Por Aluizio Moreira
Em 5 de outubro de 2012 postei Tempos idos e vividos, que pretendia ser uma página fixa neste blog, na qual pudesse registrar crônicas do cotidiano, poesias, narração de fatos políticos e sociais que vivenciei desde a década de 60 do século passado.
Fiz uma primeira, e até então única postagem sob este titulo, na qual inclui alguns comentários sobre os movimentos dos “indignados” que aconteceram em vários países da Europa nos fins de 2011, com repercussões no mundo não-europeu; algumas recordações sobre bandeiras de luta da juventude da qual eu fazia parte: do culto à liberdade, da instituição de uma sociedade justa e igualitária; uma referência à peça teatral Liberdade, Liberdade de Flávio Rangel e Millor Fernandes, encerrando com um poema que enfatiza o caráter universal e humano de nossa luta: Canto Coletivo (acessar http://aluiziomoreira.blogspot.com.br/2012/10/tempos-idos-e-vividos.html)
Não cheguei a dar continuidade ao meu propósito, e Tempos Idos e vividos não se converteu em realidade.
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Nestes últimos dias de maio, enquanto estava internado na UTI de um Hospital com sérios problemas cardíacos, senti a necessidade de retomar as antigas ideias, em outra forma quanto ao conteúdo, além das crônicas: poemas pessoais, dados de uma autobiografia, indicações de livros e outras publicações. . . juntar tudo isto, mais outros artigos postados neste blog e publicados em revistas e jornais, e seguir os conselhos do amigo Michel Zaidan Filho e muitas vezes cobrados pela companheira Zuleide Elisa, talvez reunindo todo o material em um livro.
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Minhas primeiras considerações não poderiam ser outras, senão agradecer aos meus familiares, em especial a Zuleide e meus filhos (Pedro Ivo, Mariana, Aluizio Filho e Raissa), aos meus irmãos (Sônia, Adilson, Suely e Avson), aos inúmeros votos de amigos, alunos, colegas de trabalho, anônimos que se expressaram pelo restabelecimento de minha saúde, tenham sido esses votos dirigidos a mim mesmo, seja endereçados a Zuleide Elisa. Obrigado a todos!
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O Dr. Gustavo Santiago que me colocou o marcapasso (nome usual para o gerador de impulsos cardíacos), durante uma conversa comigo na UTI, revelou um dado impressionante. Disse-me ele que na maioria dos países desenvolvidos do mundo, do total das pessoas com os mesmos problemas cardíacos, 75% sobrevivem porque têm disponibilizados os referidos geradores e 25% do pacientes falecem devido ao estado muito critico quando procuram os hospitais. No Brasil a estatística é inversa. Ou seja, apenas 25% sobrevivem por terem a garantia de receber um gerador de impulsos cardíacos. Virou-se para mim e concluiu: “você é um desses 25% dos sobreviventes”.
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As pessoas não são piores nem melhores pelo que acreditam ou deixem de acreditar. É uma questão de caráter, de personalidade, de princípios morais. Mas também é verdade que uma parcela de tudo isso que faz parte da formação do individuo enquanto membro da sociedade, a começar pela família. Boa parte de nossa infância e juventude, somos os outros. O que permite João Álvaro Ruiz (Metodologia Científica) afirmar que cada geração recebe a sociedade já estruturada, com seus valores, suas crenças, seus preconceitos já estabelecidos. O que não quer dizer que devamos reproduzir seus valores, suas crenças, seus preconceitos como verdades absolutas. Há uma frase de Ortega y Gasset que considero que deveria ser assimilada principalmente pelos que se dedicam ao magistério: “se ensinares, ensina ao mesmo tempo a duvidar daquilo que estás a ensinar”.
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Naquela manhã de quarta-feira, 1º de abril de 1964, dirigia-me à firma onde trabalhava como auxiliar de escritório, Agência Nacional de Navegação, localizada na Rua do Bom Jesus, no bairro do Recife.
Diferentemente do costumeiro trajeto, o ônibus estacionou na Praça 13 de Maio e o motorista avisou que era o fim da linha. Todos os ônibus que se destinavam ao bairro do Recife, fariam alí o seu ponto de retorno.
Desci juntamente com vários passageiros e fomos em direção Ponte Princesa Isabel até chegarmos à Praça da República, fim da qual atravessaríamos a Ponte Buarque de Macedo, e finalmente ao bairro do Recife.
Ao nos aproximarmos do Teatro Santa Isabel, já na Praça da República, avistamos o Palácio do Governo, totalmente cercado por tanques e pelotões de soldados do Exército, mantendo um cordão de isolamento em boa parte da Praça.
Chegando na empresa onde trabalhava, colegas comentavam os últimos acontecimentos, inclusive com a informação que o Exercito tinha prendido o Governador Miguel Arraes.
Pouco instantes depois, um carro de som convocava todos os trabalhadores para que se dirigissem ao Sindicato dos Comerciários na Rua da Imperatriz para discutir os acontecimentos e os caminhos que os trabalhadores deveriam tomar.
Decidi unilateralmente encerrar meu expediente e caminhei até o Sindicato dos Comerciários na Rua da Imperatriz. Depois de algumas informações, fomos em direção ao Sindicato dos Bancários, na época ocupando o espaço onde hoje, se não me falha a memoria, se localiza a C & A, na Av. Conde da Boa Vista. Lá se realizaria uma Assembleia para se discutir as possibilidades de resistência ao golpe. Era um prédio relativamente amplo, cuja única entrada tinha uma porta com grades, que se transformou em cárcere, aprisionando todos os que se encontravam em reunião no seu interior, afora os que eram identificados na rua como "subversivos", logo conduzidos para a prisão improvisada.
Vinha eu com um companheiro do Sindicato dos Comerciários, quando do prédio do Sindicato dos Bancários, um policial de arma em punho atravessou a avenida vindo em nossa direção, aos gritos de “pare senão eu atiro!”. O colega se distanciou de mim apelando insistentemente para que eu não o seguisse. Parei. O policial o conduziu para o prédio-prisão. Perdi (?) um colega que sempre dava pitaco em minhas poesias. Nunca mais o vi.
Tenho uma vaga lembrança que seu nome era Odir, nome que sem saber bem porquê, sempre vem à minha mente. Até hoje procuro informações sobre seu paradeiro, sem resultado.
Fiquei sentado ali mesmo no meio-fio da avenida, sem fazer nada, até que amadrugueceu e voltei pra casa.
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Uma das minhas primeiras poesias que não escapou à sua crítica, foi Poema ao escravo moderno escrita em 1963, que reproduzo abaixo.
Meio sec’lo já passou-se!
Pelo infinito
os clamores mortais de gentes de raça
ecoam distantes num marco profundo
libertos agora da gávea sinistra
Meio sec’lo já passou-se!
Dos oceanos
calaram o passar dos barcos ligeiros,
os gritos de dores, o ranger das algemas,
os corpos inertes pelo tombadilho
Treze de maio!
À força de lei fecharam-se mares,
Fecharam-se portos, negreiros malditos,
E à maldita, manchada, infame bandeira,
Bandeira sem mancha balança ao vento.
E no entanto,
no campo escravo de raças diversas
que ares funestos de gentes com fome!
que raça de brancos, marchar esquisito,
de trapos cobertos, de trêmulas mãos,
que tristes feições, de toscas maneiras,
- são toscas figuras, são trapos humanos:
não vieram por mares para o continente
nem são embarcados em sujas galés,
não trazem imagens de terras-natal,
nem grossas correntes lhes prendem os pés,
nem banzos, nem marcas lhes matam, lhes prendem
possuem mocambos em vez de senzalas.
Os Escravos modernos, são filhos da terra,
são brancos, são negros, são índios, mulatos,
apenas que viva uma vida com fome
apenas que tenha na face amarela,
na roupa, na fala, na enxada na mão
a sina horrível de ser camponês,
de filho talvez tornado assassino
de filha mais tarde talvez prostituta. . .
troféus que lhes premiam o vil latifúndio. . .
Que sina maldita os homens lhes dão!
Por acaso isto tudo não mata e mutila
tão como açoites nas costas desnudas?
- que escravos lhes tornam piores algemas?
À força do povo fecharam fazendas, fecharam as senzalas
fecharam os campos – os feudos malditos
e à maldita, manchada, infame bandeira
bandeira mais nova da Paz e do Povo
tremula aos ventos
tremula aos ventos.
Sua critica? Perguntou-me ironicamente se eu tinha psicografado Castro Alves.
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