Por Otaviano Helene (*)
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Para saber que nível educacional é o necessário para cada um e para a sociedade como um todo, em um determinado momento histórico e em um determinado país, há que se responder a algumas perguntas. O nível educacional mínimo oferecido para a população permite, a todos, a plena conquista dos direitos de cidadania? Os quadros profissionais formados respondem às necessidades do país? O sistema educacional é um instrumento para superar as desigualdades, objetivo especialmente relevante para países com altos níveis de desigualdades como o nosso, ou está, ao contrário, sendo usado para mantê-las? A evolução da educação formal ao longo do tempo é adequada? O nível educacional médio da população é suficiente para garantir a soberania nacional frente às demais nações?
Vamos examinar esse último ponto, em especial, vamos ver como nos comparamos com os demais países. Não vamos nos estender em análises muito detalhadas. Vamos examinar apenas dois indicadores que revelam o desempenho recente nos dois extremos do sistema educacional, a alfabetização juvenil e a taxa de matrícula no ensino superior. Esses dois indicadores são suficientes para uma avaliação ampla, embora não detalhada, do nosso sistema educacional. Afinal, a alfabetização juvenil reflete o desempenho do sistema educacional em períodos recentes e a taxa de inclusão no ensino superior reflete tanto as possibilidades do país no que diz respeito à formação de uma força de trabalho mais sofisticada como as possibilidades de progressão de um estudante ao longo do sistema educacional. Vamos, também, nos restringir aos países da América do Sul, participantes da mesma realidade geopolítica.
Na tabela aparecem as taxas de alfabetização juvenil e as taxas brutas de matrícula (1) no ensino superior dos países sul-americanos segundo dados sistematizados e divulgados pela Unesco.
No que diz respeito à alfabetização juvenil, o Brasil ocupa a terceira pior posição entre os países sul-americanos, apenas melhor do que o Peru e o Equador. Devemos observar que esses dois países apresentam realidades populacionais bem diferentes das nossas: entre 20% (Equador) e 45% (Peru) da população desses países falam línguas diferentes, têm hábitos, valores, tradições culturais e atividades econômicas também bastante diferentes daqueles da maioria da população e se concentram, ainda, em regiões específicas do país. Assim, não apenas escolarizá‑los e alfabetizá‑los é mais difícil, como as conseqüências do analfabetismo (como as possibilidades de inserção econômica e social no meio em que vivem) são menos graves (2). O Brasil não tem essas características: nossa população, embora seja uma composição de diferentes povos originários de várias partes do Mundo, com a exceção de cerca de 800 mil indígenas (0,4 % da população e parte deles integrada ao restante da população), fala a mesma língua e tem basicamente os mesmos valores culturais, ou pelo menos não tão diversificados como as populações daqueles outros dois países. Além disso, a porcentagem da população urbana é bem maior no Brasil (82%) do que no Equador (63%) e no Peru (73%) (3), fator que certamente facilita a escolarização. Como praticamente a totalidade da população brasileira está inserida na mesma realidade de produção e relações econômicas, o analfabetismo juvenil entre nós tem conseqüências sociais muito graves: dos jovens analfabetos entre 15 e 24 anos, muitos são analfabetos urbanos, que disputam posições de trabalho com o restante da população, e todos precisam interpretar a mesma realidade.
Quanto aos indicadores quantitativos do ensino superior, estamos em melhor posição, no que diz respeito às taxas de matrícula e entre os países sul‑americanos, apenas do que Guiana, Suriname e Peru. Vale lembrar que Guiana (antiga Guiana Inglesa) e Suriname (antiga Guiana Holandesa) são países cujas independências ocorreram apenas no final do século XX, carregando, assim, uma carga histórica pesada do mesmo tipo daquela carregada pelas ex‑colônias africanas recentemente independentes e que estão entre os países mais pobres do mundo (4). Ainda como comparação, nossa taxa de matrícula no ensino superior, de 36%, é cerca da metade daquelas encontradas na Argentina (71%) ou na Venezuela (78%). Além disso, devemos observar, esses dois últimos países apresentam taxas de privatização do ensino superior menores do que as nossas.
Esse breve balanço mostra que, mesmo comparado com países que ocupam o mesmo espaço geopolítico que nós, nossa situação é bastante preocupante. Evidentemente, uma análise apenas quantitativa é insuficiente para uma visão ampla do problema. Entretanto, os dois índices analisados mostram a dimensão dos problemas que teremos que enfrentar para construir uma real democracia.
Notas:
(1) A taxa bruta de matrícula é a relação entre a população matriculada em um determinado nível educacional, independentemente da idade, e a totalidade da população na idade correspondente àquele nível educacional.
(2) Essas observações não pretendem, evidentemente, minimizar as conseqüências do analfabetismo, mas, sim, estabelecer parâmetros referenciais que permitam comparar países diferentes.
(4) A taxa de alfabetização juvenil do Suriname, relativamente alta, sugere que esse país pode estar enfrentando seu atraso educacional a partir dos níveis iniciais.
(*) Otaviano Helene, professor no Instituto de Física da USP, foi presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
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FONTE: Correio da Cidadania