Por Bruno Garschagen
Plagiar nunca foi tão fácil e
freqüente nas universidades brasileiras, principalmente depois da popularização
da internet. Os professores universitários são obrigados a duvidar de todos os
trabalhos entregues pelos alunos. “O plágio nas universidades se tornou uma
pandemia”, lamenta Lécio Augusto Ramos, professor de Metodologia da Pesquisa do
Curso de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá e orientador de
Trabalho de Conclusão de Curso da cadeira de Cinema e Vídeo da Universidade
Federal Fluminense (UFF).
Segundo ele, há um grande
processo intenso de apropriação indevida de frases, parágrafos e até trabalhos
inteiros nos cursos de graduação e pós. Embora exista uma legislação especifica
sobre direitos autorais e o Código Penal estabeleça punições, a cópia se torna
cada dia mais comum entre os estudantes. “O plágio intelectual é indefensável e
está presente em todos os níveis, do jornalismo à academia”, ressalta Lécio.
Na Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) a cópia também tem sido detectada de forma freqüente. Ana
de Alencar, professora de Teoria Literária da Faculdade de Letras da UFRJ,
conta que o tema se tornou recorrente nas conversas entre os professores, que
aplicam nota zero quando identificam o furto teórico. Ana, no entanto, não
dramatiza a questão. Acha que o desenvolvimento tecnológico provocou uma
revisão do debate sobre direitos autorais. Mesmo assim, considera o plágio
inaceitável.
Ruim
como certos chopes
Rosa Benevento, Coordenadora
do Departamento de Comunicação Social da UFF, que engloba os cursos de
jornalismo, publicidade e cinema, revela que, tão grave quanto o plágio, foi
descobrir que a cópia, em muitos casos, não ocorre exatamente por má-fé, mas
porque o aluno aprendeu a plagiar no ensino médio: “Isso me alertou para o tipo
de ensino de pesquisa e elaboração de trabalho que esses alunos estão
aprendendo antes de chegar à faculdade. Isso é muito preocupante”, avalia.
Rosa conta que a
identificação cada vez mais regular de trabalhos com plágios obrigou a
faculdade a realizar palestras de orientação sobre o assunto. “A idéia é
mostrar para eles que o mais importante é criar e não copiar”. Para os alunos,
copiar é preciso. Exercitar o intelecto, nem tanto.
Seja por desconhecimento ou
má-fé, o fato é que nunca se viram na história do ensino brasileiro tantos
plágios identificados, segundo os professores entrevistados. A maioria dos
alunos ignora ou finge não saber que a cópia sem citação da fonte tem
conseqüências jurídicas nas esferas civil e penal.
O advogado Rodrigo Borges
Carneiro, especialista em Direitos Autorais e Propriedade Intelectual, diz que
o plágio configura o crime de violação dos direitos do autor, tipificado no
artigo 184 do Código Penal. O plagiário pode ser condenado a pena de detenção
de três meses a um ano, ou multa. Caso a violação consista “em reprodução total
ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou
processo, de obra intelectual, (...) sem autorização expressa do autor, (...)
ou de quem os represente”, a pena será de dois a quatro anos de reclusão, e
multa.
A Lei de Direitos Autorais
(9.610/1998), que regula a matéria, estabelece que “ninguém pode reproduzir
obra que não pertença ao domínio público, a pretexto de anotá-la, comentá-la ou
melhorá-la, sem permissão do autor” (artigo 33). O artigo 7 da lei define as obras
intelectuais protegidas pela lei (os textos de obras literárias, artísticas ou
científicas, obras dramáticas, composições musicais etc.) e o artigo 22 diz que
os direitos morais e patrimoniais sobre a obra criada pertencem ao autor. É
óbvio, mas é a lei, que, não raro, é óbvia.
Direito autoral, na definição
de Henrique Gandelman no livro O que você
precisa saber sobre Direitos Autorais, “é a proteção jurídica das formas de
expressão originais e criativas, tanto de idéias como de conhecimento e
sentimentos humanos”. Mais claro do que isso, só chope de má qualidade servido
em certos barzinhos da predileção dos universitários.
O
uísque como padrão
No Brasil, os direitos do
autor foram reconhecidos legalmente pela primeira vez em 1891, com a primeira Constituição
republicana. A matéria passou a ser regida pelo Código Civil a partir de 1917,
mas em 1973 entrou em vigor uma lei específica (Lei 5.988). Atualmente, como já
dito, os direitos autorais são regulados pela lei 9.610 de 19 de fevereiro de
1998.
Além das normas internas, o
país aderiu a cinco tratados internacionais que protegem a propriedade
intelectual: Convenção de Berna; Convenção Universal; Convenção de Genebra; e
Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao
Comércio (TRIPs).
O conceito de copyright, porém, é bem mais velho.
Surgiu na Inglaterra mais de um século antes da inserção da matéria na
constituição brasileira. Foi durante o reinado da rainha Ana, mais precisamente
em 1709, que se elaborou o Copyright Act,
segundo Gandelman em seu livro sobre direitos autorais.
A coroa passou a proteger por
21 anos, idade de um uísque de ótima qualidade, as cópias impressas de
determinadas obras registradas formalmente. As obras não impressas eram
protegidas durante 14 anos, pouco mais do que o padrão de um scotch mais do que
razoável. Até então, sob a vigência do Licensing
Act, de 1662, só os editores comiam o pirão. Os autores chupavam dedo.
Na França, os autores
conseguiram fazer valer seus direitos no final do século XVIII. A Revolução
Francesa em 1789, que, além das decapitações, teve na defesa dos direitos
individuais uma de suas marcas mais significativas, foi o estopim para que o
conceito do copyright inglês fosse
incorporado à legislação do país de Rabelais.
De lá para cá, a legislação
foi se aperfeiçoando no mundo ocidental. E, em 1948, a Organização das Nações
Unidas (ONU), na Assembléia Geral realizada em 10 de dezembro, inseriu na
Declaração Universal dos Direitos Humanos que todo homem tem ‘direito à
proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção
literária, artística ou científica de qual seja o autor’ (artigo 27, parágrafo
2).
Aranhas
em teia alheia
Desde a popularização da
internet, o uso muitas vezes indiscriminado do conteúdo disponível na rede gera
debates intermináveis sobre a propriedade intelectual e sua proteção legal.
Estabeleceu-se a confusão (para alguns, uma certeza inabalável) de que os
textos disponíveis para leitura e consulta pudem ser reproduzidos ad nauseam sem ao menos um pedido de
permissão por e-mail - que dirá remuneração. Quem escreve sabe que, na world wide web, as aranhas se incumbem
de espalhar a teia alheia.
E se os internautas estão se
criando e sendo criados sob a mentalidade do desrespeito com a proteína mental
alheia, alguns intelectuais referendam a velhacaria e estimulam o crime.
Pierre Lévy, popstar do pensamento sobre o mundo
digital, teve a desfaçatez de escrever no seu livro O que é virtual que a “distinção do original e da cópia há muito
perdeu qualquer pertinência” na internet. Ele acha que “não há mais um texto,
discernível e individualizável, mas apenas texto, assim como não há uma água e
uma areia, mas água e areia”.
Se o pecado fosse apenas a
obviedade, tudo estaria resolvido. Mas o problema é de outra ordem. E muito
mais grave. Lévy quer vender a idéia abjeta de que no espaço virtual não cabe
falar em originalidade e autoria. O texto, como obra individual, se perderia
num imenso sopão de letrinhas. Assim, não haveria razões para se estabelecer
critérios de qualidade. Qualquer viúva de Bukowski seria colocada na altura de
Philip Roth, para ficarmos em autores contemporâneos.
Lécio Ramos, professor da
Universidade Estácio de Sá, atribui a quatro fatores o crescimento do plágio
intelectual:
1- A deformação na formação
educacional e intelectual de alunos, professores e demais profissionais da
área;
2- A diluição ética do que é
e do que não é lícito fazer;
3- A facilidade trazida pela
internet, que coloca à disposição, em escala geométrica, muitos textos para
quem quiser copiar;
4- A falta de tempo e pressão
para produzir trabalhos.
Amigo
e alcagüete
D.G, aluno de Direito na
Universidade no Rio de Janeiro, diz que 90% dos trabalhos que entregou na faculdade
são plagiados de textos disponíveis na internet. O acadêmico revela que copia
pela praticidade, agilidade e certeza de que assim terá um trabalho de melhor
qualidade do que se fizesse por conta própria.
E sobre o aspecto ético e
legal, tão caros ao direito? “Na verdade, nunca parei para pensar nisso. Quase
todos os meus colegas na faculdade também copiam da internet ou copiam trabalhos
que foram feitos assim”, diz D.G. “Mas sei que o maior prejudicado serei eu
mesmo.”
O plágio se tornou um problema
tão sério que os professores universitários ouvidos por NoMínimo defendem a
adoção imediata de um trabalho pedagógico de conscientização e o ensino mais
eficaz de como pesquisar e usar as fontes de informação. Ana Alencar, da UFRJ,
acha fundamental seduzir o aluno despertando-lhe o interesse pelo
desenvolvimento intelectual. E ela não propôs chopada nem churrasco, mas aulas
dinâmicas.
Rosa Benevento, da UFF, diz
que os professores podem coibir o plágio acompanhando o desenvolvimento do
aluno. “Conhecendo o aluno, é possível perceber imediatamente se o trabalho que
ele produziu está de acordo com sua formação e rendimento.”
Lécio Ramos, da Estácio de
Sá, acha que esse é um dos caminhos, mas lembra aos professores que consultar
um programa de metabusca também é importante para verificar a origem da cópia.
Na maioria das vezes, o Google denuncia imediatamente a fonte do furto
intelectual. O programa criado por Sergey Brin e Larry Page é, ao mesmo tempo,
grande amigo dos plagiários e o mais eficiente alcagüete dos jovens criminosos.
Por tão suspeito quanto o
mordomo
Há três tipos muito comuns de
plágio, segundo o professor da Estácio de Sá:
- plágio integral - a
transcrição sem citação da fonte de um texto completo;
- plágio parcial - cópia de
algumas frases ou parágrafos de diversas fontes diferentes, para dificultar a
identificação;
- plágio conceitual -
apropriação de um ou vários conceitos, ou de uma teoria, que o aluno apresenta
como se fosse seu.
Muitos alunos, para engabelar
os professores, deixam para entregar os trabalhos no fim do prazo na esperança
de que o acúmulo de textos para corrigir impeça a descoberta do plágio.
Uma dica para não copiar por
erro ou ignorância (excluindo a má-fé) é seguir as recomendações de Umberto Eco
no livro Como se faz uma tese em ciências
humanas. O professor italiano cita exemplos bastante claros de uma
‘paráfrase honesta’, ‘uma falsa paráfrase’ e uma ‘paráfrase textual que evite o
plágio’. Ali está o caminho das pedras.
O plágio ampliou as
responsabilidades do professor, que, pela regularidade com que encontra trechos
copiados, opta por aplicar uma nota zero ou solicitar ao aluno que refaça
corretamente o trabalho. Alguns são diretamente encaminhados ao departamento
responsável para as devidas punições, que começam com uma advertência e podem
culminar na expulsão da universidade.
E se engana quem acha que só
os alunos se valem do plágio. “Tivemos casos aqui até de professores plagiando trabalhos
de outros professores”, revela Rosa Benevento, da UFF. Um dos casos mais
notórios, que não envolve internet, foi apontado pelo diplomata José Guilherme
Merquior, intelectual de primeira e uma espécie de pitbull das polêmicas. Num
texto para a ‘Folha de S. Paulo’ em julho de 1989, Merquior revelou a
‘desatenção’ da professora de filosofia Marilena Chauí ao inserir vários
parágrafos do pensador francês Claude Lefort, sem citar a fonte, no seu livro Cultura e democracia.
O filósofo Roberto Romano,
num texto para o ‘Correio Popular’ de setembro de 2005, lembra que ‘movido pela
piedade e diante dos lamentos dramáticos por ela encenados’, tentou defendê-la.
E levou ‘merecidas pauladas de Merquior’. Romano revela que um figurão
‘importantíssimo no Panteão da esquerda’, único a não se sentir indignado com
Merquior, ‘disse clara e distintamente: Ela colou’. Lefort, professor e amigo
de Marilena, tentou publicamente salvar a aluna da acusação, mas Merquior não
havia deixado abertura para refutações.
Nenhuma instituição está
salva do plágio e os alunos passaram a ser tão suspeitos quanto o mordomo dos
romances policiais. E, se a cara de pau dos plagiários não tem nada de virtual,
a velha assassinada não é mais uma vovozinha rica, mas o presente e o futuro
intelectual de uma nação."