Filósofo e colunista de CartaCapital afirma que partidos não devem deter o monopólio da estrutura de representação social do País.
Por Gabriel Bonis
As manifestações que se espalharam pelo Brasil nas últimas semanas demonstram um esgotamento do modelo de democracia parlamentar liberal, segundo o filósofo Vladimir Safatle, colunista de CartaCapital e professor da Universidade de São Paulo. “As pessoas não se sentem mais representadas. Isso é algo global. Aparece em vários locais do mundo, até da mesma maneira em relação aos partidos políticos e à imprensa”, diz, em entrevista para um documentário sobre os protestos produzido pelo site de CartaCapital, com lançamento previsto para as próximas semanas.
Segundo o filósofo, os movimentos que tomaram às ruas do País estão apenas começando suas ações e as pessoas voltarão às ruas sempre que precisarem defender causas relevantes.
Abaixo, trechos da entrevista (confira, em breve, outras partes da conversa no documentário):
PROTESTOS
Os protestos e os movimentos que eles produziram só começaram. O que é mais importante virá daqui para frente. Quando esses movimentos ocorrem, eles não desaparecem. Mesmo que fiquem em latência e se arrefeçam, em algum momento, se voltar a existir algum momento político forte, eles voltam com força. Temos manifestações ininterruptas há quase um mês.
O QUE DEIXARAM
Deixaram a configuração de um novo modelo de lutas políticas no Brasil. Onde a manifestação de rua e os protestos ganham uma força de ressonância muito forte. Durante dois ou três anos, tivemos manifestações quase ininterruptas no Brasil, como greves de todas as naturezas: greves de professores, bombeiros, policiais e coveiros. Tivemos também manifestações com pautas a costumes como os direitos a homossexuais, aborto, uso da maconha, repressão policial. No entanto, ninguém fez uma associação ligando os pontos de que havia algo embrionário na politica brasileira. Um deslocamento da política fora dos bastidores em direção às ruas.
Ninguém viu isso porque estávamos anestesiados com a ideia de que havíamos chegado a um patamar de normalidade política tal, que todas as discussões políticas seriam ligadas a quem vai gerenciar o processo de desenvolvimento brasileiro, quem serão os consórcios. Abria as páginas de jornais e via coisas mínimas sobre greves, mas sobre os acordos entre partidos tinham milhões de análises como se esse fosse o foco fundamental da política.
Esse processo foi um hiato na política brasileira, a ideia de ser possível organizar a política dentro do mero quadro institucional. A política do País sempre foi de mobilização de rua, seja de direita ou de esquerda, esse é o natural aqui. De certa forma, essas manifestações colocaram a política brasileira no seu lugar natural. Ninguém do Judiciário ou do Congresso vai poder de novo tomar decisões de costas para a opinião pública, como foi muito comum nos últimos anos.
REPRESENTAÇÃO POLÍTICA
Há uma consciência cada vez mais clara do esgotamento do modelo de democracia parlamentar liberal. As pessoas não se sentem mais representadas. Isso não é local, é global. Aparece em vários locais do mundo, até da mesma maneira em relação aos partidos políticos e à imprensa. Essa ideia de que a imprensa poderia falar em nome da população. Bem, a população ela vira os carros da imprensa e coloca fogo. Isso significa que eles sentem que existe uma crise de representatividade muito mais ampla dos atores políticos da vida social contemporânea.
Em uma situação como essa é preciso dar lugar a essa força instituinte da participação popular direta para que ela possa reconstruir as bases do processo institucional. Essa demanda de reconstrução está muito presente no debate brasileiro.
PARTIDOS
Quando os manifestantes dizem que são contra partidos, estão dizendo que a estrutura de monopólio da representação pelos partidos se esgotou. Não é possível imaginar que só os partidos tenham o monopólio da representação política. De onde vem essa ideia de que aonde os partidos não são fortes, a democracia é fraca? Isso não é verdade. A democracia é fraca quando tem um poder instituinte que não é ouvido. Porque ai há a corrupção dos partidos e a institucionalização dos processos políticos. E isso é o que vimos acontecer em várias democracias que julgávamos serem maduras, como na França, Espanha e Inglaterra. É uma pauta concreta.
Existe uma necessidade de reinvenção democrática. Não é possível que sejamos tão cegos. As pessoas querem modelos de participação e organização diferentes. Partidos serão só um elemento entre outros dentro de um novo acordo. Por exemplo, é necessário confiar na capacidade da população de inventar procedimentos. A democracia é invenção, mas nos adaptamos a ideia de que todos os processos estão postos e basta eles funcionarem direito. Isso é falso. Eles nunca funcionaram direito porque são processos em contínua reinvenção.
A democracia direta pode ser pensada de diversas formas: porque um candidato independente não pode se apresentar em uma eleição? Porque não implementar uma ideia usada na Islândia e outros lugares, onde a participação popular tem o poder de veto? Se 10% da população se manifestar sobre uma lei do Parlamento ela é vetada e deve haver uma consulta por sufrágio. O poder popular não é só consultivo e propositivo, como aqui há a ideia de se juntar 1 milhão de assinaturas e levar uma pauta ao Congresso, mas é um poder de veto, impedir que o Congresso tome certas decisões.
FONTE: ControVérsia
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