sábado, 7 de setembro de 2013

O crime só inclui, quando o Estado exclui!

Por Ariel de Castro Alves *

   
A redução da maioridade penal é medida enganosa, que só vai gerar mais crimes e violência. Sendo aprovada, teremos criminosos profissionais, cada vez mais precoces, formados nas cadeias, dentro de um Sistema Prisional arcaico e falido. Dessa forma, a violência aumentaria, já que a reincidência no Sistema Penitenciário Brasileiro, conforme dados do Ministério da Justiça, é de mais de 60%. No sistema de internação de adolescentes, por mais crítico que seja, estima-se a reincidência em 30%.

A Fundação Casa de São Paulo tem apresentado índices de 13%, mas que não levam em conta os jovens que completam 18 anos e vão para as cadeias pela pratica de novos crimes. Atualmente, o País mantém 550 mil presos nas prisões brasileiras, para apenas 300 mil vagas. Em São Paulo são 100 mil vagas nos presídios, onde hoje estão sendo mantidos 200 mil presos. Onde os adolescentes ficariam? Em que condições? Além da superlotação, da presença de facções criminosas, falta de atendimento de saúde, ausência de escolarização, de trabalho, de assistência jurídica e tantas outras mazelas, os jovens seriam mantidos em verdadeiras "pocilgas” ou "masmorras medievais”, como são muitos dos presídios brasileiros.

Devemos também levar em conta que as propostas de redução da maioridade penal são inconstitucionais e só poderiam prosperar através de uma nova Assembléia Nacional Constituinte. Existem pareceres e manifestações de juristas e da própria OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que consideram que a inimputabilidade dos adolescentes compõe o rol de direitos e garantias fundamentais, que não podem ser abolidos por Emenda Constitucional e sim, apenas, através de nova Assembléia Nacional Constituinte. Trata-se de "cláusula pétrea”, que não pode ser alterada por Lei Ordinária ou mesmo por Projeto de Emenda à Constituição.

Conforme o artigo 228 da Constituição Brasileira de 1988, o adolescente é inimputável, mas não fica impune, ele é submetido à responsabilização prevista na legislação especial, no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069 de 1990), e não às penas do Código Penal. O adolescente, inclusive, pode ser privado de liberdade, através da internação, ou receber outras medidas punitivo-educativas, como a reparação de danos, liberdade assistida, prestação de serviços a comunidade e semi-liberdade.

A impunidade é totalmente diferente da inimputabilidade! O Brasil é o País da impunidade, já que apenas 8% dos homicídios e 3% do total de crimes são esclarecidos. O que adiantará mudar as leis penais, se quase não há investigação e esclarecimentos de crimes? Antes de qualquer mudança legislativa, precisamos de urgente reestruturação das policias brasileiras e progressos na atuação do Poder Judiciário.

O que também devemos observar nesta discussão é que, na verdade, as crianças e adolescentes são mais vítimas do que autores de crimes. Em média, 9 mil pessoas entre 0 e 19 anos são assassinadas por ano, conforme o Mapa da Violência 2012. São 22 assassinatos por dia nessa faixa etária. Principalmente de adolescentes negros. Em 2012, foram 130 mil denúncias de abusos contra crianças e adolescentes feitas no disque 100. Infelizmente, muitas vezes, o Estatuto da Criança e do Adolescente só é lembrado quando os adolescentes se envolvem com crimes.

Poucos se lembram da Lei quando crianças e adolescentes são vítimas de ações ou omissões do Estado e da Sociedade, como quando faltam vagas nas creches e escolas, quando faltam cursos profissionalizantes para os adolescentes, quando faltam tratamentos de saúde para as crianças e jovens, entre outras situações.

Se o Estatuto fosse cumprido sequer teríamos "adolescentes infratores”! Também devemos levar em conta que, de 60 milhões de crianças e adolescentes, os que cometeram atos infracionais representam 0,1% desse total, tendo em vista que menos de 100 mil cumprem algum tipo de medida sócio-educativa. Dos 9 mil internos da Fundação Casa de São Paulo, os que cometeram crimes graves, como homicídios e latrocínios, representam menos de 1,5% do total de internos.

O consumismo, a rápida ascensão econômica e social introduzida pelo tráfico e pelo envolvimento com crimes, ainda que momentânea e ilusória, se somam aos sistemas e programas educacionais e sociais bastante frágeis e precários, além da falta de oportunidades e a desagregação familiar. Esses são alguns dos componentes que geram o aumento da criminalidade juvenil no Brasil.

O Estatuto da Criança e do Adolescente gerou muitos avanços nos últimos anos com relação ao atendimento às crianças, mas, ainda, no atendimento aos adolescentes, os Poderes Públicos deixam muito a desejar, principalmente nas áreas de educação, saúde, assistência social e profissionalização. A prevenção, através de políticas sociais, custa muito menos que a repressão!

Os governos devem cumprir o Princípio Constitucional da Prioridade Absoluta, através dos orçamentos e da criação dos programas e serviços especializados de atendimento de crianças e adolescentes, próprios ou em parcerias com entidades, como de atendimento de famílias; enfrentamento ao abuso e exploração sexual; erradicação do trabalho infantil; atendimento de drogadição; atendimento às vítimas de maus-tratos e violência; Convivência Familiar e Comunitária; Medidas Socioeducativas e programas de oportunidades e inclusão. Entre as medidas, também precisamos garantir vagas para os jovens em cursos profissionalizantes, independentemente de escolaridade e com direito a bolsas de estudos fornecidas pelo Poder Público. Além disso, é necessário criar uma política de incentivos fiscais para as empresas que contratem estagiários e aprendizes, principalmente, entre os 14 e 21 anos. As prefeituras e empresas públicas também devem contratar esses jovens.

Atualmente, o desenvolvimento econômico, social e as oportunidades de empregos, não estão chegando aos que mais precisam, ou seja, os jovens de 14 a 21 anos, com defasagem escolar, vulnerabilidade ou em conflito com a lei. O Sistema de Proteção Social Brasileiro também é bastante falho e negligente no atendimento desta faixa etária.

Porém, reduzir a idade penal seria a decretação da completa falência dos sistemas educacionais e de proteção social do País! Temos sim que prevenir incluir e garantir oportunidades à juventude. Se o adolescente procura a escola, o serviço de atendimento para dependentes de drogas, trabalho, profissionalização e não encontra atendimento, ele pode acabar indo para o crime. O crime só inclui quando o Estado exclui! E como define a própria Campanha Permanente contra a Redução da Maioridade Penal, do Conselho Federal de Psicologia (CFP): "O futuro do Brasil não merece cadeia!”

*Advogado, especialista em Políticas Públicas de Direitos Humanos e de Segurança Pública pela PUC/SP

(Originalmente publicado em Afropress)

FONTE: Adital

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