segunda-feira, 8 de julho de 2013

Programas do governo federal incentivam ensino privado

Cursar uma faculdade, antigamente, era um sonho distante para a maioria dos brasileiros. O acesso ao ensino superior, em geral, ficava restrito aos estudantes de renda mais alta que, se não garantissem vaga pública, ao menos poderiam arcar com as mensalidades de uma escola privada.

Por Patrícia Benvenuti

Para especialistas, ProUni e Fies impulsionaram
mercantilização do ensino

De alguns anos para cá, porém, essa realidade começou a mudar. A aposta do governo federal em incentivos como o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) possibilitaram o ingresso de mais de um milhão de alunos de famílias pobres à universidade. 

Os estudantes, porém, não foram os únicos beneficiados. Quem saiu ganhando também foram as faculdades privadas, que ganharam isenções e grandes injeções de recursos públicos. 

Críticas

Apesar de facilitarem o ingresso de mais estudantes ao ensino superior, as iniciativas costumam ser alvo de polêmica. O tom das criticas aumentou após o anúncio da fusão entre os grupos educacionais Kroton e Anhanguera, em 22 de abril. Juntas, as empresas terão 15% do total de universitários do país. 

Para o presidente da Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp), Celso Napolitano, os programas têm contribuído para a transformação do ensino em um grande negócio. Com um número cada vez maior de candidatos a uma vaga na universidade e com dinheiro público disponível para financiá-los, tornou-se lucrativo investir no setor de educação. 

“Toda a atividade empresarial do ensino particular é baseada no financiamento que o governo está proporcionando ao alunado”, afirma Napolitano. 

A opinião é compartilhada pelo professor do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Gaudêncio Frigotto, que vê uma relação clara entre os benefícios recebidos e o fortalecimento do setor privado de ensino. “Se o próprio fundo público garante vagas com isenção de impostos, evidentemente é um incentivo”, afirma. 

Potências hoje do mercado, em 2012 a Anhanguera e a Kroton lideravam, em primeiro e em terceiro lugar, a lista de universidades que mais ofereciam vagas pelo ProUni. Alem disso, os dois grupos contam com mais de 120 mil alunos inscritos no Fies. 

Programas

Criado em 2004, o ProUni concede bolsas de estudos parciais ou integrais em instituições privadas a famílias de baixa renda. A contrapartida para as escolas que oferecem as bolsas é a isenção de impostos. Desde 2005, as renúncias fiscais com o ProUni somam mais de R$ 3 bilhões. 

Já o Fies, criado em 1999, possibilita que o estudante pague o curso no final da sua graduação, com juros de 3,4% ao ano e um prazo de carência de 18 meses. Para bancar a permanência dos alunos, o governo federal repassa recursos às instituições privadas. O Fies atende hoje 871 mil universitários em todo o país. 

Se na teoria todos ganham, na prática não é bem assim. Segundo o presidente da Fepesp, é comum que as universidades cobrem do governo federal um valor mais alto do o custo real de cada aluno. O resultado é um prejuízo para os cofres públicos. “Eles [grupos privados] estipulam o preço da mensalidade e cobram preço de vitrine, não preço de custo”, diz. 

Uma das campeãs de denúncias é o Grupo Educacional Uniesp, de São Paulo. A instituição estaria cobrando do governo federal, pelos alunos do Fies, um valor até três vezes maior que o pago por alunos sem financiamento. Outra irregularidade, investigada pelo Ministério da Educação (MEC) e pela Polícia Federal, é a propaganda enganosa. 

A empresa estimularia a entrada de novos alunos com a promessa de que a dívida com a Caixa, que financia o programa, seria quitada pela própria faculdade, que também pagaria até R$ 250 reais para quem indicasse um novo estudante. “O que nós temos aí é um grande mercado, que quem está bancando, na prática, é o cidadão brasileiro”, afirma o deputado federal Ivan Valente (Psol-SP). 

Falta de qualidade

Na avaliação do professor Romualdo Portela de Oliveira, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), a entrada de alunos de baixa renda na universidade possui um valor simbólico inegável. Entretanto, ele alerta que a oferta de vagas no setor privado não tem sido acompanhada por um ensino de qualidade. 

“Se você fizer uma análise mais acurada dessas instituições, vai perceber que elas são muito ruins do ponto de vista da qualidade”, afirma. Nesse sentido, Oliveira entende que o governo federal comete um equívoco ao priorizar apenas o aumento do número de universitários, sem levar em conta sua formação. “Como essas instituições são de baixa qualidade, você perde a oportunidade de ter uma política de formação de mão de obra de qualidade, que é a necessidade de economia do século 21”, argumenta. 

Atualmente, das 2.365 instituições de ensino superior no Brasil, 2.081 são particulares e apenas 284 são públicas, segundo o Censo da Educação Superior 2011 do MEC. Além disso, 73,7% dos alunos matriculados em 2011 no ensino superior estavam no setor privado. 

Para o professor Zacarias Gama, da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a preferência por programas de financiamento tem consumido recursos que poderiam ser utilizados para a expansão do ensino público. 

“As verbas destinadas ao ProUni e ao FIES, as desonerações fiscais obtidas a partir de pressões políticas e o volume de bolsas concedidas contingenciam a educação pública em todos os níveis e modalidades”, explica. 

Concentração

E as perspectivas não são as melhores, segundo Gama. Com a fusão entre a Kroton e a Anhanguera, a tendência é de mais concentração, o que aumentará o poder econômico e político das empresas. 

“Ele [setor de ensino privado] facilmente pode constituir lobbies e até uma bancada parlamentar junto ao Congresso Nacional e ao MEC no sentido de ampliar e favorecer sua atuação”, alerta o professor da Uerj. 

Nem todos, porém, compartilham das críticas aos programas. O presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Daniel Illiescu, acredita que além de ampliar o acesso ao ensino superior para jovens de baixa renda, o ProUni e o Fies representam uma “intervenção” do Estado junto às faculdades privadas. 

“É um dos raríssimos exemplos no país de uma política pública que faz o Estado intervir na universidade privada”, diz. Para Iliescu, o problema não está na existência dos programas, e sim na falta de regulação do setor. Segundo ele, é preciso cobrar das instituições privadas, muitas delas controladas por agentes financeiros internacionais, a mesma qualidade que se exige no ensino público. 

“O governo convive com a noção de que é possível acomodar a boa educação pública patrocinada pelo Estado com educação privada capenga e mal regulada. Mas é preciso enfrentar esses representantes da estrangeirização do ensino”, assegura. 

Na mira das investigações 

Lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, aquisições ilícitas, sonegação fiscal, venda de diplomas, convênios ilegais e assédio moral contra professores. Esses são algumas das práticas cometidas pelas faculdades particulares, apuradas pela CPI das Universidades Privadas. 

Instaurada em agosto do ano passado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), a CPI investigou as instituições que atuam no Rio de Janeiro. As denúncias partiram de professores e alunos, que relatavam aumento nas mensalidades, falta de pagamento aos professores e infraestrutura precária. 

O documento final da CPI, elaborado pelo relator Robson Leite (PT-RJ), pede a intervenção imediata do governo federal na UniverCidade e na Universidade Gama Filho. As duas instituições foram adquiridas em 2011 pelo Grupo Galileo Educacional, também alvo de investigações. Segundo o relatório, só o Grupo Galileo teria uma dívida trabalhista de mais de R$ 50 milhões. 

Kroton

O relatório sugeriu ainda ao Ministério Público Federal (MPF) o indiciamento de seis empresários – dentre eles, dois executivos do Grupo Kroton que, em abril, anunciou sua fusão com a Anhanguera. 

Rodrigo Galindo, atual presidente da Kroton e futuro diretor da nova companhia, e Igor Xavier, vice-presidente de Operações do grupo, podem ser indiciados em função de supostas irregularidades cometidas na compra e venda da Sociedade Unificada de Ensino Superior e Cultura (Suesc). 

Em depoimento à CPI, o aluno da Suesc Elder de Araújo Nascimento relatou que a instituição foi vendida para a Kroton Educacional por meio da Editora e Distribuidora Educacional, que faz parte do grupo. 

Após a venda, a Kroton passou a utilizar o nome “Pitágoras”, marca registrada pela empresa, e demitiu vários professores. Além disso, os estudantes passaram a ter aulas em um local que funcionava como agência de automóveis após a desapropriação do prédio que sediava a faculdade. 

A Suesc pertenceu à Kroton até 2011; depois disso, foi vendida ao Grupo Educacional Uniesp, de São Paulo, envolvido em uma série de denúncias relativas ao Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). 

Em um comunicado, a Kroton afirmou que “desconhece e repudia enfaticamente qualquer fundamento ou dúvida, por menor que seja, que levem a questionamentos sobre a lisura dos processos de venda da Suesc e do imóvel”. 

Além dos executivos da Kroton, podem ser indiciados os empresários Candido Mendes (Ucam), Márcio André Mendes Costa (ex-controlador do Grupo Galileo, que administrou a UniverCidade e a Gama Filho entre 2010 e 2012), e Rui Muniz, da Universidade Santa Úrsula. 

Outra recomendação do relatório, que seguirá para o plenário, é de que o Ministério da Educação utilize o cumprimento de direitos trabalhistas como condicionante para a concessão de licenças, credenciamento de novos cursos, recredenciamento das IES privadas e também para a realização dos convênios ao ProUni e ao Fies.


FONTE: ControVérsia

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