam ser discutidas de uma forma um tanto superficial na maior parte dos livros de metodologia de pesquisa. O detalhamento dos mapas de associação de idéias também é bem-vindo, pois esta pode ser uma técnica valiosa para o processo de análise e interpretação de dados qualitativos. O método Delphi também chama atenção e pode ser útil para os pesquisadores, pois é um método que tenta obter o consenso de opiniões de especialistas sobre o que está se investigando através da combinação de pesquisa quantitativa e qualitativa com o apoio de tecnologias de informação como a Internet.
A discussão da prática de métodos como a desconstrução, a grounded theory, os mapas cognitivos e a metodologia reflexiva é outro ponto de destaque, pois sinaliza a tentativa da autora de romper com os métodos tradicionais de se fazer ciência e abrir espaço para outras epistemologias. A discussão dos mapas cognitivos aparece em uma boa hora, pois os pesquisadores da área de administração vêm mostrando um interesse crescente por esta opção metodológica. Os exemplos de uso da desconstrução e da grounded theory também são louváveis, pois sinalizam a viabilidade da metodologia reflexiva, em geral considerada um método de difícil apreensão pelos pesquisadores.
Outro aspecto do livro que vale mencionar é que a separação dos métodos e técnicas de pesquisa em capítulos foi uma providência didática da autora, pois estes podem ser utilizados de forma associada. Ao longo do texto, a autora se encarrega de fazer as referências cruzadas necessárias para que o leitor perceba os tipos de associação possíveis para potencializar os métodos e técnicas de pesquisa escolhidos.
Considerando as características discutidas, conclui-se que este livro deve integrar a biblioteca de um pesquisador da área de administração, pois não somente serve de guia para proceder investigações científicas, como também orienta no que se refere à descrição e detalhamento dos métodos e técnicas de pesquisa eleitos para apoiar o trabalho, o que é um diferencial considerando as exigências crescentes dos avaliadores no que se refere à discussão da metodologia de pesquisa utilizada. Dessa forma, cabe recomendá-lo para todos que enfrentam os desafios colocados pela pesquisa qualitativa no campo das ciências sociais aplicadas.
FONTE: Revista de Administração Contemporânea
Nota: Esta obra está na 4.ed., sendo a mais recente datada de 2010.
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
Professor ou educador?
Frequentemente as pessoas não fazem/sabem a diferença entre professor e educador, utilizando estas duas palavras indistintamente. O pior é que o mesmo acontece com o próprio professor, que não conhece bem o significado/implicação de sua prática em sala de aula, e muitas vezes se consisdera a si próprio como educador, quando é apenas professor. Vejamos como o professor Casemiro apresenta a questão. (AM)
Por Casemiro de Abreu Neto (*)
A educação é um tema de grande reflexão para a sociedade. É nela que depositamos a nossa confiança para que nossos filhos tenham um futuro melhor. Os pais que têm uma melhor condição de vida procuram colocar seus filhos numa escola de maior qualidade. Nesse contexto, temos a figura do professor que é um dos principais referenciais na escola. A pedagogia atual entende que essa figura transcendeu e não é mais considerado professor e sim educador.
Antes de falarmos nas diferenças entre o professor e o educador, falemos das igualdades. Eles têm as mesmas condições de trabalho, estão situados na mesma escola, possuem a mesma formação mínima necessária, recebem o mesmo salário e trabalham com um mesmo público que é o aluno.
No entanto, existem diferenças gritantes entre a figura do professor e do educador. O professor tem a função de transmitir o seu conhecimento, enquanto o educador é comprometido com a formação integral do ser humano e com a sua interação com a família e a sociedade. O professor sai de casa para mais um dia de aula, enquanto o educador busca formas para promover a transformação do seu aluno. O professor vê no erro do aluno apenas um erro enquanto o educador o vê como fase de transição no processo de aprendizagem. O professor impõe seus ideais como centro do conhecimento, enquanto o educador é um mediador da relação ensino-aprendizagem.
Por fim, na transcendência da figura do professor para a figura do educador são necessários ingredientes como: humildade, discernimento, relacionamento, atitude e compromisso. Dessa forma, os educadores terão a formação necessária para o exercício não apenas de uma profissão, mas a realização de um ideal de vida.
(*) Casemiro de Abreu Neto - Professor de judô do Colégio Fênix – Bauru – SP
FONTE: http://www.psicopedagogia.com.br/
Em defesa da pesquisa no ensino jurídico
Por Guilherme Wagner Ribeiro (*)
O ensino jurídico no Brasil não tem tradição de pesquisa. A pesquisa em direito estava associada à pós-graduação e à atividades de alguns professores, sobretudo das universidades públicas. Basta lembrar, ainda, que as entidades de financiamento apenas na década passada incluíram o direito como área de pesquisa merecedora de aplicação de recursos públicos.
Nos últimos anos, contudo, busca-se a ruptura com esta postura, a partir, notadamente, de duas perspectivas que se complementam: primeira, o crescimento da percepção de que, para a compreensão do fenômeno jurídico em nossa sociedade complexa, é indispensável o manuseio de dados que, nem sempre, podem ser captados na superfície da realidade, devendo ser interpretados de forma crítica na busca de solução para os problemas colocados pela dinâmica social. Não se compreende, por exemplo, as razões do fracasso do sistema carcerário se se limitar à leitura dos clássicos e manuais que abordam a matéria – embora indispensáveis -, ou se se basear no senso comum. Discutindo a reforma do Poder Judiciário, Fran Figueiredo afirma que, "infelizmente, tem-se observado uma lacuna no que concerne à existência de pesquisas no Brasil sobre a estrutura e o funcionamento desse Poder"[1].
A segunda perspectiva reside na concepção de que o eixo central da formação do profissional do direito deve ser o de sua autonomia intelectual e, neste sentido, a capacidade de produção de conhecimento científico rigoroso é indispensável. A pesquisa deve ser trazida, assim, para o núcleo das atividades acadêmicas do ensino jurídico. Daí a inclusão da metodologia de pesquisa logo nos primeiros períodos, como ponto de partida de uma postura que deve acompanhar o aluno durante todo o curso.
Um passo importante para esta ruptura é a exigência de se elaborar monografia de final de curso, instituída pela Portaria nº 1886, do MEC, expedida em 1994, que fixa as diretrizes do ensino jurídico. Contudo, trata-se de um passo inicial, de um mínimo com o qual não podemos nos contentar. É preciso, repita-se, tornar a pesquisa um eixo fundamental na formação profissional. É preciso formar bacharéis com uma forte base teórica, mas, sobretudo, capazes de aprender rapidamente, em virtude seja das mudanças do direito, seja da necessidade de ocupar novos espaços de trabalho.
Dentro deste propósito, uma base teórica consistente é fundamental. A pesquisa, como questionamento reconstrutivo, não parte do nada, do vazio. "É difícil mover-se no vácuo e instituir um discursos ab initio...", observa Umberto Eco[2]. Para se questionar, por exemplo, a posição da doutrina ou dos Poderes sobre a reedição de medida provisória, é preciso dominar alguns conceitos básicos, como o princípio da Separação de Poderes, noções do processo legislativo, direito comparado etc. Reside aí uma das funções do ensino: fornecer aos alunos os elementos essenciais para que possam elaborar as questões a serem aprofundadas em iniciação científica, monografia ou estudos individuais ou coletivos. O conhecimento apresentado pelo professor é, pois, ponto de partida ou de passagem, mas, jamais, ponto de chegada, um fim em si mesmo.
A qualidade do aluno não se revela tanto na capacidade de responder as perguntas do professor, mas, sobretudo, na de elaborar as suas próprias perguntas, dúvidas e questões. Contudo, não se elaboram questões que ajudem a avançar o conhecimento sobre determinada matéria se não houver desejo, se o aluno não for curioso e se tem uma postura passiva de vir à Faculdade receber o conhecimento do professor, como se fosse um recipiente. Daí um certo estranhamento nos causa a postura de alguns estudantes que adiam a definição do objeto ou do tema de sua monografia.
De qualquer forma, para a elaboração do projeto de monografia ou de iniciação científica, é preciso conhecer um pouco mais sobre o assunto, ler a bibliografia básica, alguns artigos de revista especializada, possibilitando o amadurecimento da questão. Daí a sugestão: por que não aproveitar um pouco das férias, quando a cabeça está mais fresca e descansada, para fazer umas leituras ?!?!?
Notas
1.FIGUEIREDO, Fran. A reforma do Poder Judiciário. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, pg. 38.
2.ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1977, pg. 12.
(*) Guilherme Wagner Ribeiro, professor de Direito Constitucional da Fundação Educacional Monsenhor Messias
FONTE: Revista Jus Navegandi
RIBEIRO, Guilherme Wagner. Em defesa da pesquisa no ensino jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2240>. Acesso em: 19 jan. 2012.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Cúpula dos Povos
Movimentos sociais promoverão Cúpula dos Povos paralela à Rio+20
A Cúpula dos Povos ocorrerá de forma paralela à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.
ONU - Portinari - Crédito Página da Cúpula dos Povos |
Página da Cúpula dos Povos
Entre 15 e 23 de junho deste ano, ocorrerá no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, a Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental. A sociedade civil global, organizações, coletivos e movimentos sociais ocuparão o Aterro para propor uma nova forma de se viver no planeta, em solidariedade, contra a mercantilização da natureza e em defesa dos bens comuns.
A Cúpula dos Povos ocorrerá de forma paralela à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. A reunião oficial marca os vinte anos da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92 ou Eco 92). Nestas duas décadas, a falta de ações para superar a injustiça social ambiental tem frustrado expectativas e desacreditado a ONU. A pauta prevista para a Rio+20 oficial, a chamada “economia verde” e a institucionalidade global, é considerada pelos organizadores da Cúpula como insatisfatória para lidar com a crise do planeta, causada pelos modelos de produção e consumo capitalistas.
Para enfrentar os desafios dessa crise sistêmica, a Cúpula dos Povos não será apenas um grande evento. Trata-se de um processo de acúmulos históricos e convergências das lutas locais, regionais e globais, que tem como marco político a luta anticapitalista, classista, antirracista, antipatriarcal e anti-homofóbica.
A Cúpula dos Povos quer, assim, transformar o momento da Rio+20 numa oportunidade para tratar dos graves problemas enfrentados pela humanidade e demonstrar a força política dos povos organizados. “Venha reinventar o mundo” é o nosso chamado e o nosso convite à participação para as organizações e movimentos sociais do Brasil e do mundo. A convocatória global para a Cúpula será realizada durante o Fórum Social Temático, em 28 de janeiro, em Porto Alegre (RS). O Fórum deste ano é, aliás, preparatório para a Cúpula.
Programação da Cúpula
O Comitê Facilitador da Sociedade Civil para a Rio+20 está preparando o desenho da Cúpula dos Povos e do território que o evento ocupará no Aterro do Flamengo. O objetivo é que o espaço seja organizado em grupos de discussão autogestionados, na Assembleia Permanente dos Povos e num espaço para organizações e movimentos sociais exporem, praticarem e dialogarem com a sociedade sobre suas experiências e projetos. As ações da Cúpula estarão todas interligadas. Um grupo de trabalho sobre metodologia foi criado para detalhar a execução desse desenho.
A ideia é que a Assembleia Permanente dos Povos, o principal fórum político da Cúpula, se organize em torno de três eixos e debata as causas estruturais da atual crise civilizatória, sem fragmentá-la em crises específicas – energética, financeira, ambiental, alimentar. Com isso, espera-se afirmar paradigmas novos e alternativos construídos pelos povos e apontar a agenda política para o próximo período. O grupo de trabalho sobre metodologia vai propor a melhor forma de organizar esse debate e de afirmar novos paradigmas.
Os dois primeiros dias da Cúpula serão de atividades organizadas pelos movimentos sociais locais, que estão em luta permanente de resistência aos impactos das grandes obras. Desde esse momento, já estará montado um espaço de livre acesso, onde organizações e movimentos da sociedade civil global exibirão experiências e projetos que evidenciam como é possível viver em sociedade de forma fraterna e sustentável, ao contrário do paradigma hoje vigente. Por isso, o território da Cúpula dos Povos será organizado de forma livre da presença corporativa e com base na economia solidária, agroecologia, em culturas digitais, ações de comunidades indígenas e quilombolas. Esse encontro da cidadania, que também contará com atrações culturais, ficará aberto até o fim da Cúpula, no dia 23.
No dia 17, domingo, a organização da Cúpula prepara uma passeata para marcar o evento. A partir do dia 18, começarão as discussões autogestionadas e a Assembleia Permanente dos Povos. O 20 de junho será o Dia da Mobilização Internacional, com manifestações que enviem uma mensagem clara e incisiva para a Rio+20 oficial.
Programação
15 e 16 de junho: Atividades organizadas pelos movimentos sociais locais, que estão em luta permanente de resistência aos impactos das grandes obras.17 de junho: Marcha de abertura da Cúpula dos Povos.
18 e 19 de junho: Atividades autogestionadas e Assembleia Permanente dos Povos.20 de junho: Dia de Mobilização Internacional. Uma grande manifestação no Rio de Janeiro e em várias cidades do Brasil e do mundo para expressar a luta dos povos contra a mercantilização da natureza e em defesa dos bens comuns
21 e 22 de junho: Atividades autogestionadas e Assembleia Permanente dos Povos.
23 de junho: Mensagem final da Cúpula dos Povos, que expresse os acúmulos e acordos construídos pelos povos em luta por justiça social e ambiental.
FONTE: Brasil de Fato
sábado, 14 de janeiro de 2012
Vem aí a Rio+20
Depois de lutas contra Código Ruralista, Belo Monte e decepções com COP 17, olhares se voltam para Rio+20
Por Natasha Pitts (*)
2011 foi um ano muito agitado na esfera ambiental. Foi um ano de lutas contra a Reforma do Código Florestal - que está mais para Código Ruralista; de batalhas intensas para interromper a construção da hidrelétrica de Belo Monte, que também pode se chamar de Belo Monstro, e foi ainda um ano de preparação e expectativas.
Boa parte destas expectativas já foi frustrada com o resultado da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, ou simplesmente COP 17. O desfecho desse megaevento que aconteceu em Durban, na África do Sul, de 29 de novembro até 11 de dezembro, foi frustrante para muitos ativistas, organizações de meio ambiente e cientistas.
Enquanto se almejava comprometimento com o meio ambiente e a situação da Mãe Terra para conseguir curar as feridas do nosso planeta, o que se viu foi poderosos interessados em saber quanto e para quem se deve pagar para continuar poluindo, vulnerando, devastando.
Para Fabrina Furtado, do Jubileu Sul/Américas e Brasil, que esteve em Durban durante a COP 17, entender este evento vai demorar um pouco, será preciso "digerir”. Após acompanhar as negociações sobre mercado de carbono, Protocolo de Kyoto e Redução de Emissões por Desmatamento e Emissões (REDD), a ativista resume e joga um questionamento: "A COP é mesmo uma conferência de poluidores, um circo, e por quanto tempo vamos continuar sendo os palhaços?”.
"Precisamos falar de uma nova sociedade, da recuperação e fortalecimento das relações indígenas e tradicionais, solidárias, interdependentes e complementares entre os povos e entre a gente e a natureza. E não somente em mais ou menos emissões, mais ou menos transparência, mais ou menos regulação”, sentencia.
A ativista reforça suas convicções ao citar o documento do Jubileu Sul/Américas: Rejeitamos a mercantilização e a financeirização da Natureza, as falsas soluções do mercado, o endividamento imposto, a economia verde, os serviços ambientais, que continuam lucrando com a destruição da vida. Nosso mundo não está à venda, nossa dignidade, amor pela terra, saberes e culturas, tampouco. A Natureza, a Pachamama, a vida: Não se vende, nem se endividam; Se defendem!
Também sobre a COP, o assessor do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, Ivo Poletto, compartilha da opinião de Fabrina: nada de concreto foi decidido pelos governantes do planeta na direção do acordo necessário para controlar as emissões de gases que aumentam a temperatura da Terra e agravam as mudanças climáticas.
Diante desse desfecho, como se pode avaliar 2011? O que representou este ano na luta rumo à justiça social e ambiental? Avançamos? Retrocedemos? Estagnamos? Seguimos pelo caminho certo ou erramos tentando acertar?
Poletto sentencia: em 2011 "continuamos aumentando teimosamente nossa responsabilidade pelo desequilíbrio que leva a Terra a não conseguir evitar eventos climáticos extremos, com graves consequências para todas as formas de vida”.
Pelo visto, ainda temos muito o que fazer, evoluir, lutar, organizar, pensar juntos, construir coletivamente. Nesse sentido, os olhares se voltam para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20. As esperanças se renovam com a realização de mais um evento de grande porte, que reunirá tomadores de decisões em junho, no Rio de Janeiro (Brasil).
Mas será que a Rio+20 deve mesmo ser considerada a tábua de salvação? Para Pedro Ivo Batista, coordenador da Rede de Integração dos Povos (Rebrip), não há como saber se a Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável vai ser melhor ou pior que a COP17. "É uma incógnita”, diz.
Pedro explica que a pauta do evento de junho de 2012 é limitada e menos extensa que a da COP 17. Diferente da Conferência sobre Mudanças Climáticas, os temas - Economia Verde e Desenvolvimento Sustentável - já estão definidos. "Há um risco de as decisões do evento não representarem um avanço muito grande porque a pauta é diminuída diante dos desafios e não toca problemas de fundo”, opina.
E 2012?
No próximo ano, quais questões deverão permear as mentes e os corações da população e dos ativistas sociais? Rubens Harry Born, coordenador executivo da instituição sócio-ambiental Vitae Civilis, aposta, com base na COP 17, que em nível mundial voltará a ganhar força os desafios relacionados à mudança climática.
"Não estão claras as metas de emissões dos países ricos. Como se garantirá as promessas dos 30 bilhões de dólares para ajudar os países pobres?”, questiona.
Olhando para o Brasil, Harry Born aposta na continuidade dos embates em torno do Código Florestal. Outro ponto será a discussão sobre megaprojetos - siderúrgicas, mineradoras e hidrelétricas - versus desenvolvimento segundo a realidade regional.
As previsões já foram feitas, então, que venha 2012. O indicativo dos movimentos sociais e ambientais não é de descanso, mas de muito trabalho, todos, sem exceção, asseguram que a luta continua.
(*) Jornalista da Adital
FONTE: ADITAL
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
Comissão Pastoral da Terra e Reforma Agrária
BALANÇO DA REFORMA AGRÁRIA EM 2011
O ano de 2011 deixa enormes desafios para 2012, pois as baixas perspectivas só irão melhorar com muita luta do povo do campo e das suas entidades de classe. Em 2012 completará 50 anos da morte do líder das ligas camponesas, João Pedro Teixeira. Ele foi “um cabra marcado pra morrer" por sua luta em defesa da Reforma Agrária. Hoje, a depender do Estado brasileiro, e de todos os que o governam ou que dele se beneficiam, a Reforma Agrária também está "marcada pra morrer". Confira análise feita pela CPT Nordeste II:
O início de 2011 foi marcado pela perspectiva de que o governo da Presidenta Dilma pudesse percorrer o caminho para superar os desafios e impasses históricos da Reforma Agrária no Brasil. Com o apoio da maioria no Congresso Nacional, a nova Presidenta teria, nesse campo estratégico, condições políticas para impulsionar um processo de Reforma Agrária, o que nunca foi feito no Brasil.
Apesar dessas legítimas expectativas, o que se configurou na prática foi que o Estado brasileiro direcionou toda a sua energia para garantir o avanço de um modelo ultrapassado de desenvolvimento para o país, com um perfil concentrador de renda, prejudicial ao meio-ambiente e às populações tradicionais.
De fato, as diretrizes política e econômica do governo são as mesmas do grande capital. Como consequência desta opção, os maiores impactados foram os trabalhadores e trabalhadoras rurais, as comunidades tradicionais, indígenas, posseiros, ribeirinhos, toda a diversidade de povos que vivem no campo brasileiro e a mãe Terra.
De um lado, isso reflete uma violência e o abandono do povo excluído. Do outro, tem provocado um momento de retomada de mobilizações e independência dos pequenos, frente à traição de quem julgavam ser aliados. Essa importante retomada vem acontecendo em toda América Latina.
No Brasil, a obsessão do Governo da Presidenta Dilma pela implantação de grandes projetos e pela produção ilimitada de commodities tem levado as populações tradicionais, indígenas e camponeses a retomarem seus originais métodos de protesto. Exemplo emblemático disto é o debate em torno da Hidroelétrica de Belo Monte e do Código Florestal.
A Reforma Agrária agoniza
Os números da Reforma Agrária deste governo, em relação às famílias assentadas, foram ainda piores do que o primeiro ano do governo anterior. Em 2011, somente 6.072 famílias foram assentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O número é pífio e insignificante diante da quantidade de famílias acampadas que se encontram do outro lado das cercas do latifúndio do agronegócio. De acordo com estimativas do próprio Incra, existem aproximadamente 180 mil famílias debaixo da lona preta em todo o país.
De um lado, o número insignificante de desapropriações. Do outro, um imenso contingente de famílias sem terras. Esta realidade se choca com outra: a da grande disponibilidade de terras improdutivas e devolutas no país. Os dados oficiais mostram que mais de dois terços das propriedades de grande e médio porte não cumprem com sua função social. Terras improdutivas, assim como as devolutas, deveriam ser destinadas imediatamente para fins de Reforma Agrária, no entanto já possuem um destino definido: o agro-hidronegócio e os projetos de desenvolvimento.
Mesmo nas áreas de assentamentos, continuou faltando política de Estado. Neste cenário de total ausência de incentivo à agricultura camponesa, muitas famílias foram mantidas à mercê do capital, de seus interesses e de seus instrumentos de controle e de exploração. Nas regiões de monocultivo da cana-de-açúcar, por exemplo, as Usinas ocupam o vácuo deixado pelo Estado e se apropriam do território camponês, oferecendo financiamento, infraestrutura e assistência técnica às famílias, tornando-as reféns da lógica definida pelo modelo de produção do agronegócio.
Por outro lado, o Governo não mediu esforços para garantir o avanço do agronegócio e do latifúndio, principalmente sob áreas tradicionalmente ocupadas por camponeses e camponesas. Um dos exemplos mais marcantes aconteceu em maio, quando a presidenta Dilma assinou de uma única vez, o decreto de desapropriação de quase 14 mil hectares na Chapada do Apodí/RN, para implantação do Projeto de irrigação que beneficiará meia dúzia de empresas do agronegócio. Em consequência, serão atingidos e prejudicados milhares de pequenos agricultores que desenvolvem experiências de convivência com o semiárido, reconhecidas internacionalmente.
É espantoso que Lula, em seus últimos anos de governo, não tenha chegado a desapropriar 14 mil hectares para a Reforma Agrária no RN e que Dilma, muito provavelmente, não desaproprie 14 mil hectares para essa finalidade em todo o seu governo. Entretanto, logo no seu primeiro ano de mandato, ela já desapropriou essa grande quantidade de terras para atender ao agronegócio. Além deste caso, vimos também a desapropriação de cerca de 8 mil hectares na região de Assú, também no RN, para a Zona de Processamento de Exportação (ZPEs).
Para os Povos indígenas e quilombolas que travam no dia-a-dia um embate pelo direito a terra, enfrentando a chegada do agronegócio e dos projetos governamentais, não há o que comemorar em 2011. Foram homologadas apenas três terras indígenas, sendo duas no estado do Amazonas e uma no Pará. O Governo não se sensibilizou nem com a situação dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul, em especial os Kaiowá e Guarani, que vivem em conflito com fazendeiros e usineiros da região. Nenhuma ação foi feita para homologação das terras neste estado. No caso das populações descendentes de Zumbi dos Palmares, fora a desapropriação do território da comunidade de Brejo dos Crioulos, em Minas Gerais, poucos foram os resultados conseguidos frente às reivindicações e resistências das 3,5 mil comunidades quilombolas existentes no Brasil. De todas, apenas 6% tem a titulação de suas terras.
Também em 2011 foi dada a concessão, pelo Ibama, da licença de instalação para a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (PA), o que possibilitou o início das construções na região. Belo Monte é uma das principais obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a primeira de inúmeras usinas a ser instalada na região Amazônica para beneficiar as grandes mineradoras, devastar a floresta e acabar com a forma de viver dos índios. Com ela, expande-se sobre a floresta o modelo de exploração e degradação planejado há 50 anos pelo grande capital
Na contramão do que reivindicam as populações tradicionais e os sem terras, o Governo ainda anunciou uma redução do orçamento da Reforma Agrária para 2012. De acordo com o projeto de lei orçamentária previsto para o ano que se avizinha, as ações de obtenção de terras terão uma drástica redução de 28% em relação a 2011 e de 31,2% em relação a 2010. Além disso, a assistência técnica, já inviabilizada pelo Governo nos anos anteriores, ainda sofrerá uma redução de 30% em relação a 2010. Para a implantação de infraestrutura, o orçamento prevê uma perda de 8% em relação a 2011. Já a área da educação sofreu uma perda de quase R$ 55 milhões em comparação a 2009, correspondendo a uma redução de 63% de seu orçamento.
O Retrocesso continuou também na lei. O ano se encerra com mais uma vitória da Bancada Ruralista. A aprovação do Código Florestal no Congresso Nacional ultrapassou as expectativas dos aliados da motoserra no Governo. Com retrocessos históricos, o Código prevê, entre outros exemplos gritantes, a anistia aos desmatadores anteriormente a julho de 2008, no que diz respeito ao dever de recuperação ambiental. Posição esta, aquém do entendimento consolidado até então pelo conservador Poder Judiciário brasileiro.
Como se não bastasse, a Lei complementar de nº 140, no que se refere à gestão ambiental, foi sancionada pela presidenta Dilma no final do ano, sem alardes. Com a aprovação da lei complementar, as competências de gestão ambiental ficam diluídas nos Estados e nos Municípios, que são muito mais vulneráveis a pressões políticas e empresariais.
A nova ameaça de retrocesso em curso é o lobby para um novo Código Mineral, que vem sendo redigido no Governo e no Congresso Nacional, sem o debate e sem a participação da sociedade e das populações diretamente interessadas e que serão atingidas, em sua grande maioria comunidades tradicionais.
Enquanto isso, avançam os grandes projetos de forma truculenta
Em 2011, obras impactantes como a Transposição do Rio São Francisco, a Transnordestina, projetos de mineração, construções de BR's, a especulação imobiliária, obras da Copa, Porto de Suape, a construção da Hidrelétrica de Belo Monte e do Rio Madeira, barragens, além de outros mega-projetos, foram um dos principais causadores de conflitos agrários no país.
Para se ter uma ideia da gravidade desses efeitos sobre as populações tradicionais, no período de janeiro a setembro de 2011, registramos um total de 17 assassinatos de trabalhadores no campo. Destes assassinatos, pelo menos 8 têm ligações com a defesa do meio ambiente, 04 estão relacionados com as comunidades originárias ou tradicionais.
Em Alagoas, ocorreu o avanço do projeto de plantação de Eucalipto por parte do Grupo Suzano, especializado na fabricação de papel e celulose. O Grupo reivindica uma área de 30 mil hectares para viabilizar o investimento. O Governo do Estado já sinalizou positivamente e já tem mapeadas as terras que serão destinadas para a plantação do monocultivo.
Na Paraíba, outro fato emblemático foi o apoio incondicional do Governo para a implementação de uma Fábrica de Cimentos da Empresa Elizabeth em uma área de assentamento no litoral sul do Estado. A área que será ocupada pela Empresa também é reivindicada pelo povo indígena Tabajara.
Em Pernambuco, a Transnordestina atingiu as comunidades camponesas por onde tem passado, desde o Sertão, como o caso do município de Betânia até a Zona da Mata, como as famílias de Fleixeiras, no município de Escada, que resistiram bravamente ao despejo que daria lugar aos trilhos da Ferrovia.
Lutas e Resistência Camponesa em 2011
Os camponeses e as camponesas continuam lutando pela Reforma Agrária e resistindo ao avanço do latifúndio e do agronegócio. Mesmo diante de todas as dificuldades impostas pelo Estado e pelo agronegócio, estes camponeses teimam em reescrever a história. Das 789.542 famílias assentadas nos últimos dez anos, 87% permanecem resistindo e produzindo no campo, sem qualquer tipo de incentivo governamental para a agricultura camponesa.
Apesar da diminuição das ocorrências das ocupações e acampamentos em 2011, aumentou o número de famílias envolvidas nestes conflitos. Este ano, de acordo com os dados parciais da CPT, foram 245.420 pessoas envolvidas no período de janeiro a setembro de 2011, enquanto que no mesmo período de 2010, foram 234.150 pessoas envolvidas.
Registramos em 2011 mais de 350 mobilizações no país, protagonizadas pelos povos do campo. É como se em cada um dos 365 dias do ano, camponeses e camponesas organizados se mobilizassem em defesa da Reforma Agrária, dos direitos dos povos do campo e pelos territórios dos povos originários e de uso comum.
Algumas grandes mobilizações marcaram este ano que se encerra. Em agosto, cerca de 70 mil mulheres camponesas ocuparam as ruas de Brasília, reivindicando seus direitos, durante a Marcha das Margaridas. Naquele mesmo mês, mais de 4 mil trabalhadores rurais sem terra ligados à Via Campesina montaram acampamento na capital federal, exigindo do Governo o compromisso com a Reforma Agrária. Por sua vez, “Aperte a Mão de Quem te Alimenta”, foi o nome da marcha realizada pelo MLST, de Goiânia até Brasília, e que explicitou a importância da produção agroecológica e da criação de assentamentos para garantir alimentos saudáveis, sem utilização de agrotóxicos.
Mais recentemente, cerca de 15 mil pessoas foram as ruas em Juazeiro e em Petrolina protestar contra a proposta do Governo de construir cisternas de PVC, que vai contra toda a metodologia de relação com o semiárido, construída pelas populações ao longo dos anos.
Além dos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra, os quilombolas e indígenas também estiveram firmes em suas manifestações em 2011. Durante o mês de maio, os povos indígenas realizaram uma de suas maiores mobilizações, o acampamento Terra Livre, realizado em Brasília e que reuniu centenas de indígenas de mais de 230 povos de todo o país para apresentar suas principais reivindicações. Já no início de novembro, mais de dois mil quilombolas estiveram reunidos em Brasília, quando ocuparam pela primeira vez o Palácio do Planalto durante a Marcha Nacional em Defesa dos Direitos dos Quilombolas.
2012: Marcharemos na Luta pela Reforma Agrária
Apesar do Estado brasileiro e de seus governantes condenarem a Reforma Agrária à morte, ela segue a cada dia pulsando com mais intensidade nas veias dos camponeses e das camponesas, como se ouvissem os ecos do compromisso de Elizabete Teixeira, na ocasião do sepultamento do seu companheiro: "Continuarei a tua luta". Este é o chamado que ecoa para aqueles e aquelas que acreditam e lutam em defesa da vida, da vida plena.
“Eu vim para que todos tenham Vida e Vida em abundância.” (João 10:10)
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA - NORDESTE II
FONTE: Comissão Pastoral da Terra (CPT) - Secretaria Nacional.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
"A cabeça bem-feita"
MORIN, Edgar. A cabeça-feita: repensar a reforma e reformar o pensamento. Tradução Eloá Jacobina, 18.ed. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2010.
Por Aluizio Moreira
Já em sua 18ª edição brasileira, a obra de Edgar Morin, contribui enormemente para elucidar aspectos fundamentais da educação/ensino(1), que embora dirigido ao cidadão, “poderia ajudar particularmente professores e alunos”na compreensão do papel da educação e do ensino na contemporaneidade.
Resultado de suas reflexões sobre questões da reforma do ensino na França, a pedido do então Ministro da Educação em 1997 que o nomeara presidente do “Conselho Cientifico” a fim de implantar aquela reforma, Edgar Morin chegou à conclusão da necessidade de reformar o pensamento sobre educação e sobre o ensino, naquilo que tinham de mais tradicional: a hiperespecialização e o acúmulo meramente quantitativo de informações.
É a partir desses dois problemas que o Autor irá estabelecer duas linhas condutoras de suas análises.
A “hiperespecialização”, é considerada como um verdadeiro obstáculo ao claro entendimento dos fatos e fenômenos, pois não permite que se tenha uma visão global das coisas, na medida em que prevalece os particularismos, a fragmentação das realidades e dos problemas.
Essa forma compartimentada de tratar os fatos e fenômenos
Atrofia as possibilidades de compreensão e de reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo. Sua insuficiência para tratar nossos problemas mais graves constitui um do mais graves problemas que enfrentamos. (MORIN, 2010,14)
Decorrente dessa “hiperespecialização”, e como parte dela, privilegia-se a mentalidade reducionista em que o saber se limita ao saber especializado, contraponto do saber globalizante, tornando o individuo incapaz de relacionar a parte ao todo, ou de apenas considerar as partes. Citando Pascal:
Sendo todas as coisas causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todas elas mantidas por um elo natural e insensível, que interliga as mais distantes e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, assim como conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes. (PASCAL apud Morin, 2010, p. 25)
Outro comportamento muito vulgarizado nas escolas e nos cursos superiores, e igualmente criticado por Morin, é a prática da acumulação de informações, do conhecer, ou seja, “a cabeça cheia” (1), sem qualquer método que organize, que sistematize o pensamento, sem quaisquer reflexões críticas.
Evidente que a função da educação, do ensino, não é transformar o estudante num depositário de dados e informações dispostos para serem utilizados a qualquer momento como arquivo à espera de ser acionado.
É fundamental que a construção do saber se constitua na resolução de problemas, no desenvolvimento da reflexão crítica, na reorganização do pensamento, diante das idéias, das teorias, da critica, dos discursos já elaborados por terceiros.
A partir dessas abordagens, Morin desconstrói todo um conjunto de ideias que durante séculos prevalece nas escolas e cursos superiores. Por exemplo, a aceitação de que a tarefa da escola, e particularmente dos professores é o de simplesmente transmitir conhecimento como se esse conhecimento não necessitasse ser repensado, como se não fosse possível levantar dúvidas sobre o saber institucionalizado e tido como incontestável. Pois
A maior contribuição de conhecimento do século XX foi o conhecimento dos limites do conhecimento. A maior certeza que nos foi dada é a de indestrutibilidade das incertezas, não somente na ação, mas também no conhecimento. (Ib. id., p. 55).
Deveríamos desde cedo (2) incentivar a curiosidade, “contribuir eminentemente para o desenvolvimento do espírito problematizador”, fundamental para o uso da inteligência e do pensar bem, condicionados pela dúvida, “fermento de toda atividade critica”.
Uma outra consideração feita pelo Autor, é a postura que costuma-se ter diante das contradições, das especificidades das coisas. No que se refere à escola, à Universidade, é comum docentes e discentes tratarem as disciplinas como campos estanques, compartimentados, sem muita ou nenhuma ligação uma com as outras. No entanto o caráter multidimensional, sistêmico, nos permite hoje admitir que, sem desconhecermos as suas particularidades, há uma convergência de objetos do conhecimento que os aproximam, constituindo um todo articulado: Geografia, História, Economia, Sociologia, Direito, Ecologia, Economia, Antropologia, Pré-História, Cosmologia, Psicologia.
A condição humana é natural e metanatural. O homo economicus é também o homo faber. Não se conhece o homem, estudando-o separado do cosmos, do biológico, do social, do cultural, do espiritual.
A grande contradição existente é que enquanto se procura tratar os saberes cada vez mais fragmentados, mais compartimentados, a própria realidade da qual fazemos parte, é, ela própria, multidimensional.
Mas não fomos orientados no sentido de entendermos os objetos e fenômenos nas suas diversidades e contradições; diversidades e contradições que formam uma unidade apesar das diversidades e contradições. Desconhecemos um dos princípios básicos da dialética: a unidade dos contrários.
Todas essas reflexões acerca da educação, do ensino, do conhecimento, das ciências naturais e humanas, da Cosmologia, da Ecologia, são fundamentalmente estudos da condição humana (do aprender viver, da formação do cidadão). Condição humana cuja reforma do pensamento “é uma necessidade democrática fundamental: formar cidadãos capazes de enfrentar os problemas de sua época” [...] como “condição sine qua non para sairmos de nossa barbárie.” (Ib. id., p. 103-104)
“A Cabeça bem-feita”, não é uma obra indispensável apenas para aqueles que lidam com a educação, com o ensino. Mas contribui, pelo menos, como um desafio para entendermos os limites/infinitudes do conhecimento. É necessário e urgente repensarmos o pensamento.
Notas
(1) O Autor utiliza-se de uma frase de Montaigne ao tratar da finalidade do ensino “mais vale uma cabeça bem-feita que bem cheia”.
(2) Morin no Prefácio da obra esclarece o significado de ambos os termos.
(3) No ensino primário, ao invés de “destruir as curiosidades naturais” dever-se-ia despertá-las com interrogações (Ver Cap. 7).
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