Apenas 1,9% das infrações cometidas por menores são latrocínio |
Duas cientistas sociais respondem a jornal gaúcho que defendeu aumento de pena para menores infratores
Por Janaína de Souza Bujes* e Mariana Chies Santiago Santos**
Diversos projetos de lei e propostas de emendas constitucionais que tratam do aumento do tempo de internação do adolescente em conflito com a lei e da redução da maioridade penal estão em tramitação no Congresso Nacional. Isso data, no mínimo, de 1993, quando o então Deputado Federal Benedito Domingos (PP/DF) apresentou a PEC nº 171. Essa PEC, ainda em tramitação, justifica-se em texto religioso para reduzir a maioridade penal e, também, afirma que o Estatuto da Criança e do Adolescente, datado de 1990, seria demasiado ultrapassado para regular essa questão. Essa proposta, e todas as outras, desconsideram o fato de que o ECA é tido, na atualidade, como uma das legislações mais avançadas em termos de proteção aos jovens e foi resultado de uma série de conquistas surgidas no país com a reabertura democrática.
No Editorial do último dia 11 de maio de 2014, os responsáveis pela publicação no Jornal Zero Hora citaram, de maneira bastante aleatória, uma série de motivos em defesa do aumento do tempo de internação do adolescente infrator. Como referido editorial não cita o Projeto de Lei em que está baseado, acreditamos tratar-se do PLC nº 5.454/2013, proposto pela Deputada Federal Andreia Zito (PSDB/RJ), no qual, dentre uma série de reivindicações, não expõe de maneira clara as justificativas das mudanças legais.
Confunde-se, nessa esteira, o tempo de internação com a forma de seu cumprimento, pleiteia regime de atendimento especial para crimes hediondos, desconsiderando as peculiaridades de cada delito reunido nessa legislação. Refere o uso do adolescente para a prática de crimes por adultos, ao mesmo tempo em que defende o aumento dos limites da medida socioeducativa de internação, desconsiderando o caráter pedagógico que elas devem atender.
Nos parece uma maneira temerária de buscar a alteração da legislação democrática. Já que não se consegue aprovar medidas repressivas, como a redução da maioridade penal através das PECs em tramitação no Congresso Nacional, opta-se por agravar as punições aos jovens. Ao aumentar o tempo de internação dos adolescentes, vamos puni-los duplamente: pela falta de estrutura e de oportunidades que o Estado lhes deveria proporcionar (e não o faz); e pela ausência de investimento em programas de atenção e socioeducação que lhes permitam (re)inserir-se socialmente. Busca-se, assim, a saída mais fácil: punir mais.
O 7º anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apresentado no final de 2013, trouxe o quadro dos números dos atos infracionais praticados no país e temos, em resumo, os seguintes dados: 46,5% dos atos infracionais são relacionados ao roubo e ao furto; 26,6% ao tráfico de drogas e 1,9% ao latrocínio – crime este diversas vezes referido no editorial. Para sermos mais claras: 73,1% dos atos infracionais referem-se aos crimes contra o patrimônio e ao tráfico de drogas.
Isso nos leva a uma única conclusão: a referida “deliquência juvenil” é, antes de mais nada, produzida por uma série de fatores que estão muito além da vontade e das ações dos jovens. Isto porque a “clientela” preferencial da Justiça Juvenil é bastante específica: são jovens oriundos das camadas sociais mais desfavorecidas economicamente, abandonados por um Estado que não investe em educação, moradia, lazer, saúde e políticas inclusivas. Esses adolescentes (pobres, negros e habitantes das periferias), quando não são mortos pelas ações policiais, são lembrados e atendidos pelo Estado apenas no momento de sua seleção pela justiça juvenil.
Este sistema perverso só faz reproduzir aquilo que estamos acostumados a ver no sistema prisional adulto: penas altas, prisões lotadas com estruturas precárias, formação de facções e grupos criminosos que, cada vez mais, arregimentam sujeitos sem oportunidades de uma vida melhor. Aumentar as penas significa investir em verdadeiras “escolas do crime”, que legitimam e garantem a manutenção de uma ordem social injusta, violenta e desigual.
Não precisamos de novas leis que recrudesçam as já existentes. Necessitamos reconhecer a nossa parcela de responsabilidade, ao defender projetos de leis que aumentam as penas, as medidas de internação ou quando exigimos a redução da maioridade penal. Precisamos refletir sobre os motivos pelos quais optamos por essas saídas como forma de resolver os problemas sociais ou acabar com a violência. Vamos optar pelo velho – criando leis cada vez mais rigorosas como medida rápida ou paliativa – ou vamos investir no cumprimento das que já possuímos, no fortalecimento da cidadania e no reconhecimento dos jovens como futuro do país?
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*Janaína de Souza Bujes é mestranda em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Ciências Criminais/PUCRS. Professora Substituta do Instituto Federal/RS.
**Mariana Chies Santiago Santos é doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Ciências Criminais/PUCRS. Advogada do G10/PIPA/SAJU/UFRGS.
FONTE: Outras Palavras
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