quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Democracia Empresarial

Por Gustavo Capela

O Mundo empresarial está mudando. E isso não é um fenômeno tão recente quanto alguns podem pensar. Empresas como a Google e a Semco que o digam. A própria idéia de “lucro primeiro, felicidade depois” está sendo revista por empresários de grande porte. As empresas com novo perfil têm em comum os horários flexíveis, a possibilidade de se divertir, relaxar e até dormir no local de trabalho, além de uma administração que leva em conta a individualidade de cada um, a forma como cada um consegue produzir. É a adoração à autenticidade. Em ambas as empresas retrocitadas as novas idéias vem aos montes e o “patrão” somente coordena os novos projetos.

Ricardo Semler é um dos visionários desse novo protagonismo empresarial. Brasileiro, professor de MIT, Harvard e de uma escola rural para crianças no interior de São Paulo, ele defende a gestão democrática. Nela, o próprio subordinado elege seu “patrão”. Na empresa de Semler, a Semco,  o indivíduo não tem horários fixos, mas sim metas específicas que são, surpreendentemente, escolhidas pelo próprio trabalhador. Perguntado sobre a eficiência, ou melhor, deficiência que essa falta de liderança instituída gera, Semler diz que o lucro não é nem deve ser o foco principal da atividade empresarial e, ao passo que em algumas ONGs, fundações ou até instituições filantrópicas seu discurso parece normal, diria que lembra até o senso comum, no mundo empresarial essa perspectiva vai de encontro frontal com toda a ideologia capitalista de busca incessante por lucro.

O modelo da empresa de Semler lembra a ideologia por trás dos trabalhos do vencedor do Prêmio Nobel de Economia, Amartya Sen. A principal tese do indiano premiado é a de que o desenvolvimento deve ser medido e ter como finalidade a liberdade. Ele parte do pressuposto de que o mero aumento de renda ou do Produto Interno Bruto não mensuram o avanço de uma sociedade. A liberdade, como fim e meio, seria o escopo que a vivência moderna deve buscar. E essa liberdade não se relaciona somente com o ideal político-social, mas também com o econômico. Assim, a economia deve respaldar a possibilidade de trocas livres entre os cidadãos do mundo, sem que existam restrições que impeçam inovações ou até rupturas com o atual modelo ideológico capitalista. O que há de mais inovador nesse liame elaborado por Sen é justamente o processo que, para atingir o fim da liberdade, deve ser, também, pautado pela liberdade, tanto do empreendedor quanto de seus subordinados.

A ideologia de Sen dá enfoque especial à qualidade de vida, que é, hoje, uma das principais pautas das empresas estadunidenses. Dados empíricos são apresentados no livro de Sen “Development as Freedom” que comprovam o vínculo entre o aumento de capacidades dos indivíduos e o bem-estar. Outros, como Semler, creditam ao bem-estar a produção mais eficiente. Assim, se há uma ligação direta entre bem-estar e aumento de capacidades gerais – liberdade individual – e entre estes e uma produção mais eficiente, é imprescindível que o trabalhador se sinta livre, se sinta bem, para trabalhar. O trabalhador deve se sentir livre para escolher como e para quem trabalhar. Essa é uma idéia da empresa Google. Em artigo publicado pela globo, a empresa afirmou que não vê a fuga de funcionários como uma coisa ruim. Eles dizem que, como a empresa só busca pessoas brilhantes e que estão sempre inovando, estão sempre inquietas para criar (os funcionários da Google tem 20% do seu tempo de trabalho para trabalharem em projetos próprios) a saída da empresa é algo comum. “Se eles saíssem do Google para se aposentar aos 30 anos seria frustrante, mas não é isso o que acontece. Geralmente, vão em busca de outros grandes desafios”, disse Félix Ximenes, diretor de comunicação do Google Brasil. Dá-se a idéia de que o Capitalista, o Empresário, deve atrair e, de certa forma, conquistar seu empregado.

Outros pensadores renomados, como o Professor Mangabeira Unger, trabalham essa perspectiva. O professor de Harvard diz que a famosa “terceira via” (que expõe uma alternativa aos modelos caducos do liberalismo – 1ª via – e o socialismo – 2ª) deve permitir o que é de mais peculiar na sociedade contemporânea florir: a diferença. Moldes iguais, estruturas fordistas, constituições emprestadas, pensamento imposto são soluções do passado. A nova onda do desenvolvimento – representada pelo pensamento de Sen – traz à tona a busca pelo sistema que abranja uma sociedade exausta, inquieta e pulsando pelo novo. Um “novo” que perpassa, necessariamente, uma via plural, autêntica e democrática.

Pode-se dizer que a verdadeira culpada dessas novas perspectivas é a cultura democrática que se instala nos países. Democracia entendida como participação e capacidade de decidir os rumos da vida social. É a interação entre os anseios individuais e os interesses coletivos. A vida social, seja no aspecto que for, gera um sentimento bipolar quando o trabalhador vive em uma sociedade que requer sua participação e que preza por seu engajamento e, ao mesmo tempo, o submete a um ambiente totalitário e opressor (o trabalho).

Aqueles que entendem o mercado como um ente separado da política, onde os agentes econômicos devem regular a si mesmos, buscando o lucro acima do bem-estar pessoal, podem levantar oposições. Dentre eles, alguns argumentariamn que o lucro é o código falado pelo sistema econômico, estando o bem-estar e o aumento das liberdades no campo político-social. Outros acreditam que a busca por lucro gerará bem-estar no futuro, no salário.  No entanto, estudos de Noam Chomsky e de Celso Furtado mostram que o aumento nos lucros quase nunca geram retorno para o trabalhador. Inclusive, Furtado, em seu livro Construção Interrompida, demonstra justamente o contrário. Nos anos do “milagre econômico”, enquanto as empresas aumentavam seus lucros, os trabalhadores perdiam poder aquisitivo devido à diminuição em seu salário real.

Tal perspectiva não é difícil de entender. Pensem na estrutura normal de uma empresa grande. Ela representa, de forma fiel, a sociedade desigual em que vivemos. Há um CEO e um Board of Directors que comandam a empresa. Essas pessoas representam a parcela pequena, seleta e riquíssima da sociedade. Abaixo deles, os diretores, que ganham bem, mas também não chegam aos pés do manda-chuva. Esse grupo é menos seleto, um pouco maior, mas continua concentrado na mão de poucos. Abaixo, os gerentes, abaixo deles, os sub-gerentes, até que se chega aos funcionários do mais baixo-escalão, que, aos milhares, ganham, via de regra, muito pouco e trabalham muito. E essa classe não tem nenhum dizer no rumo da empresa, apesar de estar em maior número.

Concordaria com algumas críticas que se opusessem ao modelo por falta de conhecimento do operário comum para fazer escolhas complexas. O operário comum no Brasil, segundo dados fornecidos pelo professor Victor Russomano, tem nível de escolaridade baixíssima -  primeiro grau incompleto. Ou seja, eles, via de regra, são analfabetos funcionais. Ou seja, é perceptível que o Estado não cumpre seu dever de dar aos cidadãos capacidades plenas do exercício da cidadania: não há cidadania sem educação.

Contudo, seria falacioso o argumento de que  um operário sem conhecimento específico não tem a contribuir com as decisões da empresa. E mais, acredito que o capitalista se beneficiaria mais do que cogita ao democratizar as decisões internas. As escolhas coletivas tendem a vincular mais aqueles que tomam a decisão. Se todos estiverem presentes no processo decisório, torna-se mais fácil a aceitação da regra.

E o dono da empresa não tem que se preocupar. Seu conhecimento certamente imporá respeito, e sua fala estará carregada de símbolos que serão bastante convincentes no que tange às situações específicas sobre as quais ele detém conhecimento. Ele (o dono da empresa) deve aprender a escutar, a ceder, e a mudar seu ponto de vista também.

 A sociedade que desejamos ter, com ampla participação e uma democracia efetiva, deve estar pautada no diálogo, na preocupação com o outro. E as empresas devem estar atentas a isso. Até o liberal mais ferrenho reconhece a influência da política e do Estado sobre o indivíduo. Em uma cultura efetivamente democrática, que é o objetivo primordial do Estado Democrático de Direito, a participação e o engajamento nas decisões políticas levam o indivíduo a estranhar um ambiente que não o escute ou o consulte quanto a decisões importantes. Isso porque ele estará acostumado a tomar decisões que afetam a vida de todos os seus concidadãos. Assim, restam-se infrutíferas as práticas exploradoras e dominadoras do capital

Nesse contexto, o operador do direito não deve ficar para trás. Empresas como as mencionadas acima são só as mais conhecidas que utilizam esse novo prospectus. A tendência é um aumento brutal do tipo de gestão administrativa que leva em conta a felicidade, a qualidade de vida, e a participação efetiva de seu empregado nas decisões empresariais. Existem, inclusive, estudos que comprovam que o trabalhador feliz, descansado e relaxado produz mais e melhor, vide os números invejáveis da Google.

Os juristas que se prezam não só acompanham as inovações, como também tentam estruturá-las de forma a possibilitar o melhor desenvolvimento e consecução das mesmas. Esses novos aspectos supracitados devem trazer à tona novos estatutos e novas leis empresariais. Os conceitos de monopólio, de cartel, de fraude deverão ser revisitados, à luz do princípio que guia toda a Constituição: a dignidade da pessoa humana.

É importante que os escritórios de advocacia estejam a par de qualquer mudança no mundo empresarial, mas especialmente uma que abarque transformação tão drástica. Quanto mais o homem for livre, quanto mais a legislação exigir essa conduta e quanto mais esse ideal for efetivado, mais o empresário terá que atrair mão de obra por razões outras que a necessidade de renda.

Advogados de empresas de pequeno e médio porte devem ser os mais afetados pelas inovações a curto prazo. E isso se deve a diversas razões. As empresas multinacionais possuem marca, nome e atraem o trabalhador, muitas vezes por esses atributos. Além do mais, elas procuram locais em que a mão de obra é extremamente barata e passível de exploração. Foi assim que aconteceu em Taiwan, na China, na Índia, no Brasil e em outros países em que os Direitos Humanos foram deixados de lado em prol do benefício econômico de um grupo seleto. O fato de um país permitir a exploração exagerada da mão de obra geralmente atrai o olho capitalista que visa lucro acima de tudo. Pode não ser interessante, por exemplo, a uma fabricante de tênis, que explora trabalhadores na China e em Taiwan, que haja novos rumos em sua filosofia empresarial.

Não se negocia com Direitos Humanos e, por isso, não se compete de igual para igual com quem o despreza. Assim, é possível que a ideologia libertária não atinja uma estrutura dessas a curto prazo.

Apesar disso, não é mistério algum que no mundo empresarial a sobrevivência está necessariamente atrelada à adaptação. É o conceito de competição. Em um regime democrático pleno, onde as capacidades gerais individuais são elevadas, e os indivíduos possuem capacidades reais de consecução de seus objetivos, a economia de mercado registraria seu maior grau de competição. Ou seja, se o desenho institucional político der indícios de que ele deve seguir essa tendência, é possível que haja mudanças no mercado e, por conseguinte, até nas multinacionais.

Autores como Celso Furtado entendem que as multinacionais são beneficiadas pelo processo de Globalização neoliberal, não restando espaço para o pequeno e médio empresário e muito menos para inovações nas estruturas de mercado. A perspectiva libertária e emancipatória é contrária ao viés “globalizante” do neoliberalismo, onde todos devem se adequar a uma estrutura pré-concebida e estipulada “de cima para baixo”. A idéia é sobrepor os valores como a liberdade e a igualdade à vontade de lucro e permitir a autenticidade, originalidade e diferença do status quo.

Logo, empresas familiares ou que não detêm tanto destaque no cenário mundial, estão mais suscetíveis às mudanças estruturais da política. Nessas empresas, normalmente, o dono também está mais próximo de seu operário e é mais capaz de travar um diálogo, dando ao processo de inclusão uma dinâmica mais rica e mais capaz de sucesso.  Até porque, em alguns casos, o dono sente a necessidade de “chacoalhar” a estrutura para que ela se sustente e evite a falência. Empresas com tais necessidades são as mais comuns dentro do Brasil. O sucesso, infelizmente, continua sendo a exceção.

Nesse diapasão, o pequeno e médio empresário que, segundo Furtado, são excluídos do processo globalizante, buscam soluções novas, buscam novas formas de sobreviver, passando, necessariamente, por uma análise e sensibilidade ao ambiente político, tendo em vista a grande influência que este último possui na vida econômica.

As mudanças nem sempre ocorrem rapidamente e não é possível prever como e para onde vamos antes da mudança em si. Entretanto, no contexto político-social que vivemos, parece ser insustentável a estrutura que exclui, que oprime e que causa claustrofobia aos anseios individuais. O trabalhador deve ser senhor de seu destino, sem a restrição opressora de quem possui mais dinheiro.


FONTE: Brasil & Desenvolvimento

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